Um mundo de imagens para desvendar: fotografia e cinema na Educação Infantil
A world of images to unveil: photography and cinema in Early Childhood Education
Sandro da Silva Cordeiro[1]
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Milene dos Santos Figueiredo²
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Resumo
Este artigo, de caráter ensaístico, apresenta algumas concepções e práticas desenvolvidas ao longo dos últimos anos em escola do nordeste brasileiro. Caracteriza a área da docência na Educação Infantil, salientando seus fazeres e especificidades. Aponta a mídia-educação, como campo de experiência a ser considerado nessa modalidade de ensino, percebendo no atual contexto a predominância de imagens que necessitam de desvelamento por meio de um trabalho pedagógico sistemático. Lança discussão sobre a fotografia e o cinema, encarando-os enquanto linguagens, como formas de expressão do pensamento humano, dotadas de particularidades. Apresenta fundamentação teórica, baseada nas ideias de: Barbosa (1998), Belloni (2001, 2009), Buckingham (2005), Fantin (2011), Flores (2011), Gonnet (2001), Kellner (2001), Napolitano (2003), Orozco Gomez (1996), Rego (1999), Vygotsky (1998). Mostra diferentes possibilidades de atuação dentro das linguagens fotográfica e cinematográfica com crianças, tomando como referencia teórico-metodológica experiencias já construídas nas quais essas mídias foram acionadas.
Palavras-chave: Mídia-educação, Fotografia, Cinema, Prática Pedagógica, Infância.
Abstract
This article, of na essayistic nature, presents some conceptions and practices developed over the las years in an school in northeastern of Brazil. It characterizes the área of teaching in kindergarten, highlighting its actions and specificities. It points to the media-education, as a field of experience to be considered in this teaching modality, realizing in the current context the predominance of images that need to be unveiled through systematic pedagogical work. It launches a discussion about photography and movie, facing them as languages, as forms of expression. of human thought, endowed with particularities. It presentes theorical foundation, based on the ideias of: Barbosa (1998), Belloni (2001, 2009), Buckingham (2005), Fantin (2011), Flores (2011), Gonnet (2002), Kellner (2001), Napolitano (2003), Orozco Gomez (1996), Rego (1999), Vygotsky (1998). Its shows different possibilities of action with the photographic and cinematographic languages with childen, taking as a theorical and metodological reference experiences already built in which these media were activated.
Keywords: Media-education, Photography, Cinema, Pedagogical practice, childhood.
Ser professor de crianças permite-nos observar, sob um ponto de vista privilegiado, as interações infantis no interior da escola, encarado como importante espaço social de interações. Por meio das brincadeiras e das atividades significativas propostas, é possível perceber as novas configurações das infâncias contemporâneas. Não se trata de qualificar ou cultivar um sentimento saudosista de que “antes as crianças eram assim, faziam isso...”, mas de perceber que a atual conjuntura social, o desenvolvimento cientifico e tecnológico, trouxeram outras formas de compreensão sobre essa intrigante etapa da vida humana, de modo a percebermos as suas atuais necessidades e expectativas. Hoje, são encarados como sujeitos históricos e de direitos, o que lhes trouxe outras possibilidades de ser e estar nesse espaço.
Quando a consideramos como ser social e produtor de cultura, enraizado em um tempo e um espaço, sendo influenciada e influenciando o seu entorno (PERROTI, 1982), estamos oportunizando as crianças o exercício, desde cedo, da cidadania. É pela produção de cultura que elas expressam o seu pensamento, suas aspirações, seus medos. Que criam suas marcas no mundo. Para atender a esta demanda, a escola transforma-se no lócus propício a produção cultural, acolhendo as ideias das crianças e mediando a concretização das ideias infantis.
Nesse sentido, a Mídia-educação, área emergente no cenário educativo, vem se despontando nos estudos acadêmicos como possibilidade de compreender as relações entre crianças, culturas, educação e as diferentes mídias. Trata-se de um campo de pesquisa e de intervenção recente e abrangente, envolvendo a educação com as mídias, através das mídias e para as mídias (RIVOLTELLA, apud FANTIN, 2011). A importância da inserção dos estudos de mídia-educação no interior da escola é algo notório e consolidado no cenário educativo, embora as experiências ainda sejam incipientes em solo brasileiro. Não dispomos no Brasil de políticas públicas que legitimem a presença da mídia-educação nos currículos escolares, o que acaba deixando-a a mercê de profissionais e educadores que acabam, a partir de suas pesquisas e leituras, exercendo práticas isoladas, até mesmo porque ainda não temos um consenso sobre a presença da área nas escolas como uma disciplina específica ou como tema interdisciplinar. Afinal, de quem seria a responsabilidade pela sua presença nas escolas: de um professor especialista ou de todos os docentes da instituição?
