Das vivências às experiências formadoras e transformadoras: potencialidades das narrativas autobiográficas estudantis

From lived experiences to formative and transformative experiences: the potential of student autobiographical narratives

De las vivencias a las experiencias formadoras y transformadoras: potencialidades de las narrativas autobiográficas estudiantiles

 

Agnes Francine de Carvalho Mariano

Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, São Francisco do Conde, BA, Brasil

agnesmariano.ssa@gmail.com

 

Recebido em 05 de setembro de 2025

Aprovado em 08 de outubro de 2025

Publicado em 24 de setembro de 2025

 

RESUMO

Neste trabalho, iremos refletir sobre o sentido das experiências formativas e da construção de narrativas autobiográficas no ensino superior. O ponto de partida é a premissa de que os seres humanos são seres que narram, que criam uma razão narrativa para descrever e entender as próprias vidas, por meio de processos de biografização (Delory-Momberger, 2012). A experiência é aqui compreendida como algo que nos forma e nos transforma (Bondía, 2002), que deixa marcas, vestígios, saberes. A construção de narrativas tem papel central nessa capacidade formadora e transformadora, pois narrar experiências promove a reflexividade, a reflexão sobre o vivido. Pensar sobre as experiências formativas – de vida, familiares, escolares, profissionais e muitas outras - é pensar sobre como nos tornamos quem somos, quem desejamos ser e também uma oportunidade de ressignificar as experiências (Passeggi, 2011; Josso, 2007). Trabalha-se aqui com a ideia de topoi, que integra a proposta metodológica de Delory-Momberger (2012) para a co-construção do sentido das narrativas (Pineau, 2006). São descritas e comentadas duas autobiografias estudantis, que acionam eixos explicativos bem distintos. Como resultado, defende-se a riqueza da liberdade narrativa proporcionada pelos formatos autobiográficos e a importância do reconhecimento da diversidade de projetos de vida e modos de encarar a experiência universitária entre os estudantes. Há um potencial emancipador para quem vive a experiência de narrar a própria vida e, assim, amplia a sua consciência sobre suas experiências. Ao mesmo tempo, as narrativas autobiográficas podem auxiliar os docentes na aproximação com a individualidade dos estudantes e a superação de padronizações.

Palavras-chave: Autobiografia; Experiência; Narrativa.

 

ABSTRACT

In this paper, we will reflect on the significance of formative experiences and the construction of autobiographical narratives in higher education. The starting point is the premise that humans are narrating beings who create a narrative rationale to describe and understand their own lives through processes of biographization (Delory-Momberger, 2012). Experience is understood here as something that shapes and transforms us (Bondía, 2002), leaving marks, traces, and knowledge. The construction of narratives plays a central role in this formative and transformative capacity, as narrating experiences promotes reflexivity, reflection on lived experiences. Thinking about formative experiences—be they life experiences, family, school, professional, and many others—is to reflect on how we become who we are, who we wish to be, and also an opportunity to reframe experiences (Passeggi, 2011; Josso, 2007). This work incorporates the idea of topoi, which integrates Delory-Momberger's (2012) methodological proposal for the co-construction of narrative meaning (Pineau, 2006). Two student autobiographies are described and discussed, activating distinct explanatory axes. As a result, it is argued that the richness of narrative freedom provided by autobiographical formats and the importance of recognizing the diversity of life projects and ways of approaching the university experience among students are crucial. There is an emancipatory potential for those who experience narrating their own lives and, thus, enhance their awareness of their experiences. At the same time, autobiographical narratives can help educators connect with students' individuality and overcome standardizations.

Keywords: Autobiography; Experience; Narrative.

 

RESUMEN

En este trabajo, reflexionaremos sobre el sentido de las experiencias formativas y la construcción de narrativas autobiográficas en la educación superior. El punto de partida es la premisa de que los seres humanos son seres narradores, que crean una razón narrativa para describir y entender sus propias vidas, a través de procesos de biografización (Delory-Momberger, 2012). La experiencia se comprende aquí como algo que nos forma y transforma (Bondía, 2002), que deja marcas, huellas y saberes. La construcción de narrativas juega un papel central en esta capacidad formadora y transformadora, ya que narrar experiencias fomenta la reflexividad, la reflexión sobre lo vivido. Pensar en las experiencias formativas—de vida, familiares, escolares, profesionales y muchas otras—es pensar en cómo nos convertimos en quienes somos, en quienes deseamos ser y también una oportunidad para resignificar las experiencias (Passeggi, 2011; Josso, 2007). Se trabaja aquí con la idea de topoi, que integra la propuesta metodológica de Delory-Momberger (2012) para la co-construcción del sentido de las narrativas (Pineau, 2006). Se describen y comentan dos autobiografías estudiantiles, que activan ejes explicativos bien distintos. Como resultado, se defiende la riqueza de la libertad narrativa proporcionada por los formatos autobiográficos y la importancia del reconocimiento de la diversidad de proyectos de vida y modos de enfrentar la experiencia universitaria entre los estudiantes. Hay un potencial emancipador para quienes viven la experiencia de narrar su propia vida y, así, amplían su conciencia sobre sus experiencias. Al mismo tiempo, las narrativas autobiográficas pueden ayudar a los docentes a acercarse a la individualidad de los estudiantes y a superar estandarizaciones.

Palabras clave: Autobiografía; Experiencia; Narrativa.

 

Introdução

O ensino superior é um objeto complexo, isto é, “um lugar de intersecção de diferentes problemáticas” (Coulon; Paivandi, 2023, p. 21). Por isso mesmo, o seu estudo deve acolher contribuições de diferentes campos: “[…] no ensino superior como em outros campos da educação, a rigidez das fronteiras disciplinares corre o risco de congelar o pensamento” (idem, p. 20). E se o nosso foco se dirige para a vida estudantil, em suas intersecções com o ensino e a aprendizagem, muitas dimensões sutis precisam ser somadas aos interesses de pesquisa. Para os estudantes, aprender e interagir no ambiente universitário mobiliza “variáveis individuais, sociais, cognitivas, ambientais e de elementos da personalidade” (idem, p. 19). Assim, ensinar na universidade também exige, dos docentes, recorrer a diferentes fontes para observar, pesquisar, refletir, autoavaliar e reelaborar o próprio trabalho.

