Educação em Valores e Desenvolvimento de Competências Socioemocionais das Crianças - contributos do estágio para a formação profissional
Education in Values and Development of Socioemotional Skills in Children - Contributions of the Internship to Professional Training
Educación en Valores y Desarrollo de Competencias Socioemocionales en los Niños: Contribuciones de la Práctica Profesional a la Formación
Universidade do Minho, Braga, Portugal.
Inês
Campina Malheiro da Costa Torrão
Universidade do Minho, Braga, Portugal.
Recebido em 30 de agosto de 2025
Aprovado em 15 de setembro de 2025
Publicado em 24 de setembro de 2025
RESUMO
Este texto, realizado com base na narrativa de uma estagiária, destaca a importância da praxis na construção profissional de educadores de infância; entendida como a integração entre teoria e prática na ação educativa, é fundamentada na investigação pedagógica e na reflexão crítica sobre as práticas. Depois de sumariado como ocorre o processo formativo de educadores, o artigo foca-se no trabalho de investigação que acompanha a intervenção educativa, em estágio, no qual os estagiários realizam observações participantes, intervenções pedagógicas e projetos de investigação-ação, promovendo uma constante revisão e melhoria das práticas. A narrativa das práticas desempenha um papel crucial, permitindo que os estagiários entrelacem razão e emoção, vivências individuais e coletivas, conhecimento e capacitação. A Inês ilustra como o estágio a capacitou como educadora e a envolveu como sujeito ativo num processo formativo coletivo com colegas, comunidades educativas e, sobretudo, com as crianças.
Palavras-chave: estágio, investigação pedagógica; formação profissional.
ABSTRACT
This text, based on the narrative of an intern, highlights the importance of praxis in the professional development of early childhood educators. Understood as the integration between theory and practice in educational action, praxis is grounded in pedagogical research and critical reflection on practices. After summarizing how the training process of educators occurs, the article focuses on the research work that accompanies educational intervention during the internship, in which interns conduct participant observations, pedagogical interventions, and action research projects, promoting a constant review and improvement of practices. The narrative of practices plays a crucial role, allowing interns to intertwine reason and emotion, individual and collective experiences, knowledge, and empowerment. Inês illustrates how the internship empowered her as an educator and engaged her as an active subject in a collective formative process with colleagues, educational communities, and, above all, with the children.
Keywords: internship, pedagogical research; professional training.
RESUMEN
Este texto, basado en la narrativa de una pasante, destaca la importancia de la praxis en el desarrollo profesional de educadores de la primera infancia. Entendida como la integración entre teoría y práctica en la acción educativa, la praxis se fundamenta en la investigación pedagógica y la reflexión crítica sobre las prácticas. Después de resumir cómo ocurre el proceso formativo de los educadores, el artículo se centra en el trabajo de investigación que acompaña la intervención educativa durante la pasantía, en la que los pasantes realizan observaciones participativas, intervenciones pedagógicas y proyectos de investigación-acción, promoviendo una revisión y mejora constantes de las prácticas. La narrativa de las prácticas juega un papel crucial, permitiendo que los pasantes entrelacen razón y emoción, experiencias individuales y colectivas, conocimiento y empoderamiento. Inês ilustra cómo la pasantía la capacitó como educadora y la involucró como sujeto activo en un proceso formativo colectivo con colegas, comunidades educativas y, sobre todo, con los niños.
Palabras clave: pasantía, investigación pedagógica, formación profesional.
Introdução
Neste texto, escrito com base no relatório final de estágio da Inês, apresenta-se e reflete-se sobre a importância da praxis como momento estruturante na construção profissional. . Escrito por estagiária e supervisora, optamos por usar as duas formas nominais – eu e nós, para assim melhor se compreender o que é narrativa pessoal da estagiária, e o que resulta das reflexões conjuntas das autoras do artigo. Como se verá, a investigação pedagógica é uma peça fundamental na praxis educativa e na formação dos educadores. Esta representa um processo contínuo de questionamento, mobilização teórica, reflexão e análise teórico-prática sobre as ações educativas, criando andaimes estruturantes na transição de estudante para o exercício profissional.
Em termos sintéticos, podemos dizer que a formação inicial de educadores de infância, em Portugal, obriga à realização de uma Licenciatura em Educação Básica (LEB), a que se segue, obrigatoriamente, a concretização de um mestrado especializado em educação pré-escolar[1]. Ou seja, a certificação para a docência em educação de infância exige a obtenção de um diploma certificado por uma instituição de ensino superior, após a concretização de um processo longo e profundo sobre esta área especializada. O contacto com a prática educativa, no projeto de formação em vigor na Universidade do Minho, começa no 2º ano da LEB, no âmbito de uma disciplina em que se exige uma dinâmica de observação em instituições educativas, seguindo-se, no 3º ano do curso, um período de observação semanal. No 1º ano do mestrado as estudantes realizam uma sessão semanal de observação participante, atividade esta que é articulada com as diferentes disciplinas. O estágio propriamente dito, com observação participante, intervenção pedagógica e investigação, acontece no 2ºano do curso, decorrendo numa instituição de educação de infância, numa sala com crianças entre os 3 e os 6 anos de idade, em cooperação com uma Educadora Orientadora, por um período de 240 hrs de contacto direto, apoiadas por um Seminário semanal coletivo – Observação de Aula e Desenho de Projeto (30hrs) – e supervisionado por um docente da instituição do ensino superior. Ao longo do estágio, os estagiários concretizam um portfólio com as reflexões semanais, realizando também um relatório sobre o projeto de investigação-ação desenvolvido, o qual é defendido em provas públicas. Este projeto é definido a partir da observação do contexto, particularmente, das motivações, interesses e necessidades das crianças.
