A Linguagem nos currículos de pedagogia: a formação dos professores alfabetizadores na Região Metropolitana de Porto Alegre, RS
Language in the Pedagogy Curricula: Training of Literacy Teachers in the Metropolitan Region of Porto Alegre, RS
La Lenguaje en los currículos de pedagogía: la formación de los maestros alfabetizadores en la Región Metropolitana de Porto Alegre, RS
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
carolgciceri@gmail.com
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
rigatti.scherer@gmail.com
Recebido em 14 de março de 2025
Aprovado em 17 de setembro de 2025
Publicado em 07 de outubro de 2025
RESUMO
Objetivo: Este trabalho investiga a presença de disciplinas voltadas para a linguagem nos currículos de cursos de Pedagogia na Região Metropolitana de Porto Alegre, considerando a importância de preparar educadores capacitados para promover a alfabetização eficaz. Metodologia: A pesquisa foi realizada através de uma análise documental quantiqualitativa, envolvendo 29 Instituições de Ensino Superior da região. A coleta de dados consistiu na identificação e categorização de disciplinas com temas voltados à linguagem, língua portuguesa, alfabetização, leitura, escrita e metalinguagem. Resultados: Os resultados revelaram uma predominância de disciplinas obrigatórias relacionadas à língua portuguesa e alfabetização, mas uma baixa incidência de disciplinas voltadas para a linguagem, metalinguagem e consciência linguística, elementos fundamentais para o processo de alfabetização. Conclusão: As conclusões trazem reflexões quanto à necessidade de ajustes curriculares para garantir uma formação mais abrangente, que contemple a complexidade da linguagem e da alfabetização. Além disso, sugere-se maior integração entre os campos da educação e fonoaudiologia, de modo a preparar os futuros professores para lidar com as múltiplas demandas do processo de alfabetização no contexto escolar.
Palavras-chave: Linguagem; Alfabetização; Formação de professores.
ABSTRACT
Objective: This study investigates the presence of courses focused on language in the curricula of Pedagogy courses in the Metropolitan Region of Porto Alegre,, considering the importance of preparing educators capable of promoting effective literacy. Methodology: The research was conducted through a quantitative and qualitative documentary analysis involving 29 Higher Education Institutions in the region. Data collection consisted of identifying and categorizing courses focused on topics related to Portuguese language, language in broad sense, literacy, reading, writing, and metalinguistics. Results: The findings revealed a predominance of mandatory courses related to Portuguese language and literacy but a low incidence of courses addressing language, metalinguistics, and linguistic awareness, which are fundamental elements for the literacy process. Conclusion: The conclusions highlight the need for curricular adjustments to ensure more comprehensive training encompasses the complexity of language and literacy. Furthermore, it is suggested that there be greater integration between the fields of education and speech-language pathology to better prepare future teachers to manage the diverse demands of the literacy process in school settings.
Keywords: Language; Literacy; Teacher training.
RESUMEN
Objetivo: Este trabajo investiga la presencia de asignaturas relacionadas con el lenguaje en los currículos de los cursos de Pedagogía en la Región Metropolitana de Porto Alegre, considerando la importancia de preparar a los educadores para promover una alfabetización eficaz. Metodología: La investigación se realizó mediante un análisis documental cuantitativo y cualitativo, que involucró a 29 Instituciones de Educación Superior de la región. La recolección de datos consistió en la identificación y categorización de asignaturas relacionadas con el lenguaje, la lengua, la alfabetización, la lectura, la escritura y la metalingüística. Resultados: Los resultados revelaron una predominancia de asignaturas obligatorias relacionadas con la lengua portuguesa y la alfabetización, pero una baja incidencia de asignaturas enfocadas en el lenguaje, la metalingüística y la conciencia lingüística, elementos fundamentales para el proceso de alfabetización. Conclusión: Las conclusiones subrayan la necesidad de ajustes curriculares para garantizar una formación más integral que contemple la complejidad del lenguaje y la alfabetización. Además, se sugiere una mayor integración entre los campos de la educación y la fonoaudiología para preparar a los futuros profesores para enfrentar las múltiples demandas del proceso de alfabetización en el contexto escolar.
Palabras clave: Lenguaje; Alfabetización; Formación de profesores.
Introdução
A alfabetização e a aquisição de outras habilidades linguísticas são marcos cruciais no desenvolvimento educacional das crianças, sendo fundamentais para seu progresso acadêmico e social (Dias, 2023). Embora frequentemente associada às habilidades de decodificação de símbolos gráficos, a alfabetização vai além, abrangendo o acesso à construção do conhecimento e às formas de comunicação humana. Esses processos, essenciais para a vida em sociedade, são intrinsecamente complexos e multifacetados, englobando aspectos fonológicos, sintáticos, semânticos, pragmáticos e discursivos, além de elementos cognitivos e socioemocionais (Dos Santos; Vieira; Futata, 2021).
