Percepções dos sujeitos da pedagogia da alternância sobre a formação do jovem: o que dizem as famílias?
Perceptions of the subjects of alternance pedagogy on youth education: what do the families say?
Percepciones de los sujetos de la pedagogía de la alternancia sobre la formación de los jóvenes: ¿qué dicen las familias?
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil
professorajaninhaufes@gmail.com
Universitat de Barcelona, Instituto CRIIA, Espanha
jgonzavic@gmail.com
Instituto Federal de Educação do Espírito Santo, Itapina, Colatina, ES, Brasil
rogerio.caliari@ifes.edu.br
Recebido em 21 de abril de 2025
Aprovado em 17 de setembro de 2025
Publicado em 14 de outubro de 2025
RESUMO
O artigo é parte de uma pesquisa com vinculação em nível internacional à Universidade de Sherbrooke/Canadá e em nível nacional à Universidade Federal do Espírito Santo, que reuniu treze países com o objetivo de identificar as principais percepções dos sujeitos da Pedagogia da Alternância sobre a formação do jovem camponês e a partir dessas tecer análises qualitativas. Para este texto, tomamos como recorte as percepções das famílias e demais parceiros do processo formativo que é produzido nos Centros Educativos Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs) no Brasil. Como metodologia nos valemos dos estudos qualiquantitativos, de modo a conciliar ambas as abordagens como relevantes e necessárias à análise e discussão dos dados e, como referencial teórico, autores que fundamentam os estudos sobre a Pedagogia da Alternância. Os resultados trazem dimensões participativas das famílias e parceiros da formação e as suas percepções traduzidas em percentuais de concordância/discordância em torno das temporalidades da Pedagogia da Alternâncias e seus aspectos didático-pedagógicos; e a promoção do desenvolvimento territorial local, sinalizando questões relevantes do ponto de vista da força da formação, bem como questões a serem aprimoradas e/ou fortalecidas na luta pela mantença e ampliação dos CEFFAs.
Palavras-chave: Pedagogia da Alternância; Percepção das Famílias; Desenvolvimento Territorial Local.
ABSTRACT
This article is part of an internationally-linked research project associated with the University of Sherbrooke/Canada and nationally-linked with the Federal University of Espírito Santo/Brazil, that has brought together thirteen countries with the aim of identifying the main perceptions of the subjects involved in the Alternance Pedagogy regarding the education of rural youth, and from these, conduct qualitative analyses. For this text, we took as a basis the perceptions of families and other partners in the educational process that is produced in the Family-Based Educational Centers for Alternance Training (CEFFAs) in Brazil. As a methodology, we use qualitative-quantitative studies, combining both approaches as relevant and necessary for the analysis and discussion of data and, as a theoretical framework, authors who support studies on Alternance Pedagogy. The results highlight the participatory dimensions of families and educational partners and their perceptions expressed into percentages of agreement/disagreement around the temporalities of Alternance Pedagogy and its didactic-pedagogical aspects; and the promotion of local territorial development, pointing to issues from the point of view of the strength of the educational training, as well as issues that need improvement and/or strengthening in the fight to maintain and expand the CEFFAs.
Keywords: Alternance Pedagogy; Family Perception; Local Territorial Development.
RESUMEN
El artículo forma parte de un estudio con vinculación internacional con la Universidad de Sherbrooke/Canadá y, a nivel nacional, con la Universidad Federal de Espírito Santo/Brasil, que reunió a trece países con el objetivo de identificar las principales percepciones de los sujetos de la Pedagogía de la Alternancia sobre la formación de jóvenes campesinos y, a partir de esas percepciones, tejer análisis cualitativos. Para este texto, tomamos como recorte las percepciones de las familias y otros colaboradores del proceso formativo que se desarrolla en los Centros Educativos Familiares de Formación por Alternancia (CEFFAs) en Brasil. Como metodología utilizamos estudios cuali-cuantitativos, con el fin de conciliar ambos enfoques como relevantes y necesarios para el análisis y discusión de los datos y, como referencia teórica, autores que fundamentan los estudios sobre la Pedagogía de la Alternancia. Los resultados muestran dimensiones participativas de las familias y de los colaboradores de la formación y sus percepciones expresadas en porcentajes de acuerdo/desacuerdo en torno a las temporalidades de la Pedagogía de la Alternancia y sus aspectos didáctico-pedagógicos; y la promoción del desarrollo territorial local, señalando cuestiones relevantes desde el punto de vista de la fuerza de la formación, así como cuestiones que deben ser mejoradas y/o fortalecidas en la lucha por el mantenimiento y la expansión de los CEFFAs.
Palabras clave: Pedagogía de la Alternancia; Percepción de las Familias; Desarrollo Territorial Local.
Contextualização do Estudo
Este artigo é parte de uma pesquisa intitulada “As contribuições do Sistema Pedagógico dos Centros Educativos Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs) na perspectiva de seus protagonistas”, realizada entre 2019 e 2023, em treze países de quatro continentes: Argentina, Canadá, Colômbia, Peru, Guatemala, Honduras, Camarões, Moçambique, Filipinas, Itália, Portugal, Espanha e Brasil. A coordenação internacional foi realizada pela Universidade de Sherbrooke, no Canadá, enquanto, no Brasil, foi conduzida pela Universidade Federal do Espírito Santo. Entre seus principais objetivos, os países se uniram com a proposta de identificar, descrever e analisar, através dos pilares dos Centros Educativos Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs) – Pedagogia da Alternância, Associação Local, Desenvolvimento Territorial Local e Formação Integral – (Puig-Calvó, 2006), as percepções dos sujeitos envolvidos no processo de formação de jovens na Pedagogia da Alternância. A investigação contou com o apoio da Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural (AIMFR) e da Fundação Ondjyla.
