O ensino da luta marajoara: por uma teoria inovadora para a prática regional

The teaching of Marajoara fighting: for an innovative theory for regional practice

La enseñanza de la lucha Marajoara: por una teoría innovadora para la práctica regional

 

Luanna da Silva Lima

Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil

luannatkdtorres@gmail.com

Marta Genú Soares

Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil

martagenu@uepa.br

Tiago Tendai Chingore

Universidade Licungo, Quelimane, Moçambique

ttendaigamachingore@gmail.com

Anibal Correia Brito Neto

Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil

anibal.neto@uepa.br

Alessandra Ferreiras Marinho

Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Belém, Belém, PA, Brasil

alefm2001@yahoo.com.br

 

Recebido em 14 de outubro de 2024

Aprovado em 03 de novembro de 2024

Publicado em 09 de maio de 2025

 

RESUMO

Este estudo é a produção acadêmica realizada como Trabalho de Conclusão de Curso para título de Especialista em Pedagogia da Cultura Corporal, vinculada à Universidade do Estado do Pará. A ideia central é o debate sobre uma proposição indicativa relativa à sistematização do ensino da luta marajoara na escola, por meio de abordagem inovadora a chamada Abordagem da Ação Crítica (AAC). O objetivo geral é propor um indicativo teórico metodológico para o ensino da luta marajoara em escolas do ensino médio. A pesquisa trata-se de um estudo de campo, numa abordagem teórica qualitativa, alinhada ao método dialético. Feita a revisão da literatura estão considerados artigos e trabalhos acadêmicos científicos e publicados nos periódicos que tratam do conteúdo lutas, práticas sociais nas manifestações sociais e práticas corporais interculturais. Os instrumentos utilizados são a entrevista narrativa e a tabulação da produção do conhecimento publicado nos periódicos institucionais, categorizado pelos descritores: currículo, teoria pedagógica, lutas e Luta Marajoara. Considera que a aprendizagem a partir da identidade cultural resulta em conhecimento crítico e sentimento de pertença.

Palavras-chave: Estudos Culturais; Ensino; Luta Marajoara.

 

ABSTRACT

This study is the academic production carried out as a Course Completion Work for the title of Specialist in Pedagogy of Body Culture, linked to the State University of Pará. The central idea is the debate on an indicative proposition regarding the systematization of the teaching of marajoara wrestling in school, through an innovative approach called the Critical Action Approach (AAC). The general objective is to propose a theoretical methodological guide for teaching Marajoara wrestling in high schools. The research is a field study, using a qualitative theoretical approach, aligned with the dialectical method. After the literature review, articles and scientific academic works published in journals that deal with the content of struggles, social practices in social manifestations and intercultural bodily practices are considered. The instruments used are the narrative interview and the tabulation of the production of knowledge published in institutional journals, categorized by the descriptors: curriculum, pedagogical theory, fights and Luta Marajoara. Considers that learning based on cultural identity results in critical knowledge and a feeling of belonging.

Keywords: Cultural Studies; Teaching; Marajoara fight.

 

RESUMEN

Este estudio es la producción académica realizada como Trabajo de Finalización del Curso para el título de Especialista en Pedagogía de la Cultura Corporal, vinculado a la Universidad del Estado de Pará. La idea central es el debate sobre una propuesta indicativa sobre la sistematización de la enseñanza de la lucha Marajoara en la escuela, a través de un enfoque innovador, el llamado Enfoque de Acción Crítica (CAA). El objetivo general es proponer un indicador teórico y metodológico para la enseñanza de la lucha marajoara en las escuelas secundarias. La investigación es un estudio de campo, en un enfoque teórico cualitativo, alineado con el método dialéctico. Después de la revisión de la literatura, se consideran artículos académicos científicos y trabajos que se publican en revistas que tratan el contenido de las luchas, las prácticas sociales en las manifestaciones sociales y las prácticas corporales interculturales. Los instrumentos utilizados son la entrevista narrativa y la tabulación de la producción de conocimiento publicada en revistas institucionales, categorizada por los descriptores: currículo, teoría pedagógica, luchas y Lucha Marajoara. Considera que el aprendizaje de la identidad cultural da como resultado un conocimiento crítico y un sentido de pertenencia.

Palabras clave: Estudios Culturales; Enseñanza; Pelea de Marajoara.

 

Introdução

A agarrada marajoara, como é chamada por diversos praticantes, é genuinamente brasileira e carrega aspectos sociais, ancestrais e antropológicos em seu percurso histórico. Santos e Freitas (2018) assinalam que apesar de escasso, há a presença do ensino da luta marajoara em escolas da ilha Marajoara, entretanto, este ensino é pontual e espontâneo, onde uma pequena parcela de professores da Ilha, até ensina esta prática nas aulas de educação física, porém a Luta Marajoara (LM) não está presente no planejamento formal de todas as escolas.

O quadro problemático trata justamente do movimento controverso, entre a forte incidência da luta marajoara como esporte espetáculo, e da motilidade pelo reconhecimento dessa prática por meio de campeonatos e a demasiada preparação atlética voltada aos ramos da aptidão física. A controvérsia parte, justamente, do movimento da necessidade da esportivização vinculada ao reconhecimento e de como as manifestações do cotidiano local, presentes no seio da comunidade, estão em movimento contrário ao cenário esportivo posto atualmente.

A luta marajoara foi recentemente incluída no currículo escolar da rede de ensino do Município de Salvaterra, na etapa do ensino fundamental, por meio de um projeto com vinculação a Secretaria Municipal de educação de Salvaterra (SEMED). Porém, alguns professores da ilha trabalham de forma aleatória, no processo de pedagogização da luta marajoara na educação básica, sobretudo para que esta prática se fortifique no ensino médio, que é o cerne de proposição dos indícios aqui construídos no estudo. Essa pesquisa se justifica por investigar possibilidades de uma sistematização pedagógica inovadora, para um ensino de um conteúdo que vem tentando traçar uma proposta de pedagogização. Para tanto, a construção teórico-prática de uma teoria, ou desenvolvimento do processo de ensino de forma que aplica ao conteúdo luta marajorara, que ainda se sistematiza pedagogicamente a uma abordagem crítica, que protagoniza o estudante e situa o contexto cultural e se caracteriza como inovação no processo do fazer educativo.  