Alain Coulon e Saeed Paivandi (2023) explicam que as publicações sobre o ensino superior cresceram substancialmente após os anos 1970. Entre as pesquisas pioneiras, destacam as de Becker, Geer, Hugles e Strauss, de 1961, sobre a cultura estudantil dos estudantes de Medicina da Universidade do Kansas e a pesquisa de Perry, feita nos anos 60, em Harvard, sobre as diferentes concepções dos estudantes a respeito do saber universitário. A microssociologia da Escola de Chicago, a atenção às histórias de vida, a inspiração no Interacionismo Simbólico e a abordagem etnográfica marcam muitos dos trabalhos nesse campo, antigos e recentes (Paivandi; Milon, 2023)[1]. Mas, nas últimas décadas, muitas outras perspectivas também ajudaram a ampliar o nosso olhar a respeito do ensino superior. Buscaremos aqui refletir sobre as potencialidades das narrativas biográficas e autobiográficas para a pesquisa sobre a vida estudantil, para o cotidiano do trabalho docente e para os sujeitos que produzem narrativas de si.

Acreditamos que a passagem pelo ensino superior é uma fase de grande relevância para os jovens e suas famílias: “A transição para a universidade é um momento fulcral na vida do indivíduo, determinante e decisivo para todo o seu futuro profissional. Ele deve enfrentar escolhas cruciais, explorar uma nova visão de vida e experimentar novas formas de autonomia social, intelectual e afetiva” (Coulon; Paivandi, 2023, p. 19). Sendo assim, é também um momento de grande relevância para a sociedade da qual esse estudante, cidadão e futuro profissional participa. As suas vitórias e fracassos interessam à sociedade, terão repercussão no presente e no futuro, precisam ser conhecidos e, sempre que possível, contornados com políticas institucionais e públicas.

A título de exemplo, podemos considerar a questão do adoecimento mental entre universitários. Um fenômeno identificado como prevalente entre estudantes do mundo todo. Segundo o psiquiatra Vicent Balanzá-Martínez (Alvarez, 2023), já existem dados consolidados que confirmam a vulnerabilidade dos universitários a problemas de saúde mental, em patamar mais elevado que o resto da população: “Um estudo da Organização Mundial da Saúde (World Mental Health Survey) apontou que 35% dos universitários de diversos países apresentavam sintomas de ansiedade ou depressão”. Entre os fatores que contribuem, ele destaca: “[...] o período de trânsito para a universidade coincide com anos de mudanças sociais, econômicas e de autonomia pessoal. Muitos universitários se mudam, vão para outra cidade, deixam suas famílias, assumem mais responsabilidades”.

Olhando para o mesmo fenômeno, no Brasil, Luciana Coutinho e Rose Gurski (2024) descrevem um cenário ainda mais grave: “Pesquisas recentes da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) apontam um número significativo de universitários com dificuldades emocionais em seus percursos acadêmicos (83,05%)”. Ansiedade, desânimo, ideia de morte e pensamento suicida são os problemas mais recorrentes. Assim como identificado em outras pesquisas, as alterações nas condições de vida desses jovens contribuem para o quadro: “Uma possível condição de agravamento de sofrimento de discentes nas universidades está associada às novas formas de ingresso, à mobilidade social e geográfica propiciada pelo ENEM e pelo SISU, assim como pela precarização das políticas de inclusão e permanência […]”. Somente em 2024, foi aprovada pelo Legislativo brasileiro a Política Nacional de Assistência Estudantil (Agência, 2024), que permitirá tornar o apoio à permanência dos estudantes universitários de baixa renda uma política de estado.

Entretanto, sabemos que enfrentar os desafios ligados à saúde mental e de outras ordens envolve mais do que recursos financeiros, pois são variados os fatores intervenientes: “Temos que pensar de uma perspectiva biopsicossocial (fatores biológicos, psicológicos e sociais)” (Alvarez, 2023). Fatores que sempre poderão afetar os indivíduos de formas particulares, mesmo que tenham origem cultural e social parecida. É nesse sentido que, acreditamos, as pesquisas biográficas e autobiográficas relacionadas à vida estudantil podem contribuir para a compreensão desses fenômenos, ampliação da escuta, ajustes no trabalho docente e, principalmente, para a reflexividade, permitindo aos estudantes revisitar, reelaborar os sentidos das suas experiências e, assim, os seus projetos de vida.

Pensar sobre as nossas experiências formativas – de vida, familiares, escolares, profissionais e muitas outras - é pensar sobre como nos tornamos quem somos. O que pode favorecer o autoconhecimento, o amadurecimento, a consciência sobre quem desejamos ser, a autonomia para agir em prol das nossas escolhas e a aceitação de que as nossas identidades e subjetividades estão em permanente construção e reconstrução. Portanto, uma reflexão bastante condizente, se não com todas as práticas, pelo menos com as metas dos ambientes educativos, como as escolas e universidades. Nesse trabalho, iremos refletir sobre o sentido das experiências e das narrativas de experiências. Sobre a presença das narrativas autobiográficas em contextos educacionais e de pesquisa e sobre uma opção metodológica para observar as narrativas produzidas, guiada pela ideia de topoi. Em seguida, buscaremos dialogar com duas produções autobiográficas estudantis. Que contribuições essa prática pode trazer para quem narra? Quais os caminhos para entender essas narrativas? E como elas podem favorecer o ensino e a aprendizagem?

 

Experiência

Durante todos os dias das nossas vidas, temos contato com uma grande quantidade de acontecimentos e fruições, que nos apresentam a práticas, interações, reflexões, desafios. Sejam as situações vividas por nós, observadas, relatadas ou representadas em produções simbólicas, como livros, imagens, áudios, canções, etc. Somos incapazes, entretanto, de registrar e reproduzir a totalidade dessa bagagem. E somente algumas vivências e fruições efetivamente nos marcam, integram as nossas vidas e podem ser entendidos como “experiências”, no sentido proposto pelo pedagogo e filósofo Jorge Larrosa Bondía. Ele define a experiência como “aquilo que ‘nos passa’, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma” (Bondía, 2002, p. 25-26). A “verdadeira” experiência seria, portanto, formadora e, assim, transformadora de quem somos. Para ser experiência, é preciso que isso “que nos toca” deixe marcas, sensações, saberes. Também refletindo sobre a experiência, Maria Passeggi (2011, p. 148) reforça o desafio e reflexão envolvidos: “O termo experiência, como se sabe, deriva do latim experientia/ae e remete à ‘prova, ensaio, tentativa’, o que implica da parte do sujeito a capacidade de entendimento, julgamento, avaliação do que acontece e do que lhe acontece.”