A Pedagogia da Alternância no Brasil é trabalhada em diferentes CEFFAs que se organizam em redes. Essas buscam garantir as especificidades locais/regionais, como também manter uma certa unidade por meio dos princípios e das mediações didático-pedagógicas.
Esta pesquisa está circunscrita aos CEFFAs, que utilizam a Pedagogia da Alternância e são afiliados à rede da União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (UNEFAB), que congrega o maior número de escolas do país. A pesquisa foi organizada por um comitê científico com representantes de pesquisadores dos 15 países participantes, instituído em 2019 na Guatemala, denominado Grupo Internacional de Investigação e Reflexão sobre a Alternância (GIIRA). Foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa – Educação e Ciências Sociais, Universidade de Sherbrooke/Canadá, em outubro de 2020, sob o registro N/Ref. 2020-2322.
A metodologia qualiquantitativa (Gamboa, 1995; Flick, 2009; Gatti, 2004) foi utilizada na elaboração dos questionários e na análise dos dados, combinando ambas as abordagens como essenciais à discussão dos dados, com base nas especificidades da Pedagogia da Alternância. Além disso, a integração de dados provenientes de metodologias dessa natureza pode enriquecer a compreensão de eventos, fatos e processos. As duas abordagens requerem o esforço de reflexão do pesquisador para dar sentido ao material coletado e analisado (Gatti, 2004, p. 13).
A amostra foi constituída em cada país de acordo com o número de CEFFAs e a adesão à pesquisa. No Brasil, foram convidados 106 CEFFAs da rede UNEFAB que trabalham com Ensino Médio Técnico Profissionalizante, de um total de 153. A divulgação ocorreu por cartas-convite, palestras virtuais e diálogos com coordenadores entre agosto de 2020 e março de 2021. Dos 106 CEFFAs, 53 aderiram, formando uma amostra de 50%, distribuída regionalmente: 03 no Centro-Oeste; 03 no Sul; 04 no Norte; 17 no Sudeste e 26 no Nordeste.
Os sujeitos participantes da pesquisa foram estudantes dos últimos anos do Ensino Médio; professores-monitores-educadores, conhecidos como pessoal pedagógico; egressos e familiares, membros da associação da escola, conhecidos como colaboradores da formação. Para este texto, teceremos nossas discussões em torno das percepções dos sujeitos do grupo de colaboradores, constituído por pais e mães de estudantes, egressos, mestres de estágios, dentre outros.
Como instrumento de coleta de dados, o comitê científico elaborou quatro questionários estruturados, contendo algumas questões baseadas na escala Likert, direcionados a cada grupo de respondentes. Os questionários foram uniformizados entre os países participantes para viabilizar estudos comparativos, respeitando algumas especificidades relacionadas às nomenclaturas dos níveis e modalidades de ensino de cada nacionalidade. A aplicação ocorreu entre abril e setembro de 2021, ainda durante o período de ensino remoto devido à pandemia de Covid-19, o que ocasionou algumas dificuldades na participação e validação dos questionários, especialmente devido à precariedade da conexão à internet nos territórios camponeses.
Com vistas a garantir maior precisão das informações e evitar subnotificações foram tomadas algumas providências, tais como: 1) o questionário era anônimo; 2) foi preenchido eletronicamente, limitando o acesso às respostas àqueles que tiveram acesso ao banco de dados; 3) os responsáveis pela coleta de dados foram informados sobre os procedimentos a serem seguidos e as normas relacionadas à ética por meio de um Guia de Procedimentos e reuniões informativas; 4) em cada sessão de coleta de dados, pelo menos um responsável pela aplicação do questionário auxiliava os participantes a acessá-lo e informava sobre os procedimentos para seu preenchimento.
Após a aplicação dos questionários, as respostas foram enviadas à universidade de Sherbrooke/Canadá, que procedeu a validação, considerando para tanto, um número mínimo de 5 páginas respondidas. Cada CEFFA recebeu um código e as respostas dos grupos participantes foram vinculadas aos respectivos códigos de suas escolas, o que nos oportunizou conhecer as percepções dos sujeitos participantes por unidade, região e nacionalidade. Todos os dados foram reunidos num relatório final, em 2023, denominado “Informe sobre as contribuições do sistema pedagógico dos Centros Educativos Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs) no Brasil, na perspectiva dos seus protagonistas”, de autoria dos pesquisadores brasileiros e apresentado no Seminário Internacional da Pedagogia da Alternância, realizado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pelo Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES).[1]
A Pedagogia da Alternância e a participação das famílias nos CEFFAs
A historiografia da Pedagogia da Alternância traz a família como fundante do projeto organizativo/educativo. Os diálogos foram iniciados com os camponeses, pais de jovens franceses, considerando que o projeto teria de fato legitimidade se houvesse uma construção coletiva, o que culminaria na adesão das famílias. A perspectiva do trabalho com as famílias emerge também da experiência de Abbé Granereau com o sindicato rural, o que sinaliza uma experiência em torno da organização social.[2] Ademais, organizar uma escola com base na Alternância de espaços e tempos, entre a escola e o meio socioprofissional-familiar, demandaria um planejamento acerca das responsabilidades para com o processo formativo a ser desenvolvido em ambos os espaços e tempos, durante as alternâncias que o compõem, como também a sua estreita integração com os novos saberes e o trabalho no campo (Granereau, 2020).
Nessa perspectiva, podemos citar dois fatos importantes que marcam a participação das famílias na criação da Pedagogia da Alternância e do CEFFA: O primeiro refere-se à compra da casa que seria a primeira Maison Familiale Rurale, tal como narrado por Granereau (2020, p.120):
Enfim, eis-me no dia 25 de julho. Às 15 horas, onze chefes de família chegam à entrada da casa a ser visitada, acompanhados por alguns jovens. O Decano de Lauzun está conosco. Quatro se desculparam, manifestando, porém, em princípio, sua adesão. Entre eles, o Sr. Peyrat, ausente por causa de uma infeliz dor de dentes [...]