Quando tratamos de um tema ou conteúdo recentemente pedagogizado ou o termo pedagogização para a organização em conteúdo escolar, estamos nos referindo à diferenciação inicial de agarrada marajoara e luta marajoara, visto que a agarrada marajoara parte de um processo gênico vinculado à comunidade, com a relação de trabalho nas fazendas e com a cultura bubalina presente no arquipélago, onde os caboclos praticavam a agarrada por entretenimento e lazer.

Já o termo luta, nasce com o tensionamento entre a tradição, pedagogização e a esportivização, esse tensionamento vinculado à esportivização se tornou mais forte com a criação da Federação Paraense de Luta Marajoara (FPLM) que propõe esta prática em caráter mais competitivo, por outro lado, o termo luta marajoara surge também com a reflexão de técnicas e elementos que precisavam passar por reformulações, para então ser levado para escola, por isso o termo “pedagogização” ou recentemente “pedagogizado”, pois duas técnicas/golpes da agarrada marajoara foram proibidas, na tentativa de minimizar lesões e preservar a integridade física dos praticantes e dos próprios alunos e alunas nas escolas.

Desse modo, a relevância pessoal pelo estudo surge da aproximação da pós-graduanda com as práticas das lutas e a inquietação da mesma, pelo fato de nunca ter vivenciado as lutas em seu percurso escolar, sobretudo da inquietação da mesma, ao cursar educação física e perceber a influência eurocentrista no privilégio do ensino das práticas e lutas tradicionais, onde a LM não é contemplada. A relevância acadêmica deste estudo se trata de alavancar a produção na perspectiva lato e stricto sensu e a relevância social está pautada em levar para a educação básica, sobretudo, para além da Ilha do Marajó, a possibilidade de uma sistematização da LM, repleta de manifestações corporais, culturais e históricas.

Inicialmente, ao fazer um breve levantamento da Luta Marajoara, observamos a incipiência de estudos nos periódicos. Lima e Millen Neto (2022) realçam que ao consultar periódicos como Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e periódicos Capes, verificaram que há uma pequena parcela de estudos referentes à LM e que a visibilidade desta prática, vem se esvaindo e perdendo sua identidade com o crescente processo de esportivização.

Assim, é fundamental repensar e resgatar a essência da luta marajoara, sobretudo, atrelada a uma abordagem inovadora chamada Abordagem da Ação Crítica (AAC), que tem como escopo o processo de humanização dos indivíduos por meio do ato de ensinar. Esta abordagem refuta o processo mecânico e reprodutor, a AAC tem como objetivo “subsidiar o trabalho pedagógico do professor e fazer chegar à escola essa proposição, que, no conjunto das abordagens críticas e transformadoras, favorece a ação docente” (Soares, 2018, p. 57).

Para nortear este estudo, elaboramos a seguinte pergunta científica: Como a sistematização pedagógica do ensino da luta marajoara atrelada a uma abordagem inovadora pode potencializar o aprendizado da luta marajoara? Para orientar o caminho científico e o alcance do objetivo geral deste artigo, foram elaboradas três questões norteadoras. A primeira questão: o que está sendo pedagogizado na Secretaria Municipal de Educação SEMED de Salvaterra para o ensino da luta marajoara? A segunda questão: como uma prática social da Ilha do Marajó, passa a ser um conteúdo pedagogizado nas aulas de educação física? A terceira e última questão norteadora diz respeito: a AAC como teoria pedagógica inovadora, pode tornar eficiente o ensino da luta marajoara?

A partir destas questões norteadoras, delimitamos os objetivos da pesquisa, tendo como objetivo geral: propor um indicativo teórico metodológico para o ensino da luta marajoara em escolas do ensino médio para promover conhecimento identitário e cultural. Os objetivos específicos são: caracterizar os procedimentos teórico-metodológicos da proposta pedagógica da Secretaria Municipal de Educação (SEMED Salvaterra) para o ensino da LM; descrever a agarrada marajoara como prática social da Ilha do Marajó para compreender a LM como conteúdo pedagógico da escola para o ensino cultural da prática regional luta marajorara.

Para elucidar o conceito e discussão a respeito do ensino das lutas trabalhamos com Rufino (2018) para compreender como está posto o conteúdo lutas atualmente, utiliza a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018) documento que orienta o ensino e os conteúdos abordados na Educação básica, entretanto neste estudo vamos nos ater a discutir, à etapa do ensino médio voltada para a Educação física e o conteúdo lutas, para compreender a proposta da SEMED Salvaterra, nos lançamos das narrativas de um professor de educação física que ministra no ensino médio no Município de Salvaterra.

Com destino à compreensão e exposição do conceito de saber local nos apropriamos de Castiano (2013), na discussão acerca do contexto marajoara nos valemos de Dalcídio Jurandir (1992) e interlocutores que vêm discutindo sobre a LM e são eles: Lima e Millen Neto (2022), Seabra, Campos e Antunes (2022) e Santos, Andrade e Freitas (2022).

O diálogo e possíveis subsídios sobre a temática da AAC nos basearam das teses propostas por Soares e Cruz (2019) e Soares (2018), já para o debate das teorias críticas e da própria cultura corporal no percorrer da história da educação física nos apropriamos das obras de Neira e Gramorelli (2017).