As contribuições de Vygotsky (1989) e Piaget (1974) ajudam a entender a complexidade do desenvolvimento da linguagem. Para Vygotsky, a linguagem é um instrumento cultural e social essencial para a comunicação e a resolução de problemas, além de desempenhar um papel fundamental na formação do pensamento. Ele destaca a importância das interações sociais para a internalização da linguagem, que se torna uma função psicológica superior. Para o autor, a linguagem vai além de ser apenas uma ferramenta de comunicação, sendo essencial na construção do pensamento e no desenvolvimento cognitivo. Já Piaget vê a linguagem como reflexo do desenvolvimento cognitivo e uma ferramenta para compreender o mundo. Em seus estágios de desenvolvimento, Piaget observa que, no estágio sensório motor (do nascimento aos 2 anos), a linguagem está inicialmente ligada às necessidades básicas, mas sua principal característica é o desenvolvimento da permanência do objeto. A linguagem começa a surgir mais tardiamente nesse estágio, ainda muito ligada ao contexto imediato. No estágio pré-operatório (dos 2 aos 6 anos), a criança começa a usar símbolos para expressar ideias e necessidades, o que é crucial para a alfabetização. A utilização de símbolos permite à criança representar eventos e objetos, facilitando a expressão e construção de um vocabulário, o que prepara o terreno para a compreensão de que as palavras podem representar ideias e ações. Nos estágios operatório concreto (dos 7 aos 11 anos) e operatório formal (a partir dos 11 anos), a linguagem evolui, permitindo a expressão de pensamentos complexos, a capacidade de abstração e a resolução de problemas, habilidades essenciais para a leitura e escrita. Piaget também discute, embora de forma menos enfática, conceitos como metalinguagem e metacognição, relacionados ao desenvolvimento da consciência do próprio processo cognitivo. Esses referenciais teóricos reforçam a importância de uma formação docente que aborde tanto os aspectos linguísticos quanto os processos psicológicos da leitura e escrita.
De acordo com Scherer (2020), três pilares são fundamentais para que esse processo se consolide de forma eficaz: a consciência fonológica, o princípio alfabético e o letramento. Esses elementos, considerados como um tripé, fornecem uma base sólida e necessária para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, articulando aspectos da oralidade, do reconhecimento da relação entre fonemas e grafemas e da inserção do sujeito em práticas sociais de uso da língua. Nesse contexto, a consciência linguística, amplamente discutida por Gombert (1992), é uma habilidade essencial para a reflexão consciente e deliberada sobre a própria linguagem. Isso não apenas permite aos indivíduos utilizarem a linguagem de forma eficaz em diferentes contextos, mas também aprimorar e expandir seu uso linguístico, seja no nível fonológico, sintático, semântico ou pragmático. Estudos de meta-análise (Melby-Lervåg; Lyster; Hulme, 2012) indicam que intervenções voltadas ao desenvolvimento da consciência linguística são precursores significativos de sucesso na alfabetização e no desempenho leitor infantil. Resultados em diversas publicações reforçam a importância dessas intervenções, mostrando que habilidades como a identificação de aliterações e rimas promovem a consciência fonológica e melhoram a compreensão da estrutura da linguagem escrita (Dos Santos; Guaresi, 2023; Da Silva; Amorim, 2024) Assim, a consciência linguística desempenha um papel crucial, permitindo que as crianças manipulem, de maneira consciente, unidades linguísticas, de palavras a letras, o que é fundamental para a relação entre fonemas e grafemas no processo de alfabetização.
Dentre a consciência linguística, desencadeamos outros processos essenciais para a alfabetização. A consciência fonológica, por sua vez, envolve habilidades de metacognição que permitem a segmentação e manipulação de sílabas e fonemas, essenciais para a aprendizagem da escrita. No nível silábico, a criança entende a estrutura básica das palavras, enquanto no nível intra-silábico, consegue identificar rimas e aliterações (Lopes, 2004; Santos; Barrera, 2017). Já no nível fonêmico, as crianças compreendem a relação fonema-grafema, crucial para a decodificação e fluência na leitura (Roehr-Brackin, 2024). Além disso, a consciência morfológica refere-se ao entendimento de morfemas, como raízes e afixos, e seu papel no sentido das palavras. Estudantes que desenvolvem essa habilidade apresentam melhor desempenho na leitura e escrita, sendo essa competência fundamental para a alfabetização (Carlisle; Fleming, 2003; Mota, 2009). A consciência semântica, por sua vez, envolve a reflexão sobre o significado das palavras e sua interação com a estrutura da frase, crucial para a compreensão leitora e o uso do vocabulário (Costa; Costa; Gonçalves, 2017). A consciência sintática complementa o processo ao permitir que os alunos manipulem e compreendam a organização gramatical das sentenças, essencial para a produção e compreensão de enunciados (Maluf, 2005; Eliseu, 2014). Por fim, a consciência pragmática envolve o uso adequado da linguagem em diferentes contextos sociais, refletindo a capacidade dos falantes de adaptar sua comunicação de acordo com o cenário e os interlocutores (Benveniste, 1970).
A origem etimológica do termo alfabetização remonta ao significado “levar a aquisição do alfabeto”. O conceito do termo, de acordo com Soares (2004), é “[...] processo de aprendizagem do sistema alfabético e de suas convenções, ou seja, a aprendizagem de um sistema notacional que representa, por grafemas, os fonemas da fala”. Por sua vez, o sistema alfabético que utilizamos na língua portuguesa é um sistema notacional e não puramente um código, pois envolve a cognição e a consciência fonológica para além da memorização (Wendler et al, 2019). Não é apenas um conjunto de grafos dispostos respectivamente, mas um sistema complexo. Quando a criança está no processo de alfabetização, para além de uma atividade mecânica, ela está exercendo uma atividade de compreensão profunda da linguagem e de sua estrutura.
O letramento faz parte da alfabetização (Sali; Magnani; Patella, 2023), referindo-se ao desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita em contextos significativos, permitindo que os alunos compreendam e utilizem a linguagem de forma crítica e reflexiva. Esse processo está intimamente ligado à literacia, que envolve a capacidade de interpretar e produzir textos em diversas situações da vida cotidiana, promovendo uma compreensão mais ampla do mundo (Gabriel, 2017). Logo, é imprescindível ressaltar que, apesar das nuanças etimológicas, a literacia, o letramento e a alfabetização estão intrinsecamente ligados, criando um continuum de progresso nas habilidades leitoras e de escrita ao longo da vida de um indivíduo. É por meio desta íntima ligação que, então, se estabelecerá uma plataforma sólida de competência comunicativa na sociedade. Nesta perspectiva, desintegrar a alfabetização da prática de letramento, apesar de suas especificidades de conhecimento e processos psicolinguísticos, levaria a uma compreensão deficitária e limitada da magnitude da função da linguagem em nível social, uma vez que “a alfabetização e o letramento são processos que se entrelaçam e se complementam, e é essa interação que possibilita uma compreensão mais ampla e profunda da função social da linguagem escrita” (Soares, 2016).