A praxis refere-se, assim, à integração entre teoria e prática na ação educativa, orientada por princípios que entendem a criança como agente e participante em todo o processo educativo. Ela implica não apenas a mobilização de conceitos teóricos, mas também a reflexão crítica sobre as práticas, apoiando a revisão da ação desenvolvida e promovendo ajustes e melhorias constantes. A investigação pedagógica pretende alimentar a praxis, informando a tomada de decisão dos educadores.
A formação de educadores de infância ocorre com jovens adultos que possuem uma experiência de vida, a qual deve ser respeitada e integrada no processo de construção profissional. É essencial que reflitam sobre a sua prática pedagógica quotidiana, integrando subjetivamente as ações realizadas com a sua identidade, visão de mundo e posicionamento pessoal. Daqui a importância atribuída às narrativas de práticas na formação, considerando que ao narrar o estagiário entrelaça razão e emoção, vivências individuais e coletivas, conhecimento e capacitação.
Este artigo evidencia como a Inês preparou, desenvolveu e analisou todo o projeto que realizou, mostrando como, enquanto estagiária, se constituiu como sujeito ativo num processo formativo coletivo com colegas, comunidades educativas e, principalmente, com as crianças.
A voz da Inês
Neste artigo irei abordar o impacto da minha experiência de estágio, e do desenvolvimento do meu Projeto de Investigação e Intervenção - Educação em Valores na Formação e Desenvolvimento de Competências Socioemocionais das Crianças - na minha formação enquanto profissional de educação.
Importa referir que a experiência de estágio em Jardim de Infância desempenhou um papel crucial no meu processo de formação docente inicial, proporcionando-me oportunidades para o desenvolvimento de habilidades práticas, para a articulação de conhecimentos teóricos com a prática vivenciada, a construção de relacionamentos com pares profissionais, bem como – e não menos importante – a melhor compreensão de processos de aprendizagem e de desenvolvimento infantil, tudo isto a partir da observação e da reflexão sistemática e partilhada sobre práticas pedagógicas.
A minha Prática de Ensino Supervisionada (PES) em contexto Pré-Escolar foi desenvolvida numa Instituição Particular de Solidariedade Social, localizada no norte de Portugal, com um grupo constituído por vinte e sete crianças, sendo dez do sexo feminino e dezassete do sexo masculino, com idades compreendidas entre os quatro e os cinco anos de idade.
O grupo era constituído por crianças ativas, autónomas, carinhosas, que revelavam disponibilidade para experimentar, com capacidade de iniciativa, grande motivação e envolvimento nos desafios propostos, apresentando, cada uma, caraterísticas singulares que as identificam, bem como interesses únicos. Importa referir que as relações entre pares se estabeleciam de forma pouca harmoniosa, manifestando bastantes dificuldades na gestão e resolução de conflitos.
De onde surge o tema do meu Projeto de Intervenção?
A motivação para a escolha e implementação deste projeto de investigação e intervenção pedagógica relacionou-se, sobretudo, com a observação participante que realizei durante as semanas iniciais de PES, que me permitiu conhecer cada criança, nomeadamente os seus interesses, os conhecimentos que possuem e, simultaneamente, o modo como o grupo se relacionava entre si.
Constatei que as crianças possuíam bastantes dificuldades na relação entre pares, evidenciando algumas fragilidades no relacionamento e convivência com base no respeito, partilha, empatia e cooperação, bem como na resolução de pequenos conflitos, requerendo sempre a ajuda da Educadora. Desta forma, comecei a focalizar a minha observação e constatei que as crianças apresentavam alguns “comportamentos desadequados socialmente” (Lino, 2006, p. 93), recorrendo, por vezes, à força física para satisfazer as suas vontades.
Todas estas observações me fizeram perceber aquilo que queria investigar e, assim, após a consulta do Projeto Educativo da Sala de Pré-Escolar, intitulado “E Se eu fosse um Super-Herói?”, que apelava ao “desenvolvimento de atitudes que valorizam o Ser Humano: autoestima, afetividade, colaboração, respeito e cuidado pelo outro e pelo bem comum”, à “interiorização de atitudes e valores de forma a criar cidadãos mais responsáveis” e à “manifestação de respeito pelas necessidades, sentimentos, opiniões, e culturas dos outros”, foi possível formular a questão problemática supracitada, ou seja: “De que forma uma educação voltada para os valores promove a formação e o desenvolvimento de competências socioemocionais nas crianças?”.
A observação efetuada e a enorme curiosidade e interesse que detenho pelas potencialidades de uma educação em valores, possibilitaram a identificação dos conceitos centrais a serem abordados no projeto.
Mas, afinal, o que são os valores?
A palavra valor é um conceito de definição complexa; etimologicamente, o termo valor deriva do latim, valore, que significa riqueza.
Os valores estão implícitos na existência humana, contendo dimensões objetivas - são princípios que regem a conduta humana - e subjetivas - estão ligados intimamente às motivações e desejos de cada um, sendo passíveis de sofrer variações na sociedade, na cultura e no tempo em que se vivenciam.
Nenhum valor se pode apresentar de forma isolada, nem pode ser entendido sem os outros, condicionando e orientando toda a ação do indivíduo, quer ele esteja ciente ou não da sua existência. Dessa forma, são os valores que mediatizam a perceção que formamos de nós próprios e dos outros, estabelecendo as bases para julgar, atuando como um guia orientador na tomada de decisões e nas nossas condutas.
