Infâncias sem fronteiras: migração, amizade e interculturalidade entre crianças bolivianas e brasileiras
Childhoods without borders: migration, friendship and interculturality between Bolivian and Brazilian children
Infancias sin fronteras: migración, amistad e interculturalidad entre niños bolivianos y brasileños
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
arturoriel@gmail.com
Recebido em 27 de outubro de 2024
Aprovado em 29 de novembro de 2024
Publicado em 07 de maio de 2025
RESUMO
O artigo tem como objetivo contribuir com os estudos referentes à migração internacional na infância, à educação das crianças desde bebês e às políticas públicas da população migrante. Trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada com uma turma de crianças bolivianas e brasileiras com 4 anos de idade numa Escola Municipal de Educação Infantil na cidade de São Paulo, fazendo o uso do registro do diário de bordo do professor-pesquisador com ações interculturais entre criança-criança, adulto-criança, bem como de desenhos das crianças e da observação participante. Com base nas análises, pode-se destacar que as amizades se constituem como aspecto representativo das diferenças nas experiências de meninas e meninos de diversas nacionalidades no interior das culturas infantis. As crianças bolivianas e brasileiras juntas transgrediam as barreiras do espaço educativo, construíam arranjos linguísticos, corporais, afetivos para relações étnico-raciais e de gênero, percepções sobre o fenômeno da migração e refúgio na infância vivida em tempos de resistência contra a barbárie.
Palavras-chave: Migração; Amizade; Educação Infantil.
ABSTRACT
The article aims to contribute to studies related to international migration in childhood, the education of children from infants, and public policies for migrant populations. This is a qualitative research carried out with a class of 4-year-old Bolivian and Brazilian children in a Municipal School of Early Childhood Education in the city of São Paulo, using the record of the teacher-researcher's logbook with intercultural actions between child-child, adult-child, as well as children's drawings and participant observation. Based on the analyses, it can be highlighted that friendships are a representative aspect of the differences in the experiences of girls and boys of different nationalities within peer cultures. Together the Bolivian and Brazilian children transgressed the barriers of the educational space, built linguistic, bodily, affective arrangements for ethnic-racial and gender relations, perceptions about the phenomenon of migration and refuge in childhood lived in times of resistance against barbarism.
Keywords: Migration; Friendship; Early Childhood Education.
RESUMEN
El artículo tiene como objetivo contribuir a los estudios sobre la migración internacional en la infancia, a la educación de los niños desde la infancia y a las políticas públicas para la población migrante. Se trata de una investigación cualitativa realizada con una clase de niños bolivianos y brasileños de 4 años de edad en una Escuela Municipal de Educación Parvularia de la ciudad de São Paulo, utilizando el registro de la bitácora del profesor-investigador con acciones interculturales entre niño-niño, adulto-niño, así como dibujos infantiles y observación participante. A partir de los análisis, se puede destacar que las amistades son un aspecto representativo de las diferencias en las experiencias de niñas y niños de diferentes nacionalidades dentro de las culturas infantiles. Juntos los niños bolivianos y brasileños transgredieron las barreras del espacio educativo, construyeron arreglos lingüísticos, corporales, afectivos para las relaciones étnico-raciales y de género, percepciones sobre el fenómeno de la migración y el refugio en la infancia vivida en tiempos de resistencia contra la barbarie.
Palabras clave: Migración; Amistad; Educación Infantil.
Introdução
No âmbito educacional paulistano, a Secretária Municipal de Educação (SME) representada pelo Núcleo de Educação para as Relações Étnico-Raciais (NEER) tem procurado promover a garantia a todas as crianças, adolescentes, jovens e pessoas adultas migrantes o direito à educação, por meio do seu acesso, permanência e terminalidade[i]. Nesse contexto, é importante analisarmos a convivência entre as crianças, neste caso, na educação infantil, e como o espaço tem sido criado e recriado gradativamente para o direito à vida. Espaços educativos organizados e vivenciados de tal forma que, tanto as crianças migrantes internacionais quanto as crianças brasileiras, possam adquirir a condição de sujeitos, de conhecerem a si próprias e o(a)s outro(a)s, de constituírem possíveis e novas relações.
As crianças participam da organização dos espaços educativos e mostram seus desejos para as pessoas adultas. Aqui, refiro-me a conceituação das crianças como atrizes sociais que apresentam protagonismo e agência (Qvortrup; Corsaro; Honig, 2011). Como elucida Barbosa (2014), as crianças, desde bem pequenas, transformam, criam novos modos geracionais de ser e estar no mundo, ou seja, criam culturas infantis[ii]. Assim, com vistas à potencialidade de as crianças expressarem-se através de múltiplas linguagens como: olhares, sorrisos, silêncios, choros etc. Não apenas através da fala, mas também através dos seus movimentos, suas brincadeiras, bem como suas produções e expressões culturais. Analisei as experiências decorrentes das construções de amizades identificando as estratégias que as crianças bolivianas e brasileiras articulavam para vivenciarem as suas infâncias no espaço da educação infantil paulistana, também os sentidos que as crianças atribuem aos processos migratórios a partir delas e das atividades educativas[iii].
As situações ocorridas durante a pesquisa de campo foram registradas no diário de bordo da turma, que contém as ações interculturais entre criança-criança, criança-adulto[iv]. Este é o instrumento de registro escrito do professor-pesquisador nas escolas para documentar os acontecimentos do cotidiano escolar, seus sentimentos, preocupações, frustrações, conquistas, o que fez, as atitudes das crianças, as propostas de ação, assim como a relação destas com teorias já estudadas ou novas que vierem a surgir e estudar permitindo uma reflexão da sua prática docente e uma transformação (Alarcão, 2011; Zabalza, 2004).
A busca se realizou na caracterização da condição das crianças, de elas brincarem juntas e fazerem as coisas juntas, de se constituírem amigos(a)s, de se confrontarem, de reproduzirem e também transformarem relações sociais, de movimentarem processos de criação, valorizando as culturas infantis na diversidade.
É importante destacar também que ao longo desta pesquisa a aceitação das crianças da turma foi essencial, e isso não se expressou somente pelo fato de eu ser o professor delas, mas pela empatia, pelo olhar receptivo expresso quando me viam chegar todos os dias, pelos abraços recebidos sem que eu esperasse em um momento no qual tínhamos que manter o distanciamento e usar máscara no rosto para nos proteger contra o Coronavírus, pelo pedido para que eu as escutasse me abaixando para falarem no meu ouvido, pelos momentos em que eu pude brincar com elas tanto na sala da turma quanto no parque. Dessa maneira, nossos encontros vividos, as angústias, as alegrias, as brincadeiras, os risos, os choros, tornaram-se uma espécie de processo de reconhecimento do "eu" e do "outro", de observação das nossas singularidades, de humanização, constituíam as nossas relações dia após dia.
