Terreiros da reparação: confluências entre as epistemologias de terreiros e a abordagem feminista negra
Terreiros of reparation: confluences between the epistemologies of the terreiros and the black feminist approach
Terreiros da reparação: confluencias entre las epistemologías de terreiros y el enfoque feminista negro
Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil
marilea.almeida@un.br
Recebido em 09 de abril de 2024
Aprovado em 15 de abril de 2024
Publicado em 17 de outubro
de 2024
RESUMO
Nos últimos anos, o feminismo negro tem ampliado o seu alcance no debate público, tornando-se uma abordagem incontornável para superação das desigualdades no país. Essa expressividade tem favorecido o adensamento de pesquisas sobre suas bases epistemológicas, o que indica a necessidade de percorrermos os fundamentos teóricos dessa tradição. Nesse percurso, observa-se que uma das singularidades das produções feministas negras brasileiras diz respeito à influência das epistemologias de terreiro, especialmente por conta do protagonismo das mulheres negras como sacerdotisas das religiões de matriz africana. Nesse sentido, este artigo pergunta sobre as confluências entre o fazer das religiões de matriz africana e a criação intelectual de mulheres negras no Brasil. Para tanto, esse trabalho percorre a trajetória de Terezinha Fernandes Azedias (1945-2022), liderança e mãe de santo do terreiro da umbanda do Quilombo de São José da Serra, situado em Valença (RJ), a fim de abordar a experiência, conforme bell hooks (2003), como um espaço privilegiado de criação teórica. Em termos metodológicos, significa dizer que não há separação entre o pensar, sentir e o fazer, o que é materializado por meio de uma narrativa que mescla dimensões afetivas, subjetivas e históricas.
Palavras-chave: Epistemologias de terreiro; Feminismos; Mulheres quilombolas; Umbanda;
ABSTRACT
In recent years, Brazilian black feminism has expanded its reach, becoming an unavoidable approach to overcoming inequalities in the country. This expressiveness has favored the intensification of research on its epistemological bases, which indicates the need to explore the theoretical foundations of this tradition. Along this path, it is observed that one of the singularities of Brazilian black feminist productions concerns the influence of terreiro epistemologies, especially due to the protagonism of black women as priestesses of African-based religions. In this sense, this article asks about the confluences between the practice of African-based religions and the intellectual creation of black women in Brazil. To this end, this article focuses on the trajectory of Terezinha Fernandes Azedias (1945-2022), leader and mother of the saint of the umbanda terreiro of Quilombo de São José da Serra, located in Valença (RJ), in order to address the experience, according to bell hooks (2003), as a privileged space for theoretical creation. In methodological terms, this means that there is no separation between thinking, feeling and doing, which is materialized through a narrative that mixes affective, subjective and historical dimensions.
Keywords: Terreiro epistemology; Feminisms; Quilombola women; Umbanda.
RESUMEN
En los últimos años, el feminismo negro ha ampliado su alcance en el debate público, convirtiéndose en un enfoque ineludible para la superación de las desigualdades en el país. Esta expresividad ha favorecido una mayor investigación sobre sus fundamentos epistemológicos, lo que indica la necesidad de explorar los fundamentos teóricos de esta tradición. En el camino, se ha observado que una de las singularidades de las producciones feministas negras brasileñas se refiere a la influencia de las epistemologías terreiro, especialmente debido al protagonismo de las mujeres negras como sacerdotisas de las religiones de matriz africana. En este sentido, este artículo interroga la confluencia entre la fabricación de religiones de base africana y la creación intelectual de mujeres negras en Brasil. Para ello, este trabajo sigue la trayectoria de Terezinha Fernandes Azedias (1945-2022), líder y madre de santos de la umbanda terreiro del Quilombo de São José da Serra, ubicado en Valença (RJ), con el fin de abordar la experiencia, según bell hooks (2003), como un espacio privilegiado para la creación teórica. En términos metodológicos, esto significa que no hay separación entre pensar, sentir y hacer, lo que se materializa a través de una narrativa que mezcla dimensiones afectivas, subjetivas e históricas.
Palabras-clave: Epistemologías de Terreiro; Feminismos; Mujeres quilombolas; Umbanda;
Terreiro: espaço do sagrado, espaço da ancestralidade, espaço do brincar, espaço do viver. Tomando como foco o conhecimento construído no terreiro litúrgico de umbanda pelas mulheres negras, este trabalho focaliza a experiência de Terezinha Fernandes de Azedias (1945-2022). Terezinha, que fez sua passagem em junho 2022, foi mãe-de-santo no terreiro de umbanda do quilombo de São José da Serra, situado no município de Valença (RJ). Para começar a nossa gira, é importante ressaltar que a noção de experiência abordada neste artigo concebe o vivido como um espaço de criação teórica, nos termos propostos por bell hooks:
É um modo de conhecer que muitas vezes se expressa por meio do corpo, o que ele conhece, o que foi profundamente inscrito nele pela experiência. Essa complexidade da experiência dificilmente poderá ser declarada e definida a distância. (hooks, bell, 2003, p. 124)
Aproximando essa abordagem à experiência das mulheres negras de terreiro, a pesquisadora Helena Theodoro afirma que o axé, como toda força, é transmissível, sendo conduzido por meios materiais e simbólicos, pois cada elemento espiritual corresponde a uma representação material e corporal. Assim, a força do axé é contida e transmitida por certas substâncias, estando presente em grande variedade de elementos dos reinos animal, vegetal e mineral – enfim, em cada um dos seres que compõem o mundo. Na acepção da autora, quanto mais antigo e ativo um terreiro e mais elevado o grau de iniciação das sacerdotisas encarregadas pelas obrigações rituais, mais poderoso será o axé do terreiro. (Theodoro, 2008, p. 66-67). Trata-se, portanto, de um modo singular de produzir conhecimento que tem sido historicamente invisibilizado
A esse respeito, a historiadora quilombola e Ialorixá Rosinalda Côrrea da Silva Simoni ressalta que em todas as religiões de matriz africana a mulher exerceu e exerce um papel fundamental que extrapola o fazer religioso. Desse modo, segundo a pesquisadora, as sacerdotisas, conhecidas como Ialorixás (Candomblé), Mãe de Santo ou Zeladora (Umbanda ou Quimbanda), Mestres (Jurema, Jarê), representam a força e a importância do matriarcado africano e afro-brasileiro, que nasce no contexto religioso e perpassa para o movimento de resistência sociocultural (Simoni, 2019, p. 294).