Ao dizermos que os valores refletem a personalidade dos indivíduos, ou seja, que cada um se apropria de modo próprio dos valores, não ignoramos que são a expressão do património cultural, moral, afetivo, social e espiritual partilhado pela família, pela escola, pelos pares, pelas instituições e pela sociedade em que vivem. Assim sendo, devemos pensar numa educação voltada e, ao mesmo tempo, fundada para atender às especificidades dessas instâncias, surgindo daí a relevância de uma educação em valores.
A família e a sociedade não se podem omitir, deixando a responsabilidade só para a escola, nem a escola deve aceitar a exclusividade da tarefa da formação moral à margem da realidade familiar e social. A educação só faz sentido se baseada em responsabilidades partilhadas, que exigem alta dose de compreensão, interação, discernimento e colaboração.
Porquê educar em valores?
A pertinência de se educar em valores surge da consciência de que os mesmos são base fundamental do devir humano. Afirma-se hoje que uma crise de valores está a consumir a nossa sociedade, em que é possível constatar casos de violência, intolerância, indiferença e absoluta violação de princípios éticos e morais, tanto nas ruas, escolas, locais de lazer, entre outros. Sem nos interessar discutir aqui se esta crise é exclusiva desta época, aceitamos sem dúvidas que vivemos numa sociedade em transformação, pelo que a educação em valores é decisiva para a vida de cada um – criança ou adulto -, bem como para a formação do sujeito futuro e do próprio futuro da sociedade enquanto tal.
A Lei de Bases do Sistema Educativo Português (Dec-Lei nº 46/86, de 14 de outubro) referencia que é fundamental desenvolver a pessoa como um valor em si mesmo, livre, de forma crítica e responsável. Partindo desta matriz, percebe-se que os valores estão presentes e são fundamentais à educação e à vida em sociedade, particularmente: a autonomia, a cooperação, a partilha, a empatia, a responsabilidade e a solidariedade com o próximo.
O educador bem como a escola no seu todo, naquilo que explicita e não explicita, no que diz permitir e no que proíbe, no que incentiva e no que faz por desconhecer, promove aquilo que valorizam, o que acham justo e não justo, em suma, desenvolve valores. Dessa forma, a educação em/para os valores realiza-se em todos os momentos, permeia o curriculum e também todas as interações interpessoais na escola e as relações desta com a família e a sociedade.
São os valores implícitos na prática pedagógica do educador e a forma como os corporiza no quotidiano da educação pré-escolar, tal como defendem as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE)[2], que permitem que o Jardim de Infância seja um contexto privilegiado, a nível social e relacional, que proporciona a interação com determinados valores que permitem que a criança vá aprendendo a tomar consciência de si e do outro.
Quando o educador demonstra atitudes de respeito, sensibilidade, cooperação, tolerância, partilha, justiça, e outros, para com as crianças e adultos, está a contribuir para que as crianças reconheçam a importância desses valores e se apropriem deles.
Atendendo a que a educação visa desenvolver a pessoa como um ser autónomo, considero que o educador não deve impor valores às crianças, mas deve (re)criar um ambiente educativo que lhes possibilite o desenvolvimento de uma consciência moral e autónoma, que estimule uma participação ativa da criança na (re)construção dos valores, levando-a a desenvolver uma atitude crítica, interventiva e reflexiva.
Qual a relação entre uma educação centrada em valores e o desenvolvimento socioemocional das crianças?
As competências emocionais dizem respeito à capacidade de reconhecer, expressar e regular emoções, de forma eficiente e produtiva, permitindo uma interação eficaz com o meio e a resolução competente das situações. Na visão de Mishara e Ystgaard, “ensinar aptidões para a vida tais como resolução de problemas, o raciocínio critico, a comunicação, as relações interpessoais, a empatia e os métodos para fazer face às emoções, permitirá às crianças e aos adolescentes desenvolver uma saúde mental firme e positiva[3]” (2006, p. 112) Assim sendo, torna-se indispensável despertar as crianças para a importância de nutrirem empatia pelo Outro e de conhecerem e gerirem as suas próprias emoções, de forma a construírem uma estrutura emocional forte, assente na autoestima e na autoconfiança. Goleman (2019) alude para a pertinência de ensinar às crianças formas de socializar, de resolver conflitos, de contrariar crenças negativas e de ultrapassar obstáculos, procurando com isso a diminuição do risco de depressão.
Machado (2008) refere que um bom desenvolvimento das competências emocionais nas crianças contribui para o aumento de inúmeras capacidades: memória; motivação, curiosidade e vontade de aprender, o que resulta num melhor rendimento escolar.
Por sua vez, as competências sociais caracterizam-se pela capacidade de reconhecimento dos sentimentos do outro e de ser capaz de lidar com pessoas, aceitando-as, respeitando-as, colaborando com elas, num processo recíproco, em que cada um se assuma como parte de um todo, sem anular a individualidade de cada um.
Segundo Epps (1996), a competência social refere-se a dois conjuntos amplos de competências e processos: os que dizem respeito ao comportamento interpessoal, tal como a empatia, a assertividade, a gestão da ansiedade e da raiva, e as competências de conversação; e os que se referem ao desenvolvimento e manutenção de relações interpessoais, envolvendo a comunicação, resolução de conflitos e competências de convivência. Um dos fatores chave no desenvolvimento da criança é a quantidade e qualidade de interações que são estabelecidas, uma vez que nelas aprende: (...) o respeito pelas regras estabelecidas e pelas convenções; e o respeito pela ordem social, da qual resultam todas as regras e convenções sociais. Isto é também um legado para toda a vida, uma vez que permite à criança ser um cidadão na sociedade, com todas as prerrogativas e responsabilidades que daí decorrem (Damon, cit. por Sprinthall e Sprinthall,1993; p.192).