Nos meus registros do diário de bordo e nesta pesquisa, por questões éticas, que envolvem o direito à preservação da identidade do(a)s participantes da pesquisa, não identifiquei o nome das pessoas e da Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI). Os nomes utilizados são fictícios e foram escolhidos através do critério que foi nomes próprios que não existiam no contexto durante o período do trabalho de campo. O gênero das pessoas também foi respeitado. Os desenhos foram presentes das crianças para o professor-pesquisador e as cenas compõem o diário de bordo da turma. Esta pesquisa é respaldada pelo parecer do Comitê de Ética nº 5.168.114.
Nesta pesquisa, o caráter qualitativo operacionalizou de maneira flexível, desse modo, procurei possibilitar que os sujeitos participantes (crianças e professores/as) estivessem à vontade com os procedimentos metodológicos e cientes do meu papel, levando em conta também que as pessoas no contexto pesquisado não me vissem como um “corpo estranho”, como alguém que estava invadindo o cotidiano particular de cada um. Certamente, o estranhamento era necessário para a construção da investigação, assim como foi preciso "sair de si mesmo", daquilo que fazia todos os dias no espaço educativo, para poder visualizar a realidade de outra forma. Como Neto (2004), essa leitura de mundo se amplia com o contato com os sujeitos de pesquisa, mas é necessário lembrar que, para os sujeitos de pesquisa, essa inserção também deve ser favorável e confiante.
Na pesquisa em Educação, existem muitas variações do método de observação. Tais variações são classificadas de acordo com o grau de participação do pesquisador em suas observações (Ludke; André, 1986). Neste trabalho, a observação participante teve uma turma da educação infantil, a investigação da própria escola ou meu contexto de trabalho. Esse procedimento metodológico “se realiza através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos” (Neto, 2004, p. 59). De acordo com Martins Filho (2008), a observação participante tem sido o ponto forte nas pesquisas com crianças durante as brincadeiras, interações, relações, produções, experimentos e diálogos com as crianças nos espaços educativos.
As crianças migrantes internacionais na EMEI e a turma participante
Apesar de haver mobilizações da sociedade civil para promover o acolhimento de migrantes e pessoas em situações de refúgio[v]. Também é perceptível, observando ações políticas, que os Estados-Nação impõe barreiras para evitar a sobrecarga de problemas sociais advinda, em sua concepção, da abertura de suas fronteiras. Para Sayad (1998), é nas pessoas migrantes e refugiadas que se realiza, no modo da experiência, o confronto com a ordem nacional. Elas seriam uma espécie de limite à perfeição esperada da ordem nacional. As suas presenças desmascaram as fragilidades da ordem nacional, expõem a arbitrariedade de seus pressupostos e encarnam o perigo porque elas estão fora do mundo comum, da ideia do mundo nacional.
O processo de migração internacional desencadeado por diversos fatores, como: em consequência de desastres ambientais, guerras, perseguições políticas, étnicas ou culturais, causas relacionadas à procura de trabalho e melhores condições de vida, na sua totalidade não deixou de ocorrer. Na América do Sul, o Brasil é um país que tem recebido nos últimos anos um número considerável de migrantes e pessoas em situações de refúgio, compondo um desafio para as autoridades de estados e municípios.
Acompanhadas de seus familiares ou, não raras vezes, desacompanhadas, as crianças seguem o fluxo da vida na tentativa de encontrar novas perspectivas e proteção. Sob esse prisma, Bhabha (2014) afirma que a relação de dependência entre a criança e uma pessoa adulta tem sido uma constante nos processos migratórios e nos estudos relacionados, considerando que a presença de crianças, a princípio, relaciona-se à migração feminina e à migração familiar. Convém ressaltar também que a criança em contexto de migração, situação de refúgio ou deslocamento forçado relaciona-se a vulnerabilidades, uma vez que a criança pode vir a viver uma infância solitária, desprovida, não frequentar os espaços educativos públicos, e pode vir a ter sérios problemas de saúde. Tais questões são correlacionadas ao trabalho infantil ou ao trabalho análogo a escravidão, tráfico de seres humanos, ou adoção, ou aos “desafios especiais” para as autoridades fronteiriças, responsáveis pela recepção da criança ou “menor não acompanhado” (Oim, 2009, p. 40).
Na análise da variável idade na produção de dados sobre deslocamentos populacionais, fica evidente o crescimento de fluxos migratórios compostos por um grupo de pessoas na faixa etária abaixo de 14 anos (Unicef, 2020). E esse atual aumento do número de crianças nos fluxos migratórios internacionais, bem como sua maior visibilidade em diversos contextos, podem propiciar, dependendo da maneira como as sociedades lidam com essa questão, a retirada delas, suas experiências, e a infância do silenciamento.
Diferentes pesquisas apontam a dificuldade encontrada para a obtenção de dados de coleta de informações da população migrante por parte dos sistemas das redes de ensino (Magalhães, 2010; Waldman, 2012; Norões, 2016; Braga, 2019). Com o intuito de reunir esses dados na Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), procurei a coordenadora pedagógica e a Direção para solicitar as listas de presenças das dezesseis turmas, que estavam distribuídas em dois períodos, da manhã e da tarde. Assim que as matrículas passaram pelo período de consolidação no final do mês de abril de 2022, as listas das turmas foram fornecidas. Em seguida, entrei em contato com o(a)s professsore(a)s regentes e solicitei que ele(a)s identificassem nas listas as crianças migrantes internacionais através dos seus nomes completos e do contato que ele(a)s já estabeleciam com o(a)s familiares dessas crianças.
Após receber essas informações listadas, no dia 23 de maio de 2022, entrei em contato com o(a)s Auxiliares Técnicos de Educação que atuavam na secretaria da EMEI, ele(a)s prontamente acessaram o sistema de registro EOL Escola Online da SME para confirmar as nacionalidades das crianças e de seus responsáveis. A busca resultou em 81 crianças migrantes internacionais oriundas de países da América do Sul e da Ásia, de um total de 478 crianças matriculadas, não foram encontradas crianças da América Central, América do Norte e África na EMEI pesquisada, como mostra a Tabela 1, abaixo, destacado em números:
Tabela 1 – Migrantes internacionais na EMEI
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América do Sul
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Número de matrículas |
Ásia e Europa |
Número de matrículas |
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Argentina |
1 |
Índia |
1 |
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Bolívia |
72 |
Rússia |
1 |
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Paraguai |
1 |
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Peru |
2 |
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Venezuela |
3 |
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Total |
79 |
Total |
2 |
Fonte: SME/Portal Dados Abertos - Elaborado pelo pesquisador (2022).
As crianças migrantes internacionais representam 17% do(a)s estudantes na EMEI. O(a)s boliviano(a)s estão em maior número e representam 14% desse total. As crianças brasileiras somam 83%, um total de 398 crianças. Convém dizer que, embora não tenha encontrado crianças africanas na EMEI, elas estão na região. Como aponta Santiago (2022), as crianças e famílias africanas residem, em sua maioria, no centro ou nos extremos da capital da Cidade de São Paulo.