Nesse sentido, as escolas que consideram relevante a Mídia-educação acabam inserindo-as em suas propostas educativas, visto que tais instituições são encaradas como espaço de criação de cultura e incorporação de produtos culturais e práticas sociais (FOLQUE, 2011).
A Mídia-educação constitui-se no processo de ensinar a aprender sobre os meios de comunicação, propondo-se a desenvolver a compreensão crítica e a participação ativa. Encontra-se relacionada ao ensino e a aprendizagem acerca dos meios, com vistas a desenvolver as capacidades crítica e criativa das crianças. O seu principal objetivo concentra-se na possibilidade de ampliar a participação e a informação das crianças na cultura das mídias presentes em seu contexto.
Consequentemente, a “alfabetização midiática” é o resultado desse processo, concretizada mediante os conhecimentos e competências adquiridas, habilitando-as para interpretar e valorar com critérios os produtos midiáticos, além de tornarem-se produtores de mídia (BUCKINGHAM, 2005).
Na última década, experimentamos um processo de inserção curricular da Mídia-educação enquanto campo de experiencia em escola pública federal. Essa iniciativa exigiu da equipe de professores a construção de uma proposta pedagógica, a fim de formalizar as ações educativas que seriam desenvolvidas. Por sua vez, a adoção do referido campo de experiencia requereu dos envolvidos um engajamento, no sentido de estudar sobre a área e pensar em alternativas teórico-metodológicas que viabilizassem a proposição de diferentes propostas pedagógicas. Nesse artigo, daremos ênfase a duas mídias: a fotografia e o cinema. As experiencias desenvolvidas no contato com tais linguagens serão apresentadas ao longo do artigo, no sentido de mostrar o modo como foram sistematizadas, com ênfase nos contextos e os encaminhamentos tomados em cada proposta de trabalho.
Encaramos a fotografia e o cinema como relevantes para o trabalho na Educação Infantil, uma vez que são portadores de linguagens, passíveis a leituras e interpretações. Fantin (2011) considera que pensar na relação entre criança e cultura, na atualidade, implica em entender a experiência cultural das crianças com a mídia. Tanto a fotografia quanto o cinema são elementos difundidos, especialmente com o advento das câmeras digitais e dos smarthphones com recursos multimídia, tornando-se possível fotografar e filmar a qualquer momento.
Assim, o artigo em evidência é fruto de reflexões e experiências acumuladas pelos professores no exercício da Mídia-educação em nossa instituição. Dessa forma, o trabalho com as diferentes mídias se faz presente no NEI de forma interdisciplinar, seja com a reflexão e compreensão da sua função como ferramenta pedagógica, seja como um objeto de estudo, atrelado a uma condução que ressalta as suas funções sociais a partir das discussões implicadas nos diferentes assuntos estudados. Além disso, contamos também com a presença de projetos de extensão que cumprem uma função importante, possibilitando alternativas de contato com as diferentes linguagens envolvidas[2]. Além dos referenciais do campo da Mídia-educação, o trabalho desenvolvido no NEI também se apoia na Abordagem Triangular[3] (Barbosa,1998) e nos Temas de Pesquisa[4] (Rêgo,1999), cujos princípios metodológicos servem como organizadores da prática pedagógica com crianças.
Desta feita os escritos intentam refletir acerca das diferentes possibilidades do trabalho envolvendo a fotografia e o cinema na Educação Infantil. Entendendo as duas linguagens como detentoras de conhecimentos específicos e superando a ideia do emprego dessas formas de expressão como meros “recurso didático”, o texto centra-se na perspectiva da fotografia e do cinema como agentes potencializadores da formação artística, estética, ética, cultural, política e histórica das crianças.
Para efeito de organização, dividimos o artigo em seções. Nas primeiras sessões, discutiremos sobre a fotografia, de maneira ampla, fixando-se posteriormente em seu emprego com intenção educativa, evidenciando possíveis estratégias didático-pedagógicas. Nas sessões seguintes, a ênfase recai sobre o cinema e seus possíveis usos na escola da infância, tornando-o protagonista das ações didático-pedagógicas. No trato com estas linguagens, tomamos como parâmetro algumas experiências ocorridas no NEI/ CAp/UFRN, na tentativa de mostrar exemplificações com elementos da prática pedagógica.