Assim, conforme já argumentado por Freire (1974), a alfabetização deve ser entendida como um processo de descoberta do mundo e de prática da reflexão crítica e transformadora. Reconhecer a complexidade da linguagem direcionada à alfabetização e promover seu desenvolvimento continua a ser um tema relevante e urgente no contexto educacional contemporâneo.
Embora a importância da alfabetização seja amplamente reconhecida, no Brasil, dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica, compilados pelo Anuário Todos pela Educação (2024), destacam uma lacuna preocupante na formação educacional: ao final do 2º ano do ensino fundamental, apenas 55,9% dos alunos ainda atingiram o nível de alfabetização estipulado pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A BNCC estabelece diretrizes para garantir o domínio da leitura e escrita nesse período, mas a implementação dessas diretrizes nos currículos de formação de professores ainda necessita de um olhar crítico, visto que aspectos sociais, econômicos e culturais podem gerar disparidades e desafios na concretização das metas propostas.
Para superarem os diversos obstáculos desse processo, as especificidades da alfabetização requerem a intervenção de profissionais qualificados, que possuam uma compreensão profunda dos aspectos linguísticos e cognitivos envolvidos (Scliar-Cabral, 2013). Compreender e dominar a leitura em um sistema alfabético não é apenas uma jornada, mas um desafio intrincado que demanda uma adaptação cerebral à norma cultural da escrita, além de uma eficaz utilização dos recursos cognitivos disponíveis. É essencial que a formação de professores alfabetizadores inclua uma abordagem que integre aspectos linguísticos, cognitivos e socioemocionais, preparando-os para atender às demandas linguísticas relacionadas à alfabetização dos estudantes (Godoy; Viana, 2016.).
Esses elementos, essenciais para o processo, são objeto de trabalho do profissional fonoaudiólogo, que oferece suporte especializado no desenvolvimento da linguagem. A Fonoaudiologia, historicamente, emerge como uma área de caráter multidisciplinar e dinâmico, que expandiu sua atuação à medida do aumento da demanda ao longo do tempo. Permeada historicamente pela Educação, Medicina, Odontologia, Psicologia, Letras e Ciências Básicas da Saúde, ela encontra sua área de trabalho em diversos âmbitos que necessitam olhar especializado sobre a Comunicação humana e seu desenvolvimento, como especificidades relacionadas à audição, linguagem verbal e não-verbal, linguagem oral e escrita, voz, fala e sistema miofuncional orofacial (UFRGS, 2017). Neste cenário, a Escola, instituição que fornece os meios para o desenvolvimento cultural, social e cognitivo de determinada comunidade, é outro âmbito em que a Fonoaudiologia se insere, em busca da promoção da saúde e do desenvolvimento pleno dos escolares. É neste espaço, principalmente, que ocorre o contato formal com a linguagem escrita e leitura, objetos também de interesse dessa área. Logo, a Fonoaudiologia Educacional é uma aliada no aprimoramento das práticas pedagógicas voltadas para a alfabetização, fornecendo ferramentas e estratégias que ajudam a superar as dificuldades de linguagem presentes no processo de ensino-aprendizagem. Segundo Rigatti-Scherer e Lehnen (2021), a integração entre as áreas de fonoaudiologia e educação otimiza o desenvolvimento de habilidades como a consciência fonológica, essencial para a compreensão da relação entre sons e letras, o que, por sua vez, facilita a aquisição da leitura e escrita.
Diante desse cenário, torna-se uma demanda investigar a presença da linguagem e das habilidades linguísticas nos currículos de formação de professores, a fim de analisar se essas dimensões estão contempladas nos planos pedagógicos das Instituições de Ensino Superior (IES). Dessa forma, surge a reflexão sobre a formação docente, destacando seu papel fundamental na educação como um dos pilares para a preparação dos estudantes para serem leitores e escritores competentes e críticos, capazes de interagir significativamente com o mundo ao seu redor. O objetivo geral desta pesquisa é investigar a presença de disciplinas voltadas para a linguagem nos currículos da graduação em Pedagogia, destacando aqueles relacionados desde a aquisição da linguagem até suas implicações no processo de alfabetização. Para alcançar este objetivo, foram realizadas análises dos currículos de graduação em Pedagogia de instituições de Ensino Superior de Porto Alegre e região metropolitana.
Metodologia
Objetivo
O presente estudo adota uma abordagem transversal retrospectiva para investigar a presença de conteúdos relacionados à linguagem nos currículos de graduação em Pedagogia das Instituições de Ensino Superior (IES) na região metropolitana de Porto Alegre. Esta pesquisa faz parte do projeto “Aspectos teóricos que sustentam o fazer do professor na alfabetização”, realizado pelo Grupo de Pesquisa CNPq Aletra, atendendo à Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovada pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia, Serviço Social e Comunicação Humana da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) CAAE: 30400620.9.0000.5334 e parecer nº 5.492.702.