Todas as turmas têm em média de 3 a 9 crianças migrantes internacionais na sua composição. Entre essas crianças, 36 são meninos e 44 meninas, como podemos verificar no Tabela 2, abaixo:
Tabela 2 – Meninos e meninas migrantes internacionais na EMEI
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Nacionalidade
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Meninos |
Meninas |
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Argentina |
0 |
1 |
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Bolívia Índia |
33 0 |
39 1 |
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Paraguai |
0 |
1 |
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Peru |
2 |
0 |
|
Venezuela Rússia |
2 0 |
1 1 |
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Total |
37 |
44 |
Fonte: SME/EOL Escola Online - Elaborado pelo pesquisador (2022).
Observa-se ainda que não há discrepância entre a quantidade de meninos e meninas migrantes internacionais que acessam a EMEI, em termos proporcionais.
A turma participante é formada por 29 crianças de 4 anos de idade, sendo 25 brasileiras e 4 bolivianas. Desse total, dezenove são meninos e dez são meninas. As 4 crianças bolivianas são: um menino e três meninas.
Identificar a origem das crianças migrantes internacionais que estavam na EMEI foi um passo necessário dado. Reconhecer a origem delas foi indispensável para poder verificar as ações cotidianas que dialogavam com os conhecimentos, saberes, bagagens culturais presentes nas experiências das crianças que vivenciavam suas infâncias no espaço educativo e, portanto, que valorizavam a diversidade.
As relações sociais entre as pessoas não se fundem na mera presença física subjetiva ou na existência de duas ou mais pessoas, embora seja necessária a presença delas para a concretização. Além dos aspectos biológicos que possibilitam às pessoas interagirem, as relações entre elas são construídas através de significações socioculturais que articulam suas posições uma diante da outra, como podemos observar no desenho 1, de João, menino brasileiro, da turma participante, abaixo:
Turma participante
Desenho 1
"É a gente brincando no parque" - João, 4 anos
Reprodução do desenho feito por João, menino brasileiro, em papel branco e giz de cera, no retorno do parque (2022).
Para compreender o que os desenhos representam para as crianças é sempre necessário perguntar para elas. Muitas vezes, como pessoas adultas, esquecemos de perguntar e observar as crianças enquanto elas desenham. Às vezes, recolhemos os desenhos e os consideramos apenas em seu produto final, deixando o processo de lado. Sabendo disso, como professor de crianças desde bebês, atenho-me a observar as escolhas dos lápis de cor, o posicionamento da folha sulfite, os traços e rabiscos que as crianças realizam no momento do registro.
Tempos depois, no final do ano letivo, quando mostrei a representação do parque que o João havia feito, no final do ano letivo, ele comentou: “Eu lembro desse dia. Professor, é da hora. A gente pode ir lá hoje pra brincar no parque? A gente não vai fazer bagunça na sala, tá bom?”. Respondi que sim, poderíamos ir logo após terminamos a atividade de rever o que havíamos feito na escola. (Diário de bordo, 6 de dezembro de 2022). Vale dizer que embora eu professor-pesquisador estivesse desenvolvendo as atividades da turma organizadas no tempo e espaço bem como buscando as percepções das crianças em torno disso, não estou livre de em algum momento me colocar como um adulto que sobrepõe os desejos de meninas e de meninos. O rompimento com o adultocêntrico é um exercício constante.
O desenho, nessa perspectiva de recordar-se, pode ser visto como uma pesquisa pessoal com as próprias crianças e, como tal, representam conquistas, ensaios em que mundos são imaginados e as relações são construídas. Conforme o desenho do João, menino brasileiro, o parque é o lugar mais importante que a própria sala das turmas para as crianças na educação infantil.
Nesse sentido, entender o espaço interativo que as crianças estabelecem em suas brincadeiras é um aspecto que precisa ser levado em consideração quando estamos procurando compreender a presença das crianças migrantes internacionais junto com as crianças brasileiras na EMEI. Durante as brincadeiras no parque, as crianças podem experimentar uma maior autonomia, podem construir relações em contato com a diversidade e a diferença (Pereira, 2021a).
Vínculos e ações partilhadas entre crianças bolivianas e brasileiras
As observações e dados coletados no campo de pesquisa mostraram como as relações mantidas pelas crianças bolivianas e brasileiras eram as formas como elas buscavam criar vínculos. Neste caso, tentativas de conhecer-se e de manter amizades com o outro. A seguir, são apresentados alguns encontros que apontavam isto.
Descemos da nossa sala para usar os seis tanques de areia de mais ou menos um metro em formato de estrela, que ficavam em um espaço externo ao lado do parque. A turma estava animada. Havia dias que não íamos para esse espaço devido um longo período de chuvas na região. As crianças brincavam com os potes, as pás e os garfos espalhados dentro dos tanques. Elas circulavam entres os tanques de areia conversando e brincando umas com as outras. As três meninas bolivianas, María, Paola e Ximena reuniram-se e brincavam juntas. Ximena e María riam ao desenformar os potes cheios de areia. Outra turma de crianças estava no parque ao lado, correndo de um lado para o outro, brincando nos equipamentos. Observei que um grupo de meninas da outra turma se aproximaram da grade que dividia o espaço do parque e dos tanques de areia. Uma das meninas gritou: "Gente, olha, é a minha amiga. Ela não fala”. Paola levantou-se rapidamente de onde estava com a María e Ximena, e correu até a grade. As meninas brasileiras falaram: “Oi”. Em resposta, Paola, acenou com as mãos e abraçou a sua amiga por entre as grades. Minutos depois, elas se despediram e todas voltaram às suas brincadeiras anteriores. (Diário de bordo, 22 de março de 2022).
A sociedade disciplinar, das técnicas e dos procedimentos de dominação que são internalizados pelos sujeitos, tornando-os dóceis e submissos no interior de uma estrutura disciplinar, no qual a escola cumpre o papel de instituição reguladora e normatizadora, sempre foi um problema que precisamos enfrentar. As relações entre o poder e o saber como se apresentam nas práticas educacionais modernas, têm no modelo da educação escolar, um potente disciplinamento dos corpos (Foucault, 1991; 1995).
As grades que impediam o acesso de um espaço para o outro em toda a EMEI marcavam a subordinação que estava atrelada aos rituais da instituição escolar à disciplina e ao controle. Por meio de ações pedagógicas desenvolvidas no espaço da educação infantil, são criados processos de iniciação ao capital e ligação dos sujeitos às estruturas sociais ideologicamente construídas pelo capitalismo. Esse processo de iniciação não se limita somente ao trabalho docente, mas também é construído por intermédio dos diferentes elementos que compõem o espaço, as figuras, os objetos etc.
Embora as meninas estivessem separadas pelas grades entre o espaço do parque e do tanque de areia, no encontro acima, foi possível observar que as crianças, ao mesmo tempo que faziam os usos dos materiais disponíveis, dos brinquedos, através das suas disposições habituais, rompiam as barreiras que delimitavam as suas interações, de maneira a estabelecer os vínculos, as suas amizades.