A fotografia na Educação Infantil
A história da imagem, ou seja, da forma de registro de situações vividas por diferentes civilizações, em momentos históricos diversos, evoluindo até a fotografia, é um fato histórico, social, cultural e artístico transformador.
Com o advento das máquinas digitais e da possibilidade do registro fotográfico através de smarthphones, podemos acompanhar o processo de massificação dessa ferramenta, que tem como objetivo principal perpetuar, recortar, eternizar situações vividas. Pensando na fotografia como registro histórico e acessível a grande parte da população brasileira, percebemos que o ato de fotografar dissipa-se na vida diária dos sujeitos, tanto adultos quanto infantis, que já nascem imersos nesse ambiente imagético, sendo “clicados” em seus primeiros instantes de vida e seguidos no decorrer de suas experiências por câmeras fotográficas e celulares a cada conquista realizada.
Crianças muito pequenas acabam aprendendo as técnicas acessíveis para o manuseio de celulares e seus dispositivos de imagem, o que as insere em um mundo que vai além do real. Além disso, a exposição diária de nossas vidas em diferentes redes sociais acaba gerando uma aproximação ainda maior das pessoas por aplicativos de fotografia e a necessidade constante de exibição das suas ações diárias, muitas vezes filtradas e simuladas por inúmeras formas de modificação da imagem.
A partir dessas simulações, podemos nos questionar: estaria a fotografia perdendo a sua essência enquanto dispositivo para o registro histórico das nossas vidas em detrimento de uma nova dimensão: a da criação de pseudo-realidades?
Esses e outros fatores nos levam a reflexão sobre a compreensão do lugar que a fotografia ocupa na contemporaneidade. Só assim poderemos refletir sobre a sua presença e nas estratégias de sua utilização nas instituições de Educação Infantil.
Várias correntes teóricas surgem em defesa da fotografia como ciência e como arte, além da defesa da fotografia como gênero autônomo, com especificidades próprias. Em resumo e buscando objetivar esse dualismo, Flores (2011, p. 96-97) esclarece o que parece ser a representação atual da fotografia na sociedade contemporânea
Nessa maturidade moderna paralela à modernidade da Pintura, a Fotografia bastará a si mesma e não prestará contas a ninguém: começará a ser entendida como uma linguagem autônoma que constitui um verdadeiro gênero ou paradigma cultural por si mesma. (...) A partir do momento que a Fotografia consegue uma autoridade plena como paradigma, torna-se desnecessário defini-la como relação a algo mais. (...) Se a fotografia se integra à imprensa, à tecnologia ou à pesquisa, funcionará como Ciência; se, por outro lado, for contemplada dentro de um contexto museístico, funcionará como Arte; e se, finalmente, for distribuída por meio de canais políticos e/ou publicitários, funcionará como Ética.
A definição de Flores (2011) sobre o conceito de fotografia leva-nos então a pensá-la sob dois aspectos: a fotografia como uma ferramenta tecnológica de nosso tempo, ou seja, a difusão das câmeras fotográficas digitais e celulares de forma maciça e o novo “status” que ela adquire no cotidiano das pessoas e, mais especificamente, em função dos objetivos desse trabalho, o uso da fotografia nas classes de Educação Infantil, em busca de uma formação artística e estética.
Por que fotografarmos? Podemos elencar várias situações em que utilizamos a fotografia para atingir diferentes objetivos, porém, optamos por destacar as que mais se fazem recorrentes no nosso cotidiano:
As situações acima apontam algumas perspectivas para a utilização da fotografia na atualidade. A fotografia como espetacularização da vida privada, por exemplo, torna-se um fenômeno nos dias atuais, principalmente após a instauração e massificação de novas formas de comunicação, como as redes sociais. Esses dispositivos, que transformaram-se em novas formas de inclusão e exclusão digital e social, exigem de seu usuários, cada vez mais a exposição de suas intimidades, através da divulgação constante de imagens que nem sempre retratam o nosso verdadeiro cotidiano? O que escolhemos expor das nossas vidas? Como simulamos as imagens para que elas agradem os nossos seguidores? Que padrões se estabelecem para a aceitação e exclusão das pessoas nesses ambientes virtuais? Palfrey e Gasser (2011, p. 71), ao questionar a privacidade (ou a falta dela) na vida dos jovens através da publicação demasiada de fotografias e registros por escrito de suas experiências pessoais, aponta suas preocupações em relação as possíveis consequências dessa excessiva exposição na vida dos “Nativos Digitais”[5]
As sociedades precisam começar a encarar com seriedade as preocupações de privacidade que os jovens enfrentam, sejam ou não Nativos Digitais. É improvável que essas preocupações desapareçam. Na verdade, a probabilidade é que, com o tempo, os problemas aumentem. Pais, professores e formuladores de políticas precisam se preocupar tanto com a noção de identidade de nossas crianças, que esta se modificando, quanto com a expansão de seus dossiês digitais, que contêm contribuições de um grande número de fontes e são facilmente acessíveis para um grande número de pessoas. A menos que algo mude, nossas crianças terão menos chance ainda de controlar informações que outros podem vir a encontrar a seu respeito a cada ano que passa.