Assim, Simoni cunha o conceito feminismos de terreiros que, a partir da história de Goiás, permite visualizar como mulheres negras ainda no período colonial se organizavam: ora por meio do catolicismo, como nas irmandades negras, ora por meio da espiritualidade ancestral africana nos terreiros, construindo uma longeva rede de sociabilidade que extrapola a filiação consanguínea. Por meio dessa rede, a matriz espiritual africana, valendo-se da oralidade, é difundida em inúmeras práticas cotidianas, especialmente por conta dos trabalhos exercidos por mulheres negras (Marinho; Simoni, 2021, p. 525-526). Esse processo sugere a existência de um modo singular de produzir e transmitir conhecimento.
A pesquisadora Carolina Santos Pinho (2022) defende a pedagogia feminista negra como uma teoria educacional crítica, e descreve seus fundamentos considerando que essas práticas pedagógicas estão ancoradas em um conjunto de tradições intelectuais femininas negras que, embora heterogêneas, foram criadas a partir do lugar social que as mulheres negras ocupam na coletividade. Para as finalidades deste artigo, destaco alguns pontos de confluência entre as abordagens dos feminismos de terreiros e a pedagogia feminista negra:
· A indissociabilidade entre teoria e prática; mente e corpo; material e espiritual;
· A transmissão do conhecimento ocorre por meio da imitação e repetição, valorizando a experiência coletiva ancestral;
· A valorização da experiência com um espaço legítimo de produção de conhecimento;
· Os agenciamentos intelectuais nascem da tensão dialética entre a opressão sofrida e o ativismo político, enfatizando o combate às violências interseccionais;
Anguladas por essas premissas, podemos afirmar que as criações teóricas das mulheres negras de terreiro problematizam a noção de conhecimento da modernidade, cuja abordagem destaca a razão como a única forma confiável de análise sobre o mundo e as pessoas, advogando o distanciamento entre o sujeito e o objeto a ser investigado.
A implicação política dessa premissa é a naturalização do homem branco heterossexual do norte global como produtor legítimo de conhecimento. Por conta dessa lógica colonialista, atravessada pelo racismo e sexismo, mulheres negras são desconsideradas como intelectuais, especialmente aquelas que produzem conhecimento fora dos espaços acadêmicos, a exemplo de inúmeras sacerdotisas de terreiros de umbanda e do candomblé.
Levando em consideração o que a epistemologia diz respeito sobre as condições de produção e circulação do conhecimento, tornar visível as formas pelas quais as sacerdotisas de terreiro transmitem seus saberes é uma tentativa de reparação epistêmica, conforme detalhou Achille Mbembe:
Para construir este mundo que é o nosso, será preciso restituir, àqueles que passaram por processos de abstração e coisificação na história, a parte da humanidade que lhes foi roubada. Nessa perspectiva, o conceito de reparação, para além de ser uma categoria econômica, remete para o processo de reunião de partes que foram amputadas, para reparação de laços que foram quebrados, reinstaurando o jogo da reciprocidade, sem o qual não se pode atingir a humanidade. (Mbembe, 2014,p.304)
Nessa perspectiva, o convite é seguirmos pelos saberes criados e partilhados por Terezinha Azedias Fernandes, pois conhecer seu legado teórico colabora para alargarmos o nosso repertório sobre os múltiplos agenciamentos construídos pelas mulheres negras no Brasil.
Terezinha Azedias Fernandes: costurando o legado
Imagem 1 – Terezinha Fernandes de Azedias.
Foto: Carla Marques (2014).
Ao longo de sua vida, Terezinha desenvolveu a arte de receber em sua casa. Seu gesto de acolhimento muitas vezes era acompanhado pelos sabores, já que a mesa da cozinha era um dos lugares onde costumava conversar com aqueles que a procuravam no Quilombo de São José da Serra. Em maio de 2007 foi a primeira vez que estive no quilombo de São José da Serra. Isso ocorreu durante a festa de “13 de maio” em São José da Serra. Naquele ano, a programação da festa incluiu missa afro, almoço com feijoada, barracas de artesanato, capoeira, apresentação de Folia de Reis e rodas de samba. No fim da tarde os grupos de jongo que estavam na festa se apresentaram até anoitecer, quando, então, foi a vez da apresentação do grupo da própria comunidade.
Naquele dia, Terezinha Fernandes Azedias, como sacerdotisa do terreiro da comunidade, abriu a roda de jongo com incenso de ervas. Sete anos depois, entre agosto e outubro de2014, por conta da pesquisa de doutorado, que focalizou as práticas políticas de mulheres quilombolas, realizei entrevistas e acompanhei Terezinha em algumas atividades do seu cotidiano como a participação na missa, os preparativos para festa de São Cosme e Damião. Nossas conversas giravam em torno de sua trajetória e experiência como liderança quilombola e sacerdotisa do terreiro da umbanda.
Sete anos mais tarde, em agosto de 2014, quando retornei à sua casa para pesquisa de doutorado, sua fala calma soava paradoxal diante das urgências de uma agenda cheia de compromissos. Na parede da casa, as fotos com políticos, artistas e acadêmicos materializava a circulação de suas práticas entre pessoas oriundas de muitos lugares. Naquela tarde, ela falou do tempo em que ainda era merendeira na escola da comunidade, de suas atividades no jongo[1],dos compromissos na associação quilombola e, sobretudo, de sua função como sacerdotisa no terreiro de umbanda, cujo legado foi deixado por sua mãe, personagem central em sua narrativa.
Terezinha Fernandes de Azedias nasceu em 1945. Era a primogênita de doze filhas e filhos do casal Sebastião Antônio Fernando e Zeferina do Nascimento, ambos netos de escravizados da fazenda de São José da Serra, situada no município de Valença, no Sul do estado do Rio de Janeiro (Rios; Mattos, 2005, p. 276-277).
No tempo em que seus pais eram vivos, ela recordou que o terreiro de casa vivia cheio de gente, especialmente de crianças, porque Sebastião e Zeferina estavam entre os poucos moradores de São José que sabiam ler e escrever. Daí mãe Firina, como era chamada sua mãe, costumava reunir crianças da localidade para ensiná-las a ler e para contar histórias. Outro motivo que favorecia o trânsito constante no terreiro familiar era porque este local era onde sua mãe organizava as festas de jongo e realizava benzeduras.