As meninas bolivianas Paola, María e Ximena sempre brincavam juntas, também com outras meninas brasileiras, mas não com a mesma constância. Em vários momentos do cotidiano da turma, as meninas bolivianas produziam desenhos registrando este vínculo, como podemos constatar no desenho 2, abaixo, de Ximena, menina boliviana da turma. Ao interagirem, as crianças tinham a possibilidade de construírem relações estáveis, como uma maneira de potencializar seus encontros.
Meninas bolivianas
Desenho 2
"Ellos y yo" - Ximena, 4 años
Reprodução do desenho feito por Ximena, menina boliviana, em papel branco e giz de cera, na sala da turma (2022).
Nas relações entre as crianças, a diversidade das vivências forja a infância, reconhecidamente composta por múltiplos outros. No final do ano letivo, assim que Ximena reviu o desenho que havia feito, dela com María e Paola, meninas bolivianas, comentou: “Yo y mis amigas. Profesor, ahora tengo más amigas en la escuela. ¿Puedo ir al baño?” (Diário de bordo, 8 de dezembro de 2022). María referiu-se à amizade construída durante o ano com meninas brasileiras de outras turmas, as quais também a reconheciam com o mesmo status de amizade.
Nesses encontros entre as crianças bolivianas no espaço educativo brasileiro, como destaca Gonçalves (2018), elas estão sonhando, demonstrando seu cotidiano, brincando com seus pares e com crianças brasileiras, estão criando um modo de ser criança. Sempre brincarem juntas, independente das demais crianças: essa é uma condição das amizades entre as crianças, que dialoga com as manifestações das meninas negras que se caracterizavam como "amigas especiais" no espaço da educação infantil, uma percepção compreendida pela noção da "Casa da Diferença" (Lorde, 1982), na pesquisa de mestrado de Pereira (2020).
Como afirma Ferreira (2004, p. 73), essa ação se faz com “os usos sociais do corpo, aliados a estratégias de interação social onde se mobilizam diferenciadamente competências e conhecimentos sócio-relacionais adquiridos nas relações familiares e na comunidade e determinados recursos socioemotivos”. Em outras palavras, é pelo uso do corpo que as crianças dinamizam suas experiências de proximidade ou afastamento no desenrolar das ações comuns.
Assim, as meninas brasileiras e Paola, a menina boliviana, no encontro descrito no espaço dos tanques de areia, reconheciam que o outro é o outro realmente, com a diferença, a imprevisibilidade; não foi observada a estigmatização das primeiras pelas segundas, elas eram amigas. Apesar da barreira do idioma percebida pelo grupo, as meninas interagiam bem quando se encontravam nos espaços da EMEI.
Como aponta Sestini (2008), as pessoas desenvolvem comunicações verbais e não verbais, sendo que vários sinais não verbais podem ser utilizados para substituir uma fala, como um aceno no lugar de dizer algo, atitude que teve a Paola e as meninas brasileiras. Dessa forma, as estratégias adotadas pelas crianças bolivianas, na tentativa de obter acesso às brincadeiras e aos grupos e construir amizades, ocorriam por meio de ações não verbais.
A constituição dos vínculos se dava pelo contato próximo e a disposição habitual de estarem no mesmo espaço, isto é, a questão do idioma não era uma dificuldade apresentada pelas crianças para que ocorressem as suas interações e construção das amizades, na relação criança-criança. O contrário acontecia na relação adulto-criança, no encontro, a seguir:
Estava na sala da turma lendo a história do dia.
De repente, a professora de outra turma entrou na sala e fez um pedido:
- Professor, você pode falar com o meu aluno boliviano? Eu não estou conseguindo entender o que ele quer dizer.
- Sim, posso - respondi.
- ¿Hola, cómo te llamas?
- Juan.
- ¿Todo bien?
A criança sorriu. Perguntei:
¿Qué quieres, Juan?
- Quiero a mi mamá. ¡Dijo que vendría por mí y no lo hizo! (Diário de bordo, 8 de abril, 2022).
A dificuldade da língua se apresenta mais quando elas têm que interagir com o(a)s professore(a)s que não tem familiaridade com outras línguas, até mesmo as variações da própria língua portuguesa. Sob essa perspectiva, Alexandre (2019), na sua pesquisa de doutorado, aponta que as dificuldades das crianças migrantes haitianas na escola acontecem em relação às aprendizagens e à comunicação com o(a)s professore(a)s, porque este(a)s desconhecem, por exemplo, noções culturais e próprias da língua portuguesa.
No período do trabalho de campo foi observado que, de fato, com o tempo, as crianças migrantes superam sozinhas ou com ajuda do(a)s amigo(a)e essas barreiras da língua. Brincando juntas, como vimos no encontro entre o tanque de areia e o parque, as crianças bolivianas e brasileiras construíam a si mesmas.
Indubitavelmente, é preciso reconhecer sempre a capacidade comunicativa das crianças. Suas ações são um processo de constante recriação da cultura, e é o fundamento da dinâmica nos processos de socialização das crianças (Martins Filho, 2008). Desse modo, a socialização é compreendida, também, como um efeito das relações entre as próprias crianças bolivianas e brasileiras.
Durante a pesquisa de campo, observei que a aceitação nos grupos de crianças, entre bolivianas e brasileiras, era uma ação que acontecia nos momentos em que elas estavam no parque e no refeitório, nos espaços mais amplos que, por exemplo, a sala da turma. Embora as crianças bolivianas fossem mais contidas, aos poucos e com o tempo, elas estabeleciam as suas amizades e afinidades, bem como mantinham as brincadeiras e atividades do grupo. Este aspecto difere do que aponta Resstel (2014), na sua pesquisa de mestrado com crianças migrantes de seis a doze anos de idade, filho(a)s de dekasseguis no retorno ao Brasil, pois a identificação com a cultura brasileira e com amigo(a)s brasileiro (a)s não acontece de imediato devido ao desconhecimento da língua portuguesa e ao sentimento de vergonha dessas crianças.
Estar em contato com as crianças para compreendê-las, bem como as suas infâncias, exige que nos arrisquemos a observar as brincadeiras, os movimentos, os gestos, os sorrisos, os abraços trocados, os choros, os silêncios, as (in)diferenças. Dessa forma, o desafio, como elucida Munanga (2014, p. 35), é reunir “o direito de ser ao mesmo tempo igual e diferente”. Em virtude de que as diferenças marcadas no corpo e as diferenças culturais não podem ser pretexto para se criarem desigualdades de direitos e respeito. Do ponto de vista da nacionalidade e de uma democracia política, é insustentável pensar, por exemplo, que somos uma sociedade brasileira única em plena harmonia, pois isto negaria o racismo, a xenofobia, o sexismo que hierarquiza e invisibiliza as diferenças. Da mesma forma que justificar sistemas de poder baseado em diferenças consideradas “inatas” é igualmente inaceitável.
Muitas vezes, nos espaços da educação infantil as hierarquias fundadas na articulação equivocada das diferenças são reproduzidas pelas pessoas, mas também, estes mesmos espaços podem ser contextos de superação das discriminações e valorização da diferença. Como aponta Dias (2015), as crianças estão reinventando diferentes aspectos da vida social, inclusive as diferenças nas suas ações cotidianas.
