Estado da arte: o livro didático na Educação Infantil

State of art: the textbook in Early Childhood Education

Estado del arte: el libro de texto en Educación Infantil

 

Francinara Adimari de Souza Netto Koop

Prefeitura Municipal de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil

francikoop@gmail.com

João Paulo Pooli

Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

jpooli55@gmail.com

 

Recebido em 08 de fevereiro de 2024

Aprovado em 18 de março de 2024

Publicado em 26 de março de 2025

 

RESUMO

Por intermédio do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), foi publicado pela primeira vez no Brasil um edital em 2020 que incluiu o livro didático para estudantes da pré-escola no ensino público. O objetivo da presente pesquisa é analisar e mapear o que as pesquisas acadêmicas, teses e dissertações evidenciam sobre esta temática. A metodologia consiste em uma investigação de abordagem qualitativa do tipo Estado da Arte sobre a utilização do livro didático na Educação Infantil, tomando por base o edital 02/2020 do Ministério da Educação (Brasil). O corpus empírico da pesquisa se circunscreve a trabalhos produzidos no período de 2020 a 2022, em artigos de revisão, teses e dissertações, em língua portuguesa, originais, pesquisados e compilados nas bases de dados Google Acadêmico, Scientific Electronic Library Online (SciELO), Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e Portal de Periódicos CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Concluiu-se a partir do Estado da Arte realizado em 2023 que são poucos os achados, e que estes, embora importantes, são marcados por interpretações díspares que reforçam pensamentos que se contrapõem e minimamente se complementam. Verificou-se também a importância de dar continuidade às pesquisas que analisem os livros didáticos inseridos no cotidiano da pré-escola, tomando por base as interpretações dos professores que estão utilizando este artefato com as crianças pequenas em suas práticas educativas.

Palavras-chave: PNLD; Educação pré-escolar; Livro didático.

 

ABSTRACT

Through the National Book and Didatic Material Program (PNLD), a notice was published for the first time in Brazil in 2020 that included the textbook for pre-school students in public education. The objective of this research is to analyze and map what academic research, theses and dissertations show on this topic. The methodology consists of a State of the Art qualitative investigation into the use of textbooks in Early Childhood Education, based on notice 02/2020 from the Ministry of Education (Brazil). The empirical research corpus is limited to works produced in the period from 2020 to 2022, in review articles, theses and dissertations, in Portuguese, original, researched and compiled in the databases Google Scholar, Scientific Electronic Library Online (SciELO), Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD) and CAPES Periodical Portal (Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel). It was concluded from the State of the Art carried out in 2023 that there are few findings, and that these, although important, are marked by disparate interpretations that reinforce thoughts that oppose each other and minimally complement each other. It was also verified the importance of continuing research that analyzes the textbooks inserted in the daily life of preschool, based on the interpretations of teachers who are using this artifact with young children in their educational practices.

Keywords: PNLD; Preschool Education; Textbook.

 

RESUMEN

Por medio del Programa Nacional de Livros e Material Didático (PNLD), en 2020 se publicó por primera vez en Brasil una convocatoria pública que incluía libros de texto para alumnos de preescolar de la enseñanza pública. El objetivo de esta investigación es analizar y mapear lo que las investigaciones académicas, tesis y disertaciones muestran sobre este tema. La metodología consiste en una investigación cualitativa del estado del arte sobre el uso de libros de texto en la Educación Infantil, a partir del aviso público 02/2020 del Ministerio de Educación (Brasil). El corpus empírico de la investigación se limita a trabajos producidos entre 2020 y 2022, en artículos de revisión, tesis y disertaciones, en portugués, originales, investigados y compilados en el portal de revistas Google Scholar, Scientific Electronic Library Online (SciELO), Biblioteca Digital Brasileña de Tesis y Disertaciones (BDTD) y CAPES (Coordinación para la Mejora del Personal de Educación Superior). Del Estado del Arte realizado en 2023 se concluyó que hay pocos hallazgos y que éstos, aunque importantes, están marcados por interpretaciones dispares que refuerzan pensamientos opuestos y mínimamente complementarios. También se observó que es importante continuar las investigaciones que analizan los libros de texto en la vida cotidiana preescolar, a partir de las interpretaciones de los profesores que están utilizando este artefacto con niños pequeños en sus prácticas educativas.

Palabras clave: PNLD; Educación preescolar; Libro de texto.

 

O Estado da Arte

Ao longo deste artigo apresentamos um estudo de revisão denominado Estado da Arte, com o objetivo de mapear as pesquisas acadêmicas, entre os anos 2022-2023, sobre o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), especificamente sobre um edital publicado em 2020, que incluiu o livro didático para estudantes da pré-escola no ensino público O que nos inquieta e nos move a fazer esta revisão é o fato de que as ideias propagadas nos livros didáticos do PNLD apresentaram desacordo com as diretrizes estabelecidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010) e a Base Nacional Comum Curricular (2018). Apesar do edital do programa solicitar que as editoras e autores considerem os Campos de Experiência e busquem uma aproximação, é notável que há uma ênfase na alfabetização e no desenvolvimento de habilidades prévias à alfabetização formal, as quais não são o foco no currículo.