Desde as primeiras décadas do século XX, Walter Benjamin nos alertava para a pobreza de experiências da vida na modernidade. Ou seja, a sucessão de acontecimentos, cada vez mais veloz, a que somos expostos não é garantia de experiências. E, já naquela época, ele creditava papel singular à imprensa pelo esvaziamento da experiência. Para ele, o jornalismo, que favoreceu a consolidação do capitalismo, difundiu uma nova forma de comunicação, a informativa, que prejudica o compartilhamento de experiências.

Cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação. Metade da arte narrativa está em evitar explicações. […]

A informação só tem valor no momento em que é nova. Ela só vive nesse momento, precisa entregar-se inteiramente a ele e sem perda de tempo tem que se explicar nele. Muito diferente é a narrativa. Ela não se entrega. Ela conserva suas forças e depois de muito tempo ainda é capaz de se desenvolver. (Benjamin, 1994, p. 203-204)

 

No século XXI, com a internet, streamings, redes sociais e a explosão do volume de informações a que estamos expostos, tudo se intensifica. Para Larrosa, o “sujeito da informação” do mundo contemporâneo tornou-se obcecado por buscar informação, opinar, pelo acesso permanente e veloz a novidades, pela excitação, por novos estímulos e, assim, “o que consegue é que nada lhe aconteça” (Bondía, 2002, p. 22). Pois, para que “algo nos toque”, nos forme e nos transforme seria necessário conectar-se a uma outra temporalidade, diz Larrosa (idem, p. 24):

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

 

Como já dito, a experiência é aqui compreendida como algo que nos forma e nos transforma. Recorrendo a Heidegger, Larrosa (Bondía, 2002) defende que o sujeito da experiência é um sujeito receptivo, apoderado, tombado, atravessado, padece pelo que lhe acontece. E daí vem, como consequência, a transformação. Se entendemos a experiência como uma “travessia” (com descobertas, alegrias, riscos, dores), após o percurso, estamos necessariamente modificados, adquirimos novos saberes.

Larrosa (2002) e Martin Jay (2009) lembram a associação entre experiência e perigo, na medida em que “provar” (expereri) contém a mesma raiz (per) de “perigo” (periculum). Mas, foi a partir da reflexão sobre os termos Erlebnis e Erfahrung, equivalentes de experiência em alemão, que começamos a dar uma atenção especial à ressignificação da experiência e a melhor problematizá-la em nossos estudos.

Erlebnis traduz-se, geralmente, por ‘experiência vivida’ ou ‘vivência’, entendida como uma experiência mais imediata, pré-reflexiva e pessoal; Erfahrung associa-se a impressões sensoriais e ao entendimento cognitivo, que integra a experiência num todo narrativo e num processo de aprendizagem. A palavra Erfahrung compõe-se de Farht (viagem) e pode ser associada a Gefahr (perigo). Nesse sentido, ela remete a uma temporalidade longa e sugere a ideia de aventura. Com base nessas duas noções, a experiência significa ter vivido os riscos do perigo, ter a eles sobrevivido e aprendido algo no encontro com o perigo: ex, em experientia, significa “saída de”. A associação entre viagem e perigo, como afirma Jay (2009, p. 27), ativa o vínculo entre memória e experiência e induz a crença de que “a experiência acumulada é capaz de produzir um tipo de saber, que somente se alcança no final da viagem”. (Passeggi, 2011, p. 148)

 

Narrar a experiência

Quando busca definir as bases da pesquisa biográfica, Delory-Momberger (2012) afirma que o objetivo é estudar como os indivíduos “dão forma a suas experiências”, atribuindo sentidos ao que lhes acontece. Segundo ela, por meio de operações de biografização da própria vida, os indivíduos criam a realidade social. E no estabelecimento desse vínculo entre o agir e o pensar - os acontecimentos e os sentidos que atribuímos a eles -, a narração desempenha papel relevante. Pois enxergamos as nossas vidas “segundo a lógica de uma razão narrativa. De acordo com essa lógica, o indivíduo humano vive cada instante de sua vida como o momento de uma história” (Delory-Momberger, 2012, p. 524-525). Ao narrar, criamos um encadeamento para os acontecimentos, conexões, causas, consequências, aprendizados, definimos começo, meio e fim, estabelecemos uma temporalidade e um enredo.

O ponto de partida, portanto, é a premissa de que os seres humanos são seres que narram, que criam uma razão narrativa para descrever e entender as próprias vidas, por meio de processos de biografização. Como afirmam Maria Passeggi e Elizeu Clementino de Souza (2017, p. 8), em todas as fases das nossas vidas, recorremos a diferentes linguagens para contar nossas “experiências sob a forma de uma narrativa autobiográfica que até então não existia”. Se concordarmos com Delory-Momberger, Passeggi e Souza, aceitaremos o fato de que estamos sempre praticando operações de biografização das nossas experiências, o que envolve operações “mentais, comportamentais e verbais”. Para quem busca estudar os sentidos atribuídos às experiências vividas, a grande fonte ou porta de entrada são as operações verbais de biografização, escritas ou orais, produzidas pelos sujeitos:

O falar de si recobre, por sua vez, formas diversas que têm relação com a pluralidade dos objetivos enunciativos e dos tipos discursivos que elas põem em funcionamento. Nelas encontraremos diferentes tipos de discurso: descritivo, explicativo, argumentativo, avaliativo etc. A pesquisa biográfica reconhece, todavia, um lugar particular à enunciação e ao discurso narrativo, na medida em que o narrativo, pelas suas características específicas, é a forma de discurso que mantém a relação mais direta com a dimensão temporal da existência e da experiência humana. (Delory-Momberger, 2012, p. 525)

 

Em seu famoso texto “O narrador”, Walter Benjamin estabelece uma conexão direta entre experiência, narrativa e sabedoria. Para ele, os bons narradores tomam como base a vida humana para a transmissão de experiências, abdicando de explicações e interpretações, que ficam a cargo de quem ouve/lê. “Não seria sua tarefa trabalhar a matéria-prima da experiência - a sua e a dos outros - transformando-a num produto sólido, útil e único?” (Benjamin, 1994, p. 221). Sólido, útil e único porque a boa narrativa nos aconselha, transmite saber prático, sabedoria.