Baseando-se na pesquisa de campo utilizamos o referencial teórico sobre o histórico da LM e a produção do conhecimento sobre os fundamentos dessa luta, aplicados no ensino. Segundo Gil (2002), a pesquisa de campo observa e busca interpretar o grupo ou comunidade em que se pretende estudar, o autor nos fala sobre a pesquisa ação da seguinte forma “além dos aspectos referentes à pesquisa propriamente dita, envolve também a ação dos pesquisadores e dos grupos interessados, o que nos ocorre mais diversos momentos da pesquisa” (Gil, 2002, p. 143).

A pesquisa faz uso do método dialético e da categoria da contradição do método Paulo Netto (2011), haja vista que a natureza do conhecimento marajoara está no saber local, na tradição e na ontologia regional, portanto pensamos junto ao método e da categoria: como que o ensino da LM se transforma num projeto hegemônico do capital que é a valorização da competição, vem se consolidando na busca incessante pelo ganho de espaço e reconhecimento, por meio de um movimento de “aceitação” através do Wrestling ou luta olímpica.

Para a revisão da literatura, foram considerados os artigos e trabalhos acadêmicos científicos depositados nos repositórios institucionais e publicados nos periódicos que tratam do conteúdo lutas, práticas sociais nas manifestações sociais e práticas corporais interculturais.

Para responder à pergunta científica, foi desenvolvido o círculo de aprendizagem, com um conjunto de nove sujeitos alunos e alunas do ensino médio, residentes do Município de Salvaterra, onde foi definido a partir do levantamento junto às escolas do município. Esses sujeitos participantes foram convidados de forma aleatória e espontânea.

O círculo de aprendizagem nasce da inspiração que atravessa o círculo de cultura de Freire (2013) e do diálogo que é um dos valores conectado a docência. No círculo de aprendizagem, aqui trabalhado, se introduz uma condução fundamentada em Freire (2013), mas também, subsidiada pelos princípios inovadores, como a AAC materializada por Soares (2018).

Além dos alunos do ensino médio, tivemos como sujeitos da pesquisa, dois professores da rede pública de ensino do município de Salvaterra, um vinculado a SEMED, onde nesta secretaria ele trabalha apenas com o ensino fundamental, já o outro professor entrevistado, é vinculado a (SEDUC) e ministra aulas para a etapa do ensino médio. Ambos são residentes do município de Salvaterra e incluem o ensino da marajoara em suas aulas. Entretanto, o projeto proposto pela SEMED, inclui apenas o ensino fundamental.

Para realizar a coleta de dados, usamos o critério de inclusão e exclusão para os sujeitos professores, que se caracteriza por: ser professor de educação física, com experiência mínima de dez anos na educação básica; ser residente e atuar no município de Salvaterra; apresentar anuência por meio da assinatura do TCLE. Foram excluídos professores afastados da sua função para qualquer fim ou cedidos para outro município.

No que concerne à identificação dos sujeitos da pesquisa, utilizamos codinomes, assim, o professor vinculado à SEMED Salvaterra foi identificado com o codinome (P1) e o professor vinculado à SEDUC identificado como (P2), com a pretensão de preservar a imagem dos mesmos. Já os alunos e alunas, sujeitos do círculo de aprendizagem, foram nomeados pelos codinomes: (A1); (A2); (A3); (A4); (A5); (A6); (A7); (A8) e (A9).

Na análise dos dados, foi considerada a base conceitual das teorias curriculares críticas, com intuito de identificar as aproximações da abordagem da ação crítica e da teoria crítico superadora, para a proposição dos indicativos teórico-metodológicos no ensino médio. A pesquisa teve duração de oito meses para a revisão da literatura, o estudo do conhecimento e a fase de campo e reunião dos dados. Ainda na fase de campo, os instrumentos utilizados foram à entrevista narrativa e a tabulação da produção do conhecimento publicado nos periódicos institucionais, categorizando pelos descritores: currículo, teoria pedagógica, lutas e LM.

Vale ressaltar que ao ir à campo, o projeto passou pela apreciação do comitê de ética e teve a pesquisa aprovada no comitê da Universidade do Estado do Pará - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Campus II, sob o número do parecer: 7.108.658.

 

Qual o lugar da luta marajoara em salvaterra?

            Nesta seção, buscamos responder a nossa primeira questão norteadora, a qual diz respeito: O que está sendo pedagogizado na Secretaria Municipal de Educação SEMED de Salvaterra para o ensino da luta marajoara? A partir dela, também almejamos responder o nosso primeiro objetivo específico: Caracterizar os procedimentos teórico-metodológicos da proposta pedagógica da Secretaria Municipal de Educação SEMED Salvaterra para o ensino da LM.

            Nesse sentido, dialogamos com o conceito de luta por meio de Rufino (2018), com a própria BNCC (2018) para compreender como o tema lutas está posto hoje no ensino médio, e interagir com as narrativas de professores de educação física, que atuam na educação básica, os quais entrevistamos e discutimos as propostas da SEMED Salvaterra para o ensino da LM.

Assim, o autor Rufino (2018) diz que as lutas são um tema importante na escola, onde se precisa compreender as lutas a partir da sua essência filosófica e pedagógica, onde observa-se e absorve-se a partir da condução do professor ou professora, a diferença entre o brigar e o lutar, o autor ainda realça,

que para a prática de qualquer modalidade de luta, tanto dentro quanto fora do âmbito escolar requer que haja um conjunto de ações éticas buscando preservar a própria segurança e integridade da mesma forma que se intente atingir os objetivos propostos dentro dos limites éticos e de regras estabelecidos. À medida que se perde o respeito aos colegas e/ou adversários, perde-se um dos aspectos mais fundamentais das lutas, aproximando as ações das brigas (Rufino, 2018, p. 51).

 

Neste intento, quando olhamos para esta temática em ambiente documentário no que concerne a BNCC (Brasil, 2018), o ensino está pautado em competências e habilidades, o que nos inquieta sobre: qual o tipo de aluna e aluno eu quero formar? Como eu posso avaliar e pensar em educação física crítica quando preciso me ater como professora em competências e habilidades? Vale a pena refletir como animadores (Freire, 2015) a educação posta na contemporaneidade.