Piaget reconhece a sociedade como peça-chave no desenvolvimento moral e autónomo da criança. Segundo ele, “a vida social é necessária para permitir ao indivíduo a tomada de consciência do funcionamento da mente e para transformar em normas propriamente ditas os simples equilíbrios funcionais imanentes a toda a actividade mental e inclusive vital. Efectivamente o indivíduo por si só é e permanece egocêntrico.” (Piaget, 1987, p.337). Sendo tão importante o desenvolvimento destas competências sociais por parte das crianças, deve-lhes ser proporcionado o ato de brincar sem limite, pois é através deste que as crianças desenvolvem competências sociais, têm diversas oportunidades para conversar, brincar e interagir umas com as outras (Rosa, 2014). Assim sendo, as interações experienciadas nos primeiros anos de vida, permitem que a criança desenvolva e aprimore todas estas competências sociais, necessárias à construção de relações positivas e saudáveis.
Logicamente, as competências sociais e emocionais andam de mãos dadas, advindo daí o conceito de desenvolvimento socioemocional.
O conceito de “aprendizagem socioemocional” remete para a “capacidade de reconhecer e gerir emoções, resolver problemas de forma eficaz, e estabelecer relações positivas com os outros” (Zins & Elias, 2007, p. 234). Na perspetiva de Costa e Faria (2013), o desenvolvimento socioemocional pode ser descrito como “o processo através do qual cada aluno desenvolve sua capacidade de integrar o pensamento, a emoção e o comportamento para alcançar e concretizar tarefas sociais importantes” (p. 409).
Após a análise de vários programas dedicados à educação socioemocional (Bisquerra, 2000; Goleman, 1997; Vallés & Vallés, 2000), tornou-se possível agrupar os objetivos gerais recorrentes nestes modelos, conforme o quadro abaixo (Vale, 2009, p.131).
Quadro 1 – Objetivos gerais dos programas de educação socioemocional
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Competência Socioemocional |
Descrição |
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Autoconsciência emocional |
Baseia-se na aquisição de um melhor conhecimento das próprias emoções, no reconhecimento das diferenças entre sentimentos e ações e na compreensão das causas dos sentimentos. |
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Gestão das emoções |
Assenta no desenvolvimento de habilidades para controlar as próprias emoções, prevenir os efeitos prejudiciais das emoções negativas (por exemplo, melhorar a capacidade para expressar verbalmente a ira sem lutar), desenvolver habilidades de resistência à frustração e desenvolver habilidades para gerar emoções positivas. |
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Controlar produtivamente as emoções |
Apoia-se no desenvolvimento de habilidades de auto motivação, numa maior capacidade de concentração nas tarefas e maiores responsabilidades, no desenvolvimento da capacidade de saber esperar por recompensas a longo prazo em detrimento de recompensas imediatas. |
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Empatia |
Fundamenta-se no desenvolvimento da capacidade de aceitar a perspetiva do outro, no desenvolvimento de sentimentos de empatia e sensibilidade com os outros, e na capacidade de escuta. |
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Gerir relacionamentos |
Alicerça-se no desenvolvimento de competências para resolver conflitos e negociar acordos, da capacidade de cooperação, de partilha e de ajuda. |
Fonte: Vale, 2009, p. 131
A abordagem destas competências socioemocionais tem em comum a promoção das capacidades sociais e de relações inter e intrapessoais satisfatórias, melhor adaptação escolar, social e familiar, bem como a diminuição de pensamentos autodestrutivos e violentos, estando na base da construção de uma boa autoestima na criança. Atividades intencionais, jogos e histórias ajudam as crianças a identificar e distinguir as emoções básicas, assim como a criar estratégias para gerir e utilizar essas emoções de forma moderada e construtiva (Izard, Trentacosta, King, & Mostow, 2004), o que contribui para o aumento dos níveis de bem-estar, e para uma melhor integração e desempenho da criança em contexto escolar.
Por tudo o que foi referido anteriormente, o desenvolvimento de projetos de promoção de competências socioemocionais que capacitem a criança a identificar e resolver problemas, gerir conflitos, otimizar a comunicação interpessoal, construir relacionamentos saudáveis, desenvolver empatia e compreensão, habilitam as crianças a tornarem-se emocionalmente inteligentes e socialmente competentes.
A minha intervenção pedagógica no contexto de Jardim-de-infância foi sustentada num processo contínuo e sistemático de observação-planificação-ação-reflexão/avaliação, suportando-me numa metodologia de natureza qualitativa e interpretativa, tendo em conta os princípios subjacentes à metodologia de Investigação–Ação, no campo da investigação, e na metodologia de trabalho projeto, no campo da intervenção pedagógica. Na articulação destas metodologias, cujos princípios fundamentais convergem, observamos um conjunto de fases que se desenvolvem de forma contínua, resumindo-se, basicamente, na sequência planificação, ação, observação e reflexão. Estes procedimentos em movimento circular dão início a um novo ciclo que, por sua vez, desencadeia novas espirais de experiências de ação reflexiva, potenciando melhorias nas práticas; desta forma, o educador é visto como investigador de todo o processo. Considero que a Investigação-Ação não é só uma metodologia que investiga sobre a educação, mas também que caminha lado a lado com a educação e a formação profissional, favorecendo o diálogo e desenvolvendo ambientes propícios à colaboração e partilha.