Terezinha frequentou a escola primária por apenas dois anos. As urgências de sobrevivência e as dificuldades de acesso à escola forçaram a desistência: ela precisava caminhar quilômetros a pé até a escola e com oito anos começou a cozinhar para os irmãos mais novos que ficavam em casa com ela. Entre a lida na roça e os trabalhos domésticos, ela aprendeu outros saberes com os mais velhos. Seu avô paterno, José Geraldo Fernando, por exemplo, ensinou a menina a ver a hora por meio da observação da posição do sol: “Ele mandava a gente olhar a altura que estava o sol. Aí, ele falava assim: mede quantas braçadas está o sol fora do morro. Aí, a gente fazia, ele ensinava tudo direitinho e aí ele dizia: Então, está na hora de vocês ir pra casa”.[2]
Durante sua infância e adolescência, entre as décadas de 1940 e 1960, em analogia aos períodos anteriores, as relações de trabalho dentro da fazenda de São José se modificaram, já que, antes daquele período, os negros e as negras tinham certa liberdade para plantar naquelas terras. As transformações ocorreram em decorrência da substituição do plantio de café pelo pasto de gado, tornando escassos os trabalhos nas lavouras da região. Além disso, o período foi marcado pela dificuldade de manutenção das plantações de subsistência, além das inúmeras tentativas dos proprietários de retirar os moradores da fazenda de São José. Na década de 1970, essas modificações foram acompanhadas por um processo mais amplo de recuo das atividades agrícolas no estado do Rio de Janeiro. À época, muitos moradores de São José deixaram a fazenda para trabalhar nas plantações de laranja na Baixada Fluminense ou em serviços domésticos (Mattos; Meireles,1997, p. 33-35).
Apesar das dificuldades de permanência na localidade, Terezinha continuou vivendo nas terras da fazenda, tornando-se, mais tarde, merendeira na escola da comunidade. As condições nas quais ela preparava a merenda também revelam as formas de desrespeito a que a comunidade estava exposta, já que a constante falta de água obrigava ela e as crianças a carregarem água do poço para fazer a comida, bem como irem até a estrada buscar a pé os ingredientes para preparar a merenda.[3] As relações entre os moradores de São José e os proprietários da fazenda começam a mudar a partir do final da década de 1980. Nesse momento, o grupo de jongo dos moradores de São José da Serra ganha visibilidade na região do Sul Fluminense e Zeferina, mãe de Terezinha, aparece nos relatos de vários moradores de São José como aquela que incentivou o uso do jongo pela comunidade em apresentações públicas e conduziu modificações nas relações de gênero dentro do corpo social.
Por meio de sua autoridade como liderança religiosa, Zeferina questionou as hierarquias masculinas que, por exemplo, permitiam aos homens o privilégio de serem servidos primeiro nas refeições durante as festas.[4] A partir do final da década de 1990, no contexto de reconhecimento jurídico do direito quilombola, a comunidade de São José amplia sua notoriedade além das fronteiras do Sul Fluminense, transformando suas práticas culturais (especialmente o jongo) em um dos elementos que conferiam legitimidade quilombola ao grupo (Abreu, 2007, p. 356-357).
Com a morte de Zeferina, Terezinha assumiu a responsabilidade pelo terreiro de umbanda. Desde então, especialmente a partir de 2003, na função de sacerdotisa da comunidade, durante as festas que ocorrem dentro e fora do quilombo, ela abre a roda de jongo benzendo os participantes. De igual modo, passou a ser procurada por jornalistas, pesquisadores, entre outros grupos interessados nas práticas culturais e religiosas.
Na primavera de 2014, em 6 de setembro, encontrei-a sentada à máquina de costura, terminando as saias de suas filhas de santo para a festa de São Cosme e Damião que, naquele ano, aconteceria no dia 18 de outubro. Nos rituais sincréticos da umbanda, a celebração dos santos gêmeos Cosme e Damião é o momento em que os espíritos infantis se manifestam, permitido que os corpos dos médiuns brinquem como se fossem crianças por meio de jogos e brincadeiras, além de solicitar doces aos presentes na cerimônia (Birman,1983, p. 43-44). Geralmente, na tradição da umbanda, a festa de São Cosme e Damião, que celebra entidades infantis, é comemorada no dia 27 de setembro, dia dos Santos Católicos, e no dia 12 de outubro, dia das crianças. Excepcionalmente em 2014, a gira aconteceu no dia 18 de outubro.
Enquanto costurava, Terezinha tecia múltiplas temporalidades e afetos que atravessaram seu processo de se tornar uma liderança quilombola que, pelo caminho aberto por sua mãe, fez da espiritualidade um tecido político. Aos poucos, fui percebendo que o legado de Zeferina, sua mãe, não estava restrito à literalidade da prática, mas diz respeito a uma atitude política que faz dos usos da tradição uma forma de cuidar de si e dos outros.
“Lugar pequeno pra muita religião”
Imagem 2: Terezinha Fernandes
de Azedias, “lugar pequeno para muita religião“.
Foto: Carla Marques (2014).
Entre os anos de 2013 e 2017, tive a oportunidade de visitar dezessete comunidades quilombolas em diversas regiões do estado do Rio de Janeiro. Foram elas: Santa Rita do Bracuí (Angra dos Reis); Boa Esperança (Areal); Rasa (Búzios); Botafogo, Maria Joaquina, Maria Romana e Preto Forro (todas em Cabo Frio); Caveira (São Pedro da Aldeia); Aleluia, Batatal, Cambucá e Conceição do Imbé (todas em Campos dos Goytacazes); Campinho da Independência (Paraty); Tapera (Petrópolis); Santana (Quatis); Sacopã (Rio de Janeiro); São José da Serra (Valença). Ao longo dessas visitas, constatei a presença de templos evangélicos na maioria delas. Além disso, algumas lideranças relataram a existência de um expressivo número de convertidos às religiões pentecostais e neopentecostais entre os quilombolas.