E ainda:
[...]Treze deram a partida! Quantas vezes me haviam dito: “Seus camponeses? Vai contar com eles até bater no bolso deles. Quando for preciso pagar a conta, não contará mais com eles”. Nossos camponeses responderam de forma excelente a essas calúnias, porque se, no caso, tiverem que abrir o bolso duas ou três vezes, saberão abri-lo por inteiro quando for necessário para salvar seu ideal. Em 1935, encontrei 3 pessoas que me haviam compreendido. Em 1937, encontrei 9 pessoas para salvar a Ideia. (Granereau, 2020, p.122).
São os camponeses que investem na compra do espaço físico da Casa Familiar Rural (CFR), acreditando no projeto formativo e tornando-se cogestores e coformadores dos jovens.
Um segundo fato significativo acerca da participação das famílias na construção da CFR e na dinâmica formativa com a Pedagogia da Alternância, é a criação da organização para a gestão da escola. Trata-se da fundação da primeira associação denominada “Secção Regional Autônoma do Secretariado Central de Iniciativa Rural para a região da cultura de ameixas de Ente, chamada campo de ameixas de Agen” (Granereau, 2020, p.123), em 1937, em Lauzun/França.
Tais fatos, são constitutivos de um dos pilares que hoje sustentam o trabalho dos CEFFAs, a Associação Local (Puig-Calvó, 2006; Costa, 2019; Begnami, 2019). Compreendeu-se desde o início que esta escola, com esta pedagogia seria de base familiar camponesa (González-García, 2020). No Brasil, as primeiras Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) são também criadas a partir da mobilização dos agricultores do Sul do Espírito Santo, que juntamente com lideranças políticas e religiosas fundaram o Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES) e posteriormente, passaram a organizar os agricultores para a criação de Associações Locais nas comunidades que demandariam as primeiras EFAs (Gerke de Jesus, 2011; González-García, 2020; Caliari & Foerste, 2019).
Para Caliari & Foerste (2019):
A partir da formação de uma associação que tem início o entendimento dos princípios básicos de funcionamento de uma Escola Família Agrícola e da Pedagogia da Alternância. É nesse espaço de dúvidas e descobertas que a família camponesa fortalece não só o desejo de ver materializada sua proposta, mas principalmente a conscientização de que são os reais protagonistas da materialização da escola (campanhas de doações, mutirões para construção e reforma, divulgação da escola na comunidade) e seus principais gestores (associação) e colaboradores pedagógicos (Caliari & Foerste, 2019, p. 309).
Nesse sentido, fomos consolidando a ideia de que não é a escola que possui uma associação, mas uma associação que tem uma escola e/ou um projeto formativo na Pedagogia da Alternância. Nessa perspectiva, o CEFFA de uma Associação Local toma suas decisões políticas, pedagógicas e administrativas a partir das deliberações desse coletivo. Como pilar, a Associação Local é cogestora junto às entidades e/ou poder público, mantenedora financeira da escola, e é também coformadora, uma vez que os saberes e fazeres das experiências familiares ocupam os Planos de Formação (currículos) dos CEFFA e são partilhados nas experiências dos estágios nas famílias camponesas e/ou no meio socioprofissional.
Todavia, é imprescindível registrar que garantir a participação das famílias no processo de gestão tem sido um grande desafio, sobretudo pela dificuldade por elas apontada em conciliar a efetiva participação nas decisões e ações dos CEFFAs e o seu trabalho cotidiano no campo. Desse modo, o CEFFA busca criar diferentes experiências que possam contribuir para o engajamento.
A pesquisa revelou que todos os CEFFAs participantes possuem uma Associação Local das famílias e parceiros da formação. Entretanto, 15 das 53 associações ainda não estão registradas como entidade jurídica (Gerke & Benísio, 2024).
No quadro abaixo, apresentamos as formas de participação das famílias e demais parceiros no CEFFA.
Quadro 1. Formas de participação das famílias e parceiros da formação
|
Não se aplica % |
Nunca % |
Sim, agora não mais % |
Sim % |
Não, mas pretendo % |
Total
% |
|
|
É membro da associação do CEFFA |
24,6 |
10,8 |
5,2 |
49,7 |
9,7 |
100,0 |
|
Participa de atividades promocionais do CEFFA |
27,8 |
17,4 |
11,7 |
26,4 |
16,7 |
100,0 |
|
Participa das reuniões de decisão da associação |
24,4 |
16,0 |
9,9 |
37,7 |
12,0 |
100,0 |
|
Participa de formações no CEFFA |
28,4 |
31,2 |
9,7 |
16,7 |
14,0 |
100,0 |
|
Recebe estudantes para partilhar experiências |
27,5 |
28,4 |
12,2 |
11,7 |
20,1 |
100,0 |
|
Partilha materiais ou ferramentas com o CEFFA |
30,5 |
32,7 |
7,9 |
11,5 |
17,4 |
100,0 |
|
Atua como voluntário(a) nos trabalhos comunitários do CEFFA |
24,4 |
24,4 |
15,1 |
19,2 |
16,9 |
100,0 |
|
Participa na organização de eventos do CEFFA |
22,8 |
24,4 |
18,7 |
15,1 |
19,0 |
100.0 |
|
Representa o CEFFA ou a associação na comunidade, região, país. |
30,9 |
23,5 |
7,2 |
24,4 |
14,0 |
100,0 |
|
Oferece bolsas de estudos |
42,9 |
43,3 |
2,5 |
2,9 |
8,4 |
100,0 |
|
Doa dinheiro ao CEFFA |
35,2 |
29,6 |
7,2 |
16,0 |
12,0 |
100,0 |
Fonte: Gerke & Benísio (2024).