No encontro a seguir, há um vínculo já estabelecido entre as meninas bolivianas e brasileiras, que mostra nas suas manifestações as visões comuns das coisas, a sensibilidade, os silêncios, os pedidos por respeito.
As crianças da turma estavam brincando de peças de encaixe na sala. Maria e Ximena estavam sentadas numa mesa junto com Fernanda e Rodrigo, crianças brasileiras. Notei que Fernanda montou uma espécie de pente e secador de cabelos. Ela levantou-se e começou a brincar de pentear María. Ximena sorria e, ao mesmo tempo, segurava uma das mãos de Maria durante o penteado. Rodrigo, observando o momento, puxou a ponta dos cabelos de María e riu. Fernanda, atenta à situação, chamou a sua atenção: "Rodrigo, não pode fazer isso. Pede desculpa". Rapidamente, Fernanda correu até a minha presença e comentou o ocorrido. Perguntei o que havia acontecido. Rodrigo, imediatamente, respondeu: "Professor, eu não fiz nada". Fernanda insistiu para ele pedir desculpa. Eis que o menino pediu. Maria balançou a cabeça com o sinal de sim, aceitando o pedido de desculpa. (Diário de bordo, 19 de abril de 2022).
Esse momento se refere a uma atividade permanente que acontecia durante o dia a dia da turma. Os gestos de Maria, Ximena, Fernanda e Rodrigo podem ser entendidos como sendo “afirmações em que a criança responde a uma pergunta, convite ou comando prévios, feitos por outro integrante, ou justifica porque agiu, ou deixou de agir de determinada maneira” (Sestini, 2008, p. 75). Desse modo, a amizade entre as crianças bolivianas e brasileiras integra percepções, afetos, ações e princípios partilhados que não têm valor em si, mas que dependem da relação com o outro, do contexto em que se vive e das oportunidades que se tem de interação social.
As meninas continuaram a brincadeira de se pentear. Rodrigo continuou encaixando peças. Notei que depois desse momento que o Rodrigo pediu desculpas, às meninas bolivianas passaram a brincar mais tanto com ele e com outros meninos da turma (Diário de bordo, 27 de abril de 2022).
Observa-se que as crianças bolivianas e brasileiras demonstraram um entrosamento durante as brincadeiras, pode-se afirmar que, para interagir em grupos, as crianças utilizavam de estratégias, criando seus próprios mecanismos, para superarem as dificuldades encontradas nas tentativas de estabelecerem interações com o grupo. Corsaro (2011) nos ajuda nesta interpretação, ao apontar que, na tentativa de superar dificuldades de acesso ao outro, as crianças criam suas próprias estratégias de aproximação.
É importante destacar que, para cada estratégia utilizada, havia sempre uma resposta que podia ser positiva ou negativa, uma vez que as crianças tendem a proteger os seus espaços compartilhados dos ingressos de outros, e os novos participantes da interação podem necessitar alinhar suas ações em conformidade com os demais, sob pena de serem excluídos da interação (Ferreira, 2004).
Dessa maneira, a ação do Rodrigo, por assim dizer, também pode ser uma estratégia de proximidade, visto que a criança articula linguagem corporal para realizar a interação visando de alguma maneira a reciprocidade, algo que possibilita a aceitação ou impedimento à participação das brincadeiras com as meninas que estavam sentadas na mesma mesa.
As crianças bolivianas e brasileiras interrogam o mundo
A educação infantil é um contexto marcado pelas interações, pelo toque, pelo afeto, pela proximidade, onde as crianças interagem entre si, com o espaço, com as materialidades, com os gêneros textuais. Isto propicia às crianças vivências e o contato com realidades que, muitas vezes, revelam as condições materiais de existência. A proposta educativa das turmas da EMEI, abaixo, exemplifica esse encontro:
No planejamento coletivo da semana. Todas as turmas da EMEI leriam o livro infantil "A menina que abraça o vento: a história de uma refugiada congolesa", de Fernanda Paraguassu, que conta a trajetória de Mersene, uma criança que teve que se separar de parte da família para fugir do conflito vivido na República Democrática do Congo, e vai se adaptando a uma nova vida no Brasil. Segundo a autora, a narrativa foi inspirada em histórias reais de diversas meninas congolesas refugiadas na cidade do Rio de Janeiro. Foi no contato com famílias refugiadas que ela observou a capacidade dessas crianças de superar a dor e a saudade através, por exemplo, das brincadeiras. Entre os objetivos do plano de aula, a equipe docente desejava pautar a temática com as crianças. (Diário de bordo, 11 de março de 2022).
A literatura na educação infantil é de extrema importância, pois no bojo das histórias e contos temos um problema ou drama a serem resolvidos, é fato que as crianças nessa faixa etária não percebem isso com gravidade, mas já vão aprendendo aos poucos a enfrentar a vida de uma maneira lúdica. Às vezes, as crianças se colocam no lugar das personagens, vivenciando o que acontece nelas.
A turma estava esperando para ouvir a história do dia, as crianças sabiam que na nossa rotina às quartas-feiras fazíamos contação de histórias e roda de conversa como parte das atividades permanentes. Fiz a apresentação da personagem Mersene e expliquei do que se tratava a história. Fabrício, menino brasileiro, comentou: "Professor, eu vi na TV lá em casa que têm crianças fugindo da guerra" (referindo-se à guerra na Ucrânia). Confirmei que iríamos conversar a respeito disso. Em seguida, iniciei a contação da história infantil. Ao mesmo tempo em que eu lia, as crianças queriam apreciar as ilustrações do livro, provocando-me assim a passear pela sala mostrando as imagens. Notei que María e Ximena, sempre juntas, seguravam as mãos enquanto ouviam a história. Einar, menino boliviano, sempre quieto, sorrindo comentou: "Si, eso es muy bonito", apontando o dedo nas imagens. (Diário de bordo, 24 de março de 2022).
Essa atividade com as crianças da turma para além de possibilitar a construção do conhecimento na Educação Infantil acerca da questão das pessoas migrantes e refugiadas, provocou um processo de maior interesse delas em relação aos seus corpos, às suas diferenças. Antes mesmo de iniciarmos a roda de conversa, notei o entusiasmo e o entendimento delas, mesmo que prévio, no assunto, como comentou Fabrício. Tanto as meninas quanto os meninos aproximaram-se do tema de maneira curiosa e sensível, acolheram a proposta educativa, embora estivessem ansiosas e agitadas à espera do momento do parque.
Professor, a Mersene tem o cabelo igual ao meu - disse Priscila.
Sim, os cabelos dela são cacheados e pretos iguais ao seu - respondi.
Em seguida, Roberta comentou: É igual o meu também. A gente é negra. (Diário de bordo, 24 de março de 2022).