O novo status que a fotografia representa na contemporaneidade exige nossa reflexão, principalmente diante dos diferentes usos que professores e crianças fazem ou possam vir a fazer delas nas instituições de Educação Infantil e nas suas próprias vidas, caos não tenham a oportunidade de refletir criticamente sobre as questões levantadas nesse artigo.
Propostas metodológicas para o uso da fotografia na Educação Infantil
Tendo como referência as duas perspectivas apontadas por Belloni (2001) para o uso das diferentes mídias na escola (ferramenta pedagógica e objeto de estudo), pensamos o seu uso na escola sob dois aspectos:
1) A fotografia revelada: nessa perspectiva, a fotografia faz-se presente através da mediação e intencionalidade do professor, que prepara atividades voltadas à leitura de diferentes imagens, atendendo a diferentes objetivos específicos das diversas áreas de conhecimento (ferramenta pedagógica). Também é possível pensar o seu uso a partir de situações abordadas pelas próprias crianças e na forma como as percebem no seu dia-a-dia (com que tipo de imagens as crianças se deparam todos os dias? Que mensagens essas imagens produzem? Que leitura as crianças realizam a partir delas? O que o autor dessas imagens destacou ou deixou de inserir no seu registro? De que forma essas imagens influenciam na forma como nossas crianças compreendem o mundo e as suas diferentes relações?). Alguns exemplos de imagens que podem ser exploradas com as crianças a partir de uma leitura crítica: fotografias comerciais presentes em revistas, banners, outdoors, folhetos, livros, sites da internet, etc. Nessa perspectiva, o foco será sempre a apreciação e leitura crítica dessas imagens, mesmo que elas sejam usadas com o propósito ferramenta pedagógica. Partimos da perspectiva de que toda a imagem comunica algo, e complementa as ideias dos textos que podem lhe acompanhar (no caso de uma ilustração de um livro didático, por exemplo)
2) A fotografia como linguagem específica, a ser produzida: nessa perspectiva, o objetivo do educador passa a ser a própria linguagem fotográfica, ou seja, o trabalho pedagógico voltado aos conhecimentos específicos da produção da fotografia (luz, ângulo, enquadramento, perspectiva, textura, foco, etc.)
Sob a ótica de uma educação crítica e alfabetizadora das diferentes mídias, as duas perspectivas acima apontadas para o uso da fotografia exigem do professor um trabalho voltado à compreensão dessas imagens enquanto linguagem própria, composta de discursos, códigos e conhecimentos específicos. Para isso, entendemos que a “Abordagem Triangular” contribui significativamente como um “caminho” possível para a leitura e compreensão das dimensões críticas e estéticas das diferentes imagens.
A três imagens a seguir representam um exemplo de mensagens publicitárias veiculadas nas revistas em quadrinhos da Turma da Mônica, de Maurício de Souza. Poderíamos selecionar inúmeras outras imagens, de diferentes meios de comunicação, mas optamos pela revista em quadrinhos pelo grande circulação e consumo entre o público infantil.
Figura 1 - Campanhas publicitárias infantis utilizando imagens fotográficas. Fonte: Revista Magali nº 62/2012, Revista Magali, nº 43/2010 e Revista Cebolinha nº 62/2012
As crianças contemporâneas não são apenas crianças: são consumidoras. As imagens acima incitam o desejo pelo consumo, pela compra, pela sensação de pertencimento a uma sociedade que valoriza o ter em detrimento do ser. Nas três peças publicitárias, as crianças são associadas a um produto, que precisa ser vendido. As crianças, nessas imagens, vendem. Observemos mais profundamente: todas elas aparentam felicidade. Sorriem. São brancas. Incitam outras crianças a consumirem o produto associado a elas, que já não se limitam mais a um produto: já são um projeto de infância idealizada. Diante disso, Barbosa (1998, p. 35) resume qual seria o papel dos professores diante desse turbilhão de imagens que nossos alunos se deparam todos os dias.