Metodologicamente, é importante ressaltar que a estrutura de uma investigação não pode deixar de pensar os fins aos quais dirige os seus objetivos, principalmente quando este tipo de pesquisa serve para

 

[...] identificar os aportes significativos da construção da teoria e prática pedagógica, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontem alternativas de solução para os problemas da prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de propostas na área focalizada (Romanowski e Ens, 2006, p. 39).

 

O Estado da Arte é um mecanismo de pesquisa importante para realizar o levantamento da quantidade de publicações acadêmicas e, a partir disso, elencar os temas em evidência ou até mesmo as lacunas mais pulsantes, revelando diferentes enfoques e perspectivas. Para Fabielle Rocha Cruz e Jacques de Lima Ferreira (2023), o uso do Estado da Arte dentro dos estudos de revisão em pesquisas educacionais pode permitir que os professores mapeiem sua prática docente e encontrem novas propostas ou aprimorem uma temática com foco diferenciado.

Pesquisamos em bases de dados e portal educacional as pesquisas em evidência sobre o livro didático após o PNLD 2020-2022. Primeiramente averiguando artigos científicos sobre a utilização do livro didático na Educação Infantil e, na sequência, teses e dissertações, tomando por base o edital 02/2020 do Ministério da Educação, investigando as produções acadêmicas sobre esta temática, mostrando os principais enfoques, identificando discussões recentes e destacando as contribuições de cada pesquisa.

A justificativa da restrição da data de publicação dos artigos, teses e dissertações, como a definição dos critérios de inclusão e exclusão, deu-se ao fato do Ministério da Educação, por meio do Programa Nacional do Livro e do Material Didático, publicar um edital em 2020 que inclui o livro didático para o estudante da Educação Infantil pela primeira vez no Brasil, envolvendo o mercado editorial privado para atuar de forma contundente na política educacional do país, com possibilidade de adoção e uso pelo ensino público em 2022, momento este que deu o limite necessário às pesquisas.

Frente a uma política do imediatismo que aconteceu neste período, o MEC não convocou a sociedade para estudos e discussões, nem procurou ouvir os atores principais envolvidos nas práticas educativas: os professores. Momento político que veio cercado das suas intencionalidades que por vezes revelaram discrepâncias aos documentos orientadores, principalmente no que tange a concepção de Educação Infantil.

Desta forma, inicialmente a busca incluiu somente artigos de revisão em língua portuguesa e, na sequência as teses e dissertações, pesquisados e compilados nas bases de dados e portal educacional: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Google Acadêmico. A seleção dessas plataformas ocorreu por serem reconhecidas em âmbito acadêmico. Antes de iniciar a busca, foram definidos os descritores a partir do ERIC Thesaurus e que seguem contendo o detalhamento de todos os achados.

A fim de manter o rigor necessário, realizamos a identificação das palavras-chave com a busca dos descritores no ERIC Thesaurus, levando em consideração as palavras: Educação Infantil, Programa Nacional do Livro e do Material Didático e, Livro Didático. Os descritores encontrados em pesquisa realizada em 22 de setembro de 2022, foram apontados como: “Educação Infantil”, “Programa Nacional” e “Livro Didático”.

Para refinar a busca, optamos por trabalhar com três possibilidades de arranjos dos descritores, especificados em momentos diferentes nas bases de dados, sendo:

Busca 1 - “Educação Infantil” AND “Livro Didático”;

Busca 2 - “Educação Infantil” AND “Livro Didático” AND “Programa Nacional”;

Busca 3 - “Livro Didático” AND “Programa Nacional”.

Com o Estado da Arte, buscamos levantar e identificar necessidades, interrogando o presente para analisar suas possibilidades de desenvolvimento, discutindo meios de orientação científica no sentido de contextualizar o PNLD 2022, programa que tornou o livro didático um artefato presente na EI da rede pública brasileira. Por ser um tema recente, entendemos o quão necessário se faz realizar esta revisão, que possibilitará ver as lacunas e necessidades de maior investimento.

 

As pesquisas em evidência entre 2020-2022 – artigos

Ao todo, foram verificados 340 artigos em dezembro de 2022. Os critérios de exclusão restringiram artigos de pesquisas em duplicidade, aqueles que não estavam relacionados à temática em estudo, principalmente quando focados em outra área ou etapa/modalidade de ensino, como matemática, ciências, literatura, Ensino Superior, Educação de Jovens e Adultos, entre outras, e quando ultrapassaram a data limite – 2020 a 2022.

Na pesquisa realizada com os descritores: “Educação Infantil” AND “Livro Didático” nas três bases de dados citadas anteriormente, foram encontrados 94 documentos no total. Após a leitura dos títulos e resumos, chegamos à conclusão de que somente dois contribuem com a temática. No Portal de Periódicos CAPES, inicialmente destacam-se quatro documentos, porém dois são de matemática e apenas dois apresentam um olhar para o livro didático na EI a partir do PNLD. No Google Acadêmico, embora tenham sido encontrados 87 artigos, estes eram específicos de outras áreas e as que mais apareceram foram matemática, ciências e inclusão, além de que a grande maioria estava relacionada ao Ensino Médio. Na SciELO, o único artigo encontrado também era da área da matemática.