É nessa perspectiva apresentada pelas meninas negras brasileiras Priscila e Roberta que as histórias infantis possibilitam as crianças reconhecerem-se étnico-racialmente de maneira positiva e entender o mundo em que estão inseridas, o que também é importante para as crianças migrantes internacionais com o tom de pele negro. Como aponta Bano (2019), na sua pesquisa de mestrado, com crianças migrantes e refugiadas africanas, a xenofobia é uma questão que pode atingir pessoas refugiadas e migrantes de modo geral, independentemente da idade ou da nacionalidade; já o preconceito racial é uma questão que pode atingir todas as pessoas refugiadas e migrantes negras.
A estética da menina congolesa Mersene potencializa um deslocamento da visão eurocêntrica de beleza e constituição da identidade, fazendo uma interlocução com a imagem de menino(a)s negro(a)s. A linguagem imagética e escrita do livro, em torno da criança refugiada vivendo em um novo país, que constrói uma brincadeira para superar a saudade do(a)s amigo(a)s, da sua escola, do seu país de origem, promove o reconhecimento de si e de pertencimento de grupo, o que confere cultura e formas de se relacionar com o corpo e com as relações que constituem a sociedade. Sabendo que, historicamente, pessoas negras, migrantes e refugiadas têm sido colocadas à margem dos direitos humanos, discutir esses processos de conscientização política desde a infância, observando valores sociais como parte de um projeto humano, também possibilita o entendimento de como e onde as pessoas se localizam diante da cultura.
Estariam as meninas e os meninos da turma construindo noções do respeito, de maneira a promover o acolhimento daquele(a)s que chegam a um novo país? Estariam criando um processo de empatia com as crianças migrantes e refugiadas, e entre elas mesmas? E para aquele(a)s que passaram a conviver com um(a) amigo(a) que veio de fora do país e precisa aprender um novo idioma, como ajudá-lo(a)?
Entre as crianças bolivianas da turma, Paola era a que mais interagia com as demais crianças. Já María e Ximena interagiam pouco e eram mais reservadas. Einar também se mantinha silencioso, faltava bastante às aulas, inclusive, no período da pesquisa de campo não frequentou os espaços externos da Unidade Educativa somente e bem pouco a sala da turma, o refeitório e banheiros, isto é, os espaços internos. Quando ouvimos histórias sobre pessoas migrantes e refugiadas enriquecemos ainda mais nossos exemplos de experiências, além de nos sentirmos integrado(a)s no mundo onde notamos que não estamos sozinho(a)s. O fato de encontrar histórias baseadas em conflitos e realidades como a nossa nos tira a ideia de isolamento, pois essas histórias apresentam um exemplo de vida que nos desperta vontade de buscar por outros tipos de relações e soluções dos problemas, como conversas e trocas. No caso das crianças que vivem com a mesma intensidade de uma pessoa adulta, ao ouvir histórias que têm como protagonista a própria criança, dentro de sua própria realidade, isso possibilita como vimos no encontro acima que elas se sintam seguras em falar sobre um assunto levantado pela história, como bem fizeram os meninos Fabrício e Einar, as meninas Priscila e Roberta.
Pensando na história da Mersene, a menina refugiada congolesa, que possibilitou um espaço de trocas, sem exposição direta, que permitiu às crianças o compartilhamento de pontos de vista despertando o interesse por novas vivências, trouxe para a turma a reportagem da guerra da Ucrânia, que o Fabrício havia comentado que viu na televisão. Dias atrás, a equipe docente já havia planejado no horário coletivo trazer o portador do gênero notícia de jornais para as crianças terem o contato, a fim de enriquecer as suas aprendizagens. Assim, fiz a leitura da notícia "Guerra na Ucrânia: garoto de onze anos foge sozinho do país em percurso de 1.200 km", do Site da BBC News Brasil, para a turma.
O caso do Hassan, menino ucraniano, ocorreu em 8 de março de 2022. Ele mora em Zaporizhzhia, cidade onde está a usina nuclear alvo de bombardeios no leste da Ucrânia. O menino saiu sozinho de casa com uma sacola plástica, uma mochila, o passaporte e o número de telefone de familiares na Eslováquia anotado a caneta na mão em busca de refúgio. O menino deixou o país sem a sua família porque sua mãe teve que cuidar da avó, que é idosa. Ele embarcou em um trem e, quando cruzou a fronteira, foi recebido por funcionários da alfândega no território eslovaco, recebendo água e comida de voluntários, enquanto entravam em contato com os seus familiares.
Escolher entre um ou outro material a ser trabalhado com as crianças é parte importante na abordagem das questões sobre os processos de migração e refúgio na infância, pois a escolha dos materiais, histórias, brinquedos – e todos os outros elementos que são oferecidos às crianças – precisa ser pensada como parte essencial na construção de uma educação intercultural, voltada para os processos de respeito, empatia e acolhimento.
Na roda de conversa notei que as crianças demonstravam carinho, empatia e respeito umas com as outras. Priscila sempre levantava para caminhar entre as mesas. E durante a discussão do caso do menino Hassan, ela se dirigiu à mesa da Paola. Sentou-se ao lado e as duas deram as mãos. Einar brincava de alisar o rosto de Pietro, menino brasileiro, enquanto ouviam os comentários do(a)s colegas. As crianças brincavam juntas ao mesmo tempo que participavam da roda. Em seguida, a turma fez o registro da leitura da reportagem. (Diário de bordo, 4 de abril de 2022).
As crianças são agentes de transformação desde a mais tenra idade, são pessoas com as quais é necessário dialogar para realizar e manter relações através do contato e do exercício da alteridade. Durante a roda de conversa com a turma sobre a história de Hassan, confirmei que as crianças estavam cotidianamente ressignificando as condições materiais que estavam disponíveis a elas. Como aponta Pecsi e Fusaro (2019), na sua pesquisa de mestrado, com crianças sírias maiores de seis anos de idade, para elas, a escola é onde se aprende o idioma, novos códigos, mas também onde ressignificam suas existências, refazem laços e vinculam-se à sociedade de acolhida trocando experiências com outras pessoas.
Gusmão (1999) elucida que as relações imprimem ao olhar e à percepção das pessoas esquemas de valores que orientam as posturas de uns sobre os outros. Neste caso, o que representaria paras as crianças da turma o contato com a história do Hassan, menino refugiado ucraniano, que precisou fugir da sua cidade, ficar longe da sua casa, da sua família, do(a)s amigo(a)s e da escola por força de um conflito?
Einar, menino boliviano, a partir da sua experiência, no encontro do dia 4 de abril, revelou nos seus desenhos a sua preocupação com a guerra, apontando que as crianças estão no mundo e não em um mundo à parte. Entre os inúmeros signos materializados culturalmente pelos meninos e meninas da turma, o desenho 3, abaixo, escancara os efeitos da guerra e bombardeios, os conflitos, as misérias humanas:
Guerra
Desenho 3
"Son personas que huyen de la guerra" - Einar, 4 años
Reprodução do desenho feito por Einar, menino boliviano, em papel branco e lápis de cor, na sala da turma (2022).