A partir do exposto, buscamos evidenciar as formas participativas das famílias e parceiros no trabalho do CEFFA, tomando para tanto as diferentes experiências criadas com o objetivo de promover o engajamento ao projeto formativo e/ou ao trabalho coletivo. De um modo geral, os dados revelam um índice alto de “Não se aplica” e “Nunca” para muitas formas participativas, dentre elas a participação em formações do CEFFA; a oferta de bolsas de estudos e até mesmo a partilha de materiais e ferramentas ou a doação pecuniária. O índice que de fato representa a atual participação está quantificado na resposta “Sim”, ou seja, a partir desta visualizamos o percentual real de participação em cada uma das formas, embora o aceno registrado nas respostas “Não, mas pretendo” também figure como possibilidade significativa nessa análise. Apenas 49,7% são membros da associação e 37,7% participam das reuniões de decisão. Esses baixos percentuais mostram uma fragilidade na atuação da Associação Local das famílias como gestora do CEFFA.
Por outro lado, ao tecermos análises sobre a totalidade das experiências realizadas pelos CEFFAs para promover as diferentes formas de participação, nos deparamos com uma diversidade importante, que reflete a defesa pelo princípio da construção coletiva do trabalho. São ações e/ou atividades políticas, pedagógicas e administrativas que demandam organização, discussão, deliberação e prática no âmbito dos fazeres formativos e de sustentabilidade da escola.
Desta forma, os dados podem constituir pauta de discussão no coletivo da Associação Local, de modo que, notadamente aqueles que ainda não participam, mas acenam para essa possibilidade, possam vir a ocupar a coluna daqueles que efetivamente assumem o trabalho. Por outro lado, inferimos acerca da necessidade de atualizar as discussões em torno da função política, social, ambiental e profissional na formação do CEFFA, para os estudantes, como também para as famílias e parceiros. Ao ocuparem os espaços da Associação Local, das formações, das representações dos CEFFAs e do acolhimento de estudantes, as famílias e demais parceiros passam também a enredar processos de ensino e aprendizagem que culminam em processos de autoformação.
Nas próximas linhas, apresentaremos as percepções das famílias e dos parceiros da formação, compreendendo que escutá-los é um movimento profícuo no fortalecimento do pilar “Associação Local” e na práxis por ela empreendida.
Percepções das famílias camponesas sobre o trabalho com a Pedagogia da Alternância no Brasil
Dentre todos os grupos participantes da pesquisa, este constituído pelas famílias, mestres de estágios, movimentos sociais, parceiros da formação e membros da Associação Local, foi o grupo com maior índice de invalidação dos questionários respondidos. No universo de 53 escolas, 1.151 colaboradores acessaram e responderam parte dos questionários, contudo, apenas 444 foram validados dentro do percentual mínimo de 5 páginas respondidas, o que corresponde a 38,5% dos participantes. Em nossa avaliação, a partir da escuta dos aplicadores locais, houve dificuldades em relação ao funcionamento precário da internet e, por conseguinte, no salvamento das respostas; como também a própria extensão do questionário, considerada grande. Desta forma, trabalhamos com 444 sujeitos respondentes que constituíram a amostra das percepções ora apresentadas. Optamos por destacar, no coletivo de colaboradores, o termo “família” porque são elas, majoritariamente, que compõem a Associação Local da escola e, consequentemente, a maior representatividade dentre os aqui denominados “colaboradores”, totalizando entre os 444 respondentes, 336 sujeitos (Gerke & Benísio, 2024).
Quanto ao gênero dos participantes, a maioria autodeclarou ser do gênero feminino, 64,1%, em relação à 35,5% que se autodeclararam ser do gênero masculino. No que se refere à idade, os sujeitos, em sua maioria encontram-se na faixa etária de 30 a 50 anos, o que representa um percentual de 64,1%. Outro dado interessante diz respeito aos anos de participação como membros na Associação Local da escola. A maioria participa no período de até 05 anos, 70,1% e apenas 6,5% atuam na associação há cerca de 20 anos. É claro que esses números também se relacionam à idade do CEFFA.
Apresentada algumas das características dos sujeitos participantes dos estudos, passamos para apresentação de suas percepções em relação à Pedagogia da Alternância, enquanto práxis teórica e metodológica da formação dos jovens campesinos. Nesse sentido, a partir do uso da escala de Likert, o gráfico 01 traz o nível de acordo e/ou desacordo acerca de aspectos importantes.
Gráfico 01. Nível de acordo e/ou desacordo sobre a Pedagogia da Alternância temporal e espacial
Fonte: Gerke & Benísio (2024).
Nesse primeiro gráfico as percepções foram destinadas, especialmente aos tempos formativos, o que tem sido objeto de discussão junto às famílias, docentes e estudantes, de modo que a indagação precípua se refere a qual deve ser o tempo necessário para a verdadeira alternância, numa perspectiva integrativa e conciliadora das possibilidades de estudo e trabalho. Nesse sentido, como é possível observar, 80,5% das famílias compreendem que o tempo na proporcionalidade de 50% no CEFFA e 50% no meio socioprofissional/comunitário/familiar favorece o sucesso da formação. O que é fortalecido ainda com a percepção de 84,8% das famílias sobre a organização alternada do CEFFA contribuir para a formação. Esta, portanto, tem sido a organização atual dos tempos formativos da expressa maioria dos CEFFAs no Brasil, o que também nos revela a não sobreposição de tempos e espaços formativos, destinando à escola e ao meio socioprofissional-comunitário/familiar a mesma temporalidade. Avaliar os tempos formativos a partir dessa escuta, nos remete ainda ao registro da relevância da alternância temporal, compreendendo que ela não é apenas uma sucessão cronológica e alternada de tempo e espaço (Rocha et. al., 2010), mas é uma pedagogia formativa que integra saberes, fazeres e sujeitos no processo formativo dos jovens. A Alternância, no seu ir e vir, forma um movimento entre dois espaços e tempos, que não podem ser compreendidos como duais e dicotômicos, mas integrados e amalgamados, o que se efetiva com as mediações didático-pedagógicas (Gerke de Jesus, 2011; Begnami, 2019).