Jorge Larrosa também explora a relação entre os discursos e os saberes. Ao narrar, criamos realidades, mundos e, ao mesmo tempo, também somos afetados pelas nossas próprias narrativas. “Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco” (Bondía, 2002, p. 21). Por meio das palavras, dos discursos, das nossas narrativas estabelecemos compreensões sobre nossas experiências, as alheias, sobre quem somos: “[...] pensar não é somente ‘raciocinar’ ou ‘calcular’ ou ‘argumentar’, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece” (Bondía, 2002, p. 21). A sabedoria que vem da experiência, para ele, vai sendo construída “no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece.” (Bondía, 2002, p. 27).

A potência epistemológica e política de trabalhar com narrativas autobiográficas é um aspecto relevante para muitos que escolhem esse percurso. Pois trata-se de devolver ao sujeito o poder de dar sentido às próprias experiências, ao invés de abordá-lo como um objeto a ser explicado pelo pesquisador. Gaston Pineau identifica três perspectivas no trabalho com os sujeitos e suas experiências de vida. Na abordagem biográfica, o “sujeito é um fornecedor de informações, mas o seu tratamento objetivo é obra quase exclusiva do profissional” (Pineau, 2006, p. 341). Já a pesquisa autobiográfica “elimina, no limite, o profissional. A expressão e a construção de sentido são obra exclusiva do sujeito. O outro é reduzido a um papel de auditor ou de leitor que deve mostrar-se bom ouvinte. O outro é eliminado como interlocutor” (idem, p. 341). Enquanto que uma terceira abordagem, chamada por ele de modelo interativo ou dialógico, “trabalha uma nova relação de lugar entre profissionais e sujeitos por uma co-construção de sentido. O sentido não é redutível à consciência dos autores nem à análise dos pesquisadores” (idem, p. 341). Engajar-se na pesquisa com narrativas biográficas e autobiográficas pode significar então um outro modo de construir conhecimento (Passeggi; Souza, 2017, p. 11):

As narrativas propõem uma nova episteme, um novo tipo de conhecimento, que emerge não na busca de uma verdade, mas de uma reflexão sobre a experiência narrada, assegurando um novo posicionamento político em ciência, que implicam princípios e métodos legitimadores da palavra do sujeito social, valorizadores de sua capacidade de reflexão, em todas as idades.

 

Contrapondo-se às ideias de que toda biografia é “ilusão” ou de que as autobiografias sempre falseiam a verdade, o trabalho com histórias de vida defende a potência de conhecer a “percepção” de quem narra, que não é encarada como a “verdade” e, sim, o modo como, em determinado momento, o sujeito dá sentido às suas experiências e constrói a sua percepção de realidade. Um modo de construir conhecimento que parte das próprias experiências, é implicado, autorreferente, inclusivo, dialoga com o pensamento mítico a que se referia McLuhan[2] e com um modo narrativo de pensar, tão presente entre povos tradicionais e orais. Não à toa, em tempos de ampliação do acesso ao ensino superior e de debates decoloniais, as universidades têm se aberto para autores indígenas, quilombolas (como Ailton Krenak, Davi Kopenawa, Antônio Bispo dos Santos) e de tantas outras tradições que pouco ou nunca tinham visitado o ambiente acadêmico.

O trabalho de biografização, mediante o qual a pessoa que narra se converte em autor e caminha na direção da conscientização, da resistência e da emancipação, estaria vinculado, como sugere Bruner (1998, 2014) a um modo narrativo de pensar (literário, histórico, circunstancial), em oposição a um modo paradigmático (lógico-científico), objetivo. Portanto, a produção do conhecimento que resulta desse modo narrativo de pensar seria fundante para a constituição de uma epistemologia do Sul (Santos, 2009), ainda emergente, em contraposição a uma epistemologia do Norte, hegemônica, colonial, dogmática, excludente. (Passeggi; Souza, 2017, p. 11)

 

É por tudo isso que as narrativas autobiográficas, as narrativas de si, as escrevivências, os memoriais de formação (Passeggi; Souza, 2017), as narrativas de investigação profissional (Delory-Momberger, 2015), os rascunhos de mim (Souza; Cordeiro, 2015), as biografias educativas (Josso, 2014), as ecobiografias (Delory-Momberger, 2024) e tantos outros formatos vêm sendo incorporados às práticas docentes. São recursos que podem favorecer avanços nos “processos de individuação e de socialização” que nos constituem (Passeggi; Souza, 2017, p. 10). Portanto, podem auxiliar o diálogo do sujeito em formação consigo mesmo, pela oportunidade de rememorar, atribuir novos significados às suas experiências e, assim, adquirir saberes, que podem ser compartilhados, mas são fundamentalmente seus: “O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna.” (Bondía, 2002, p. 27).

 

Refletir sobre o vivido

As investigações e práticas com histórias de vida na Educação já são realizadas há algumas décadas. Gaston Pineau, um dos precursores deste campo de estudo no contexto francófono, situa a década de 1980 como um momento de eclosão desse movimento, nomeado por vezes como “histórias de vida em formação”. Nomes importantes dessa época, com repercussão no contexto brasileiro são o próprio Pineau, Marie-Christine Josso e António Nóvoa. No Brasil, Passeggi e Souza (2017) destacam o pioneirismo do trabalho realizado na década de 1990 pelo Grupo de Estudos Docência, Memória e Gênero (GEDOMGE), da USP. Nas décadas seguintes, o interesse pela abordagem segue avançando no campo da Educação. A criação de redes, associações, congressos e revistas estimula a realização de um grande número de pesquisas que prosseguem em vigor ainda hoje.

A opção pela pesquisa (auto)biográfica vai ao encontro de tradições de pesquisa já consagradas em diversos países da Europa e nas Américas, tais como a Biographical research, no mundo anglo-saxão, a Biographieforschun, na tradição alemã, a Recherche biographique en Education, na França, e a Investigación biográfico-narrativa en educación, no mundo ibero-americano. Como se pode observar, no Brasil, consagrou-se a expressão pesquisa (auto)biográfica com o (auto) entre parênteses [...] (Passeggi; Souza, 2017, p. 15-16).

 

A pesquisa biográfica, (auto)biográfica ou com histórias de vida em Educação é por vezes identificada como uma pesquisa-formação ou pesquisa-ação-formação, pela capacidade de simultaneamente investigar e colaborar na formação dos envolvidos. “O que diferencia a pesquisa-formação da pesquisa tradicional é que se acrescenta ao processo de investigação a pessoa que se forma, legitimada a produzir e não a ingurgitar saberes sobre elas, o que permite democratizar as instâncias produtivas do conhecimento.” (Passeggi; Souza, 2017, p. 14). Portanto, além das inúmeras contribuições que as histórias de vida podem dar ao trabalho docente e para a fundamentação de políticas institucionais, há um potencial emancipador para quem vive a experiência de narrar a própria vida e assim amplia a sua consciência sobre suas experiências. A abordagem biográfica em contextos educativos promove a reflexividade de quem narra, a elaboração de sentidos para o que foi vivido, convertendo a vivência em experiência, favorecendo o autoconhecimento.