Daí a ênfase na leitura: leitura de palavras, gestos, ações, imagens, necessidades, desejos, expectativas, enfim, leitura de nós mesmos e do mundo em que vivemos. Num país onde os políticos ganham eleições através da televisão, a alfabetização para a leitura é fundamental, e a leitura da imagem artística, humanizadora.
É sobre essa leitura apontada por Barbosa (1998) que necessitamos refletir enquanto educadores. Uma leitura que vai além da alfabetização propriamente dita, que possibilita o pensamento crítico, a reflexão sobre as situações determinantes de nossa cultura e das diferentes culturas infantis. Um pensamento que fortalece o poder de escolha consciente, que sustenta a possibilidade de recuar diante dos diferentes apelos publicitários, que impõem e ditam os padrões de consumo, de beleza, de moralidade com as quais nossas crianças são confrontadas diariamente. De que forma estamos propiciando essa leitura crítica do mundo? Nós, educadores, fomos alfabetizados criticamente?
A segunda perspectiva que apontamos traz a importância de um trabalho pedagógico específico da linguagem fotográfica. E nos questionamos como poderemos realizá-lo com as crianças se não “dominamos” essa linguagem específica, afinal, nossas experiências com a fotografia restringem-se apenas a seu uso como registro histórico.
Não são fáceis de serem encontrados registros de trabalhos pedagógicos realizados pelos próprios educadores envolvendo a fotografia como área de conhecimento na Educação Infantil. Na maioria das situações, o que encontramos são professores de artes, com uma forte relação com a fotografia, que acabam tornando-a um elemento a ser estudado.
Porém, entendemos que, mesmo sem o conhecimento do pedagogo da linguagem da fotografia, é possível sim que ela se torne um objeto de estudo a partir das suas especificidades. Evidente que o professor irá precisar aprofundar, buscar esses conhecimentos que lhe são próprios antes de encaminhar um trabalho com as crianças. E precisaremos lembrar que a pesquisa e a constante postura de aprendiz do professor são condições sine qua non para o trabalho diário do educador.
Através da “Abordagem Triangular” podemos potencializar nossas práticas pedagógicas na realização de um trabalho envolvendo os conhecimentos específicos da linguagem fotográfica. Abordaremos cada um desses elementos a seguir, de forma aleatória, sem pretender estabelecer uma hierarquia entre eles.
A leitura da fotografia nos possibilita compreender as diferentes possibilidades imagéticas, partindo da perspectiva de leitura crítica e estética. Nesse caso, o professor pode proporcionar a apreciação de fotografias de diferentes fotógrafos, tanto brasileiros quanto de outros países, ampliando o repertório das crianças em relação aos diferentes estilos fotográficos. Explorando as temáticas, os estilos abordados por cada profissional, as semelhanças e diferenças entre as fotografias, indo além do reducionismo da dualidade entre “bonito e feio”, estaremos conduzindo as crianças a uma reflexão sobre novas possibilidades e inspirações para fotografar. Visitas a exposições fotográficas também são importantes, buscando a formação de novos apreciadores dessa arte.
A contextualização é necessária para a compreensão das características não apenas históricas da fotografia, mas também “social, psicológica, antropológica, geográfica, ecológica, biológica, etc., associando-se o pensamento não apenas a uma disciplina, mas a um vasto conjunto de saberes disciplinares ou não” (Barbosa, 1998, p. 37-38). Cabe ao professor estabelecer, de forma acessível a faixa etária das crianças, possíveis relações da fotografia em diferentes aspectos. Pode-se, por exemplo, buscar compreender as mudanças das fotografias ao longo do tempo, com o avanço das máquinas fotográficas e das formas de revelação das imagens.
O fazer artístico é o momento em que as crianças poderão estar em contato direto com a produção da fotografia. É nesse momento que o estudo dos conhecimentos específicos da fotografia deve ser trabalhado, como noções de luz, ângulo, enquadramento, perspectiva, textura, foco, etc. São esses elementos, dentre outros, que diferem a fotografia de uma pintura, ou se um desenho, por exemplo. Outra sugestão é a possibilidade das crianças estarem conhecendo (pessoalmente ou através de diferentes formas de comunicação) profissionais que trabalham com fotografia, pois assim pode-se compreender de forma mais aprofundada a relevância de cada elemento para a composição de uma fotografia.
Além disso, atividades em que as próprias crianças possam explorar diferentes tipos de máquinas fotográficas ou outros dispositivos de registro, além como formas de revelação também podem ser realizadas, assim como o desenvolvimento de oficinas de fotografias feitas pelas crianças, explorando a observação de diferentes espaços e situações vivenciadas por elas (escola, casa, rua, membros da família, brincadeiras preferidas, etc).