Quais as Teorias Educativas suportam este projeto de investigação e intervenção?
Para o desenvolvimento deste Projeto apoiei-me em teorias educativas relativas à Aprendizagem Social, mais especificamente no que concerne à Teoria Socioconstrutivista de Vygotski e aos princípios da Aprendizagem Ativa, abordando o Modelo Educativo High Scope, utilizando como estratégia pedagógica a Metodologia de Trabalho de Projeto (MTP).
A Aprendizagem Social destaca a importância da construção de conhecimento e do desenvolvimento pessoal que advém do meio social no qual os indivíduos se inserem e se envolvem com outros, para construir conhecimento. Esta tem como suporte a Teoria Socioconstrutivista desenvolvida por Lev Vygotsky, a qual apresenta uma abordagem que enfatiza a interação social e a construção conjunta do conhecimento, na medida em que o desenvolvimento cognitivo é fortemente influenciado pelo contexto social e cultural a que a criança pertence. A aprendizagem é vista como um processo ativo e colaborativo, em que a interação social e a mediação de conceitos são essenciais para o desenvolvimento intelectual. Assim sendo, torna-se fundamental existir uma colaboração e parceria entre o professor e os alunos, para que o primeiro auxilie o segundo a explorar todos os recursos existentes, tendo sempre em consideração as suas vivências, as suas ideias e interesses. Cabe ao professor desafiar, ampliar conhecimentos e estimular os alunos a adquirirem novas aprendizagens. O professor não é um transmissor, mas sim um mediador e planeador das atividades em prol dos seus alunos, promovendo aprendizagens autênticas e significativas. A esta relação dinâmica e complexa que ocorre entre o ensino e aprendizagem, Vygotsky (1988) designou de “Zona de Desenvolvimento Proximal” (ZDP). A ZDP refere-se à diferença entre o nível de desenvolvimento atual da criança e seu potencial de desenvolvimento com o apoio de um adulto ou de pares mais experientes. O papel do educador é identificar a ZDP da criança e fornecer o suporte adequado para que ela avance na sua aprendizagem. Segundo Vygotsky o nível de desenvolvimento real da criança representa a totalidade das funções mentais já completamente desenvolvidas e expressa-se pelas atividades que ela é capaz de realizar sozinha, sem o auxílio de um adulto ou de outra criança. Existem ações e soluções de problemas que a criança consegue efetuar na presença de um adulto, porém, não é capaz de fazê-lo de forma independente e autónoma. Essa condição é referida como “nível de desenvolvimento potencial”, ou seja, são habilidades em vias de desenvolvimento.
Face ao referido, o conhecimento da ZDP leva a que os professores sejam capazes de identificar mais facilmente as ideias, os interesses e dificuldades das crianças, uma vez que há espaço para negociação, diálogo e escuta de ambas as partes. É essencial que o professor identifique o nível das crianças, pois ensinar-lhes aquilo que são incapazes de aprender é tão inútil como ensinar-lhes a fazer o que são capazes de realizar por si mesmas (Vygotsky, 1988). Assim sendo, o conhecimento que se tem do nível de desenvolvimento real das crianças é o ponto de partida para que se adquiram novas aprendizagens, assim como para o planeamento e elaboração de inúmeras atividades que serão desenvolvidas em colaboração entre as crianças e os professores.
Ao longo do meu estágio baseei-me na teoria de Vygotsky e no modelo socioconstrutivista com o intuito de ouvir os meus alunos, interagir com eles e desenvolver atividades que fossem ao encontro dos seus interesses, ideias e dificuldades, por isso, a escuta, partilha, diálogo e colaboração foram essenciais. Tal como referem as autoras Boiko, V. e Zamberlan, M. (2001), a educação e a escola têm de ser pensadas nesta perspetiva, pois é essencial conceber a educação “como um processo dinâmico e dialético, em que teoria e prática são permeadas pelo contexto social, cultural, econômico e político das diferentes comunidades em que a Educação está inserida” (p.53). Acredito, desta forma, que ao articular a perspetiva socioconstrutivista com as OCEPE foi possível ouvir a voz das crianças no desenvolvimento do meu projeto, desafiando-os e incentivando-os a serem investigadores, levando-os a colocar questões e a procurarem dar sentido e respostas às mesmas, aumentando assim os seus/meus conhecimentos, potenciando práticas pedagógicas que valorizam o trabalho em grupo, a cooperação entre os alunos, a promoção de ambientes de aprendizagem socialmente construídos e o desenvolvimento das suas competências sociais e emocionais.
A aprendizagem ativa pode ser definida como a “que é iniciada pelo sujeito que aprende, no sentido de que é executada pela pessoa que aprende, em vez de lhe ser apenas «passada» ou «transmitida» “ (Hohmann, Banet, & Weikart, 1995, p. 174). Hohmann & Weikart, referem-se à aprendizagem por ação como “a aprendizagem na qual a criança, através da sua ação sobre os objetos e da sua interação com pessoas, ideias e acontecimentos, constrói novos entendimentos” (1997, p.22). Dessa forma, entende-se que “as crianças constroem os seus próprios modelos de realidade, os quais se desenvolvem no tempo em resposta a novas experiências e à exposição de outros pontos de vista” (Hohmann e Weikart, 1997, p.22). É através da experimentação, do diálogo e da reflexão sobre as ações, que a criança cria conhecimento dentro dos quadros da cultura, os quais permitem narrar a ação e narrar-se a si própria (Bruner, 2000). Assim sendo, a aprendizagem pela ação valoriza a criança como agente ativo capaz de construir o seu conhecimento do mundo, transformando as suas ideias em pensamentos lógicos e intuitivos, decorrentes da ação que experienciam (Hohmann & Weikart, 1997, p.22).