Seleção das Instituições
As IES foram identificadas através do site do Ministério da Educação (e-MEC), que listou 64 instituições que oferecem o curso de Pedagogia no Rio Grande do Sul. Foram, então, consideradas a localização geográfica e a disponibilidade de polos físicos na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) como um dos critérios de inclusão da amostra. Como RMPA, entende-se que esta área é delimitada com base nas Estimativas de População do IBGE (2020), considerando os municípios de Alvorada, Araricá, Arroio dos Ratos, Cachoeirinha, Campo Bom, Canoas, Capela de Santana, Charqueadas, Dois Irmãos, Eldorado do Sul, Estância Velha, Esteio, Glorinha, Gravataí, Guaíba, Igrejinha, Ivoti, Montenegro, Nova Hartz, Nova Santa Rita, Novo Hamburgo, Parobé, Portão, Porto Alegre, Rolante, Santo Antônio da Patrulha, São Jerônimo, São Leopoldo, São Sebastião do Caí, Sapiranga, Sapucaia do Sul, Taquara, Triunfo e Viamão.
Como critério de inclusão, foram abrangidas as IES que estão na área da RMPA com polo presencial e que disponibilizaram suas grades curriculares online, resultando em 29 IES. A verificação das grades curriculares foi feita através dos sites das instituições, nas áreas disponibilizadas para futuros alunos e/ou interessados em conhecer o curso. Instituições que não disponibilizaram suas grades para consulta pública foram excluídas da amostra. Dentro destes critérios, foram selecionadas as IES: Centro Universitário FAEL, Centro Universitário FACVEST, Faculdade Unyleya, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Centro Universitário Leonardo da Vinci, Centro Universitário Unifatecie, Faculdade Capital Federal, Universidade Cesumar, Centro Universitário Ritter dos Reis, Faculdade QI Brasil, Universidade Paulista, Universidade Estácio de Sá, Centro Universitário Internacional, Universidade de Marília, Universidade La Salle, Universidade Paranaense, Claretiano - Centro Universitário, Centro Universitário Maurício de Nassau, Universidade do Vale do Taquari, Faculdades Integradas São Judas Tadeu, Universidade Luterana do Brasil, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Feevale, Centro Universitário Unidom - Bosco, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Universidade Anhanguera, Centro Universitário CESUCA e Instituto Federal do Rio Grande do Sul.
Coleta e Análise dos Dados
A coleta de dados foi realizada por meio de análise documental quantiqualitativa. Os currículos das 29 IES foram examinados para identificar a presença de conteúdos sobre formação de professores alfabetizadores, com foco em disciplinas que continham os eixos linguagem, língua, leitura, escrita, metalinguagem e alfabetização.
Os dados foram organizados e manipulados utilizando o software Excel. Inicialmente, após a coleta dos documentos, os dados foram estruturados em planilhas, categorizando títulos de disciplinas e unidades curriculares pertinentes à alfabetização. Além da leitura completa dos textos selecionados, foi utilizado a função "buscar por palavra", disponível em navegadores web (CTRL+F) para localizar rapidamente termos-chave relevantes ao tema da pesquisa. Foram, posteriormente, adicionadas, quando disponibilizadas nos sites das IES, carga horária e semestre/ciclo do curso. Foram consideradas tanto disciplinas obrigatórias quanto eletivas e optativas para análise posterior.
As palavras-chave foram definidas em discussões do Grupo de Pesquisa CNPq Aletra (Quadro 1), refletindo sobre quais seriam os saberes essenciais sobre o processo de alfabetização, considerando também suas flexões morfológicas. Fez-se a diferenciação entre língua, que envolve o domínio prático e normativo do idioma, com foco em regras de uso, e linguagem, focada mais na teoria e nos princípios abstratos da comunicação, como aquisição, desenvolvimento da linguagem e funcionamento mental e social dos sistemas de signos. Apesar das palavras estarem conectadas e compartilhem da mesma base teórica, a separação das palavras em diferentes eixos temáticos serve como auxílio para organizar e entender como os componentes linguísticos estão sendo abordados.
A análise quantitativa explorou a ocorrência, frequência e distribuição dessas palavras nos currículos, revelando padrões específicos, na tentativa de identificar as abordagens das IES em relação à formação de professores alfabetizadores.
Quadro 1 – Eixos e palavras-chaves da busca de disciplinas nos currículos de pedagogia
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EIXO TEMÁTICO |
PALAVRAS-CHAVE |
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Linguagem |
Aquisição Desenvolvimento Linguística Teoria de enunciação Oralidade |
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Língua |
Língua portuguesa Literatura Gramática |
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Alfabetização |
Letramento Métodos de ensino Métodos globais Métodos sintéticos |
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Escrita |
Alfabeto Letras Traçado de Letras Relação fonema-grafema Sistema alfabético Psicogênese da língua escrita Níveis de escrita Produção textual |
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Leitura |
Decodificação Relação grafema-fonema Leitura em voz alta Compreensão leitora e textual |
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Metalinguagem |
Fonética e Fonologia Consciência linguística Metalinguística Consciência fonológica Níveis de consciência fonológica Sílabas Rimas Aliteração Consciência fonêmica Consciência sintática |
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Fonte: A autora.
Resultados
Inicialmente, foi realizado um mapeamento de IES dentro dos critérios de inclusão e a identificação das disciplinas contendo a nomeação das palavras-chave, bem como sua modalidade. Das 29 IES analisadas, 26 disponibilizaram a grade curricular apenas de disciplinas e unidades curriculares obrigatórias e 3 disponibilizaram optativas e/ou eletivas. Dentre elas, 100 disciplinas e unidades curriculares contemplavam em suas denominações os eixos linguagem, língua portuguesa, alfabetização, leitura, escrita e metalinguagem, sendo 88 identificadas como obrigatórias, 3 como optativas e 9 eletivas. O quadro 2 apresenta a oferta das disciplinas por diferentes IES.