Para Verrier (2006), é a reflexão sobre a experiência que permite que ela se torne verdadeiramente formadora, ou seja, capaz de transformar o sujeito. Desse modo, é possível afirmar que o que possibilita que uma vivência – aqui entendida como “aquilo que se viveu” – constitua-se em uma experiência é que aquela tenha sido submetida a uma reflexão que leve à produção de um sentido pessoal para o sujeito que a vivenciou. É, pois, o falar de si e o pensar sobre si, a reflexividade, que permitirá que o vivido se institua em experiência propriamente dita que, por sua vez, pode resultar, em (trans)formação de si. (Leite, 2016, p. 19)

 

A reflexão sobre o modo narrativo de pensar inevitavelmente conduz ao debate sobre o peso dos significados atribuídos às experiências. “Ao narrar sua própria história, a pessoa procura dar sentido às suas experiências e, nesse percurso, constrói outra representação de si: reinventa-se.” (Passeggi, 2011, p. 147). Narrar a própria vida como história ou, como diz Gaston Pineau, o “movimento de entrada da vida na história” (2006, p. 337), permite a quem narra criar significados para quem ouve/lê e também para si mesmo. Significados que podem ser ajustados, modificados a cada narrativa, pois a biografização é um processo em construção permanente, em diálogo com nossas subjetividades, sempre inacabadas. Se as vivências não podem ser modificadas, os sentidos atribuídos a elas podem ser alterados, o que equivale à chance de enxergar a si mesmo e a própria vida sob nova ótica: “[...] nesse processo de biografização, a pessoa que narra, embora não possa mudar os acontecimentos, pode reinterpretá-los dentro de um novo enredo, reinventando-se com ele.” (Passeggi; Souza, 2017, p. 8).

Em relação aos processos formativos, revisitar o passado favorece o planejamento e construção do futuro. A narrativa autobiográfica pode ter um papel relevante para a construção de autonomia a respeito da própria formação, pois possibilita uma reelaboração do percurso e da formação necessária para alcançar o futuro desejado: “[...] situa-se em seu percurso de vida como um momento de questionamento retroativo e prospectivo sobre seu(s) projeto(s) de vida e sua (s) demanda (s) de formação atual”. (Josso, 2007, p. 421). Na abordagem proposta por Josso e outros pesquisadores que trabalham com dispositivos didático-formativos biográficos e autobiográficos, é comum a alternância entre trabalho individual e grupal, com momentos de compartilhamento e reelaboração do relato autobiográfico, a partir das interações. Para Josso, é importante que o “trabalho biográfico realizado em nossas pesquisas não seja confundido e/ou reduzido a uma ação exclusivamente introspectiva” (2007, p. 420). Assim como tantos outros pesquisadores que abraçam perspectivas sociointeracionistas, a interação é um aspecto relevante:

A colocação em comum de questões, preocupações e inquietações, explicitadas graças ao trabalho individual e coletivo sobre a narração de cada participante, permite que as pessoas em formação saiam do isolamento e comecem a refletir sobre a possibilidade de desenvolver novos recursos, estratégias e solidariedades que estão por descobrir ou inventar. (Josso, 2007, p. 415)

 

Se a riqueza do trabalho coletivo com os relatos autobiográficos é inegável, também podem ocorrer, em alguns contextos, a recusa, por alguns sujeitos, de compartilhar com o grupo seus relatos autobiográficos. Especialmente quando dispositivos dessa natureza são aplicados fora do campo da Educação. Mas, mesmo que o professor seja o único leitor, certamente ainda haverá riqueza nesse processo de elaboração autobiográfica e diversas potencialidades, para o docente e estudantes envolvidos.

 

Topoi

Seja qual for a natureza do trabalho, individual ou grupal, é preciso refletir ainda sobre o que podemos encontrar na abordagem biográfica e autobiográfica, especialmente no que diz respeito à vida estudantil. Refletimos até aqui sobre as experiências que nos formam e transformam. E sobre a relevância da construção de narrativas para quem narra, em função da reflexividade, da possibilidade de atribuir novos significados ao vivido e projetar futuros. Ainda dialogando com pesquisadores que trabalham com a abordagem biográfica em Educação, faremos aqui um exercício de co-construção de sentido (Pineau, 2006) para o texto autobiográfico guiado pela noção de topoi, como proposto por Delory-Momberger (2012). Serão descritos e comentados dois textos autobiográficos produzidos por estudantes de uma universidade pública.

Topoi é o plural da palavra grega tópos, que significa lugar. O sentido que se popularizou de tópos, especialmente a partir de Aristóteles, é o de tema/motivo. Também podemos entendê-lo como eixo explicativo de uma argumentação, linha de raciocínio, verdade socialmente aceita, explicações compartilhadas, lugar-comum argumentativo. “Podemos entender por topoi os lugares que servem como tópicos previamente desenvolvidos, os quais servem à organização da argumentação e foram dispostos por Aristóteles em suas obras Retórica e Tópicos.” (Moura, 2023, p. 78). Se, para Aristóteles, interessado na retórica, os topoi são entendidos como estratégias de persuasão, aqui podemos entendê-los como modos de construção de sentido para as experiências. Um movimento que o narrador faz para si mesmo e para o outro. Quando propõe um percurso metodológico para a análise de narrativas biográficas, Delory-Momberger (2012, p. 534) explica que são os:

[…] motivos recorrentes ou topoi (do grego tópos, lugar-comum), que tematizam e organizam a ação do relato, agindo nele como lugares de reconhecimento e chaves de interpretação da vivência (embora o narrador não tenha forçosamente consciência disso). É particularmente na escrita desses topoi, desses lugares privilegiados, que os narradores constroem um sentimento de si próprios e das suas formas próprias.