Por conta dessa evidência, o quilombo de São José da Serra se tornava uma exceção no meu percurso, não somente pela inexistência dos templos evangélicos, mas pela centralidade da prática de umbanda no cotidiano da comunidade, conferindo à Terezinha um lugar de prestígio dentro do grupo. Diante dessa excepcionalidade, em uma de nossas conversas, perguntei para Terezinha por que não havia templos evangélicos no território da comunidade. Sobre isso, respondeu:
Mamãe dizia: ‘Ah! Lugar muito pequeno pra muita religião’. Então deixa duas só. A católica e a umbanda. E Toninho [ irmão] falou a mesma coisa: se quiser fazer culto pode vir fazer, não tem problema. Querer vir passear pode. Só não tem lugar pra fazer outra igreja. Aí, então, é uma coisa que não tem lugar mesmo. Pouca gente, não dá pra dividir. Senão atrapalha.[5] (Terezinha Fernandes de Azedias, em entrevista à pesquisadora, em 19 set. 2014)
Notemos que Terezinha descreve a inexistência de templos evangélicos como resultado de esforços deliberados de lideranças da comunidade: sua mãe, Zeferina, e seu irmão, Toninho Canecão. Uma prática que ela também seguiu, justificando que o lugar é muito pequeno para duas religiões. Além do terreiro de umbanda, há no território da comunidade uma capela católica em homenagem a São José com o menino Jesus, cujas imagens, pintadas no interior da construção, representam homens negros:
Imagem 3 - Interior da capela de São José. Quilombo de São José da Serra, Valença (RJ)
Foto: Carla Marques (2014)
Outros elementos relacionados às experiências negras nas celebrações católicas em São José da Serra são os cânticos, que são acompanhados por atabaques, com letras que fazem referência à escravidão e ao racismo. No dia 6 de setembro de 2014, participei da celebração católica na comunidade, podendo perceber como a temática do racismo se configura nas celebrações religiosas católicas do grupo. Todos os cantos foram acompanhados de atabaques, tocados com maestria pelos jovens da comunidade, indicando uma participação ativa de parte da coletividade na construção litúrgica. As letras das músicas faziam referência ao racismo, como o canto de entrada:
Eu vou tocar minha viola, eu sou negro cantador.
O negro canta, deita e rola lá na senzala do senhor.
Dança aí, nego nagô. Dança aí, nego nagô
Tem que acabar com essa história de negro ser inferior
O negro é gente como o outro, quer dançar samba doutor
O negro mora em palafita, não é culpa dele não.
A culpa é da abolição que veio e não libertou
Vou botar fogo no engenho, onde o negro apanhou
Dança aí, nego nagô. Dança aí, nego nagô[6]
No dia da celebração havia um expressivo número de moradores da comunidade dentro e fora da capela. Na primeira parte da celebração, eles discutiram problemas que os afligiam, como a falta de assistência médica e o despreparo da escola em trabalhar temas sobre a história da África e as culturas afro-brasileiras. Assim, “botando fogo no engenho” durante a missa, os moradores de São José expressavam suas insatisfações com o poder público, indicando o uso político do espaço religioso.
Se hoje em São José da Serra é possível denunciar o racismo e falar dos problemas locais durante as celebrações católicas, essa possibilidade integra transformações recentes das relações entre a igreja local e os moradores do quilombo. No passado, o uso de tambores já foi uma questão polêmica entre os proprietários da terra, os antigos padres e os moradores da comunidade. O relatório de identificação da comunidade menciona que alguns padres se referiam aos usos desses instrumentos de forma pejorativa, como “coisa de macumba”; antes de construírem a capela na comunidade, o grupo de São José se deslocava até Santa Isabel do Rio Preto para assistir à missa. Conforme indica o documento, a construção da capela dentro do quilombo foi resultado de reivindicações dos moradores da comunidade ao proprietário da fazenda. (Mattos; Meireles, 1998, p. 17-18)
As configurações atuais das celebrações expressam transformações ocorridas a partir da década de 1990 por meio de novas relações estabelecidas entre os moradores e os padres católicos ligados à Teologia da Libertação, cujos princípios são voltados aos setores mais desfavorecidos da sociedade, e à Pastoral do Negro que, criada em 1983, no interior da Igreja Católica, passou desenvolver um conjunto de ações voltadas para a população negra. Em São José da Serra, destaca-se a chegada dos padres Medoro de Oliveira e Edilson Medeiros de Barros(Carmo, 2012, 70-73).
Terezinha narrou que, em 1997, o tema do racismo começou a ser tratado pelo sacerdote. Isso ocorreu em maio de 1995, na igreja de Santa Isabel do Rio Preto, durante uma missa, momento em que o padre pediu que os indivíduos brancos presentes na missa se ajoelhassem diante dos negros e, em um gesto simbólico, pedissem perdão pelos seus antepassados.Sobre isso, contou Terezinha:
A missa foi tão bonita! O padre Medoro botou os brancos de joelho pra poder pedir perdão aos negros, pelo que os bisavôs deles judiaram dos nossos bisavôs (...) pediu que todo mundo se ajoelhasse e nós levantasse as mãos pra perdoar (...) foi uma coisa muito encantada, mesmo! Foi uma missa que durou mais de quatro horas, todo mundo na igreja se ajoelhou (...) ele (o padre) pediu que todo mundo fosse, todo mundo da comunidade e daqui de perto. (Mattos; Meireles,, 1998, p. 18)
Beleza e encantamento: significados mobilizados por Terezinha para expressar seu sentimento diante do gesto de perdão coletivo que aconteceu na missa de 1995. Se no discurso religioso, a missa é o lugar no qual os católicos se encontram para celebrar a comunhão cristã, isso não ocorre sem as tensões de raça, classe e gênero. Entretanto, apesar de vivenciadas pelos corpos, essas relações de poder não são enunciadas. Naquela missa, o espaço ganhou novos sentidos para Terezinha, pois, desde a infância, a missa é um dos eventos em que se vivencia a atávica relação entre a hipocrisia e os dispositivos racistas, já que depois da abolição os negros e as negras continuavam ocupando os últimos lugares da celebração, marcando a manutenção de um lugar de subalternidade dentro e fora das missas.
No relato de Terezinha, o padre Medoro recorreu ao passado para enfrentar a agudeza do trauma que ainda ressoava no presente. Quando conversamos sobre o episódio, ela repetiu a ação do padre com alegria, sugerindo que o gesto da missa permitiu que ela pudesse simbolizar o mal-estar causado pelo silêncio que o racismo impõe. Além disso, a alegria de Terezinha exprime que a reparação tem uma dimensão simbólica. Esse episódio nos faz pensar sobre uma questão colocada por Achille Mbembe: como, diante da dor provocada pelo racismo, deslocar-se “de um gesto de ressentimento e nostalgia para um gesto de autodeterminação?” (Mbembe, 2014, p.162-163). Talvez o sentimento de satisfação da sacerdotisa do quilombo ofereça pistas a respeito da importância dos espaços onde as dores causadas pelo racismo podem ser exprimidas, assim como a existência de formas efetivas de reparação que integrem a dimensão material ao aspecto subjetivo.
Em São José da Serra, a proximidade com a Igreja Católica foi construída gradativamente pelo reconhecimento do direito que moradores de São José tinham de se expressar, seja por meio do uso de atabaques, seja falando de racismo e dos seus problemas locais.