Somado a isso, as lutas em sentido documental na etapa do ensino médio, estão postas da seguinte forma: na compreensão das inter-relações entre as representações e os saberes vinculados às práticas corporais, em diálogo constante com o patrimônio cultural e as diferentes esferas/campos de atividade humana. Mas, como se incorpora os saberes dentro de um planejamento que não subsidia o professor, muito menos se incorpora a veiculação de conhecimentos que fogem do globo europeu e estadunidense. É sabido, que as lutas por muitos anos  foram um tema pouquíssimo abordado na escola, seja pelo caráter da formação inicial e a falta de confiança do professor de educação física trabalhar tal temática, seja pela falta de infraestrutura.

O projeto denominado W.L.M SALVATERRA foi criado mediante o acontecimento da 62ª/63ª edição JEPs 2020/2021 (Jogos Estudantis Paraenses) especificamente para a modalidade Luta Marajoara como esporte apresentação para alunos com idades de 12 a 17 anos realizado no município de Salvaterra no ano de 2021. Pensando em responder nossas questões e objetivos, a proposta contida no projeto da SEMED Salvaterra, tomando como base as narrativas do professor P1 referente à proposta para o ensino fundamental no que tange a LM,

este projeto se fundamenta na oferta do esporte através da Luta Marajoara e Luta Olímpica-Wrestling. O município de Salvaterra apresenta um celeiro de atletas voltados a inúmeros esportes, dos mais conhecidos aos ainda não reconhecidos ou não praticados de forma ampla, o qual nos instiga em apresentar o projeto denominado W.L.M SALVATERRA. Em parceria com as federações de Luta Marajoara e de Luta Olímpica-Wrestling e regência da SEMED Salvaterra buscaram junto às escolas municipais e estaduais de Salvaterra a participação de alunos junto ao projeto. É notório o potencial desse público nas diversas observações nos determinados eventos municipais escolares e particulares. O projeto visa o ingresso de seus participantes em competições municipais, estaduais, nacionais e mundiais, proporcionando assim conhecimento social e auxílio de apoio ao esporte – bolsa atleta assim, incentivando a prática esportiva, a vivência em sociedade, familiar e escolar (P1, 2024).

 

Esse projeto como já lhe falei, que surgiu através da luta marajoara na tentativa de incluir ela nas escolas como esporte como uma cultura, como um costume nosso. O projeto ele tem um objetivo dele, um caráter dele, que é manter os alunos estudando, ter um comportamento social, onde esse projeto ele já resgatou alunos que estavam afastados da escola. Pra participar do projeto, eles voltaram a estudar e hoje, nós já temos alunos que estão no ensino médio, temos alunos que já estão terminando o ensino fundamental, e tudo por causa do projeto né pelo motivo dos esporte e educação estarem unidos ali, e esse projeto ele já levou alunos pra várias competições fora do estado, então esse é o nosso objetivo principal é a competição, mas também a questão escolar, o ensinamento escolar o ensinamento social a gente preza por essas situações, olha só aonde o Yuri marajó chegou com a luta marajoara no MMA (P1, 2024).

 

Ao analisar as narrativas do professor P1, sobre o projeto que se tem da luta marajoara em contexto escolar, percebemos que o projeto é subsidiado pela perspectiva esportiva, onde se volta para as modalidades de luta marajoara e luta olímpica, ainda percebemos que o projeto em curso, não acontece em todas as escolas do município, mas sua finalidade imbrica o alto rendimento, visto que os jovens iniciam essa prática na escola, na tentativa de se tornarem grandes atletas e obtenham uma carreira profissional por meio do esporte e da iniciação esportiva realizada por meio do projeto.

Ao retratar o lutador Yuri, nascido na ilha marajó, atleta de MMA atualmente, notamos a espetacularização da luta marajoara vinculada ao alto rendimento, mas percebemos que a luta marajoara possui sua identidade muito bem marcada pela força, o pensar e o agir rápido, a autonomia própria dos lutadores, porém tais características estão longínquas de serem expressas pela profissionalização por meio do MMA,

O canal combate veicula basicamente lutas de MMA, em sua maioria, do UFC. Seria então o MMA e sua característica espetacularizada, a representante moderna, tanto em seu conteúdo técnico quanto cultural, das artes marciais como: caratê, kung-fu, jiu-jitsu, aikidô e tantas outras? Na análise da grade de programação e das sinopses disponíveis no canal, pouco se observa conteúdo voltado a questões didático-pedagógicas e filosóficas ligadas às artes marciais. Portanto, é através do conteúdo disponível pelo canal, que o público em geral, incluindo não praticantes, futuros adeptos e iniciantes dos esportes de combate, tem seu primeiro contato com conceito de “arte marcial”. E suas concepções são construídas a partir dessas informações parciais sobre as diferentes modalidades. Essa perspectiva se aproxima de uma monocultura esportiva das artes marciais, colocando-as em uma única abordagem (Pinto; Antunes, 2021, p. 22).

 

Aliada as narrativas do professor P1, retomamos o debate acerca da busca pelo reconhecimento da luta marajoara em contexto nacional, onde se acredita que se os alunos praticarem a luta olímpica ou Wrestling, que possui uma confederação consolidada em âmbito nacional e promove campeonatos por todo o país, os alunos tendem a conquistar a profissionalização e reconhecimento da luta marajoara no mundo. Tal cenário recai sobre a influência midiática e o recorrente movimento de transformar uma prática do cotidiano em esporte espetáculo, como diz Miranda Filho e Santos (2014), o alto rendimento atravessa a lucratividade, o exibicionismo e a autonomia e criatividade perdem vez, para os movimentos calculados e com objetivo único: “vencer o combate”.