Eu estava andando pela sala, observando o que todas as crianças estavam desenhando. Foi quando Einar me entregou seu desenho, dizendo: “He terminado, y esto es para ti!”. O que representaria o desenho de Einar, então, perguntei. Em resposta, o menino explicou: “Son personas que huyen de la guerra”. (Diário de bordo, 4 de abril de 2022).
Os traços, as curvas, o sombreamento, o preto e branco, a fala e presença boliviana do menino Einar, independente da concepção dos desenhos das crianças como artefato cultural no interior das culturas infantis, remeteu-me a uma questão: De certa maneira, Einar produz arte usando a consciência interna centrada no coração, de maneira que não depende da análise ou perguntas baseadas na lógica, razão ou intelecto?
Einar traz a riqueza das escolhas e conquistas que ele realizava enquanto desenhava em sua plenitude. Representava suas vivências como criança boliviana migrante, atento ao mundo, às coisas, às pessoas, aos sentimentos, às informações a que tem acesso, às propostas educativas, com o seu olhar curioso, sua interação ainda pouca comigo e as demais crianças da turma, a sua experiência no espaço educativo onde pouca ou nenhuma pessoa falava a sua língua materna, revela a sua percepção a respeito da guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Um avião cheio de pessoas sobrevoando uma área sendo bombardeada por mísseis. O céu cinza, coberto pelas nuvens tóxicas no qual o desenho de Einar representava, deixou-me com a voz embargada. A sua obra remexia minhas emoções, pois uma avalanche de imagens, textos, leituras, coisas que tratavam dos processos migratórios na infância estava ali, pairando em minha mente. Conectado, com intensidade, pulsante, o meu objeto de pesquisa, a parte da realidade sobre a qual o problema da minha pesquisa e sobre o qual estava atuando, tanto do ponto de vista prático como teórico, se escancarou na minha face, diante dos meus olhos.
Assim, os desenhos das crianças como expressões singulares do protagonismo infantil também materializam a experiência de vida pelas quais crianças demonstram suas indagações frente ao mundo. Ao tratar os desenhos das crianças com essa peculiaridade, Gobbi (2014, p. 154) destaca que: “Como verdade iconográfica, não é expressão de neutralidade ou do todo ali representado. É invenção, fantasia, guarda elementos da imaginação". Como rede simbólica baseada na experiência vivenciada e concebida.
Embora o desenho de Einar tenha essa peculiaridade, a criança não deixa de nos possibilitar através de sua representação a reflexão a respeito do quão difícil é a busca por abrigo, por refúgio, em vista de estarmos diante da morte, da fome, da barbárie, por mais difícil que se pode imaginar, ou se queira não acreditar. Aqui, remeto-me às reflexões trazidas por Mbembe (2017) sobre as políticas de controle dos corpos, que se retroalimentam de tempos e tempos, constituindo-se como um domínio de saber que tem nos fenômenos populacionais e demográficos o centro das discussões em todo o mundo.
O desenho 4, a seguir, mostra esses momentos de retomada das atividades e consolida o conhecimento, representa a força criativa que o menino boliviano Einar projeta no mundo, a fim de criar o novo, de estabelecer novas relações entre as diferentes pessoas, de outras formas de existência. Lembrando que só podemos perceber este caráter ativo nas criações infantis quando damos olhos e ouvidos para as crianças, quanto rompemos com o adultocentrismo, que cerceia as visões que temos sobre o que é vivenciar a infância, quando olhamos para além da obviedade adulta.
Refúgio
Desenho 4
"És el avión llegando" - Einar, 4 años
Reprodução do desenho feito por Einar, menino boliviano, em papel branco e lápis de cor, na sala da turma (2022).
Aqui é preciso entender que os desenhos das crianças mudam de acordo com a cultura, com o período, com a presença ou ausência de suportes à imaginação e aos processos de criação. Ao conceituar que os desenhos são produtos de culturas infantis temos que observá-los como registros gráficos e visuais que resultam de escutas e que, deixam como herança as marcas históricas de cada um, evidenciam trajetórias de sonhos, desejos, experiências partilhadas com um grupo de crianças, com pessoas adultas ou individualmente.
Nesses tempos difíceis, a esperança por dias melhores, a chegada das pessoas no novo país, como mostra Einar na sua representação, nas nossas experiências pessoais renovadas podem ser concebidas como resistências, aqui entendidas não como pura reação aos poderes da necropolítica (Mbembe, 2018), que assolam o mundo, mas, justamente, como uma outra forma de existir.
Especialmente, para pensarmos a resistência enquanto afirmação de processos de vida, nos quais a infância, as crianças, a literatura, a política, expressam potências das criações que anunciam, em meio a escombros, outras formas de se viver, de estabelecer relações, de construir amizades, de praticar a educação intercultural com crianças migrantes internacionais e brasileiras na educação infantil e na sociedade.
As narrativas das crianças, quando constroem, a sós ou em pequenos grupos, seus modos de organizar a experiência, os saberes e os fazeres da vida, conferem e partilham significados, imaginam e constroem mundos simbólicos, são ensaios que fazem parte da elaboração da experiência infantil (Bruner, 1997). Isso funda a participação das crianças nas interações sociais e, também, na construção da técnica, da cultura e da ciência (Vygotski, 2009).
No final do ano letivo, quando todos da turma já estavam familiarizados, retomei a reportagem do Hasan, menino ucraniano, também mostrei algumas fotos da turma na televisão da sala, que mostravam elas durante as suas brincadeiras nos diversos espaços externos da EMEI. Ao reviverem suas brincadeiras no parque, seus momentos com os brinquedos na lateral da escola, seus bolinhos e castelos no tanque de areia, as crianças ficaram eufóricas com as cenas na televisão. Riam umas das outras, dizendo: “Olha você! Olha você!”. Priscila, andou entre o(a)s colegas, aproximou-se de Paola, sua amiga boliviana, e disse: “Aquele dia a gente pegou folha pra fazer fogueira”. Paola, balançando a cabeça, respondeu: “Sim” e abraçou sua amiga. (Diário de bordo, 9 de dezembro de 2022).
Nesse espaço-tempo com a turma, eu e as crianças trocamos saberes e vivências, conversando umas com as outras. Este é sempre um processo realizado com as pessoas, mas sempre pessoas em processo de busca. Pessoas que estão formando-se, reorientando-se, aprimorando, articulando cultura, para serem sujeitos da sua própria humanização.
Roberta apresentou preocupação com Hasan, menino ucraniano da reportagem, perguntando: “Professor, ele já voltou para casa? Minha mãe disse que a guerra ainda não acabou.” Respondi: “Infelizmente, ainda não. Vamos torcer para tudo acabar bem”. Fabrício, comentou: “Ele saiu de casa porque jogaram bombas na casa dele”. Da outra mesa, Priscila, falou para toda a turma: “Ainda bem que ele foi pra casa da família dele”. Concordei com as crianças, dizendo: “É verdade!”. (Diário de bordo, 9 de dezembro de 2022).