Na visão de Lima (2004), a "aprendizagem acontece mais eficazmente se a própria criança planejar, realizar e refletir sobre a sua ação e apoiadas pelos adultos.” (p.232). Este tipo de aprendizagem potencia o desenvolvimento de competências sociais e capacidades cognitivas, tendo como suporte a socialização da criança, pois é através deste processo que comunicam e interagem com os pares, adultos e familiares construindo relações de confiança (Post & Hohmann, 2011). A aprendizagem não se restringe a um contexto físico, sendo, portanto, essencial a existência de um contexto social onde exista interação e partilha entre os envolvidos (Oliveira-Formosinho J., 2007).
Silva et al. (2016, p. 9) realçam que encarar a criança como sujeito e agente do seu próprio processo de aprendizagem, representa uma valorização dos seus saberes e competências, bem como das suas vivências, promovendo o desenvolvimento de “todas as suas potencialidades”.
Importa referir que, neste processo da aprendizagem pela ação, a criança necessita do apoio constante e atento do adulto, visto que esta mediação será determinante no florescimento das várias potencialidades da criança: como o crescer, o aprender e o construir um conhecimento prático do mundo físico e social (Hohmann e Weikart, 2011, p.64), pois “o modo como nos relacionamos com as crianças influencia o que as motiva e o que aprendem” (Malaguzzi, 1999, p.77), para isso “devemo-nos colocar ao lado da criança e partir dela. É ela e não o assunto-matéria quem determina quer a qualidade, quer a quantidade da aprendizagem” (John Dewey, (s/d), p.161).
Os modelos pedagógicos orientam o/a educador/a a desenvolver a melhor forma de explorar as competências das crianças, sempre de forma individualizada e personalizada, visto que as necessidades de uma criança podem diferenciar de outras.
Por tudo o que foi referido anteriormente acerca da Aprendizagem Ativa, importa reforçar que “a pedra angular da abordagem High/Scope para a educação pré-escolar faz a defesa de que a aprendizagem pela ação é fundamental ao completo desenvolvimento do potencial humano, de que a aprendizagem ativa ocorre de forma mais eficaz em contextos que providenciam oportunidades de aprendizagem adequadas do ponto de vista do desenvolvimento” (Hohmann & Weikart, 2009, p. 19). Assim sendo, o Modelo High Scope, ancorado nas teorias de Jean Piaget, é um modelo que se centra na criança, sendo ela própria a ‘construtora’ do seu conhecimento. Este modelo pedagógico assenta no desenvolvimento natural da criança e da sua aprendizagem, integrando as perspetivas intelectual, social e emocional, considerando a criança como aprendiz ativo que aprende melhor a partir das atividades que ele mesmo planeia, desenvolve e sobre as quais reflete. Nele, os adultos e as crianças partilham o controlo das experiências, sendo que o poder da aprendizagem está totalmente centrado nas crianças, por isso, o grande foco é a aprendizagem ativa da criança e o papel do adulto é suportar, guiar e apoiar as experiências de aprendizagem ativa. Tal como referem Hohmann e Weikart (2011) “o currículo High/Scope funciona porque dá às crianças poder para seguirem os seus interesses de forma intencional e criativa. No processo, as crianças desenvolvem iniciativa, interesse, curiosidade, desembaraço, independência e responsabilidade” (p.13), que são fundamentais para as suas vidas.
A aprendizagem pela ação constitui o centro e a grande filosofia deste modelo, através da qual as crianças constroem conhecimento e desenvolvem as suas iniciativas; o seu enquadramento é completado por quatro princípios essenciais: Ambiente de aprendizagem; Interação Adulto – Criança; Rotina Diária e a Avaliação, princípios estes que foram essenciais para o desenvolver da minha prática pedagógica.
Objetivos e estratégias do processo de investigação e de intervenção
Este projeto de investigação encontra-se sustentado por objetivos e estratégias que orientam o desenvolvimento de atividades significativas, que atendem aos interesses das crianças e que promovem a construção de aprendizagens autênticas. Estas questões “relacionam-se entre si e articulam-se com os propósitos e os tópicos de investigação”, e permitem “focar os tópicos e antever um conjunto de decisões relativamente aos caminhos a percorrer” (Máximo-Esteves, 2008, p. 80). Os objetivos de intervenção pedagógica foram definidos a partir da observação do contexto, das crianças e da prática pedagógica, bem como dos pressupostos teóricos acima referenciados, e encontram-se descritos abaixo:
Quadro 2 – Objetivos Pedagógicos
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Objetivos de Investigação |
Objetivos de Intervenção |
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Analisar se as crianças são sensíveis à importância dos valores. |
Atentar a todos os interesses das crianças bem como às suas necessidades educativas. |
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Analisar o contributo das atividades realizadas nas relações entre pares. |
Promover a participação de todas as crianças do grupo nas atividades em decurso na sala. |
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Refletir sobre o desenvolvimento emocional e social das crianças.