Outro aspecto com considerável percepção positiva é a formação empreendida com a Pedagogia da Alternância a partir das experiências dos sujeitos estudantes, dos seus saberes e fazeres. Trata-se de um aspecto didático-pedagógico e metodológico do fazer docente no CEFFA, que está ancorado no princípio de que a vida ensina, concebido desde a gênese da Pedagogia da Alternância (Granereau, 2020), fortalecido com as aprendizagens produzidas em nosso território brasileiro a partir do encontro com a Educação Popular e, nas últimas décadas, com os pressupostos da Educação do Campo. Quando as famílias reconhecem que a formação é baseada nas experiências dos jovens há também um reconhecimento de que o CEFFA vai ao encontro das demandas de trabalho e da formação, das necessidades que emergem da lida com a terra, e, sobretudo, da valorização em relação aos saberes por eles trazidos, por conseguinte é também a valorização das experiências e dos saberes das famílias. Portanto, é, em nossa perspectiva o reconhecimento de que a escola forma na relação dialógica de valorização epistêmica dos educandos (Freire, 1996).
Outrossim, são fazeres docentes produzidos no âmbito da formação dos estudantes a partir das aproximações compartilhadas com a comunidade local, proporcionando possibilidades de transformação da vida das famílias a partir de seus próprios conhecimentos em diálogo com novos saberes produzidos no intercâmbio formativo escola e família/comunidade. Reafirmamos que a Pedagogia da Alternância como práxis está continuamente desafiada a ser trabalhada por meio das redes de conhecimentos intercambiáveis. Uma pedagogia aberta às tradições e traduções; aconchegante e apaixonante; uma pedagogia que se confirme como lugar da humanização porque valoriza a pessoa, que se admita como ambiente de busca do novo sem abandonar o que já foi elaborado e que se fortaleça como espaço de parcerias para propor caminhos de se pensar uma nova sociedade; que se constitua de lugares que cultivam o diálogo com a sustentabilidade e com as realidades camponesas; e que os CEFFAs que com ela trabalham possam ser lugar de famílias atuantes. Em outras palavras espaços de diálogos e partilhas que educam crítica e democraticamente. Compreendemos, desse modo, que a Pedagogia da Alternância ao assumir o diálogo como elemento formativo, contribui para a emancipação de sujeitos subalternizados historicamente. Esta tarefa passa, em especial, pela mobilização comunitária e por ações pedagógicas que tensionam o modelo imposto pelo capital.
Gráfico 02. Nível de acordo e/ou desacordo sobre a Pedagogia da Alternância: Aspectos didático-pedagógicos
Fonte: Gerke & Benísio
(2024).
A partir do exposto no gráfico 02, categorizamos as percepções acerca dos aspectos didático-pedagógicos circunscritos ao estágio supervisionado; à relação dos conteúdos das disciplinas básicas com as experiências do trabalho (ofício); e à permanência do jovem no internato durante a sessão no CEFFA. Todas com um índice de mais de 70% de concordância das famílias como favoráveis à formação. Tais questões também figuram na pauta dos debates sobre a qualificação do trabalho com a Pedagogia da Alternância, em especial a relação necessária entre os saberes curriculares das disciplinas da educação básica e os saberes vivenciais do mundo do trabalho, como a permanência ou não dos estudantes no internato.
Como já discutido, a relação entre os diferentes saberes, de sujeitos e de campos epistemológicos é princípio da Pedagogia da Alternância. Contudo, os desafios para sua garantia são reais e se apresentam, sobretudo, sob o viés da lógica tradicional, imposta pelos currículos homogeneizantes. Nessa perspectiva, os CEFFAs, como escolas que também integram os sistemas regulares de ensino, passam pelas avaliações externas e são submetidos a processos de regulamentação de seus cursos a partir de matrizes curriculares que, apesar de, por um lado, garantirem as especificidades da Pedagogia da Alternância, por outro, imputam conteúdos obrigatórios em convergência com as bases tecnológicas definidas pelo Estado. Desta forma, os Planos de Formação (currículos) dos CEFFAs são construídos de modo a garantir a inclusão de conteúdo dos currículos regulares em diálogo com os saberes do trabalho, da cultura, dos modos organizativos e das demandas que emergem da vida camponesa, pois [...] “esta pedagogía parte de la afirmación que el saber no se encuentra únicamente en la escuela, que el profesor no es el único que posee el saber. Son una parte de todos los elementos que pueden intervenir en la formación del joven” (González-García, 2020, p.70).
Quanto ao estágio supervisionado, trata-se de uma práxis didático-pedagógica imprescindível na formação profissional do jovem, realizado em diferentes etapas ao longo do curso, junto aos agricultores familiares da comunidade e para além dessa, oportunizando ao jovem conhecer outras realidades produtivas, o que por sua vez, vai ao encontro do princípio de valorização das experiências das famílias. Dentre os sujeitos participantes, 74,9% (Gerke & Benísio, 2004) já receberam em suas casas/famílias estudantes para a realização de estágio, atribuindo-lhe um nível de 88% de total concordância em relação à sua contribuição na formação do estudante. Desta forma, à luz da percepção das famílias, o estágio cumpre uma função significativa na formação; requer preparação prévia e acompanhamento processual dos docentes in lócus.