 

Observar os topoi pode nos ajudar a entender o que é valioso para determinado estudante e também, em boa medida, para a sociedade da qual ele participa. Como Aline Moura destaca, “a análise dos topoi revela os valores de grupos sociais” (2023, p. 12-13). Se determinados topoi são convocados na narrativa é porque são percebidos, por quem narra, como argumentos válidos para justificar seus percursos, ações e ambições. Em sua análise de um discurso nacionalista, Moura identifica sequências argumentativas que evocam: justiça e nobreza; honra; amor à pátria; glória; pátria como mãe. Já Delory-Momberger (2012), em seu artigo, identifica sequências que evocam o tópos da vocação e o da dificuldade de engajar-se em um único ramo de atuação.

Estamos aqui entendendo a abordagem proposta como uma forma de co-construção de sentido, porque busca-se dialogar com produções autobiográficas autônomas, em relação a tamanho, temáticas e linguagem. Um aspecto relevante da abordagem autobiográfica é favorecer a manifestação de dimensões que provavelmente não apareceriam em abordagens biográficas. Ou seja, na medida em que o narrador tem liberdade para construir a sua narrativa e não é guiado por perguntas ou outro tipo de estímulo, ele usará as suas palavras e seus topoi.


 

Autobiografias

Nos últimos anos, tive acesso a uma ampla produção de textos autobiográficos elaborados por estudantes, variando em extensão e nos aspectos de suas trajetórias de vida que abordavam. A escrita de autobiografias é parte da fase de apresentação das turmas, que se inicia no primeiro encontro do semestre, de forma oral. A produção de um texto autobiográfico, de formato livre, é solicitada também nesse primeiro encontro, mas ela ocorre fora da aula, para que cada um possa escolher o momento e ambiente mais propício para o mergulho introspectivo. A atividade não é pontuada.

Neste artigo, serão discutidas duas narrativas escritas por participantes de uma investigação mais abrangente sobre os processos de afiliação à vida universitária, previamente aprovada por um Conselho de Ética em Pesquisa. Na fase de produção dos dados da pesquisa, as autobiografias foram um recurso adicional para a escolha dos participantes. Para a constituição do corpus, foram selecionados seis graduandos. À época da escrita, quatro tinham entre 19 e 20 anos, enquanto os demais contavam 22 e 25 anos. Os nomes foram suprimidos a fim de assegurar a confidencialidade.

O procedimento inicial consistiu no levantamento de informações sobre os 43 estudantes matriculados em disciplinas obrigatórias ministradas pela pesquisadora. Todos estudantes do segundo período de graduação em uma universidade pública do interior de Minas Gerais. Com base nas autobiografias, históricos escolares e convivência acadêmica, buscou-se garantir diversidade, contemplando características frequentemente observadas entre universitários. Os dados foram organizados segundo a origem geográfica: Região dos Inconfidentes, outras cidades do interior de Minas Gerais, capital do estado, outros estados e outro país. Foram também considerados aspectos como pertencimento racial (pretos, pardos e brancos), gênero, desempenho acadêmico (alto ou médio) e inserção social (classe média ou origem popular). A partir dessa categorização, foi definida uma lista inicial com seis nomes, além de possíveis substitutos em caso de recusa.

Os estudantes escolhidos receberam convite por e-mail para uma conversa individual, ocasião em que lhes foram apresentados os objetivos da investigação e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Todos aceitaram participar e, em seguida, concederam entrevistas individuais, orientadas por um roteiro previamente elaborado, a respeito das suas trajetórias escolares antes do ingresso no ensino superior, especialmente sobre a relação com a leitura e a escrita; adaptação à universidade e aspectos da afiliação institucional e intelectual ao ensino superior (Coulon, 2008). As entrevistas, com duração média de 90 minutos, foram gravadas e transcritas. Além disso, foi solicitado que os participantes autorizassem o uso de seus textos autobiográficos no corpus da pesquisa. O grupo manifestou concordância e assinou o TCLE.

As operações de biografização são sempre vividas de modo singular. Ao mesmo tempo, dialogam com experiências e perspectivas que são coletivas. Assim, o fato de termos o contexto universitário como elemento comum, estimula muitos estudantes a estabelecer algum tipo de vínculo entre a narrativa autobiográfica e a escolha profissional que os trouxe até aquele curso universitário. Mas isto não é regra e muitos textos caminham em outras direções, explorando experiências formativas de diferentes âmbitos e variados componentes das suas subjetividades. Alguns textos, inclusive, abordam dimensões muito sensíveis, como problemas de saúde mental, deficiências não perceptíveis, falecimentos, êxitos, fracassos, violências sofridas, etc. Considerando que o texto autobiográfico fica disponível para toda a turma, via drive, parece haver o desejo de compartilhar e reelaborar essas experiências pela narrativa. Dentre as seis autobiografias produzidas por participantes da pesquisa, aqui, serão citadas duas[3], justamente pela diversidade de perspectivas que traduzem. Foram produzidas por pessoas de gênero, raça, poder aquisitivo e experiências culturais distintas. E, assim, nos ajudam a enxergar como os projetos pessoais, concepções de aprendizagem e relação com a universidade podem ser distintos.

Na autobiografia da estudante Luiza, a experiência universitária é citada desde o começo do texto, assim como a escolha profissional envolvida. Apesar disso, a universidade ocupa espaço discreto na narrativa. Ela relata de início uma ambiguidade: tinha dúvidas sobre a aproximação com a área profissional, ao mesmo tempo, tem grande interesse nesse campo. Mas afirma que a dúvida foi superada: “[…] eu me sentia indecisa se realmente eu queria isso. Mesmo sempre tendo em mente que eu amo a comunicação”. A certeza de estar no caminho certo é justificada pelos aprendizados - “tenho aprendido muito” - e pelos novos relacionamentos proporcionados pelo ambiente universitário: “(tenho) criado grandes relações nesse meio”.

As experiências formadoras que se conectam com o seu projeto de vida parecem estar ligadas a dimensões mais pessoais: local onde vive, família. No encerramento do texto autobiográfico, a estudante sintetiza o seu sonho/desejo/projeto de viajar: “sempre fui motivada a desbravar e conhecer novos lugares, então, acredito que por isso um dos meus maiores sonhos é viajar o Brasil inteiro”. As duas justificativas apresentadas para esse projeto são o fato de ter vivido a maior parte da vida em uma pequena cidade turística e os “familiares espalhados por grandes cidades e interiores do Brasil”. Outro tópico abordado pela estudante é o primeiro curso superior que frequentou.