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Potenciar o desenvolvimento de valores como a empatia, o respeito, a partilha, a tolerância, a solidariedade e a autoconfiança. |
No decorrer do Projeto de Intervenção e Investigação recolhi dados de forma a aferir a concretização dos objetivos pedagógicos e investigativos. Dessa forma, adotei como estratégias a Observação Participante, Registos escritos/reflexivos (Notas de campo, Reflexões Semanais, Análise dos trabalhos realizados pelas crianças) e Registos Fotográficos.
Atividades desenvolvidas no âmbito do projeto
No decorrer do projeto foram planificadas diversas sessões, cada uma delas composta por múltiplas atividades que pretenderam promover uma prática holística e interligada, possibilitando o desenvolvimento articulado, bem como a apropriação e o desenvolvimento de diversos valores, por parte das crianças, nomeadamente: a) Trabalho em Equipa e Autoconfiança; b) Partilha; c) Empatia, d) Amizade e e) Tolerância.
Assim sendo, destaco os momentos de planificação que se demonstraram fulcrais para unir o pensamento à ação, tendo sempre em consideração o nível de desenvolvimento das crianças, os seus interesses e necessidades, relacionando os conteúdos, os conhecimentos próprios e a realidade, de forma a criar novos saberes que integrassem o dia-a-dia da criança. É de notar que a planificação é aberta à intencionalidade e à participação das crianças, tendo sido (re)ajustadas a cada semana, abarcando as novas ideias que surgiam nas, bem como as necessidades que apresentavam.
Na sua globalidade, este projeto possibilitou o envolvimento das crianças em momentos de construção partilhada de conhecimento nas diferentes áreas de conteúdo contempladas nas OCEPE (Silva et al.,2016) – Área da Formação Pessoal e Social, Área da Expressão e Comunicação e Área do Conhecimento do Mundo, uma vez que foram desenvolvidas inúmeras atividades que permitiram às crianças explorar, conhecer e desenvolver pensamentos sobre si próprias, sobre os outros, e sobre o mundo que as rodeia, em grande ou em pequeno grupo, sempre apoiadas pelos adultos.
A sessão inicial teve como ponto de partida a exploração da obra A Que Sabe a Lua?, de Michael Grejniec, tendo como principal objetivo desenvolver a autoconfiança e promover o trabalho em equipa. Este livro aborda a importância da cooperação, da entreajuda e da (auto)confiança, com vista a alcançar metas que, fazendo uso apenas da individualidade, nunca seriam atingidas. Posteriormente foi dinamizada a atividade: Descobre o Tesouro!.
Esta dinâmica foi iniciada com a exploração de uma frase da narrativa que descredibiliza o rato como sendo capaz de alcançar a lua, tendo questionado o grupo acerca do seu significado - “Ele é muito pequenino, só se der um salto muito grande…” - Ana, 4 anos. Posto isto, apresentei ao grupo um baú fechado, simbolizando um tesouro, que continha no seu interior um espelho que representava a imagem do/a menino/a “mais forte, mais capaz e mais corajoso/a do grupo”. Um a um, foram-se deslocando ao centro da roda, abrindo o baú e espreitando, devendo manter em segredo aquilo que vislumbraram. As reações ao verem o seu próprio reflexo foram mágicas: uns sorriam envergonhados, outros saltitavam quando viam a sua imagem e outros sussurravam de forma tímida “Sou eu!”. No final, todos revelaram quem viram dentro do baú, e qual o significado de cada um deles se ter visto a si próprio? - “É que todos somos fortes e capazes!..” - Maria, 4 anos.
Fonte: fotografias do portefólio de estágio da Inês
Com esta atividade foi possível articular as diferentes áreas de conteúdo indicadas nas OCEPE.
A dinamização de atividades que promovam a autoconfiança das crianças é de extrema relevância, potenciando a criação de um ambiente acolhedor, seguro e estimulante, onde as crianças se sentem seguras para explorar, aprender e crescer emocionalmente e intelectualmente, contribuindo para o seu desenvolvimento integral. Atividades como esta, permitem que as crianças “mergulhem” nelas próprias, e se conheçam melhor e mais profundamente, sendo essa uma base importante para o crescimento emocional, social e cognitivo de cada criança.
Outra das atividades que destaco foi a exploração de um “Emocionómetro”, material previamente elaborado por mim, composto por imagens representativas das emoções exploradas anteriormente (felicidade, tristeza, calma, cansaço, irritação, preocupação e confusão).
Figura
3–
Emocionómetro.
O “Emocionómetro” tinha como principal objetivo a identificação da própria emoção que cada criança estava a sentir, devendo colocar uma mola com a sua fotografia na fita correspondente.
Este instrumento permitiu-me perceber que, das 25 crianças em sala, 13 estavam felizes, 3 sentiam-se tristes, 3 estavam calmos, 1 criança sentia-se zangada e 5 elementos não sabiam identificar a emoção que estavam a sentir. Importa salientar que uma das crianças, após reparar que uma das suas amigas se estava a sentir triste, a questionou e a convidou para brincar, dizendo-lhe: “se brincares comigo, vais deixar de estar triste e ficar feliz!...” (Maria, 4 anos). O facto de as molas estarem identificadas, permitiu que as crianças adquirissem consciência emocional, ao desenvolver a capacidade de identificar não só as próprias emoções, mas também reconhecerem as emoções dos seus colegas, desenvolvendo assim a empatia.
Dinâmicas como esta, no âmbito de uma educação emocional, devem iniciar-se precocemente, uma vez que quando a criança adquire competências pessoais sociais, encontra-se mais apta para avaliar, expressar e gerir as suas emoções.