Por fim, registramos também a percepção positiva das famílias acerca do internato, uma representatividade de 71,9% plenamente de acordo com a sua contribuição para a formação. O internato não é apenas o alojamento e/ou a possibilidade de os estudantes pernoitarem na escola, mas está diretamente relacionado à vida de grupo e à auto-organização. Trata-se de uma oportunidade de viver na práxis a auto-organização necessária às relações de trabalho e de organização comunitária. Assumem-se tarefas e responsabilidades sem distinção de gênero; definem-se regras de convivência e a organização com partilhas de atribuições ocupa lugar fulcral na vida de grupo, o que é altamente educativo na perspectiva da formação de sujeitos que humanamente se formam e/ou se educam nas relações sociais mediatizadas pelo meio (Freire, 1996).
O reconhecimento do internato por parte das famílias como favorável à formação é um elemento importante no debate sobre sua manutenção ou não, considerando atualmente que alguns CEFFAs encontram dificuldades em mantê-lo.
Sobre a relação da Pedagogia da Alternância e o Desenvolvimento Territorial Local, as famílias também expressaram suas percepções, tal como visualizamos no gráfico 03.
Fonte: Gerke & Benísio (2004).
Os desafios da Pedagogia da Alternância para a promoção do Desenvolvimento Territorial Local passam pelo estimulo à práticas agrícolas de baixo uso de insumos externos; pela valorização da cultura e a identidade dos territórios; pela preservação e gestão dos recursos naturais; pela evolução tecnológica; por equilibrar as migrações e assegurar a inserção socioprofissional do jovem e; por associar saber-fazer das gerações.
O conceito de Desenvolvimento Territorial Local está na pauta das discussões dos monitores-educadores e professores que trabalham com a Pedagogia da Alternância no Brasil, em especial pelas discussões em curso que também problematizam a ideia de desenvolvimento sustentável do meio como uma possível conciliação acrítica de uma produção a serviço do desenvolvimento capitalista (Silva, 2012).
Por outro lado, na esteira das produções históricas acerca do conceito, ao enfatizarem as possibilidades da Pedagogia da Alternância enquanto motivadora de uma formação para um Desenvolvimento Territorial Local, há destaques para as dimensões de incentivo à participação popular e práticas agrícolas sustentáveis. Desta forma, o CEFFA, por meio do trabalho com a Pedagogia da Alternância, se constitui em ponto de apoio para a organização das comunidades tradicionais camponesas, promovendo debates sobre trabalho, território, modos produtivos, seus problemas e perspectivas, o que caminha na direção do pilar Desenvolvimento Territorial Local.
Portanto, Desenvolvimento Territorial Local é aqui compreendido sob a lógica da participação e mobilização popular. É a base de conversão de propostas de uma produção sustentável em práticas efetivas, preponderando o fortalecimento das decisões dos sujeitos sociais envolvidos e sendo capaz de gerar dimensões de mudanças sociais e mabientais, com transformações intelectuais que traduzem e valorizem o saber e as realidades dos sujeitos do campo e de seus coletivos (Caliari, 2002).
Ademais, a perspectiva de uma formação para o Desenvolvimento Territorial Local é fomentar um trabalho produtivo com a adoção de práticas sustentáveis que ressaltem o saber gerado a partir da lida respeitosa com a terra, com as experiências dos povos tradicionais e; um trabalho conscientizador das potencialidades dos territórios camponeses e dos seus coletivos, bem como impulsionador de seus níveis participativos e organizacionais.
Nesse sentido, compreendemos que a práxis em contexto do trabalho com a Pedagogia da Alternância, exposta em suas formas diferenciadas de inserção e integração com os territórios camponeses, comprova a sua característica impulsionadora de ações voltadas para o Desenvolvimento Territorial Local. Ao tratarmos aqui de Desenvolvimento Territorial Local buscamos identificar percepções que estão relacionadas ao compromisso com projetos sociais; compartilhamentos e apropriações das inovações tecnológicas; participação popular e, fortalecimento das raízes locais.
Como é possível observar os maiores índices de concordância estão em relação à participação social dos jovens e no fortalecimento das raízes locais, com 72,1% e 66,6%, respectivamente. Por outro lado, no que se refere à inovação tecnológica e/ou transferência de novas tecnologias do CEFFA para o território, identificamos o menor índice de concordância, 56,3%.
Nesse sentido, inferimos sobre a histórica potência do CEFFA em relação a uma formação com compromisso social. É evidente, conforme demonstram os dados, que o CEFFA fomenta o engajamento dos jovens em projetos sociais, bem como contribui para a valorização das raízes locais. Em nossa perspectiva, a observância das famílias se dá em função do viés político, social e cultural do fazer pedagógico da Alternância, na sua intrínseca relação com as questões do meio socioprofissional/familiar, provocada pelas pesquisas dos Planos de Estudos, como também pelas atividades de transformação do meio (Ângelo, 2019).
Por outro lado, estamos diante do desafio de enfrentar as fragilidades e/ou baixo impacto em relação à inovação tecnológica, o que se relaciona aos fazeres pedagógicos, como também aos modos produtivos do camponês.
Nessa perspectiva, é importante registrar as discussões em curso, sobretudo junto aos monitores-professores da rede CEFFAs, acerca das implicações pedagógicas e de infraestrutura para a formação em ciências e tecnologias necessárias ao campo, na direção do Desenvolvimento do Território Local na perspectiva agroecológica (Costa, 2019; Begnami, 2019) e na contramão dos modos exploratórios do capital.
Esse movimento emerge a partir das percepções traduzidas em tela, como também das demandas apresentadas nos coletivos de Educação do Campo, que têm pautado a necessidade do uso de novas tecnologias da informação, comunicação e produção nos territórios camponeses. Nesse bojo, a luta pelo acesso às tecnologias de informação, comunicação e produção, coloca ainda a necessidade de considerar as reais características produtivas de base familiar camponesa, que marcam a diversidade étnica, cultural e territorial constituinte dos povos tradicionais e sua existência.