Quadro 2 – Disciplinas ofertadas com as palavras-chave e suas modalidades.
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IES/local |
Disciplina |
Modalidade da disciplina |
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Centro Universitário FAEL |
Alfabetização e letramento |
Obrigatória |
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Metodologia e Orientações didáticas do Ensino de Língua Portuguesa |
Obrigatória |
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Centro Universitário FACVEST |
Alfabetização e letramento |
Obrigatória |
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Metodologia de ensino de língua portuguesa |
Obrigatória |
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Faculdade Unyleya |
Comunicação e Linguagem |
Obrigatória |
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Interpretação e produção de textos |
Obrigatória |
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Ensino de Língua Portuguesa |
Obrigatória |
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Teoria e Prática de Alfabetização |
Obrigatória |
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Centro Universitário Leonardo da Vinci |
Prática pedagógica: infância e suas linguagens |
Obrigatória |
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Fundamentos e metodologia da alfabetização e letramento |
Obrigatória |
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Metodologia e conteúdos básicos de língua portuguesa |
Obrigatória |
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Faculdade Capital Federal |
Linguagens e comunicação |
Obrigatória |
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Alfabetização e práticas pedagógicas |
Obrigatória |
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Didáticas para o ensino da Língua Portuguesa |
Obrigatória |
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Universidade Cesumar |
Língua portuguesa: leitura e interpretação de texto |
Obrigatória |
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Metodologia da alfabetização e letramento |
Obrigatória |
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Metodologia da língua portuguesa |
Obrigatória |
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Centro Universitário Ritter dos Reis |
Língua portuguesa e literatura infantojuvenil |
Obrigatória |
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Alfabetização e letramento |
Obrigatória |
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Faculdade QI Brasil |
Alfabetização e Letramento |
Obrigatória |
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Língua Portuguesa: Leitura e Produção Textual |
Obrigatória |
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Linguagem, Oralidade e Cultura Escrita na Educação Infantil |
Obrigatória |
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Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa |
Obrigatória |
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Universidade Paulista |
Alfabetização e letramento |
Obrigatória |
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Conteúdos de língua portuguesa do ensino fundamental I |
Obrigatória |
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Interpretação e produção de textos |
Obrigatória |
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Metodologia e prática do ensino de língua portuguesa |
Obrigatória |
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Universidade Estácio de Sá |
Metodologia da alfabetização e do letramento |
Obrigatória |
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Língua portuguesa |
Obrigatória |
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Métodos do ensino da linguagem e suas tecnologias |
Obrigatória |
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Centro Universitário Internacional |
Fundamentos e metodologias para aquisição da linguagem oral e escrita |
Obrigatória |
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Alfabetização e letramento: fundamentos e metodologias na Educação Básica |
Obrigatória |
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Língua portuguesa: fundamentos e metodologias na educação básica |
Obrigatória |
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Universidade de Marília |
Fundamentos e metodologia da alfabetização e letramento |
Obrigatória |
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Fundamentos e metodologia do ensino de língua portuguesa |
Obrigatória |
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Universidade La Salle |
Comunicação e Linguagem |
Obrigatória |
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Aquisição e desenvolvimento da linguagem |
Obrigatória |
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Alfabetização e letramento |
Obrigatória |
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Leitura e Escrita nos anos iniciais |
Obrigatória |
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Fonética e fonologia do português |
Optativa |
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Universidade Paranaense |
Língua portuguesa |
Obrigatória |
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Teoria/Prática de alfabetização |
Obrigatória |
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Claretiano - Centro Universitário |
Comunicação e Linguagem |
Obrigatória |
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Alfabetização e Letramento: Aspectos históricos e teóricos |
Obrigatória |
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Alfabetização e Letramento: aspectos didático-pedagógicos |
Obrigatória |
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Fundamentos e Métodos do Ensino de Língua Portuguesa |
Obrigatória |
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Centro Universitário Maurício de Nassau |
Alfabetização e letramento |
Obrigatória |
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Metodologia e Orientações didáticas do Ensino de Língua Portuguesa |
Obrigatória |
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Universidade Feevale |
Alfabetização e letramento I |
Obrigatória |
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Alfabetização e letramento II |
Obrigatória |
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Aquisição da Linguagem |
Optativa |
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Linguagem e argumentação |
Optativa |
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Faculdades Integradas São Judas Tadeu |
Língua portuguesa e literatura infantojuvenil |
Obrigatória |
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Alfabetização e Letramento |
Obrigatória |
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Universidade Luterana do Brasil |
Comunicação e linguagem |
Obrigatória |
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Ensino da língua portuguesa nos anos iniciais |
Obrigatória |
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Alfabetização e letramentos |
Obrigatória |
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Universidade do Vale do Rio dos Sinos |
Alfabetização e Letramentos: Processos de Ensino e Aprendizagem |
Obrigatória |
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Oralidade, Leitura e Escrita: Práticas de Linguagem |
Obrigatória |
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Alfabetização e Letramentos |
Obrigatória |
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul |
Aquisição e desenvolvimento da linguagem oral e escrita |
Obrigatória |
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Alfabetização: concepções teórico-metodológicas |
Obrigatória |
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oralidade, leitura e escrita em educação infantil |
Obrigatória |
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Abordagem psicopedagógica da leitura, escrita e matemática |
Eletiva |
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Alfabetização de jovens e adultos |