Longe de soarem desconectados – curso anterior, local de origem/moradia e desejo de viajar -, os temas parecem convergir para o mesmo tópos: mover-se, deslocar-se, expandir horizontes. Um tema que dialoga com as ideias de aventura, viagem, mudança, vontade e necessidade de deslocar-se, conhecer pessoas, culturas, trocar. A estudante conta que nasceu e cresceu em uma pequena cidade, turística, de onde se mudou para frequentar a universidade, em uma cidade também pequena. Portanto, nasceu e cresceu em um contexto de horizontes, oportunidades e redes de relações restritas, onde, ao mesmo tempo, pode vislumbrar perspectivas sobre o “mundo lá fora”. Antes disso, havia frequentado outro curso superior. Apesar de tê-lo deixado pelo Jornalismo, define-se como “encantada pela área e espero no futuro de alguma forma, poder conciliar essas áreas em minha vida”. Ou seja, a opção pelo Jornalismo não significa a diminuição do interesse pelo movimento e trocas proporcionadas pelo curso anterior.

Os dois cursos superiores parecem ser então áreas que, na perspectiva da estudante, atendem ao seu anseio de expressão e diálogo - “eu amo a comunicação”-, ampliação de redes de relações - “(tenho) criado grandes relações nesse meio” - e ampliação de experiências e visões de mundo: “sempre fui motivada a desbravar e conhecer novos lugares”. Nesse caso, podemos compreender a formação superior como uma experiência que participa de um projeto de vida que prioriza deslocamento, ampliação de redes e oportunidades comunicativas. Em sua narrativa, a estudante utiliza expressões que sugerem consciência da transitoriedade das experiências: “atualmente estou passando um período morando na cidade”. Ao contrário do fatalismo comum entre jovens, demonstra saber que nada é para sempre ou completamente controlável: “espero no futuro, de alguma forma, poder conciliar essas áreas em minha vida”.

O segundo texto autobiográfico, escrito pelo estudante Ronaldo, tem características bem distintas. A opção narrativa foi pela abordagem cronológica, demonstrando que os interesses descritos vêm acompanhando o estudante ao longo da vida. Assim, há um reforço do tópos da vocação. O texto alterna-se entre a descrição das características de sua personalidade e os seus dois principais eixos de interesse: as artes e o Jornalismo. Para se autodefinir, escolhe como características marcantes: ser “pensativo demais e ao contrário do esperado, impulsivo demais também. Sou tagarela horrores e dolorosamente sincero, emocionalmente perdido e extremamente decidido (quando se tratam de questões acadêmicas, apenas)”. Refere-se a um elevado grau de exigência consigo mesmo: “Dá sempre para ser melhor e ser melhor nunca é o suficiente. Uma mentalidade um pouco (muito) tóxica, mas estou tentando melhorar”.

No âmbito das experiências formadoras, explica que desde a primeira infância esteve ligado a práticas artísticas, como praticante e fruidor. Inclusive chegou a considerar profissionalizar-se nesse campo, o que não ocorreu. Desde cedo interessou-se também pela literatura e recorre a poetas e escritores para se autodefinir: “Sou um pouco de XXXX e de XXXX, não na brilhanteza do ser, mas no se perder na alma e viver mais em sonho que carne”. A leitura de determinados livros foi formadora e transformadora, por isso tem o compromisso consigo mesmo de todos os anos relê-los: “Leio todos os anos XXXX, e choro a dor da história com alívio de confirmar de que ainda sou humano. Leio XXX, de XXXX, e finalmente sossego a alma. Leio XXX e desperto toda paixão pela vida que habita em mim”. Relata ainda uma aproximação com as artes visuais.

O interesse por práticas expressivas migrou do aprendizado de arte para a literatura e, no início da adolescência, chega ao Jornalismo. Desde os 13 anos, acompanha profissionais que exercem essa profissão, assiste a telejornais cotidianamente, visitou veículos de imprensa. Assim, na narrativa, o Jornalismo torna-se uma escolha profissional inescapável: “na pandemia, fazendo pré vestibular e na insanidade de um lockdown e um vírus mortal, tudo que eu sonhava era estar ali, na linha de frente da notícia, sendo o primeiro a reportar.”

Surpreendentemente, a mudança para a cidade do campus e a própria vida universitária não são citadas no texto. Parecem ser, assim, apenas fases temporárias de um projeto maior, o de tornar-se jornalista. Apesar de estar somente no segundo período do curso, o estudante descreve inclusive a especialidade do Jornalismo em que pretende atuar e suas referências profissionais na área. Denota-se um investimento pessoal de aprofundamento no campo e a busca de trilhar um caminho autônomo e compatível com seus interesses e preocupações.

A descrição cronológica de interesses que envolvem expressão e comunicação, somada à descrição de uma personalidade reflexiva, perfeccionista e autônoma fortalecem o argumento de que o Jornalismo é uma escolha profissional adequada: “Virar gente grande sempre foi um sonho (independência é mesmo um encanto, e voz, que sempre tive para ser ouvido, só ganharia esse espaço no decorrer do ganhar dos anos)”. Aqui, percebe-se que a universidade – apesar de não ser citada – integra-se a um projeto de vida guiado por uma vocação, a de expressar-se. Elementos da personalidade, experiências, escolhas e hobbies são convocados para demonstrar como essa vocação sempre esteve presente e como pavimentaram o caminho até o Jornalismo. Para usar a expressão de Saeed Paivandi (2012), há aqui uma convergência de “projeto pessoal, intelectual e profissional”.

O que podemos aprender com essas duas autobiografias? De imediato, que a narrativa autobiográfica é um recurso que dá poder ao narrador, pois, na medida em que há plena liberdade narrativa, surgem temas que o pesquisador jamais poderia prever e frequentemente não conseguiria alcançar com perguntas pré-formatadas. Em segundo lugar, que o estudo universitário relacionado a um campo profissional ocupa diferentes espaços nos projetos de vida de cada estudante. E que não há problema nisso. Se, para a estudante Luiza, o grande objetivo é deslocar-se, viajar o pais, desbravá-lo, para Ronaldo, o projeto de vida conecta-se com a sua vocação para expressar-se e, nessa expressão, defender as causas em que acredita. Assim, são distintos os modos como a passagem pela universidade podem ser encarados e vividos por esses estudantes, o que também leva em conta a diferença socioeconômica entre eles. É provável que, para Luiza - que já trabalha e nunca teve hábito de leitura frequente – a relação com a universidade seja pragmática. Que ela acesse recursos e oportunidades na medida em que sejam viáveis dentro do seu cotidiano e que possam agregar ao seu projeto de ampliação de redes, oportunidades de deslocamento e diálogo. Enquanto Ronaldo - que não trabalha, tem maior poder aquisitivo e hábito de leitura - possivelmente poderá dedicar algum tempo à busca diletante do saber, a novas fruições e ampliação de um repertório que favoreça o seu ingresso e ascensão no campo profissional escolhido.