Ademais, as relações da comunidade São José com as práticas católicas exprimem uma antiga tradição das comunidades negras que mesclam práticas afro-brasileiras com o catolicismo. Essa tradição remonta o período colonial, conforme apontou a historiadora Lucilene Reginaldo (2011), cuja pesquisa destacou as irmandades católicas de africanos e crioulos, formadas na Bahia Setecentista, fundadas sob influência das irmandades de Nossa Senhora do Rosário em cidades de África. Sobre esses espaços, a pesquisadora demostra que eles funcionaram como locais de elaboração de identidades africanas dentro e fora de África.
Para tanto, ela descreve que, durante os séculos XVI e XVII, centenas de missionários, especialmente da Companhia de Jesus, alcançaram a costa e os sertões do Congo e Angola propagando o catolicismo na África Central, o que abriu portas para a irmandade do Rosário, sugerindo que, em Portugal e, sobretudo, nas Américas, a devoção ao Rosário tenha se tornado uma ponte entre as tradições africanas e o catolicismo português. A pesquisa concluiu que as irmandades católicas se constituíram como espaços de recuperação de uma humanidade destroçada pela escravização e, sobretudo, que “prática do catolicismo, primeiro africanizado e posteriormente negro, parece ter sido uma das marcas mais importantes desta identidade diaspórica”. (Reginaldo, 2011, p. 29-95)
Apesar do objetivo desse texto não ser abordar as origens das relações entre os moradores do Quilombo de São José da Serra e as práticas católicas, vale destacar que muitos se definem como católicos e outros como católicos e umbandistas, indicando uma relação mais próxima do grupo com as práticas cristãs católicas, cuja associação é comum entre as comunidades negras, seja no passado escravista, seja no tempo presente.
Retomando a fala de Terezinha, no Quilombo de São José da Serra, a mesma relação não é desejada com igrejas evangélicas. Há preocupação sobre as divisões que a presença dos templos pode trazer. “Pouca gente, não dá para dividir”, diz. Ela aponta o proselitismo religioso dos evangélicos como elemento desagregador para a comunidade. Para isso, ela se refere a seu irmão, João Carlos, que é evangélico, dizendo receber as orações dele de bom grado. “Mas não tem nada que chamar gente para passar para igreja”, advertiu Terezinha em entrevista à pesquisadora em setembro de 2014. A que divisões ela se refere?
Uma das respostas mais evidentes parece estar relacionada aos processos de branqueamento impostos pelas religiões evangélicas, que demonizam práticas que se referem à África e à cultura afro-brasileira. Nesse sentido, a cura é oferecida por meio da negação com as tradições de matriz africana. Na medida em que práticas culturais como o jongo, as rezas e a umbanda fazem parte do cotidiano da maioria dos moradores de São José da Serra, as práticas religiosas evangélicas introduziriam uma cisão entre os quilombolas e suas práticas do dia a dia.
Considero que outro elemento de separação que relacionado à dimensão de gênero. Conforme ressalta Helena Theodoro (2008), nas religiões de matriz africana, como é o caso da umbanda, há o predomínio de lideranças femininas, cuja transmissão da prática se dá dentro da família.
Lá em São José da Serra, Terezinha descreve a linhagem de transmissão feminina das práticas da umbanda: antes de sua mãe, ela presenciava sua madrinha Januária trabalhar em casa, ação que foi seguida mais tarde por sua mãe Zeferina, tanto que, quando foi abrir o terreiro, sua mãe foi pedir autorização a Januária[7]. Nessa linha de análise, seu temor pode estar relacionado aos perigos de interrupção da transmissão dessa experiência feminina, que está inscrita no cotidiano.
“Se fosse para enfrentar sozinha, enfrentava”
Em dezembro de 2003, cinco meses após o falecimento de sua mãe, Terezinha concedeu uma entrevista para um grupo de pesquisadores do Laboratório de História Oral e Imagem, da Universidade Federal Fluminense. Quase no final da conversa, quando interrogada pelo pesquisador a respeito do processo de assumir a posição de líder espiritual no lugar de sua mãe, falou:
Porque outros que haviam seguido o terreiro podiam ter pegado esse compromisso, mas eles me escolheram pra ser a responsável por tudo. Porque eu sempre cuidei, sempre que ela [mãe Zeferina] precisava, eu cuidava. Se fosse enfrentar sozinha, eu enfrentava também. Eu trabalhei no terreiro 31 anos seguidos, sem faltar um dia e resolvia tudo que ela [mãe Zeferina] precisava. Que ela falava: cuida disso, aí eu cuidava. Uma coisa que ela mandava e ia me ensinando.[8]
Sua fala indica três elementos que a levaram assumir, depois da morte de sua mãe, a posição de mãe-de-santo no terreiro da comunidade: o tempo de aprendizado, o seu reconhecimento pelos outros quando foi escolhida para ocupar lugar da mãe e, por fim, o seu autorreconhecimento como alguém formada de saberes que foram construídos por uma longa vivência. Foram mais de trinta anos de observação e repetição de práticas que a mãe realizava. Por conta disso, sua fala expressa uma autoconfiança.
Outro elemento que destaco em sua fala é que, se o verbo “cuidar”: à primeira vista, pode expressar apenas uma ação que se faz sobre os outros e para os outros, na medida em que Terezinha se posiciona como alguém que assumiu a função porque se reconhece como alguém que conhece os preceitos do terreiro, sua fala sugere também estima por si mesma. Essa estima borra tecnologias racistas, sexistas e classistas que atravessam a semântica da falta em que processos históricos de exclusão são naturalizados e vistos como atávicos às subjetividades das mulheres negras.