Eletiva |
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Composição em Língua portuguesa I |
Eletiva |
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estudos da linguagem, interação e cognição |
Eletiva |
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Leitura e produção textual na educação de jovens e adultos |
Eletiva |
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Linguagem, interação e cognição I |
Eletiva |
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Psicologia da educação: pensamento e linguagem |
Eletiva |
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Língua portuguesa: leitura, produção de texto e análise linguística |
Eletiva |
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Produção Textual |
Eletiva |
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Linguagem, escrita e criança |
Obrigatória |
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Alfabetização e letramento |
Obrigatória |
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Universidade do Vale do Taquari |
Alfabetizar crianças: desconstruindo verdades pedagógicas |
Obrigatória |
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Aquisição e aprendizagem da língua |
Obrigatória |
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Múltiplos letramentos |
Obrigatória |
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Dom Bosco |
Linguagens I: língua portuguesa |
Obrigatória |
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Alfabetização e letramento |
Obrigatória |
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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul |
Leitura e produção textual |
Obrigatória |
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Princípios e propostas metodológicas de alfabetização I |
Obrigatória |
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Princípios e propostas metodológicas de língua portuguesa |
Obrigatória |
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Princípios e propostas metodológicas de alfabetização II |
Obrigatória |
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Universidade Anhanguera |
Letramento e Alfabetização |
Obrigatória |
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Estratégias e procedimentos para alfabetização |
Obrigatória |
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Ensino e Aprendizagem da Língua Portuguesa |
Obrigatória |
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Linguagem e oralidade |
Obrigatória |
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Universidade Estadual do Rio Grande do Sul |
Língua Portuguesa: Leitura e Produção Textual |
Obrigatória |
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Fundamentos de Alfabetização |
Obrigatória |
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Teorias de ensino de língua materna |
Obrigatória |
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Linguagem, oralidade e Cultura Escrita na Educação Infantil |
Obrigatória |
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Alfabetização: Anos Iniciais do Ensino Fundamental |
Obrigatória |
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Alfabetização: EJA |
Obrigatória |
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Centro Universitário CESUCA |
Alfabetização e letramento na educação infantil e nos anos iniciais |
Obrigatória |
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Metodologia e prática do ensino de língua portuguesa |
Obrigatória |
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Instituto Federal do Rio Grande do Sul |
Teoria e prática do ensino de leitura e escrita I |
Obrigatória |
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Teoria e prática do ensino de leitura e escrita I |
Obrigatória |
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Centro Universitário Unifatecie |
Alfabetização e letramento |
Obrigatória |
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Conteúdo e metodologia do ensino de língua portuguesa |
Obrigatória |
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Dificuldades no processo de aprendizagem da leitura e escrita |
Obrigatória |
Fonte: Dados da pesquisa (2024).
A maioria das disciplinas estava concentrada no eixo de alfabetização, com 38 menções, seguido por língua portuguesa, com 30. Em contraste, a metalinguagem, representada pela disciplina de fonética e fonologia,foi mencionada apenas uma vez. O quadro 3 complementa essa análise ao comparar o número total de disciplinas oferecidas por cada IES com o número de disciplinas que incluem as palavras-chave.
Quadro 3 – Frequência de disciplinas por Eixo Temático.
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EIXO TEMÁTICO |
FREQUÊNCIA |
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Alfabetização |
38 |
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Língua portuguesa |
30 |
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Linguagem |
21 |
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Escrita |
18 |
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Leitura |
13 |
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Metalinguagem |
1 |
Fonte: Dados da pesquisa (2024).
A carga horária média dos cursos analisados foi de 3.365 horas, das quais cerca de 274 horas são dedicadas aos eixos temáticos. Não foram observadas diferenças significativas na carga horária entre os cursos presenciais e os oferecidos a distância, nem na presença de disciplinas relacionadas aos temas centrais. Entre as IES que oferecem disciplinas eletivas e optativas, além da carga horária média dedicada à Linguagem, foram identificadas ofertas adicionais de 495 horas (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e 400 horas (Universidade FEEVALE) para o tema. O quadro 4 resume, então, a frequência das palavras-chave nos currículos das IES:
Quadro 4 – Relação entre Disciplinas e Unidades Curriculares Totais, Disciplinas com Palavras-Chave e Disciplinas com Palavra-Chave Linguagem.
|
IES |
TOTAL DE DISCIPLINAS E UNIDADES CURRICULARES |
TOTAL DE DISCIPLINAS E UNIDADES CURRICULARES COM PALAVRAS-CHAVE |
TOTAL DE DISCIPLINAS COM PALAVRA-CHAVE LINGUAGEM |
FREQUÊNCIA DE PALAVRA-CHAVE LINGUAGEM NAS DISCIPLINAS (%) |
|
Universidade Federal do Rio Grande do Sul |
40 |
14 |
7 |
17,5% |
|
Universidade La Salle |
37 |
5 |
3 |
8,11% |
|
Universidade Feevale |
43 |
4 |
2 |
4,65% |
|
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul |
58 |
6 |
1 |
1,72% |
|
Faculdade QI Brasil |
55 |
4 |
1 |
1,82% |
|
Universidade Anhanguera |
48 |
4 |
1 |
2,08% |
|
Faculdade Unyleya |
45 |
4 |
1 |
2,22% |
|
Claretiano - Centro Universitário |
32 |
4 |
1 |
3,13% |
|
Centro Universitário Internacional |
54 |
3 |
1 |
1,85% |
|
Faculdade Capital Federal |
53 |
3 |
1 |
1,89% |
|
Universidade do Vale do Taquari |
47 |
3 |
1 |
2,13% |
|
Universidade Luterana do Brasil |
46 |
3 |
1 |
2,17% |
|
Centro Universitário Leonardo da Vinci |
45 |
3 |
1 |
2,22% |
|
Universidade do Vale do Rio dos Sinos |
45 |
3 |
1 |
2,22% |
|
Universidade Estácio de Sá |
45 |
3 |
1 |
2,22% |
|
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul |
58 |
4 |
0 |
- |
|
Universidade Paulista |
45 |
4 |
0 |
- |
|
Universidade Cesumar |
43 |
3 |
0 |
- |
|
Centro Universitário Unifatecie |
37 |
3 |
0 |
- |
|
Centro Universitário FACVEST |
69 |
2 |
0 |
- |
|
Instituto Federal do Rio Grande do Sul |
52 |
2 |
0 |
- |
|
Centro Universitário Maurício de Nassau |
48 |
2 |
0 |
- |
|
Centro Universitário Dom Bosco |
48 |
2 |
0 |
- |
|
Centro Universitário FAEL |
45 |
2 |
0 |
- |
|
Universidade de Marília |
38 |
2 |
0 |
- |
|
Centro Universitário CESUCA |
38 |
2 |
0 |
- |
|
Universidade Paranaense |
34 |
2 |
0 |
- |
|
Centro Universitário Ritter dos Reis |
17 |
2 |
0 |
- |
|
Faculdades Integradas São Judas Tadeu |
17 |
2 |
0 |
- |
Palavras-Chave: Calculado como (Disciplinas com Palavras-Chave / Total de Disciplinas) * 100.