Para compreendermos como a luta marajoara está posta em contexto escolar em Salvaterra, continuamos nosso movimento e ouvimos o professor P2 vinculado à SEDUC e possui experiência no ensino médio, o professor nos relatou que:

Bom, eu não sou professor da rede pública municipal de Salvaterra, atuo no ensino médio com vinculo pela SEDUC, atualmente não existe nenhum planejamento de ensino de luta marajoara no ensino médio aqui no município, o que eu sei é que houve uma reunião de professores de Soure e Cachoeira do Arari, que contava com uma proposta de ensino da luta marajoara no que concerne ao processo histórico, das regras e dos fundamentos, então rede pública municipal de Soure promoveu um documento que até hoje eu não consegui ter acesso ainda, onde há no planejamento de ensino a presença da luta marajoara nas aulas de educação física, como eu não sou da rede pública municipal, eu não participei e nem poderia participar deste planejamento de propostas. Mas, ainda sim eu venho brigando para que nós possamos dialogar com os conhecimentos e os reais interesses da educação física (P2, 2024).

 

A maioria dos pais e dos próprios professores não conhecem os valores dos esportes de combate, eles só acham que o esporte de combate é briga, é promover a violência, é muito complicado, então eu tento fazer o campo de discussão de que as lutas são identidade cultural, a luta marajoara é um pertencimento cultural, mas não é tão fácil, a própria inexistência de documentos que formalizem a luta marajoara, seus interesses, fundamentos imbricam para esses desconhecimentos, eu incluo a luta marajoara por exemplo nas minhas aulas, mas não está no planejamento das escolas que trabalho, essa iniciativa é minha por que acho importante os alunos conhecerem mais sobre a sua cultura, sobre as histórias da agarrada marajoara, eu troco com meus alunos, eu ouço as experiências deles com a agarrada e é assim dessa forma espontânea que eu ensino luta marajoara, mas no contexto da competição, se eles quiserem competir vai ser fora da escola, mas eu mostro as características da luta, onde eles podem acessar esse campo da competição e assim eu sigo (P2, 2024).

 

Por um lado, a luta marajoara está demarcada no município de Salvaterra a partir de ínfimas repercussões no cenário escolar, onde não há ainda um projeto institucionalizado para o ensino médio, e quando tratamos sobre a luta marajoara na escola, o que tem sido posto pelo município SEMED e pelas narrativas dos professores, é um projeto onde pouco se visualiza os saberes locais, a criatividade dos praticantes, a identidade e pertencimento voltado ao município, onde de acordo com o autor Makumba (2014) é o conhecimento mais latente e vivo de uma comunidade. Todavia, o projeto que vem sendo pensado para o município, é uma prática com intuito de diminuir a evasão escolar, aliada à competição e a luta marajoara atrelada com a luta olímpica, no intuito de serem reconhecidas nacionalmente por meio da profissionalização.

Por outro lado, o ensino da luta marajoara na escola, está acontecendo em outras perspectivas de forma espontânea, como no caso do professor P2, que ressignifica suas aulas de forma mais progressista, haja vista que reflete e dialoga com seus alunos, utilizando o que Freire (2013) chamava de escuta e partilha, o que Soares (2018) conversa sobre a práxis e o que AAC chama de fazer junto. Percebemos que a pontualidade no ensino da LM justifica-se pelo desconhecimento sobre o significado das lutas por parte dos professores, pais e alunos; pelo pouco envolvimento das secretarias com as manifestações de vida marajoara; pelo movimento crescente da federação de esportivização, onde pode influenciar e corroborar para o esvaziamento cultural da LM.

 

Luta marajoara: um saber local da amazônia paraense

Nesta seção, a partir da segunda questão norteadora: como uma prática social da Ilha do Marajó, passa a ser um conteúdo pedagogizado nas aulas de educação física? E o nosso segundo objetivo específico: Descrever a agarrada marajoara como prática social da ilha do Marajó para compreender a LM como conteúdo pedagógico da escola buscamos respondê-los a partir do mergulho junto a Dalcídio Jurandir (1992) sobre o contexto marajoara; Castiano (2013) para tratar do saber local e interlocutores com o mundo amazônida marajoara e cultura corporal, como Neira e Gramorelli (2017).

Antes da verse sobre a potente luta marajoara e dentro do âmbito da educação física, refletimos acerca da cultura corporal, pensando, pois, que a luta marajoara parte de um contexto corporal e cultural. Nesse cenário, Neira e Gramorelli (2017) salientam que a cultura corporal advém de um movimento social e político, determinado para romper com as questões físicas e militares exacerbadas contra a hegemonia esportivista da educação física. Sendo assim, o “termo cultura corporal foi necessária para desnaturalizar o componente, já que passou a situar social e historicamente seu objeto de estudo, na tentativa de superar a neutralidade e as concepções apolíticas até então em vigor” (Neira; Gramorelli, 2017, p. 6).

Para compreender a agarrada marajoara, precisamos de forma breve discutir suas características e particularidades insular. A agarrada marajoara é considerada uma tradição do povo, por carregar manifestações culturais e possuir particularidades distintas das lutas tradicionais, ela acontece normalmente em areia de praias regionais da Ilha do Marajó ou festividades, sendo mais presente em três municípios: Salvaterra, Soure e Cachoeira do Arari, mas como qualquer prática corporal, detém de movimentos e golpes, sobretudo de movimentos que partem como diz Mauss (2003), das práticas e técnicas da vida cotidiana, dos gestos simples, do corpo vivido, assim é com a agarrada marajoara, que nasce do lazer, sobretudo da espontaneidade corporal. Dentro do combate, é considerado ganhador o indivíduo que consegue colocar integralmente no chão e sujar as costas do seu adversário de areia.