O que acabamos de sugerir é apenas uma pequena parcela das inúmeras possibilidades que a fotografia possui. Os exemplos e sugestões citadas podem ser adaptados às diversas realidades, potencialidades e deficiências físicas, estruturais e materiais presentes nas instituições de Educação Infantil. O que não podemos é negar às crianças a possibilidade de educarem-se artística e esteticamente, e vimos que a fotografia é uma das ferramentas que oportuniza um trabalho voltado à leitura crítica do mundo em que vivemos.
Cinema na Educação Infantil
A segunda-feira é geralmente um dia no qual as crianças chegam repletas de novidades, transbordando de informações a serem socializadas. Nas rodas iniciais, é comum o relato dos finais de semana e das vivências extraescolares. Uma das atividades mais apreciadas e verbalizadas pelas crianças é o contato com filmes, seja assistindo em casa com os familiares ou indo às salas de cinema. Desta feita, “as crianças entram em contato diário, seja direto ou indireto, com alguma mensagem transmitida por intermédio da linguagem não-verbal” (Cordeiro, 2011, p. 14), seja pelas imagens estáticas e/ou em movimento. Esse fato suscita a necessidade de discutirmos acerca de uma possível leitura crítica dessas imagens e, nesse contexto, a escola apresenta-se como espaço propício a tais problematizações.
Quando socializamos um filme, estamos exercitando e alargando o processo de recepção, conforme aponta Orozco Gomez[6] (1996), que compreende esse momento para além da exibição das imagens, estendendo-se para outros espaços nos quais as imagens venham à tona por meio da oralidade. A escola, por sua vez, pode tornar-se um lugar propício à recepção, dando um caráter pedagógico a essa atividade.
Dada a acessibilidade aos filmes cotidianamente, o cinema apresenta-se como tema relevante para o trabalho na Educação Infantil. Se considerarmos que as crianças produzem cultura e nela são transformadas, o cinema entraria como possibilidade de contato com os produtos culturais disponíveis e como elemento a ser construído. Fantin (2011) considera que pensar na relação entre criança e cultura, na atualidade, implica em entender a experiência cultural das crianças com a mídia.
De modo geral, o cinema atua na construção de relações que ampliam o conhecimento de si e do outro, pois provoca identificações, relações com diferentes contextos, suscitando múltiplos significados, o que auxilia no entendimento do espaço circundante, suscitando múltiplos significados. Ele é, portanto, linguagem artística, prática e construção social, suscitando reflexões sobre a consciência cidadã.
O cinema pode ser considerado uma atividade completa, pois consegue agregar numa mesma obra de arte a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos (NAPOLITANO, 2003).
Pelos motivos elencados, a experiência com o cinema deve ser valorizada e implementada na Educação Infantil com seriedade, considerando-a para além do entretenimento. Gonnet aconselha que o trabalho com as mídias seja iniciado nessa etapa da escolarização, considerando que a linguagem audiovisual faz-se presente no universo das crianças (GONNET, 2001, p. 13).
Quando tentamos compreender como o cinema é constituído, percebendo as sutilezas da linguagem cinematográfica, estamos em busca de empreender possibilidade de leitura. O lançamento de um olhar mais apurado sobre as imagens em movimento é o que denominamos de “leitura crítica da mídia”, atividade que permite a adoção de uma postura inquieta e questionadora perante os artefatos midiáticos. Nesse sentido, a leitura crítica não se refere, apenas, a uma observação superficial. Requer do espectador um “debruçar-se” sobre as imagens, tratando de compreender a essência de suas criações e as intencionalidades não expressas claramente. Tais finalidades são fatores preponderantes na produção das narrativas fílmicas, sendo imprescindível captarmos as finalidades e os interesses contidos nas entrelinhas dessas produções.
Conforme aponta Moran (1991), a leitura crítica é um ajuste aos sistemas de valores, entrelaçando decodificação (percepção do mundo) e a valoração (qualificação da percepção). Procura-se, também, encontrar sentido, coerência e lógica nas manifestações culturais, buscando organizar e interpretar essas expressões humanas.
No processo de leitura crítica da mídia, procuramos construir uma “síntese” dos fatos midiatizados, no sentido de buscar uma interpretação das diversas facetas apresentadas. Kellner acredita que essa leitura auxilia na implantação de uma “democracia participativa”, pois o acesso às novas tecnologias remodelaram o mundo, reconstituindo o modo como as pessoas pensam e atuam na sociedade (Kellner, 2001, p. 689).