Fonte: Dados da pesquisa (2024).
Discussão
A inclusão de disciplinas sobre aquisição e desenvolvimento da linguagem no currículo de Pedagogia é de interesse à classe docente, pois tem o intuito de formar professores aptos a lidar com as complexidades do processo de alfabetização ao proporcionar aos educadores as ferramentas necessárias para entender como as crianças adquirem a linguagem e como isso se relaciona com a leitura e a escrita. Professores capacitados em tais disciplinas têm as ferramentas para criar ambientes de aprendizado ricos em linguagem, favorecendo não apenas o aprendizado da leitura e escrita, mas também o desenvolvimento cognitivo e social dos estudantes (Dos Santos; Vieira; Futata, 2021). No entanto, como evidenciado pelos dados da pesquisa, essa inclusão não tem sido efetivamente implementada na maioria dos currículos analisados, evidenciando uma lacuna na formação docente.
Apesar de haver estudos sobre a formação de professores com base em teorias de linguagem, esses trabalhos são poucos e esquecidos (Soares, 2022). Nesse sentido, "[...] existe um foco excessivo em pesquisas sobre os fracassos do processo de alfabetização e letramento, em detrimento da análise da formação docente" (Souza, 2022). Isso decorre, em parte, da tendência de atribuir a responsabilidade pelos baixos índices de alfabetização ao alfabetizando com dificuldades escolares, desconsiderando uma reflexão crítica sobre a formação dos professores para lidar com esses desafios. Como aponta Soares (2020), é crucial direcionar a atenção para a capacitação dos educadores alfabetizadores, integrando conhecimentos linguísticos e práticas pedagógicas eficazes, a fim de superar os problemas observados no ensino da alfabetização.
A pesquisa de Girardi e Rausch (2019) destaca que a formação de alfabetizadores carecem de uma abordagem mais aprofundada sobre os aspectos metalinguísticos, os quais fundamentais para o desenvolvimento fonológico, sintático, semântico e pragmático, contribuindo, assim, para uma alfabetização mais consistente. Como verificado na pesquisa, corrobora-se a hipótese dos autores acerca da exploração da metalinguagem pelos currículos, uma vez que foram mencionados em apenas 1% da amostra, como disciplina optativa. É importante destacar, entretanto, que essa avaliação foi baseada na nomeação das disciplinas, não explorando conteúdos programáticos e bibliografias. Assim, embora a baixa ocorrência de termos metalinguísticos nos nomes das disciplinas sugira uma possível lacuna no foco explícito dos currículos, não é possível afirmar, apenas a partir dessa metodologia, que tais conteúdos estejam completamente ausentes de suas abordagens. Esses resultados reforçam, portanto, a necessidade de currículos que explicitem e integrem de forma mais robusta a teoria e a prática dos aspectos metalinguísticos, como defendem Santos e Barrera (2023). Por fim, essa limitação metodológica evidencia também a importância de futuras investigações que considerem a bibliografia e os conteúdos programáticos das disciplinas, de modo a oferecer uma compreensão mais aprofundada sobre a efetiva inclusão desses temas na formação de alfabetizadores.
Como antes já hipotetizado, Roazzi et al. (2010) reforçam a importância da consciência metalinguística no processo de alfabetização. Isso vai ao encontro com pesquisas mais atuais, que indicam que intervenções voltadas para a consciência fonológica têm impacto direto no desempenho leitor, como posto por Roehr-Brackin (2024), quando examina a relação entre a metalinguagem e a alfabetização infantil. Essas intervenções, no entanto, podem não estar sendo plenamente contempladas nos currículos de formação docente na Região Metropolitana de Porto Alegre, RS, o que levanta a necessidade de investigação posterior sobre prática dos futuros professores para lidar com as complexidades da alfabetização.
A presença de disciplinas obrigatórias e optativas nos currículos de Pedagogia reflete diferentes abordagens na formação dos professores. As disciplinas obrigatórias, que são exigidas de todos os estudantes, garantem uma base essencial de conhecimento para a prática pedagógica. Por outro lado, as disciplinas optativas oferecem uma oportunidade de especialização e aprofundamento em temas mais específicos, como consciência fonológica e habilidades metalinguísticas. No entanto, quando essas áreas são oferecidas apenas como optativas ou eletivas, corre-se o risco de que alguns professores não tenham acesso a conteúdos cruciais para a alfabetização. (Veríssimo, 2021).