A prática da umbanda é um espaço de afirmação da potência feminina em São José da Serra, sugerindo que transmissão extrapola a literalidade da prática, pois indica um modo de viver em que determinados saberes e formas de transmiti-los exprimem o cuidado de si e do outro como uma prática política, assegurando um espaço de potência ocupado por mulheres. Sobre a dimensão política do cuidado, Salma Muchail, analisando o cuidado de si em Foucault, considera que:
Cuidar-se não é privilégio, nem dever de alguns para o governo de outros, é imperativo para todos. Cuidar-se não se endereça a uma fase específica da vida, é tarefa para todo o tempo, e, se há alguma etapa a que melhor se destina, é a maturidade, principalmente a velhice. Cuidar-se não se circunscreve ao vínculo dual e amoroso entre mestre e discípulo; expande-se aos círculos de amizades [...], de parentesco, de profissão, quer em formas individualizadas (cartas, aconselhamentos, confidências), quer em formas institucionalizadas e coletivas (escolas, comunidades, etc.). (Muchail, 2018, p.76)
Nessa perspectiva, o cuidado de si opõe-se à postura narcisista e individual porque inclui a abertura e a relação com o outro, que não se circunscreve aos relacionamentos amorosos, mas se expande aos círculos de amizade, de parentesco, formas individualizadas ou coletivas. O cuidar dos outros por meio da cura religiosa confere respeito às sacerdotisas em São José. Sobre isso, Terezinha diz:
Nove anos os guias prepararam ela [Zeferina]. Até eles [guias] chegarem e curarem ela [...] Ela curada foi e abriu o terreiro, mas atendendo dentro de casa, mas vinha muita gente trazer criança doente pra ela rezar [...] Aí, o dono da fazenda pediu pra ela fazer um lugar pra rezar, porque a mulher dele também vinha rezar diariamente. Aí fez o terreiro em baixo. Aí, ela ficou com medo de trabalhar sem tirar licença, foi tirou licença lá embaixo [Rio de Janeiro] na federação. Aí nela falecer, ficou eu sendo responsável. (Terezinha Fernandes de Azedias, em entrevista à pesquisadora, em 6 set. 2014)
Durante nove anos os “guias” prepararam sua mãe para exercer a prática religiosa, segundo narra Terezinha. Isso aconteceu pela cura de suas enfermidades. Em um outro momento da conversa, narra que isso se deu por volta de 1965, quase às vésperas do seu casamento com João Azedias, companheiro de Terezinha por cinquenta anos. Importante ressaltar que, na umbanda, os guias são os espíritos de antepassados que morreram e aqueles que possuem mediunidade podem se comunicar com eles por meio do transe espiritual. (Birman, 1983)
Em São José da Serra, a primeira tenda só foi erguida na década de 1970, quando a notoriedade de Zeferina fez sua casa não comportar mais o número de indivíduos que ela atendia( (entre eles estava a dona da fazenda) fazendo os proprietários construírem uma tenda no território.[9] No entanto, como o terreiro foi construído no território do proprietário da terra, Zeferina não pôde registrá-la na Federação Espírita do Brasil. Daí, em 1982, diante do medo de exercer a religião sem uma chancela institucional, que Zeferina achou melhor abrir um terreiro em um terreno familiar, fora das terras da fazenda, no morro do Cruzeiro, em Santa Isabel do Rio Preto[10]. Sob a orientação de Zeferina, os moradores de São José da Serra construíram duas casas de umbanda com o mesmo nome, as Tendas Espíritas São Jorge Guerreiro e o Caboclo Rompe Mato (Carmo,2012).
No relatório produzido em 1998, Hebe Mattos e Lídia Meireles apontavam, na época, a existência de outro terreiro nas terras do quilombo que pertencia a Manoel Seabra, irmão de Zeferina. As pesquisadoras relataram que o centro de seu Manoel, menor que o de Zeferina, ficava no quintal de sua casa, mas que ele também trabalhava como ajudante na tenda liderada por Zeferina (Mattos; Meirelles, 1998).
Em 2014, por causa da idade avançada, 98 anos, o senhor Manoel Seabra não atendia por meio de rezas, mas continuava frequentando a casa comandada por Terezinha. A antropóloga Ione do Carmo (2012), em seu trabalho de pesquisa no quilombo de São José da Serra, analisando as relações entre o jongo e Umbanda, considera que a prática de cura da umbanda está entre os motivos que levam muitos para a prática religiosa, como aconteceu com Dona Zeferina, o que contribuiu para o crescimento do número de consulentes no terreiro da comunidade, bem como para a legitimidade de Zeferina. Em virtude dessa legitimidade que Zeferina, quando assumiu as festas de jongo na comunidade, introduziu novas relações, conforme apontou Terezinha:
O pessoal do jongo foi embora pra São Paulo. No tempo deles, criança não entrava no jongo, só podia dançar na barraca, chegar dentro do jongo não podia. Então, eles foram embora, deixou o tambu com papai. Aí veio pra cá, mamãe ficou sendo responsável e ela ensinou tudo quanto é criança a dançar.[11]
Os nomes citados por Terezinha referem-se aos jongueiros da comunidade, na época em que a prática era liderada especialmente por homens adultos. No costume dos antigos, as crianças não podiam dançar, já que se acreditava que, apesar de não se confundir com a umbanda, o jongo também tinha aspectos mágico-religiosos, o que não permitia a participação das crianças. Depois que Zeferina assumira o jongo, ela introduziu transformações na prática e uma delas foi a introdução de crianças nas apresentações públicas. Não por acaso, Zeferina é apontada por alguns moradores de São José da Serra como aquela que, além de introduzir as crianças no jongo, mudaria as relações de gênero dentro da comunidade[12].
Em termos de transmissão da tradição, assim como as práticas religiosas trouxeram notoriedade à Zeferina, elas, igualmente, conferem legitimidade a Terezinha dentro e fora do quilombo, cuja notoriedade já a fez passar por situações inusitadas, como ter sido chamada para benzer a abertura do carnaval numa cidade vizinha, situação que contou em meio a sonoras gargalhadas:
Pediram para eu abençoar o carnaval em Conservatória. Mais de não sei quantas pessoas na segunda-feira de carnaval. A gente foi de ônibus. Quando chegou lá, o homem falou: “é para poder abençoar o carnaval. Igual você abençoa a fogueira, abençoa o carnaval”. Ah, meu Deus do Céu, eu falei assim: não dá. Mas ele falou: “a gente pediu porque quando a senhora jogou água da fogueira na nossa mão, o que eu estava sentindo eu fui curado”.[13]
Ser convidada para abençoar a festa de carnaval em Conservatória, localidade que é distrito do município de Valença (RJ), que dista em torno de 25 km do Quilombo de São José. A situação jocosa narrada por Terezinha expressa como a prática da cura lhe garante lugar de respeito dentro e fora da comunidade. Naquele mesmo dia, perguntei sobre suas práticas de cura: “Eu não tenho força para curar; mas tem as forças que podem curar. A gente pede a Deus, a força a Oxalá, que ilumina todo aquele que vem pedir o remédio e alcançar a cura”, informou Terezinha[14]. Notemos que ela se posiciona como alguém que se coloca como canal pelo qual a cura se dá; uma prática que não começou com ela e que não se encerra nela. Em outro trecho, ela cita sua filha, Maria Aparecida, que exerce a função de mãe-pequena no terreiro da comunidade:
A gente tem muito assim vibração de conversar com quem já passou [morreu]. Aí então, quem já morreu vai sempre estar conversando. Falam comigo. Quando não é comigo fala com a Cida [...] A mamãe [Zeferina] toma conta direto. Até criança que nunca foi daqui e sempre considerou a mamãe muito, se tiver doente ela chega sonha e manda vir aqui para rezar.[15]
Vibração é a palavra usada por ela para definir como seu corpo se coloca em disponibilidade para conversar com aqueles que já morreram. Esse trânsito constante entre o mundo dos mortos e dos vivos é uma das características da umbanda. Pode-se continuar aprendendo com quem já se foi por meio dos caminhos espirituais. Daí, ela cita sua mãe que continua tomando conta deles. Em suas palavras, são os espíritos que tem o poder de curar e que os benefícios da cura não se restringem aos familiares, tampouco ao mundo dos vivos. Um elemento que se destaca na prática da umbanda de Terezinha é a vivência de uma maternidade estendida, em que a figura materna pode se multiplicar, seja pela presença de uma irmã mais velha, tia, madrinha, seja até mesmo de uma vizinha.