Nessa esteira, no gráfico 04 apresentamos mais alguns aspectos avaliados pelas famílias a partir de suas percepções em relação ao Desenvolvimento Territorial Local que passa, considerando o referencial que sustenta essa discussão e o trabalho nos CEFFAs, pela participação e/ou compromisso social; diversificação do trabalho no campo; soberania alimentar; e o Cuidado com o meio ambiente.
A saber:
Gráfico 04. Nível de acordo e/ou desacordo sobre a Pedagogia da Alternância e o Desenvolvimento Territorial (Meio ambiente, Trabalho e Segurança Alimentar)
Fonte: Gerke & Benísio (2024)
A partir do gráfico 04, destacamos precipuamente o índice de concordância das famílias sobre o CEFFA e o cuidado com o meio ambiente. Trata-se de um percentual de 80,4% de concordância plena, o que reflete um histórico compromisso do trabalho com uma lógica de Desenvolvimento do Território atrelada ao cuidado com o meio ambiente. Nesse sentido, corroboramos com as discussões de Caliari (2002); Costa (2019); Begnami (2019) que ao pensarem a dimensão do pilar “Desenvolvimento Territorial Local”, defendem a necessidade de desconstruir as lógicas desenvolvimentistas pautadas na racionalidade neoliberal, defendendo a necessidade de cunhar uma dimensão de desenvolvimento com sustentabilidade, práticas agroecológicas e o cuidado com o meio ambiente, que do ponto de vista teórico conceitual podem ser distintas, por um lado, mas por outro estão intimamente entrelaçadas. Para Costa (2019):
[...] Desenvolvimento local e sustentável como elemento direto da ação-reflexão-ação e do ver-julgar-agir[...] esse processo reflexivo sobre a práxis contribui com a construção de um projeto de nação, pautado na lógica da solidariedade, da justiça social, da partilha, da agroecologia, da preservação ambiental, da sustentabilidade, do fortalecimento das organizações populares Bem Viver, da vivência e da qualificação da classe trabalhadora (Costa, 2019, p. 309).
A perspectiva da sustentabilidade e da agroecologia, trazidas por Costa (2019) e por Begnami (2019) no bojo dos pilares do CEFFAs vem ao encontro dos saberes e fazeres dos povos tradicionais e dos movimentos sociais, constituindo-se no horizonte da produção sustentável da vida.
Outrossim, há destaques para a diversificação do trabalho no território e a segurança alimentar, com 71,2% e 70,2%, respectivamente. Desta forma, compreendemos que na perspectiva das famílias a formação técnica e profissional do jovem contribui para outros fazeres laborais no território camponês. Ademais, temas como “Trabalho”, “Modos Produtivos”, “Geração de Renda” e Diversificação” constituem conteúdo dos Planos de Formação (Currículos) dos Jovens estudantes dos CEFFAs. É possível inferir que essa percepção se assenta nas possibilidades descortinadas pela pesquisa e pela intervenção nos fazeres técnicos e pedagógicos, presentes nos Planos de Formação, trabalhados por meio do Projeto Profissional do Jovem (PPJ) e pelas significativas práticas de estágios ao longo do curso.
No que se refere à segurança alimentar, de igual modo, figura em temática de Plano de Estudos como conteúdo ao longo da formação. Para além, os estudantes são motivados a construírem nos seus territórios hortas e pomares, como também diversificarem a produção de alimentos e criações. Na própria escola, a produção de alimentos é elemento formativo e de sustentação dos estudantes, o que fortalece a formação pela práxis no espaço e tempo do CEFFA e da comunidade e/ou meio socioprofissional/familiar.
Por fim, registramos com menor índice de concordância a promoção do compromisso político, em nível comunitário, regional e nacional, com um percentual de 55,1%. Ao compararmos com o índice de concordância sobre a promoção do compromisso social, gráfico 03, identificamos que há maior concordância de que o CEFFA contribui mais para o compromisso social do que para o compromisso político. Embora compreendamos que o social e o político figuram como complementares, é possível que a percepção em torno de uma participação ou compromisso político esteja vinculada à concepção política partidária, o que nos provoca a aprofundar tal questão em estudos posteriores.
Portanto, na perspectiva das famílias, o CEFFA promove ações importantes que corroboram para o Desenvolvimento Territorial Local, com fazeres formativos que fortalecem em especial o compromisso social, o cuidado com o meio ambiente, a segurança alimentar e a diversificação do trabalho. As percepções com menor índice de concordância merecem atenção e, a partir dos objetivos dessa pesquisa, passarem a compor as pautas de discussão sobre o aperfeiçoamento do trabalho, com especial dedicação às fragilidades apontadas.
Considerações Finais
Ao trazermos aqui as percepções das famílias e demais parceiros da formação de jovens dos Centros Educativos Familiares de Formação por Alternância, nos valemos da expectativa de socializar suas impressões acerca de um trabalho educativo que celebra, em 2025, seus 90 anos de existência no mundo (González-García, 2020). Durante toda essa trajetória, não foi realizada nenhuma pesquisa com tamanha abrangência, tampouco com enfoque na escuta da percepção seus sujeitos. Nesse sentido, mais do que socializar resultados, partilhamos aqui as percepções familiares acerca das suas formas participativas na escola; sobre as temporalidades formativas e, sobre o Desenvolvimento Territorial Local, promovidos pelos CEFFAs do Brasil, sinalizando avanços e perspectivas na continuidade do trabalho.
A pesquisa, para além da escuta que nos proporcionou, evidenciou ainda os grandes desafios que cercam as populações camponesas, como o acesso às tecnologias, a internet de qualidade e à própria estruturação da escola para o trabalho. Por outro lado, notadamente, contribuiu para visibilizar a potência da formação dos CEFFAs, com a significativa possibilidade de conciliar trabalho e estudo, sem abandono de suas raízes identitárias, como também para um Desenvolvimento Territorial Local, protagonizado pela participação popular.