De modo geral, essa experiência com as crianças foi um dispositivo por meio do qual nós ampliamos nossas percepções sobre o(s) conhecimento(s), independente das experiências, não estamos tratando de mais ou menos experiências, mas sim de trocas recíprocas que mostram a diversidade, o respeito, a alegria, a empatia, a amizade construída nas ações cotidianas no espaço da EMEI. Situações que mostram o momento presente, o quanto crianças e pessoas adultas estão no mundo, sobretudo, a espontaneidade das crianças e suas manifestações no percurso da vida.
Considerações finais
A partir das próprias crianças temos a possibilidade de entendermos melhor como propor pesquisas e trabalhos educativos com elas, e como nós pessoas adultas, ambas envolvidas com o fenômeno migratório, podemos enfrentar nossas faltas e nossas incertezas, sobretudo, neste momento da história contemporânea que nos exige enxergarmos a realidade social, respeitar a vida e os direitos humanos. Entre eles, os direitos das crianças de todo o mundo, de migrar, de ter onde morar, de interagir, de brincar, de viver a infância, de ter amigo(a)s, ter escola, de ter suas línguas reconhecidas e valorizadas, de fazer barulho quando estão juntas.
Com base nas falas, nos gestos, nos olhares, nas produções das crianças bolivianas e brasileiras, tendo como princípio uma postura sensível, esta pesquisa apontou aspectos que contribuem para reflexão que permeiam a construção de uma educação intercultural com as crianças na educação infantil. As crianças bolivianas juntas com as crianças brasileiras vistas de perto nos revelam peculiaridades sutis, mas profundas, que deixam afirmadas as suas relações estabelecidas no espaço educativo, as suas preocupações e interrogações em torno dos processos migratórios.
Embora não discuta na perspectiva da infância, bell hooks (2000, p. 196) tratando as relações de afeto traz uma importante reflexão: “A partir do momento em que conheço meus sentimentos, posso também conhecer e definir aquelas necessidades que só serão preenchidas em comunhão ou contato com outras pessoas”. Neste sentido, é necessário entender a amizade entre as crianças bolivianas e brasileiras, a aberta à pluralidade, à diversidade, possibilitando que elas se expressem e se recriem constantemente nos espaços da educação infantil, como nos encontros descritos acima.
É o abrir-se para o outro em sua alteridade, na qual se é visitado e devolvido pelo outro, permitindo que haja o questionamento e o deslocamento do familiar, bem como possibilitando a invasão súbita do imprevisto, daquilo que ainda não está determinado entre as pessoas (Baracchi, 2017). No interior desse espaço das relações entre as pessoas é que as singularidades coabitam. Pode haver divergências nas exposições de ideias, confrontos, mas, sobretudo, pode haver construções coletivas, nas quais as amizades têm a possibilidade de se construir.
Mesmo que as amizades sejam somente um tecido relacional de um tempo, em que pesem as capturas e as liberdades que nelas encontramos. Ainda assim, podemos vê-la como o campo de práticas em que nos constituímos como pessoas. Convém destacar que as crianças sempre foram responsáveis pela integração cultural das demais crianças e que crianças foram as companheiras privilegiadas das demais crianças em grande parte da história humana (Rogoff, 2005).
Essa construção e significação das ações cotidianas com as crianças migrantes internacionais e brasileiras, e suas famílias nos espaços da educação infantil possibilitam o entendimento dos aspectos inerentes às trocas culturais. Esse processo necessita que as trocas culturais não ocorram em detrimento umas das outras, culminando na perda de sentidos das experiências que existem e resistem socioculturalmente, pelo contrário: "Essa prática pode ser uma forma de olharmos para o(a) outro(a), de se ter a oportunidade de superarmos o nosso próprio receio com o inesperado, e de combater e eliminar quaisquer manifestações de preconceito e outras formas de discriminação." (Pereira, 2021b, p. 962).
Como destaca Poletti (1992), as trocas culturais envolvem todas as pessoas presentes nas ações pedagógicas, pois estamos imersos nessa percepção das culturas interligadas e das relações. Isto provoca assumirmos uma visão mais ampla, que tem como fundamento o diálogo, aberta a novos horizontes, com vista à educação intercultural na criação dos currículos que baseiam as práticas educativas das escolas na educação básica. Como afirma Candau (2013, p. 19), “a interculturalidade tenta promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando os conflitos inerentes a esta realidade”.
Dentro dessa perspectiva intercultural, pode-se depreender que há uma proposta que busca promover a interrelação entre os sujeitos que vivem em espaço educacional similar, contribuindo, tanto para desconstruir a visão equivocada de pureza e estaticidade cultural, quanto para o reconhecimento de identidades e culturas. A participação das crianças migrantes internacionais e brasileiras envolvem trocas recíprocas, permeadas por uma conexão entre a cultura escolar e as culturas infantis, e a falta de diálogo entre equipe escolar, estudantes, famílias e comunidades não contribui para a solidez da relação, por exemplo, de amizades.
Portanto, inserida no contexto educativo da Educação Infantil, a educação intercultural pode constituir-se uma alternativa contra situações de exclusão e de marginalização de culturas ou de quaisquer outras formas de diferenças e respeito à diversidade. Da mesma forma, as culturas infantis podem servir como subsídios nas ações de acolhimento e construção de uma educação intercultural, indicando possibilidades para as trocas culturais e a formação docente reconhecendo-se as diferenças, o que também exige criarmos condições para que estas não sejam transformadas em desigualdades.
Em tempos da barbárie, atravessados por uma pandemia tanto política quanto epidemiológica, que nos aterrorizou, também com a guerra e conflitos armados em grande escala na África, Ásia e Europa, que acumula milhares de mortos, ressaltando diante dos nossos olhos um amontoado de escombros. É urgente nos abrirmos às possibilidades que as energias utópicas podem nos oferecer para desejarmos e lutarmos por um mundo melhor e de oportunidades.
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Notas
[i] Optei pelo uso dos termos “migrações” e “migrantes” por evidenciar as pessoas como protagonistas do processo migratório, aquelas que tomam a decisão de migrar e que de fato fazem o percurso migratório.
[ii] Este trabalho lança mão da noção de culturas infantis, que assume uma centralidade no debate sobre a infância e coloca as crianças como protagonistas das interações, que estabelecem entre elas, e entre elas e com pessoas adultas, bem como das suas próprias experiências sociais, afetivas e cognitivas.
[iii] Conceituo a amizade como ação de brincar junto. Quando brincam juntas, as crianças compartilham ideias, coisas que somente elas sabem, constroem modos de ser, de relacionar-se e de viver. E são essas configurações, esses múltiplos entrecruzamentos que impulsionam as suas práticas de amizade no interior das culturas infantis, que ganham a todo instante propriedades muito particulares, produzidas a todo momento pelas crianças.
[iv] A ação intercultural é uma prática a ser construída, articulada como estratégia, ação e processo permanente de relacionamento e negociação entre, em condições de respeito, legitimidade, simetria, equidade e igualdade nas relações.
[v] As mobilizações da sociedade civil são formadas por entidades sociais, tais como: organizações não governamentais, igrejas, entre outras.