A pesquisadora do campo da literatura e linguagem, Gizêlda Melo Nascimento, no texto “Grande mães, reais senhoras”, diz que a experiência da escravidão de ontem e os processos de desamparo social de hoje favoreceram a formação de famílias negras fora dos padrões burgueses, idealizados em torno da família patriarcal nuclear. A função do cuidado nesse modelo recai sobre as mulheres. Contrariamente, ela afirma, nosso modelo familiar é o extensivo, em que a figura materna se reduplica, migrando para várias mulheres e de forma concomitante. Nas palavras da autora, há sempre a presença de uma irmã mais velha, tia, madrinha ou mesmo vizinha para exercer a função do cuidado. Isso não significa que os homens estejam excluídos. Nesse modelo, os vínculos não se estabelecem somente pelo pertencimento sanguíneo. Essa figura, segundo Nascimento, tem a função de atrair em torno de si mesma o grupo, procurando reunir todos e visando não permitir que os laços se afrouxem: “A criança nascida receberá princípios e educação de várias mulheres, suas iniciadoras”. (Nascimento, 2008, p.49-63) Trata-se, então, de um modelo que rasura a ideia de família nuclear burguesa, centrada no indivíduo. Esse modelo familiar ancestral constitui uma das potências para as comunidades negras.
Em termos contemporâneos, diante das desagregações causadas pelo desemprego, pelo alcoolismo, pelas prisões e pelas mortes, muitas mulheres negras se constituem como elementos-chaves dentro das relações familiares, favorecendo a sobrevivência de suas comunidades. Em São José da Serra, o legado feminino se exprime por meio dos valores materializados no reconhecimento dos saberes das mulheres. Para Terezinha, outro valor da prática da umbanda é não ter vaidade: “Não pode ter vaidade. Tem que ser uma pessoa simples e ser um coração bondoso para não ouvir nada ruim na pessoa, só ouvir coisa boa. A gente sendo bom só recebe coisa boa”.[16] Esse preceito atravessa todo seu modo de viver: “Eu cuidando aqui dentro de casa e cuidando no terreiro é a mesma coisa”[17]
No dia 18 de outubro, acompanhei a festa de São Cosme e Damião, que aconteceu no terreiro de umbanda. Naquele dia, enquanto ajudávamos na preparação da festa, pude perceber o envolvimento de moradores do quilombo de todas as idades nos preparativos da festa. A organização da cerimônia se transforma em um espaço de sociabilidade da comunidade. Momento que se fala sobre a vida e os jovens aproveitam para paquerar, trocar músicas.
Terezinha estava assoberbada, seja dando atenção para os filhos de santos que vieram de fora do quilombo, seja terminando de preparar os doces para a festa. A única advertência que ela me fez foi “só não pode fotografar dentro do terreiro, porque os iniciados estão incorporados”. Sua fala exprime uma busca proteger a prática de um dos efeitos que as lentes fotográficas podem trazer: a espetacularização e o esvaziamento do sentido. Isso porque o valor da experiência está no sentir que atravessa o corpo.
Às oito horas a cerimônia no terreiro começou. Naquele dia, a gira foi dividida em dois momentos, acontecendo em dois espaços. No primeiro momento, na parte interna do terreiro, aconteceu a abertura, que durou cerca de duas horas. A segunda parte, na área externa do terreiro, durou mais duas horas. Foi nesse local que os médiuns incorporam os espíritos infantis. Os iniciados na prática provocavam quem estava na cerimônia por meio de brincadeiras, molhando-as de guaraná, lambuzando-as de bolo, distribuindo frutas e doces. O convite deixar-se afetar pelas brincadeiras e provocações. As boas energias estavam sendo evocadas por meio dos jogos, danças e brincadeiras. Naquele instante, múltiplas camadas de tempo e significados recobriam os corpos dos indivíduos e o terreiro. Adultos que se fazem crianças, permitindo deslocar suas corporeidades dos assujeitamentos racistas que concebem seus corpos atávicos à servidão, para entrar no jogo da festa cuja celebração evoca os ancestrais.
As narrativas ouvidas e a experiência a que assisti no terreiro de umbanda convergem com o conceito da série Assentamentos, construída pela artista visual Rosana Paulino, já que evocam deslocamentos da dor e do trauma em direção a uma potência. No trabalho visual, a artista usa fotografias ampliadas em tamanho real de uma mulher escravizada, cuja imagem foi capturada no século XIX durante a expedição realizada no Brasil e capitaneada pelo cientista Louis Agassiz. Para a construção poética, Rosana Paulino recortou as fotografias e, em seguida, costurou as partes de maneira desencontrada, utilizando para isso uma linha preta. No catálogo educativo da exposição a artista explica o porquê de as fotos serem costuradas dessa maneira:
Penso que estas pessoas tiveram que se refazer ao chegar a um mundo totalmente desconhecido de seu local de origem. Imagine, um dia, estar cercado de seus familiares, amigos e em outro estar em um navio negreiro, totalmente insalubre, com gente de variadas etnias e que não falam a sua língua. Ao desembarcar em terras estranhas, há ainda o trauma da escravização. Estas pessoas tiveram que se refazer, mas este “refazimento” nunca é completo! Sobram as marcas deste processo de adaptação, marcas estas que, muitas vezes, foram também transmitidas aos seus descendentes. Daí as costuras desencontradas, mostrando que um refazer-se completo é tarefa quase impossível. (Paulino, 2013)
Diante da brutal desterritorialização, o assentamento se transforma em uma espécie de cura para a dor. Entretanto, conforme explica a artista, esse é um “refazimento” que nunca se completa, pois os traumas do passado ainda ressoam na construção de subjetividades das mulheres negras. O conceito de assentamento de Rosana Paulina se relaciona tanto à dimensão física como à espiritual. Na perspectiva da artista, uma vez transplantados à força, os africanos e africanas que aqui chegaram trouxeram seus saberes e “assentaram aqui sua força, seu axé”. (Paulino, 2013)
O axé, compreendido como força vital que qualquer ser animal, vegetal, mineral e humano possui, está relacionado à cosmovisão africana que, no Brasil, foi traduzida nos terreiros de umbanda e candomblé. Ainda sobre o axé, Muniz Sodré afirma que é algo literalmente que se planta em um lugar para ser depois acumulado, desenvolvido e transmitido, cabendo a mãe de santo realimentar e distribuir o axé. Para o autor, as comunidades litúrgicas, conhecidas como terreiros, são exemplos notáveis de espaços que se mantêm contra os estratagemas das espacialidades construídas pela lógica europeizante, pois suas práticas se orientam por um “entrar no jogo da sedução simbólica e do encantamento festivo, cuja dinâmica não se dá pela dialética regida pela lógica da tese, da antítese e da síntese, mas por meio de uma concepção pluralista de espaço, cujos contrários se atraem por meio de um jogo de afetações mútuas”(Sodré, 1988, p.50-51).