Considerando esse entendimento, a escola pode transformar-se em um espaço de recepção, permitindo que o conteúdo midiático aflore, problematizando-o e transformando-o em conhecimento significativo. E quando consideramos a relevância da recepção na escola, procurando enriquecer esse momento, estamos proporcionando situações propícias à mediação.
Um dos grandes desafios apresentados ao professor é a criação de contextos que favoreçam a mediação, porque ele constitui diferencial para a qualidade imaginativa da experiência dos alunos com o cinema. Para Vygotsky, a mediação estabelece um processo de intervenção, no qual um elemento intermediário é inserido em uma relação. (Vygotsky, 1998). No caso dos estudos de Mídia-educação, é necessário que o professor atue como mediador entre as informações difundidas pelas mídias; ele contribui com o conhecimento científico relacionado ao assunto em pauta, dando oportunidade a que o alunado reflita sobre esses dados.
Por esta razão, a escola é convidada a posicionar-se, buscando auxiliar no processo de recepção das mídias, ajudando na compreensão e aproveitamento das mensagens, além de contribuir através da produção de novas informações. Desvendar e interpretar as mídias tornou-se obrigação de uma educação comprometida com o desenvolvimento integral dos educandos.
Propostas metodológicas para o uso do cinema na Educação Infantil
Trazer o cinema e as demais mídias para o interior da escola implica em acionarmos à Mídia-educação como área do conhecimento, capaz de fundamentar nossa forma de intervenção no espaço escolar. A mídia-educação constitui-se no processo de ensinar a aprender sobre os meios de comunicação, propondo-se a desenvolver a compreensão crítica e a participação ativa.
Desta feita, a Mídia-educação encontra-se relacionada ao ensino e a aprendizagem acerca dos meios, com vistas a desenvolver as capacidades crítica e criativa das crianças. Consequentemente, a “alfabetização midiática” é o resultado desse processo, concretizada mediante os conhecimentos e competências adquiridas, habilitando-as para interpretar e valorar com critérios os produtos midiáticos, além de tornarem-se produtores de mídia (BUCKINGHAM, 2005).
Belloni (2001) evidencia que o uso pedagógico das mídias pode contemplar duas perspectivas: como ferramenta pedagógica e objeto de estudo. O primeiro relaciona-se com o emprego complementar das atividades da rotina escolar, ajudando no desenvolvimento das dos temas de estudo. Na segunda, as mídias aparecem como protagonistas, mobilizando discussões sobre as dimensões sociais dessas mídias, buscando compreende-las por um viés critico.
Nesse sentido, o cinema apresenta-se como tema relevante para o trabalho na Educação Infantil. Se considerarmos que as crianças produzem cultura e nela são transformadas, o cinema entraria como possibilidade de contato com os produtos culturais disponíveis e como elemento a ser construído. Fantin (2011) considera que pensar na relação entre criança e cultura, na atualidade, implica em entender a experiência cultural das crianças com a mídia. O cinema atua na construção de relações que ampliam o conhecimento de si e do outro, pois provoca identificações, relações com diferentes contextos, suscitando múltiplos significados, o que auxilia no entendimento do espaço circundante, suscitando múltiplos significados.
A partir da perspectiva de Belloni (2001) para o uso das diferentes mídias na escola, é possível tratarmos acerca do emprego do cinema entendendo-o como ferramenta pedagógica e objeto de estudo. No quesito “ferramenta pedagógica” o cinema pode ser utilizado para fornecer um suporte às áreas curriculares, inserindo e sensibilizando as crianças para um determinado tema a ser estudado.
Fantin aponta uma sequência para a análise fílmica, considerando os seguintes aspectos: contextualização (informações gerais acerca da produção); análise e interpretação do filme (destaque de pontos mais relevantes, leitura crítica); além do filme (relação da produção com outros contextos) (FANTIN, 2011). Essa sequência auxilia na organização da exibição, prevendo momentos que possibilitam explorar o filme de diversas formas.
Outra sistemática para a exibição de filmes pode ser obtida por meio da Abordagem Triangular (BARBOSA, 2001), prevendo o contextualizar, o apreciar e o fazer. O contextualizar envolve o lançamento de informações sobre o audiovisual, podendo fornecer uma sinopse da produção, os atores envolvidos, ano da produção, dentre outros aspectos. O importante é preparar os espectadores para esse momento.
Já o momento do “apreciar” caracteriza-se pelo encontro do grupo com a obra cinematográfica. É o momento de ver as imagens, acompanhar o desenvolvimento da trama (no caso de um filme ficcional). Nesse momento, o professor tem o papel de mediador, criando questionamentos e levando o grupo a refletir sobre as mensagens das obras apreciadas.