 

A comunidade viva: falas e a presença das mulheres na ancestralidade da agarrada marajoara

A agarrada marajoara nasce das relações de vida da comunidade, e que apesar da sua origem não ter uma demarcação exata, essa prática tem égide do cotidiano com o mundo do trabalho, onde a cultura bubalina é muito presente e o trabalho nas fazendas exige uma jornada extenuante, a qual os trabalhadores no fim do dia, tem a agarrada como uma prática de lazer e de relaxamento, pois ao findar suas lidas, os mesmos lutavam para se aquecer do banho frio dos açudes das fazendas. A agarrada também é presente há anos nas festividades, entre elas a grande festa de São Sebastião realizada no Município de Cachoeira do Arari, dessa forma, se pode perceber que a agarrada está conectada profundamente nas relações de lazer e de vida da comunidade marajoara.

Porém, esta prática corporal, está pautada hoje, dentro de um tensionamento entre a tradição e a esportivização. Porquanto, a dualidade do termo Luta marajoara, nasce com a criação da Federação Paraense de Luta Marajoara (FPLM) em 2011, a qual preconiza a profissionalização e competição, e sob uma outra ótica em um processo de pedagogização da LM, por meio de uma espontaneidade de alguns professores da educação básica, os quais enxergam na LM uma potencialidade. Segundo Antunes e Campos (2021), a agarrada marajoara existe há muitos anos, porém ainda é pouco difundida na literatura e na sociedade fora da ilha.

Sobre a agarrada marajoara, ouvimos também a comunidade do município de Salvaterra, sobretudo mulheres quilombolas residentes da ilha, as mesmas falam sobre suas memórias e vivências com essa prática,

Na verdade eu acredito que a gente não praticava como competição, era algo mais do brincar, eu falo assim porque meu pai também gosta e eu sempre ouvi relatos sobre a luta, mas em questão de brincadeira. Diziamos assim: bora brincar uma agarrada? A gente não fala bora uma luta marajoara ou bora lutar. Eu sempre cresci ouvindo essa palavra “agarrada”. (COMUNIDADE, 2024, s/p).

 

Por exemplo antes de tomar banho no rio, vamos fazer aqui uma agarrada para dar uma cansada uma aquecida. Eu tinha uns 9 anos, já fazem 20 anos. Mas, a luta em si eu vim conhecer como esporte aqui no município que ficou bem forte (COMUNIDADE, 2024, s/p).

 

Percebemos que a agarrada está interligada não só ao cotidiano, mas que conecta-se ao que defendemos, que é a preservação da identidade, mas também a prática da luta marajoara, como uma possibilidade de conteúdo escolar, por intermédio da conexão com a pedagogização perspectivando o lazer, o brincar e a diversidade cultural presentes nas comunidades.

            Ao tentar costurar as linhas marajoaras, me convenço que não é a agarrada ou a luta marajoara que faz a ilha, mas a ilha de forma imanente abrilhanta e aviva essa prática como um saber histórico social, história que afirma as hegemonias e retrocessos já vividos e que ainda nos massacram hodiernamente.

O seio trabalhador e proletário, é açoitado para não ascender em um contexto de dominação e colonialismo que ainda impetra a sociedade, de como pode ser interpretado nas palavras de Jurandir (1992, p. 102)  “Meu filho, falava o pai, você não sabe o que é isto. Pensa que fazenda em Marajó é criação de gado na Inglaterra? Vaqueiro nasceu vaqueiro morre vaqueiro”. A supremacia ocidental, cuja fala, vestes e formas são dadas como estranhas e precisam servir de vitrine como um formato de espetáculo, onde há um total esvaziamento cultural de uma comunidade.

 Castiano (2013) chama atenção para a construção dos saberes, onde não há supremacia cultural e local, muito menos uma verdade absoluta, e que nossas verdades estão em constante construção e movimento. Para Castiano (2013) todo saber é local, é construído junto com valores e atitudes, é localmente transcender a localidade e alcançar outras culturas.  É inegável que há um pertencimento e uma identidade em cada ser, em cada grupo, onde a partilha e a interculturalidade (Walsh, 2019) possam tomar partida na sociedade e as potencialidades entre diversidade possam ser reconhecidas e discutidas.

 

Um indicativo inovador para uma prática regional

            Quando tratamos de um indicativo inovador, estamos falando da presença e identidade desta seção, a qual terá como foco a exposição e análise da aplicação do círculo de aprendizagem, construída a partir da AAC baseada em Soares (2018), a qual nos possibilitou avançar em sentido metodológico no ensino da luta marajoara nas escolas, em especial na etapa do ensino médio, o qual ainda é um desafio tanto na literatura, quanto na pequena parcela de aplicações e presença de estudos em contexto educacional deste tema no município de Salvaterra.

Para darmos vida ao que nós chamamos na pesquisa de círculo de aprendizagem, fomos ao município de Salvaterra e tivemos uma vivência fundamentada pela AAC, com nove alunos regularmente matriculados no ensino médio, o círculo de aprendizagem foi escolhido a partir do aprofundamento teórico da pesquisadora com o círculo de cultura baseado em Freire (2015) que debruça sua intervenção por meio do animador (professor) e seus educandos (alunos e alunas), em forma de diálogo e partilha, pilares estes importantes para qualquer condução e práxis docente.

Ancorado ao nosso objetivo, de propor indicativos para a sistematização da LM no contexto escolar no ensino médio realizamos o círculo de aprendizagem, subsidiado pela AAC e pela teoria crítica superadora, tendo em vista que os pensamentos se somam para materializar aulas reflexivas e crítica. De acordo com Soares (2018), a AAC, auxilia na fundamentação da práxis docente, por meio de uma ação investigativa, que dialoga, conhece e vivencia junto ao outro, sem perder a criticidade da intervenção e dos conceitos fundantes da abordagem e dos conceitos fundantes da abordagem que o professor irá adotar. A AAC é divida em três momentos, sendo eles: a tematização; a apropriação e a sistematização.