Fechando a gira
Retomando à experiência no terreiro em São José da Serra, momentos antes da cerimônia, fui conhecer o visitar o jequitibá, árvore centenária do terreno de São José, que também é usada para fazer as oferendas espirituais, sendo, portanto, um lugar de axé. Quando cheguei lá no alto do morro, percebi que a devastação da vegetação em torno do jequitibá era visível, mas o fato de aquela árvore ter crescido enroscada a uma pedreira dificultou sua derrubada. A imagem do jequitibá serve como metáfora para pensarmos como a prática da umbanda na comunidade de São José da Serra tem sobrevivido em meio à instabilidade jurídica de permanecerem nas terras ancestrais, bom como o avanço das denominações evangélicas dentro dos quilombos do Rio de Janeiro.
Com efeito, como o jequitibá, os saberes de Terezinha vêm de longe e se expressam por meio de uma prática feminina do cuidar de si e do outro a partir da transmissão de saberes. Pela potência do seu legado, que herdou de sua mãe, essas bases continuarão sendo transmitidas por muito tempo, cuja segurança expressa a altivez de quem é responsável pelo assentamento.
Para fechar a gira, a trajetória de Terezinha Fernandes Azedias expressa como as confluências entre o fazer das religiões de matriz africana e a criação intelectual de mulheres negras no Brasil concretiza-se mediante as narrativas sobre o passado do quilombo, entrelaçadas a sua trajetória como mãe de santo. O cuidar de si e o cuidar do outro, por meio dos rituais simbólicos do sagrado, estão no centro dessa criação epistemológica que se vale da oralidade, da escuta e do sentir como contextos de possibilidades para a circulação dos conhecimentos que garantem a reprodução dos modos de vida do viver em comunidade. Os mundos dos vivos e dos mortos confluem na produção da vida.
Referências
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Notas
[1] O jongo, também conhecido como caxambu ou tambu, é uma dança e um gênero poético-musical característico de comunidades negras das zonas rurais e da periferia do Sudeste do Brasil. Trata-se de dança profana de roda e de umbigada praticada para o divertimento, mas uma atitude religiosa também pode atravessar a festa. No passado, apenas os mais velhos podiam entrar na roda e crianças e jovens ficavam de fora. Isso se deve ao fato de os adultos usarem o jongo e seus fundamentos para compartilhar segredos, também chamadas de “mirongas”. As matrizes culturais da prática estão relacionadas com a região africana do Congo-Angola e o grupo étnico banto
[2] Terezinha Fernandes de Azedias, em entrevista ao Laboratório de História de Oral e Imagem, da Universidade Federal Fluminense, em 13 dez. 2003.
[3] As condições precárias de funcionamento da escola no quilombo de São José da Serra foram relatadas pelos jovens no documentário Semente da Memória Cf: SEMENTES da Memória: a juventude do Quilombo de São José da Serra. Direção: Paulo Carrano. Niterói: Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense, 46 min., 2006.
[4] Os relatos dos moradores de São José da Serra consultados fazem parte do acervo de história oral do Laboratório de História Oral de Imagem (LABHOI) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Estão disponíveis os depoimentos orais de Antônio do Nascimento Fernandes, 28 nov. 2003; Elizabeth Seabra, 13 dez. 2003; Manoel Seabra, 28 nov. 2003; Maria do Carmo Nascimento, 13 dez. 2003; Maria Isabel Caetano, 13 dez. 2003; Maria Joana Sarapião, 13 dez. 2003; Sebastião Nascimento Fernandes, 13 dez. 2003; Terezinha Fernandes de Azedias, 13 dez. 2003.
[5] Terezinha Fernandes de Azedias, em entrevista à pesquisadora, em 9 set. 2014.
[6] Disponível em: <https://www.letras.mus.br/pastoral-da-juventude/1798130/> Acesso em 17 de nov 2023.
[7] Terezinha Azedias Fernandes em entrevista concedida à pesquisadora Ione Maria do Carmo (2012).
[8] Terezinha Fernandes Azedias, em entrevista ao Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense, em 13 dez. 2003
[9] Terezinha Fernandes de Azedias, em entrevista concedida à pesquisadora, em 19 set. 2014
[10] Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. Ano VIII, Rio de Janeiro, Terça-feira, 26 de janeiro de 1982. Parte V, n. 17, p. 12.
[11] Terezinha Fernandes de Azedias, em entrevista concedida à pesquisadora, em 6 set. 2014.
[12] A importância de Zeferina foi narrada nas seguintes entrevistas arquivadas no Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense: Antônio do Nascimento Fernandes (28/11/2003); Manoel Seabra (28/11/2003); Terezinha Fernandes de Azedias (13/12/2003).
[13] Terezinha Fernandes de Azedias, em entrevista à pesquisadora, em 19 set. 2014.
[14] Terezinha Fernandes de Azedias, em entrevista à pesquisadora, em 19 set. 2014.
[15] Terezinha Fernandes de Azedias, em entrevista à pesquisadora, em 19 set. 2014.
[16] Terezinha Fernandes de Azedias, em entrevista à pesquisadora, em 9 set. 2014.
[17] Terezinha Fernandes de Azedias, em entrevista à pesquisadora, em 9 set. 2014.