Formação humana antirrascista: A importância da leitura de “O pacto da branquitude” para docentes

Anti-racist human training: The importance of reading “The Whiteness Pact” for teachers

Formación humana antirracista: La importancia de la lectura de “El pacto de la blanquitud” para los docentes

 

Gisele de Souza Gonçalves

Professora da educação básica da rede pública de Foz do Iguaçu, PR, Brasil

Doutora pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Foz do Iguaçu, PR, Brasil

giselesouzag@hotmail.com

 

Recebido em 29 de agosto de 2024

Aprovado em 22 de setembro de 2024

Publicado em 01 de outubro de 2025

 

RESUMO

Esta resenha apresenta a obra “O pacto da branquitude”, da autora Maria Aparecida da Silva Bento, publicada em 2022, pela editora Companhia das Letras. O objetivo desta resenha é defender a importância da formação antirracista para docentes por meio de leituras que abordem o tema, entre elas e especialmente aqui a leitura da obra citada. Todavia, é necessário destacar que não apenas esta leitura é importante para tal formação, mas sim é uma das possíveis e muito coerente para abordar o racismo. Assim, tal leitura importa aos profissionais da educação e docentes como possibilidade para conhecer e refletir sobre o tema, reconhecendo a necessidade do debate na sociedade, com ênfase nas escolas e instituições educacionais.

Palavras-chave: Educação; Antirracismo; Sociedade.

 

ABSTRACT

This review presents the book “O pacto da branquitude”, by the author Maria Aparecida da Silva Bento, published in 2022 by Companhia das Letras. The aim of this review is to defend the importance of anti-racist training for teachers through the importance of anti-racist training for teachers through readings on the subject, including, and especially here, reading of the work cited. However, it is necessary to emphasize that not only is this reading important for such training, but is one of the possible and very coherent ways of approach to racism. Thus, such reading is important for education professionals and teachers as a possibility to learn about and reflect on the topic, recognizing the debate in society, with an emphasis on schools and educational institutions.

Keywords: Education; Anti-racism; Society.

 

RESUMEN

Esta reseña presenta el libro “O pacto da branquitude”, de la autora Maria Aparecida da Silva Bento, publicado en 2022 por la Companhia das Letras. El objetivo de esta reseña es defender la importancia de la formación antirracista de los profesores a través de la importancia de la formación antirracista de los profesores a través de lecturas sobre el tema, incluyendo, y especialmente aquí, la lectura de la obra mencionada. Sin embargo, es necesario subrayar que esta lectura no sólo es importante para dicha formación, sino que es una de las formas posibles y muy coherentes de aproximación al racismo. Así, dicha lectura es importante para los profesionales de la educación y los profesores como posibilidad de conocer y reflexionar sobre el tema, reconociendo el debate en la sociedad, con énfasis en las escuelas e instituciones.

Palabras clave: Educación; Antirracismo; Sociedad.

 

BENTO, Cida. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

 

A autora Maria Aparecida da Silva Bento, ou como é mais conhecida: Cida Bento, escreve o livro “O pacto da branquitude” compartilhando de maneira objetiva, didática e coerente o tema racismo, abordando-o de acordo com a atual conjuntura. A obra, que contém 148 páginas e é resultado de sua pesquisa de doutorado, foi publicada, em 2022, pela editora Companhia das Letras, oferece a possibilidade de reflexão sobre um tema atual, mas bastante antigo: o racismo.

A obra é organizada em breves capítulos que nos conduzem a reflexões sugeridas pela autora que na sequência da leitura dá suporte ao leitor e à leitora com informações e conhecimentos históricos e sociais que permitem identificar características de uma sociedade que privilegia a branquitude.

Cida Bento apresenta situações comuns em que naturalizamos o racismo, pois há um pacto velado – mas não tanto –, da branquitude, o qual é abordado em seus dez capítulos: 1. Pacto narcísico; 2. Branquitude e colonização europeia; 3. Capitalismo racial; 4. Personalidade autoritária, masculinidade branca e nacionalismo; 5. O campo de estudos sobre branquitude; 6. Racismo institucional; 7. O caso das mulheres; 8. Enfrentando os desafios: CEERT[1]; 9. Projetos de transformação; 10. Momento presente.

As situações presentes no livro incluem experiências da autora e de outras e outros sujeitos, que – de maneira sistemática e com dados de pesquisas, documentos e exemplos em uma escrita contextualizada e coesa – mostram o quanto as pessoas brancas reproduzem seus privilégios e reverberam atitudes que fortalecem o racismo institucional e estrutural, os quais devem ser combatidos com posturas antirracistas.

O livro é relevante para todas e todos, mas é ainda mais necessário para docentes, considerando escolas/instituições educacionais como espaços nos quais materiais didáticos, referências bibliográficas e discursos são reproduzidos dando ênfase à meritocracia e ao apagamento da presença de negras e negros no desenvolvimento do país em diversas áreas e épocas. Sem deixar de citar que estes espaços educacionais são ideias para abordar o racismo e identificar possibilidades de combatê-lo.