No “fazer”, podemos propor diversas atividades. Retomar alguns pontos importantes visto na obra mediante conversa; propor a escrita de pequenas sinopses sobre o filme; desenhos, retomando alguma cena julgada interessante; propor uma reescrita coletiva da história; fazer a encenação da história vista, com ou sem modificação da trama, dentre outras possibilidades.
Considerações finais
O trabalho com a fotografia e o cinema na educação é algo que merece atenção por parte dos professores de Educação Infantil, sobretudo porque, desde cedo, as crianças são iniciadas em processos de leitura imagética. Ao serem levadas a realização dessas leituras, sem a devida mediação, acabam absorvendo diferentes conteúdos, alguns deles inapropriados para a sua faixa etária.
Dessa forma, o código imagético adquiriu status nos últimos anos, sendo convocado a comparecer na escola desde a Educação Infantil. É nesse momento que as crianças começam a se inteirar das imagens, ensaiando suas primeiras interpretações acerca das imagens que as cercam, imprimindo valores, sentimentos, sensações. Cabe aos mediadores, auxiliarem nesse “exercício do ver”, problematizando as situações e propondo novos pontos de vista que permitam a ampliação dos conhecimentos prévios das crianças.
Nessa perspectiva, a escola transforma-se em um polo importante de leitura crítica de imagens, propondo atividades que agucem o desenvolvimento da acuidade visual, além de permitir a criação de produtos midiáticos, aliando as habilidades de leitura e produção.
Ao apresentarmos propostas de uso competente da fotografia e do cinema na educação de crianças, esperamos que os leitores possam ressignificar suas práticas pedagógicas, lançando-se na realização práticas inovadoras dentro do âmbito das linguagens artísticas.
Referências
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[1] Doutor em Educação pela UFRN. Realiza estágio pós-doutoral na UFSC. É professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) no Núcleo de Educação da Infância, Colégio de Aplicação da UFRN. Desenvolve atividades de pesquisa e extensão dentro dos eixos: mídia-educação, educação da infância, formação docente e prática pedagógica. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9331-0072 E-mail: sandrocordeiro@nei.ufrn.br
² Doutoranda em Educação pela Universidade do Minho (Portugal). Mestre em Educaçao pela UFSM. Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) no Núcleo de Educação da Infância, Colégio de Aplicação da UFRN. Desenvolve projetos dentro do eixo: midia-educação, cinema e formação docente. Orcid: E-mail: mmilenefigueiredo@gmail.com
[2] Temos como exemplo o projeto de extensão “Práticas cineclubistas na escola da infância”, que desenvolve ações de apreciação, leitura crítica e produção de audiovisual em nossa instituição envolvendo os alunos do Ensino Fundamental e de escolas públicas parceiras.
[3] Segundo BARBOSA (1998, p. 3) a abordagem triangular foi sistematizada no Brasil no Museu de Arte Contemporânea da USP, entre os anos de 1987 e 1993.
[4] O Tema de Pesquisa é considerado um procedimento metodológico. O tema de pesquisa deve partir da curiosidade das crianças e consequente envolvimento do grupo, aonde vai se constituindo em objeto de estudo, à proporção que os questionamentos vão sendo elucidados. Professores e criança apropriam-se dos conhecimentos das diferentes áreas, á medida que vão em busca de respostas para as suas questões. Nesse sentido, o tema de pesquisa não se constitui só num tema aglutinador de conhecimento sobre o assunto, mas acima de tudo em um provocador de construção/ampliação/resgate de conhecimentos significativos. (REGO, 1999,p. 68)
[5] O termo “nativos digitais” é utilizado pelo autor para referir-se a todos aqueles que nasceram depois de 1980, já incorporando e criando habilidades para a utilização das inúmeras tecnologias digitais, dependendo do contexto em que estão inseridos. Atualmente, tal conceituação vem sendo alvo de reflexões quanto a sua aplicação, tendo em vista que nem todos os sujeitos que nasceram no recorte temporal estabelecido, apresentam desenvoltura no trato com a tecnologia, pelo fato de não terem o acesso/posse de tais equipamentos.
[6] Conforme aponta Orozco Gomez (1996) a recepção constitui-se no processo engendrado a partir do contato com as imagens, sejam elas estáticas e/ou em movimento, fomentando a construção de ideias e da imaginação. Este momento prolonga-se para outros instantes, como o espaço escolar, personificando-se/concretizando-se mediante a verbalização das imagens visualizadas.