Nas narrativas autobiográficas estudantis, encontramos pistas sobre os projetos de vida e de que modo e em que medida a vida universitária, o saber acadêmico e a aprendizagem dialogam ou não com estes projetos. Saeed Paivandi (2012) defende que são distintos os sentidos que os universitários atribuem ao ato de aprender. E como, na universidade, trata-se de um saber intelectual, crítico, autônomo, faz toda a diferença o modo como o estudante percebe esse processo. Para cada um, de um modo particular, a aprendizagem “tem relação com seu projeto pessoal, intelectual e profissional” (Paivandi, 2012, p. 34). Assim, ao invés de padronizar os estudantes e ter expectativa de que todos atendam aos mesmos padrões, é possível entender que cada um deles tem suas próprias metas na relação com a universidade: “É possível observar, a partir das pesquisas sobre concepções de aprendizagem entre os estudantes, que eles têm posturas, atitudes e interesses diferentes em relação aos seus estudos, que podem explicar suas diferentes maneiras de aproveitar as aulas.” (Paivandi, 2012, p. 34). Existem autores que propõe tipologias para classificar os diferentes tipos de estudantes (Cardoso; Amorim; Lacerda, 2014). Sem nos alongar nesse debate, que não é o central aqui, ainda que a qualidade da experiência universitária possa modificar as metas e o engajamento dos estudantes, é preciso aceitar também a diversidade, entre os estudantes, de metas e modos de encarar o valor do conhecimento acadêmico. Pois, como nos mostram as autobiografias, a vida universitária é um momento, uma passagem para alcançar objetivos.

 

Considerações finais

Existe em alemão uma expressão, “Hilfe für Selbsthilfe”, que pode ser traduzida como “ajudar as pessoas a ajudarem a si mesmas”. Uma ideia que dialoga com as concepções da Educação que identificam a autonomia como um caminho sólido para a construção do conhecimento. Paulo Freire (1996, p. 124) afirmou: “Ninguém pode conhecer por mim assim como não posso conhecer pelo aluno. O que posso e o que devo fazer é, na perspectiva progressista em que me acho, ao ensinar-lhe certo conteúdo, desafiá-lo a que se vá percebendo na e pela própria prática, sujeito capaz de saber”. Nesse sentido, em um contexto educativo como a universidade, a oportunidade de refletir sobre as experiências vividas, atribuindo sentido a elas, em uma narrativa, é a oportunidade de ajudar a si mesmo, repensando a própria vida, suas metas passadas, presentes, futuras e os passos dados para atingi-las. E também tempo de refletir e descobrir mais sobre as próprias características, habilidades, fragilidades, idiossincrasias. De rever escolhas, ações realizadas, de pensar sobre o presente e como ele dialoga com o futuro. E, é claro, momento de ponderar sobre como a universidade pode contribuir para o presente e o futuro do estudante, como gente, cidadão e profissional.

Se é fato que a passagem pelo ensino superior - especialmente o público, no Brasil – oferece muitas possibilidades de experimentações e crescimento, não significa que essas possibilidades serão plenamente aproveitadas. Desafios de diferentes matizes acompanham o percurso dos universitários, do ingresso à formatura: financeiros, de saúde, intelectuais, institucionais, profissionais. E, para enfrentá-los e minimizar frustrações, precariedades e evasão, é preciso que os estudantes avancem no autoconhecimento, reflitam permanentemente sobre suas experiências e escolhas, entendam os desafios que vivem e possam assim buscar apoios: familiares, institucionais, sociais. Por vezes, até a escolha do curso precisa ser repensada. No Brasil, já existem alguns bacharelados interdisciplinares, que proporcionam aos jovens uma primeira etapa de formação mais ampla. Somente depois, mais embasados, fazem a escolha da formação profissionalizante. Entretanto, esse caminho ainda é minoria, e o mais comum continua sendo a exigência da escolha da profissão por volta dos 18 anos. Não à toa, tantos jovens abandonam ou mudam de opção após anos de investimento em uma área que não se mostrou compatível com seus interesses.

Para os docentes, as narrativas autobiográficas são um poderoso aliado na busca de aproximação da existencialidade de cada estudante, das suas individualidades. Cada um deles é um indivíduo único, que chega à universidade por motivações únicas. Como diz Larrosa (Bondía, 2002, p. 27): “Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência”. Para lidar com turmas numerosas, somos estimulados a padronizar as metas, comparar os resultados, classificar, hierarquizar. Mas se cada experiência é única, não faz sentido usar a experiência de um estudante para avaliar a do outro. Conhecendo melhor cada um dos nossos estudantes, talvez tenhamos mais recursos para identificar o que houve de empenho e crescimento daquele estudante em seu próprio percurso de construção do conhecimento. Um percurso que é sempre único e está sempre em mutação.

 

Referências

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Notas



[1] No contexto brasileiro, um exemplo de trabalho recente de inspiração etnográfica está no livro “A universidade em diários de pesquisa: ‘Ela tem cores, curvas, sabores, coisas de seduzir’” (Jesus; Cordeiro, 2022). O corpus reúne 84 diários de pesquisa produzidos por 38 estudantes da Universidade Federal da Bahia sobre as suas experiências cotidianas no ambiente universitário.

 

[2] “Esse novo tempo — cheio de estímulos simultâneos (sons, imagens, movimento) e que convoca a participação — se pareceria com o antigo também por sua dimensão mágica e mítica: ‘Qualquer criança ocidental cresce nessa espécie de mundo mágico da repetição, ressuscitado pela publicidade do rádio e da televisão’ (MCLUHAN, 1972). Para McLuhan (2011, p. 113), mito é ‘o modo de consciência simultânea de um complexo grupo de causas e efeitos’. Assim, o modo mítico de perceber o mundo é um modo que, ao invés de categorizar, separar, busca semelhanças [...]” (Mariano, 2021, posição 1.047).

 

[3] Foram omitidas as informações que poderiam facilitar a identificação dos participantes da pesquisa. Os nomes utilizados são fictícios. Pesquisa aprovada pelo Conselho de Ética em Pesquisa da UFOP e apoiada pelo CNPq com bolsa de IC.