No primeiro capítulo, a autora cita que “o conceito comum de meritocracia é o de um conjunto de habilidades intrínsecas a uma pessoa que despende esforço individual e não estabelece nenhuma relação dessas ‘habilidades’ com a história social do grupo a que ela pertence e com o contexto no qual está inserida” (Bento, 2022, p.21, grifos da autora). Nos demais, ela aborda temas já citados anteriormente, além de apontar desafios e possibilidades de mudança.

Cida Bento oportuniza, com sua coesão e coerência ao debater o tema, uma maneira metódica de pensarmos o racismo e suas camadas, de forma a reconstruirmos nossos conceitos e descontruirmos ideias meritocráticas e racistas, portanto preconceituosas.

A autora instiga, já no título de sua obra, a curiosidade à leitora e ao leitor que busca compreender o que pode ser este “pacto”, o qual é apresentado no primeiro capítulo como “narcísico”. Ela consegue ainda elaborar uma análise sobre como a aparência idealizada mostra preconceito quanto às características das mulheres negras, em seu nono capítulo intitulado de “Projetos de transformação”: “O cabelo assimétrico, volumoso, incomoda quem se esforça tanto para manter o cabelo alinhado, aquilo que entendem como ‘perfil europeu’. Além do que, pode não se tratar só da libertação da escova progressiva, mas também de outras amarras” (Bento, 2022, p. 107, grifos da autora).

Cida Bento, que é doutora em psicologia, discorre de maneira organizada e compreensível sobre um tema essencial para revermos como ações institucionais reverberam outras na vida das pessoas negras, nos faz pensar sobre como as pessoas brancas podem identificar nas relações sociais a presença do “pacto da branquitude” e buscar outras maneiras de entender e rever suas atitudes como mantenedoras de uma reprodução do sistema racista.

Ainda que a Lei nº 10.639/2003 (Brasil, 2003), a qual torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e particulares do país, já tenha completado 21 anos, há um longo caminho a ser feito no que diz respeito a uma educação antirracista.  Portanto, faz-se necessária a leitura da obra aqui resenhada, bem como de outras sobre o tema, a fim de que docentes e demais profissionais de instituições públicas e privadas da educação possam debater sobre o assunto e abordá-lo em seus espaços de trabalho e produção acadêmica. Cida Bento traz ao debate o tema proposto considerando nossa herança colonial e escravocrata sem perder de vista a atualidade e seus enfrentamentos, por isso, a obra é tão importante para repensar nossa sociedade e seus desafios.

Ao relacionar o conteúdo da obra resenhada e a educação numa perspectiva de mudança, podemos citar Paulo Freire, em Pedagogia da indignação: “Nenhuma realidade é assim porque assim tem de ser. Está sendo assim porque interesses fortes de quem tem poder a fazem assim” (Freire, 2021, p.142). Por isso, a desconstrução e reconstrução da presença da pessoa negra no país precisa ser abordada nas escolas, onde, muitas vezes, se identifica a pessoa negra como coadjunvante reduzida ao papel de indivíduo subalterno na sociedade. Para Freire (2021, p.142-3, grifos do autor), “reconhecer que o sistema atual não inclui a todos, não basta. É necessário precisamente por causa deste reconhecimento lutar contra ele e não assumir a posição fatalista forjada pelo próprio sistema e de acordo com a qual ‘nada há que fazer, a realidade é assim mesmo’”.

A realidade exige mudança e ela não será fácil e tampouco rápida, todavia é possível não se conformar, não aceitar as desigualdades e injustiças como fenômenos naturais, pois como educadoras e educadores devemos identificar os desafios da atualidade e sua relação com a história, a fim de pensar possibilidades que atendam a todas e todos de maneira igualitária.

“O pacto da branquitude” oferece conteúdo para relacionarmos o passado e o presente, pontuando as consequências que estão na obra e em nossas vivências. Cida Bento aponta os privilégios de uma branquitude que faz o pacto para manter-se na condição em que está, ainda que e para que negras e negros sigam e estejam com menos oportunidades e, quando conseguem lugares de destaque na educação e/ou na profissão, sejam bem mais cobradas e cobrados do que pessoas brancas o são. Tal rigorosidade aflige pessoas negras para além do social, interferindo em questões pessoais e psicológicas.

Tais relações podem passar despercebidas no dia a dia, por isso a necessidade de ler a obra em questão para perceber aquilo que infelizmente é considerado, muitas vezes, normalidade. Assim, o livro nos oferece uma leitura coesa, baseada em dados, informações e uma escrita coerente sobre a estrutura que mantém o racismo, beneficiando alguns em detrimento de tantos. Para que esse pacto seja desconstruído é preciso estudo sobre o tema e, consequentemente, mudanças que só poderão ocorrer com o envolvimento de sujeitos que oportunizem tais reflexões para os espaços da educação.

 

Referências

BENTO, Cida. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

 

BRASIL, Lei 10.639/2003, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. 6ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2021.

 

CC.png 

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)

 

Notas



[1] Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, criado em 1990.