Nessa perspectiva, se corroboram as contribuições do campo da Fonoaudiologia Educacional como essenciais no contexto escolar, pelo caráter multidisciplinar que oferece fundamentos teóricos e práticos importantes para compreender o desenvolvimento da linguagem e da comunicação humana. De acordo com Queiroga (2015), a atuação do fonoaudiólogo promove ações preventivas e interventivas, apoiando alunos com necessidades específicas e aqueles em processo de alfabetização, contribuindo para uma abordagem inclusiva. Estudos nacionais demonstram que o estímulo da consciência fonológica, demanda corriqueira do atendimento clínico fonoaudiológico, melhora significativamente o desempenho em leitura e escrita de crianças, inclusive em tarefas com pseudopalavras, facilitando a aquisição do código alfabético (Paula; Mota; Keske-Soares, 2005). Além disso, a presença do fonoaudiólogo na escola favorece a formação de professores, orientando estratégias pedagógicas para atender alunos com dificuldades de comunicação e aprendizagem (Melo; Teixeira; Queiroga, 2021). Dessa forma, a Fonoaudiologia Educacional complementa a prática docente e contribui para a construção de bases sólidas que sustentam o desenvolvimento linguístico e o sucesso escolar, apoiando professores na detecção e enfrentamento de dificuldades linguísticas e no aprimoramento das práticas pedagógicas voltadas à alfabetização (Rigatti-Scherer; Lehnen, 2021). No entanto, a baixa presença de conteúdos que abordam essas interseções nos currículos de Pedagogia analisados reforça a necessidade de uma maior colaboração entre os campos da educação e fonoaudiologia, a fim de promover uma formação mais completa dos professores alfabetizadores.
A falta de uma formação abrangente em aspectos linguísticos e pedagógicos tem implicações práticas significativas, sobretudo no ensino básico. Quando os currículos não contemplam plenamente o desenvolvimento da consciência fonológica e de outras habilidades metalinguísticas, os professores ficam menos preparados para lidar com as demandas educacionais de crianças, especialmente em contextos socioeconômicos desfavorecidos (Sali; Magnani; Patella, 2023). Isso compromete o alcance das metas estabelecidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estipula o domínio da leitura e escrita até o final do segundo ano do ensino fundamental, conforme redigido pelo Ministério da Educação (Brasil, 2017). Estudos sistemáticos, como os revisados por Gatti (2010), mostram que as disciplinas ofertadas nos currículos de Pedagogia no Brasil ainda são insuficientes para atender às demandas da BNCC, sobretudo em termos de práticas que integrem consciência linguística e habilidades de letramento crítico.
Embora a BNCC apresente diretrizes claras e objetivos bem definidos para o ensino da leitura e escrita, a efetividade de sua implementação depende de fatores como a infraestrutura escolar, formação docente e recursos pedagógicos disponíveis. Em contextos socioeconômicos vulneráveis, esses fatores podem comprometer a aplicação das diretrizes, dificultando o alcance das metas previstas. (Burgos et al. 2024). A BNCC, ao propor inferências nos processos de ensino, aprendizagem e avaliação, cria uma homogeneização que interfere diretamente nas práticas de alfabetização quando considerados os alunos de contextos socioeconômicos vulneráveis e seus capitais culturais e linguísticos (Santos, 2020). Dessa forma, considera-se necessário também refletir quanto às desigualdades presentes no sistema educacional brasileiro para, então, promover uma alfabetização inclusiva que atenda às necessidades socioeconômicas e educativas de seus alunos.
Ademais, para uma compreensão mais ampla e contextualizada da formação de professores alfabetizadores, seria fundamental expandir a pesquisa para incluir instituições de outras regiões do Brasil, o que também se caracteriza como limite desta pesquisa. As variações regionais podem impactar as práticas pedagógicas e a implementação das diretrizes curriculares, e compreender essas diferenças é crucial para o desenvolvimento de políticas educacionais mais eficazes. A inclusão de diversas realidades também há de enriquecer o debate sobre a formação de professores, contribuindo para a construção de um conhecimento mais abrangente sobre as práticas de alfabetização no Brasil. Reconhece-se que pesquisas futuras poderiam explorar a relação entre a formação teórica e a prática pedagógica, investigando como os conteúdos abordados nos currículos se refletem nas ações práticas em sala de aula.
Conclusão
Este estudo teve como propósito investigar a a presença de disciplinas relacionadas à linguagem nos currículos de graduação em Pedagogia das Instituições de Ensino Superior da região metropolitana de Porto Alegre, com ênfase na relevância da formação em linguagem para professores alfabetizadores. A análise da presença de disciplinas nos currículos revela não apenas a quantidade de conteúdos abordados, mas também a necessidade de uma reflexão crítica sobre como esses conteúdos são integrados à formação dos futuros professores.
Ao examinar os currículos, torna-se fundamental considerar não apenas a presença de disciplinas relacionadas à linguagem, mas também as metodologias de ensino adotadas. Pergunta-se, portanto, se as abordagens pedagógicas propostas são adequadas para fomentar uma alfabetização com repercussões importantes. Os resultados indicaram tanto progressos quanto lacunas significativas na abordagem dos conteúdos de linguagem, evidenciando a necessidade de uma formação mais coesa em relação ao desenvolvimento das habilidades linguísticas.
Como também discutido neste trabalho, a Fonoaudiologia Educacional é um alicerce no contexto da aquisição da linguagem escrita, uma vez que oferece aporte teórico sobre o desenvolvimento da linguagem e da comunicação, fundamentais para auxiliar os educadores alfabetizadores em sua atuação. Profissionais da área, entre outras atribuições, podem colaborar também na intervenção em dificuldades e na difusão do conhecimento relacionado à linguagem, fornecendo aos professores as ferramentas necessárias para atender às demandas dos alunos.
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