Na tematização, primeiro procedimento, o tema de aula é apresentado e apreciado pelo grupo, momento em que o professor faz o estudo da realidade (ER) do grupo, quando todos participam, expressando o conhecimento e a experiência sobre o tema da aula [...] na apropriação, a pesquisa-intervenção se desenvolve em três movimentos – pensar e fazer; fazer com o outro; ser e fazer. O objeto de estudo é vivenciado no pensar e fazer por cada um a partir da experiência individual e pode ser verbalizado para trocas de conhecimento. Na sequência, a atividade é realizada em duplas ou trios, de acordo com a opção metodológica do pesquisador [...] na sistematização do tema para expressão da vivência, o pesquisador propõe uma síntese mimética (mimesis: termo crítico e filosófico do grego. Interpretação assemelhada à imitação), ou roda de conversa, ou atividade proposta pelo grupo que culmine com a vivência e possibilite a reflexão com elaboração do pensamento crítico sobre a situação temática vivida. (Soares, p.65).

 

A aula aliada à AAC os faz relembrar a década de oitenta da educação física que vem com um efeito transformador, junto aos movimentos renovadores, com sentido de tentar superar as aulas tradicionais conectadas ao reprodutivismo e o contexto assustadoramente biológico. Dessa maneira, ao fazer uma breve aproximação entre a AAC e a própria abordagem crítico superadora, ancorada no materialismo histórico-dialético, temos, por exemplo, a tematização na AAC que seria uma análise da realidade por meio de uma intervenção docente, a qual muito se aproxima da prática social. Porém, não estamos aqui medindo a melhor abordagem, mas estamos pensando em indicativos metodológicos capazes de transformar e romper de forma contundente com os interesses hegemônicos diariamente impostos no cenário educacional, onde sempre as classes minoritárias são massacradas e silenciadas.

Atualmente, a LM como práticas, está articulada ao esporte de combate, o qual Gonzalez (2006, p.117) conceitua como “aqueles caracterizados como disputas em que o(s) oponente(s) deve(m) ser subjugado(s), com técnicas, táticas e estratégias”. E isso, deve-se ao fato da luta marajoara, como dito ao decorrer deste estudo, estar sendo alimentada pelo caráter competitivo e até mesmo sofrendo influência de outras lutas, como o Wrestling, na busca por reconhecimento. De outro modo, a LM também está no contexto escolar com desafios para o processo ensino-aprendizagem, seja por falta de políticas de inserção da mesma nos currículos ou pelo próprio desconhecimento da potencialidade cultural que a LM possui.

Nesse sentido, a luta como um conteúdo escolar fragmentado ao ambiente competitivo, seria um retrocesso precursor de esvaziamento histórico e social dessas práticas. Haja vista que, uma luta vai além do contexto corporal, ela inicia pelos princípios identitários presentes em uma determinada comunidade, mas que precisam de fundamentações e práticas progressistas que não fragmentem as lutas como uma prática capaz de levar apenas ao alto rendimento ou pelo movimentos “crivo”, onde umas são mais importantes que outras. Falcão (2004), justifica que as lutas como conteúdo na escola, não conjugam da separação entre teoria e prática, uma vez que as mesmas caminham intimamente e precisam romper com o autoritarismo engendrado por décadas.

Dessa forma, abaixo organizamos o círculo de aprendizagem em duas subseções que serão capazes de ilustrar os três momentos destas vivências ancoradas na AAC, realizada com os alunos e alunas do ensino médio residentes do município de Salvaterra, estes pertencentes ao nosso grupo de sujeitos deste estudo. Partindo para o nosso círculo de aprendizagem, que aconteceu no município de Salvaterra, na orla da cidade, conhecida pela orla da praia da grande, foi subsidiado pela AAC como uma teoria inovadora em nossa proposição.

 

Círculo de aprendizagem: momento da Tematização

Começamos a intervenção com a tematização da seguinte maneira: buscamos dialogar com os alunos sobre a origem da luta marajoara, sobre as primeiras vivências onde foi possível trocarmos experiências neste primeiro contato, com vistas de romper com quaisquer constrangimentos e fazer com que eles pudessem sentir mais confiança e compreendessem que ali era um momento de liberdade e diálogo.

Em seguida, solicitei aos alunos e alunas que realizassem dois desenhos, no primeiro desenho, pedi que eles relatassem onde surgiu o primeiro contato com a luta marajoara na vida deles, se foi alguém da família que ensinou, se foi na escola, se foi com algum amigo ou amiga; já no segundo desenho, pedi que eles contassem por meio da sua criatividade desenhada, qual foi o primeiro movimento/técnica/golpe que eles aprenderam e onde foi.

 

Figura 1: Momento da tematização do círculo de aprendizagem

 

Fonte: Acervo pessoal, 01 de junho de 2024

 

Identificamos inicialmente que a maioria dos alunos foram para a atividade com camisas escritas atleta na parte de trás, onde intrinsecamente nos relata que a competição no município vem ganhando espaço. Além disso, constatamos que apesar dos alunos já saberem o que é a luta marajoara, por se tratar de uma prática presente na vida deles, diferentemente se aplicássemos o círculo de aprendizagem na capital por exemplo, visualizamos que apenas um aluno relatou aprender a agarrada marajoara na escola, o que concretiza a incipiência deste conhecimento neste cenário e a hierarquização de saberes ditos “importantes” e “menos importantes” a serem ensinados na escola.


 

Figura 2: Desenho construído na tematização, sobre o local que o aluno aprendeu LM

Lousa branca com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: Acervo pessoal, 01 de junho de 2024.

 

Todavia, quatro alunos mostraram por meio dos seus desenhos e oralidade, que seu primeiro contato com esta prática corporal foi em casa e teve influência direta com a família, o qual remete essas vivências como uma prática cultural familiar, de perpasse de gerações imbricadas no cotidiano, “as culturas simbolizam as diversidades culturais, que valorizam e preservam os costumes e tradições culturais” (Santos, 2022, p. 49).

 

Figura 3: Desenho construído na tematização, sobre a LM como prática do cotidiano

Texto preto sobre fundo branco

Fonte: Acervo pessoal, 01 de junho de 2024.