Avaliação global
No fim da implementação do projeto em contexto de Educação Pré-Escolar, e através da concretização dos objetivos inicialmente definidos, constatei que uma educação para os valores estimula a formação e o desenvolvimento de competências socioemocionais das crianças, sendo que, no final do projeto, se observaram alterações significativas nas relações entre pares e nos comportamentos individuais, bem como uma maior facilidade na gestão das emoções e uma melhor competência social. As competências socioemocionais foram desenvolvidas ao longo de várias sessões e atividades, que se articularam entre si, com foco em todas as áreas do saber definidas pelas OCEPE, e que auxiliaram as crianças a perceber a importância de se relacionarem com o outro com base no respeito, tolerância, partilha, empatia, e auxiliaram-nas na identificação e distinção das emoções básicas, assim como a criar estratégias para gerir e utilizar as emoções de forma moderada e construtiva (Izard, Trentacosta, King, & Mostow, 2004).
Salienta-se a importância do Jardim de Infância enquanto espaço privilegiado para o desenvolvimento de competências sociais e emocionais nas crianças. Explicitando, é neste contexto social que a criança vai “aprendendo a atribuir valores aos seus comportamentos e atitudes e aos dos outros, reconhecendo e respeitando valores que são diferentes dos seus.” (Lopes da Silva et al., 2016, p.33).
Concluo, afirmando que educar é uma verdadeira missão e que a afetividade e o apoio emocional fornecido às crianças são fundamentais para que se criem condições para que estas interajam “de forma bem-sucedida com o seu ambiente, com as pessoas, os lugares e objetos” (Laevers, 2014, p. 158), criando “altos níveis de autenticidade, (…) reforço positivo, aceitação, confiança e empatia”. Assim, o educador detém um papel muito importante enquanto apoiante do desenvolvimento da criança, desafiando-a a construir o seu próprio conhecimento.
Síntese final
Nesta síntese final, realça-se a importância de integrar a investigação sobre ação pedagógica à formação e prática dos educadores, com o propósito de que a praxis se constitua como contexto fulcral no processo de aprendizagem e desenvolvimento pessoal e profissional do estagiário.
A investigação pedagógica promove um processo contínuo de questionamento, análise e reflexão sobre as práticas educativas. Ao envolver-se em investigação pedagógica, os estagiários não apenas experienciam as suas competências práticas, mas também desenvolvem uma compreensão mais profunda dos princípios teóricos que fundamentam as suas ações no contexto educativo, levando a ajustes e melhorias constantes. A investigação pedagógica alimenta esse ciclo de praxis, fornecendo insights valiosos e evidências empíricas que sustentam a tomada de decisão dos próximos profissionais.
No contexto da formação inicial, a investigação pedagógica, apoiada por especialistas quer da prática profissional (os Educadores Orientadores), quer académicos (os Supervisores), desafia os estudantes a se tornarem aprendizes contínuos, semeando a motivação para a continuidade dos mesmos no processo de desenvolvimento profissional ao longo da vida. Ao conduzirem pesquisas sobre as próprias práticas, os educadores expandem os seus conhecimentos, refletem sobre as suas crenças e valores, e fortalecem a sua capacidade de atendimento às crianças. Realizar uma escuta ativa e consequente do que transmitem, é a base para a concretização de objetivos educativos pertinentes.
A investigação pedagógica é, assim, considerada por nós como essencial para a praxis educativa e para a formação profissional dos educadores, pois promove uma abordagem reflexiva e sustentada, resultando em práticas mais coerentes e consistentes com os princípios que advogamos
A investigação educativa voltada para as crianças envolve o estudo do seu desenvolvimento cognitivo, emocional, social e físico, bem como a análise dos seus contextos familiares, culturais e comunitários. A pesquisa ajuda os educadores a ajustarem as suas abordagens educacionais e a criarem ambientes de aprendizagem inclusivos e enriquecedores. Além disso, a intervenção educativa baseada na investigação permite que os educadores identifiquem áreas de necessidade e implementem estratégias de suporte adequadas.
Ao integrar a investigação e a intervenção educativa centradas nas crianças, os educadores podem criar experiências educativas mais significativas e impactantes, que atendam às necessidades individuais de cada uma e promovam o seu crescimento holístico. Isso não só melhora os resultados acadêmicos, mas, sobretudo, fortalece o bem-estar e o desenvolvimento geral das crianças, bem como se reflete na construção profissional contínua dos educadores.
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Nota: Este trabalho foi financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito dos projetos do CIEC (Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho) com as referências UIDB/00317/2020 e UIDP/00317/2020.
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[1] Ver Decreto-Lei nº 79, de 2014.
Existem dois mestrados em educação pré-escolar: o Mestrado em Educação Pré-Escolar (habilita para o exercício em creche e em jardim de infância, integrando estágio nestas duas valências), e o Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino no 1º Ciclo (habilita para o exercício de todas as valências de educação de infância, ainda que só realizem estágio em jardim de infância, bem como para o exercício docente em 1º ciclo). A Inês realizou o Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino no 1º Ciclo, pelo que o que aqui se relata e analisa é centrado num estágio deste curso.
[2] As Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar constituem o referencial curricular, de caráter orientativo mas não obrigatório, da Educação Pré-Escolar portuguesa, cuja primeira edição foi publicada em4 de agosto de 1997, tendo sido revistas e atualizadas pelo Despacho n.º 9180, , de 19 de julho de 2016.
[3] Tradução própria.