A percepção das famílias e dos demais membros da Associação Local é fundamental na contínua avaliação dos itinerários de formação dos CEFFAs. A escuta dos sujeitos está na gênese da Pedagogia da Alternância, nasceu com ela quando Granereau organizou um pequeno grupo de pais em Sérignac-Péboudou, França, para construir a primeira experiência, em 1935. Como pilar dos CEFFAs, a Associação Local, que reúne as famílias, movimentos sociais, entidades do campo e demais parceiros da formação, constitui locus de proposições assentadas nas demandas que emergem da materialidade camponesa.
Por fim, ratificamos que as análises em torno do Desenvolvimento Territorial Local, participação popular e a especificidade formativa da Pedagogia da Alternância, permitem concluir que o CEFFA é importante para o acesso do jovem camponês à escola, com a conciliação do trabalho e do estudo; contribui para a melhoria da qualidade de vida por meio da diversificação dos modos produtivos; constitui um instrumento importante na conscientização ambiental e na participação social; e favorece a organização comunitária e a transformação das relações com a terra, trabalho e território.
Referências
ÂNGELO, Simone Ferreira. Plano de estudo e sua relação com a práxis. Uma categoria do pensamento Freiriano. In. FOERSTE, Erineu et al. Pedagogia da Alternância: 50 anos em terras brasileiras. Memórias, trajetórias e desafios. Curitiba: Apris, 2019. p. 141-155.
BEGNAMI, João Batista. Formação por Alternância na Licenciatura em Educação do Campo: limites e possibilidades do diálogo com a Pedagogia da Alternância. 2019. 402f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.
BENÍSIO, Joel Duarte. Currículo da Escola Família Agrícola: entre o programa oficial e o plano de estudo. 163 f. Dissertação. (Mestrado profissional em Educação do Campo). PPGEducampo, Centro de Formação de Professores – CFP. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. UFRB, Amargosa, 2023.
CALIARI, Rogério Omar. Pedagogia da Alternância e Desenvolvimento Local. Lavras, MG: UFLA, 2002.
CALIARI, Rogério Omar. Foerste, Erineu. Um pouco da história, do significado e da presença da família camponesa na prática pedagógica em alternância: O caso da EFA de Olivânia. In. FOERSTE, Erineu et al. Pedagogia da Alternância: 50 anos em terras brasileiras. Memórias, trajetórias e desafios. Curitiba: Apris, 2019. p. 189 a 218.
COSTA, Tiago Pereira da. Entre os velhos e os novos pilares da Pedagogia da Alternância: Estudo de caso da rede da Escolas Famílias agrícolas integradas do Semiárido (Refaisa) no estado da Bahia. In. FOERSTE, Erineu et al. (Orgs.). Pedagogia da Alternância: 50 anos em terras brasileiras. Memórias, trajetórias e desafios. Curitiba: Apris, 2019. p. 295 a 314.
FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. Tradução Joice Elias Costa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GATTI, Bernadete Angelina. Estudos quantitativos em educação. Educação e Pesquisa [online]. São Paulo, v.30, n.1, p. 11-30, jan./abr. 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ep/a/XBpXkMkBSsbBCrCLWjzyWyB/?format=pdf&lang=pt Acesso em: 09 abr. 2025.
GAMBOA, Silvio Ancisar Sanches. Quantidade-qualidade: para além de um dualismo técnico e de uma dicotomia epistemológica. In: SANTOS FILHO, José Camilo dos; GAMBOA, Silvio Ancisar Sanches. (Orgs.). Pesquisa educacional: quantidade-qualidade. São Paulo: Cortez, 1995.
GERKE DE JESUS, Janinha. Formação dos Professores na Pedagogia da Alternância: Saberes e fazeres do campo. Vitória/ES: GM editora, 2011.
GERKE, Janinha. BENÍSIO, Joel Duarte. As contribuições do sistema pedagógico dos Centros Educativos Familiares de Formação por Alternância (CEFFA) no Brasil, na perspectiva dos seus protagonistas. Informe de Investigação. Grupo Internacional de Investigação e Reflexão sobre a Alternância (GIIRA). Brasil, 2024.
GONZÁLEZ-GARCÍA, Jordi. La tutoria personal em el sistema de formación por alternância. Estudio internacional de impactos em los centros educativos familiares de formacións por alternância. 2020. 337 f. Tesis Doctoral. (Doctorado en Innovación e Intervención Educativas). Universitat de Vic – Universitat Central de Catalunya, Barcelona, 2020. Disponível em: https://repositori.uvic-ucc.cat/handle/10854/6348 Acesso em 09 de abr. 2025.
GRANEREAU, Abbé. O Livro de Lauzun: onde começou a Pedagogia da Alternância. Tradução deTierry de Burghgrave. Fortaleza: Edições UFC, 2020.
PUIG-CALVÓ, Pedro. Los centros de formación por alternancia: desarrollo de las personas y de su medio. 2006. 389f. Tesis Doctoral (Doctorado en Ciencias de la Educación) Universitat Internacional de Catalunya, Barcelona, 2006.
SILVA, Carlos Eduardo Mazzetto. Desenvolvimento Sustentável. In: CALDART, Roseli Salete. et al. (Orgs.). Dicionário da Educação do Campo. 2.ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio: Expressão Popular, 2012. p. 204-209.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)
Notas
[1] O I Seminário foi realizado no dia 08 de março de 2024 no auditório do Programa de Pós-Graduação em Educação - CE/UFES. Nessa ocasião participaram membros da Associação Internacional das Maisons Familiales Rurales, Fundação Ondyla e pesquisadores dos países participantes.