 

Ainda sobre o segundo desenho na tematização, cinco alunos e alunas falaram que o primeiro movimento que aprenderam foi a cinturada, por se tratar de um movimento dito como baixo de grau de dificuldade, onde toda a família já brincou algum dia. Os outros quatro alunos e alunas falaram que aprenderam o movimento de queda da luta, mas não tinha um nome específico. Vale considerar, que a luta marajoara hoje dentro da perspectiva esportista, teve suas formulações de técnicas que contempla 13 golpes, sendo dois proibidos por alto risco de lesão.

O que queremos dialogar, é que antes da LM estar vinculada ao processo competitivo, essa prática já possuía seu caráter autônomo, onde a própria comunidade no ato de brincar costurava a identidade e tradição dessa prática, sem a necessidade da busca por um reconhecimento, que já se encontra indiscutivelmente penetrado na ilha do marajó. Entretanto, mesmo diante a todo o movimento vinculado a esportivização, os atletas ainda tem o poder da criatividade, de recriar movimentos/golpes de acordo com suas potencialidades, o que aviva essa prática e de certa forma corrobora para seu pertencimento e preservação da identidade.

Diríamos que a LM junto à comunidade pode ser chamada de um rito, haja vista que Pereira ( 2023, p. 5) reforça que “o rito possui um forte valor social, por possuir também um forte valor cultural” afinal, nossa vida é um rito que nasce das práticas corriqueiras do dia a dia como diz Mauss (2003), e vai até os ritos de aniversário, de guardar o celular na bolsa, de colocar sapatos ao sair de casa, assumimos que a LM como uma prática cultural da ilha, possui um rito de vida, imbuído nas relações de trabalho, nas relações afetivas, nas relações do lazer e do fazer e do como fazer.

 

Círculo de aprendizagem: momento da Apropriação e Sistematização

 O segundo momento da AAC acrescido dos desdobramentos feitos na tematização, é chamado de apropriação o qual Soares (2018, p. 24) salienta a relação entre o “pensar e fazer; fazer com o outro; ser e fazer”, convidei os alunos para a linguagem corporal, a qual eles iriam demonstrar na prática e em duplas, o segundo desenho da tematização, que foi qual o primeiro movimento/golpe/técnica que eles aprenderam e por meio da oralidade eles contaram com quem foi esta primeira vivência.

 

Figura 4: Momento da apropriação do círculo de aprendizagem

 

Homem com criança na grama

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: Acervo pessoal, 01 de junho de 2024.

 

Por fim, no último momento do círculo de aprendizagem ancorado na AAC chamado de sistematização propusemos uma roda de conversa em que sintetizamos que os movimentos em dupla, favorecem o fazer juntos, o aprender juntos de diferentes formas de fazer, as quais são frutos da essência da abordagem da ação crítica. Neste momento final, ouvi os alunos e alunas sobre o que acharam da atividade, o que eles sentiram ao desenhar e aplicar por meio do corpo o seu próprio desenho, com intuito de favorecer a reflexão com a elaboração do pensamento crítico sobre a situação temática vivida.

Mas, para além do contexto avaliativo da atividade, os indícios metodológicos, perpassam pela leitura da realidade posta de uma prática cultural, a qual  advém de um movimento ancestral, mas que ao mesmo tempo tem passado por construções e desconstruções, que decrescem com o passar dos anos, seu sentido genealógico e passam a ter o sentido mais prático corporeo esportista. Assim, a sistematização aliada a perspectiva de indicar metodologicamente o ensino da luta marajoara, por intermédio da AAC, teve como enfâse e resultado, que o círculo de aprendizagem não só é um indicativo de possibilidade crítica, como também pode estar presente nas práticas pedagógicas, que vislubrem a educação intercultural e o fazer pedagógico crítico e dialoógico em espaços formais e não formais, desde que o tema proposto aglutine uma praxis docente capaz de imergir nas diversas manisfestações culturais e experimentações que culminem na elaboração do pensamento crítico Soares (2018).

Diante disso, vale considerar que o círculo de aprendizagem aplicado com os alunos de Salvaterra, não teve o intuito especificamente de ensinar a luta marajoara, mas propor por meio deste diálogo uma possibilidade de como levar esta prática para o contexto escolar, visto que todos que estavam ali também são alunos e alunas matriculados no ensino médio, além de que buscamos compreender, como este saber da agarrada marajoara interligado a um processo ancestral e cultural, passa a ser um conhecimento técnico com regras e gestos e como esses alunos e alunas se identificam com todo este movimento entre a tradição e a esportivização. Portanto, os alunos e alunas frutos do círculo, elaboraram o pensar crítico a partir da compreensão de que era possível praticar a LM na escola, sobretudo de resgatar a essência gênica da agarrada marajoara, e que não há uma receita tático técnico para praticar, tampouco deve deixar de ser uma brincadeira espontânea, haja vista que a agarrada marajora ou LM como hoje é popularmente reconhecida, é uma prática imanente à existencia marajoara.

 

Considerações finais

Concluímos com a sugestão do avanço teórico e prático no campo da preservação da identidade e cultura local, que detém da prática corporal Luta Marajoara carregada de ancestralidade e saberes, localizada nas ilhas da Amazônia Paraense, já que identificamos um déficit em produções acadêmicas neste campo, sobretudo, uma incipiência no contexto de proposições metodológicas para a luta marajoara no cenário educacional, principalmente na etapa do ensino médio.

Além de que, essa construção teve êxito na ampliação e formação da pesquisadora, por se tratar de um campo de estudo que a mesma trilha há alguns anos e enxerga na luta marajoara uma potencialidade e uma latência importante em contexto histórico, geográfico e pedagógico. Portanto, enxergamos de modo crucial e sugestivo, que a diversidade cultural por meio de práticas regionais como a luta marajoara, devem materializar-se para além da região norte, nos fazendo desprendermo-nos das âncoras de uma cultura dominante que imprime seus costumes como um saber supremo.

 

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