Na pesquisa realizada com os descritores: “Educação Infantil” AND “Livro Didático” AND “Programa Nacional”, foram localizados 49 documentos nas bases de dados. Após a leitura do título e resumo, chegamos à conclusão que nenhum trata especificamente da temática pesquisada. São diferentes áreas envolvidas, mas que principalmente se direcionam ao Ensino Médio, como retratado na busca anterior.

Por fim, na busca realizada com os descritores: “Livro Didático” AND “Programa Nacional”, nas mesmas bases de dados, chegou-se a 197 documentos encontrados. Após a leitura do título e resumo, verificamos somente um artigo contribuindo com a pesquisa.

O levantamento realizado em todas as etapas possibilitou uma visão em relação aos artigos científicos voltados à temática, no entanto, apenas três artigos foram indicados como relevantes à pesquisa, com posterior leitura na íntegra. Estes artigos estavam localizados no Portal Periódicos CAPES. A partir desta revisão, seguem abaixo os artigos que foram selecionados, contendo a identificação das produções encontradas e que podem contribuir com a pesquisa, pois nas demais buscas não foram encontrados artigos alusivos à temática.

O artigo de Taciana Zanolla, Flávia Brocchetto Ramos e Verônica Bohm (2020), intitulado “O encontro da criança com o livro didático: representações da infância”, explana sobre o ingresso da criança no Ensino Fundamental, momento de transição que possibilita o contato da criança com um livro didático, e procura responder às seguintes questões: os alfabetizandos se deparam com quais imagens de crianças representadas no livro? Que elementos de constituição do ser criança são comunicados? As autoras buscam responder a essas questões por meio de uma pesquisa qualitativa descritiva, descrevendo e analisando as imagens de um livro didático, que foi o mais escolhido pelas escolas da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, em 2019/2020.

Ao ler o título, a expectativa dos subsídios advindos deste artigo foi maior, no entanto, ao realizar a leitura na íntegra, percebemos que o mesmo não abrange a EI no ciclo 2020-2022, apenas cita o PNLD 2019 em poucos momentos, quando justifica a escolha do livro didático que foi analisado, o Ápis Língua Portuguesa – 1º ano (2017), publicado pela Editora Ática e elaborado por Ana Trinconi, Terezinha Bertin e Vera Marchezi, e realiza uma análise das representações sociais da infância.

As autoras passam a analisar essas representações à luz de Lev Vygotsky (1989, 2008), Serge Moscovici (1978) e Peter N. Stearns (2006), e realizam a observação das ilustrações e comentários, página por página, como este que segue:

 

Há representação das diferenças nas cores de pele, nos olhos, cabelo, estatura, peso e formas de vestir-se; a criança com deficiência física também está presente. A maior parte das crianças brincam ao ar livre: exploram brinquedos, interagem com outras crianças, fantasiam. Como já destacado, à medida que avançamos na análise da obra, as imagens passam a retratar crianças lendo e escrevendo ou são parte das atividades.

Considerando o alcance de um livro didático aprovado no PNLD – com divulgação e possível distribuição em escolas públicas de todo o país –, observamos o cuidado na representação da diversidade física; entretanto, em termos de experiências infantis e culturais, as vivências apresentadas são mais restritas, vinculadas a um universo urbano, em que há parques, brinquedos, placas, ônibus e acesso mais fácil a livros e outros materiais de leitura (Zanolla; Ramos; Bohm, 2020, p. 15).

 

Segundo as autoras que produziram o artigo, embora as diversidades de etnias e características físicas das crianças estejam presentes nas ilustrações, as imagens analisadas não dão conta da diversidade social e cultural das infâncias. Ou seja, o estudo evidencia que esse aspecto necessita de um olhar cuidadoso e de ações por parte de autores e editores, além de indicar que, ciente disso, o professor/leitor pode avaliar de forma diferenciada os materiais didáticos a serem adotados.

Continuando o processo de leitura e análise dos artigos, o texto “Atuação dos Fóruns de defesa da Educação Infantil em tempos de pandemia”, de Fábio Hoffmann Pereira (2021), relata uma pesquisa exploratória resultante de um levantamento da divulgação da atuação dos fóruns estaduais de defesa da EI no período de 15 de março a 30 de junho de 2020. Entre as pautas debatidas no documento, aparecem as discussões sobre o trabalho docente exercido de maneira remota e as perspectivas e protocolos para reabertura das instituições ligadas diretamente à situação de emergência. Também enfatiza a proposta de inclusão de aquisição de livros didáticos no PNLD para a pré-escola e o atendimento de reivindicações dos movimentos de EI na elaboração e aprovação do “novo” Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).

 

No período pesquisado, foram identificadas duas importantes discussões que revelaram frentes de luta e reivindicação nas políticas de Educação Infantil: o lançamento de edital para submissão de livros didáticos para a pré-escola, no âmbito do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), e o debate público sobre o financiamento da Educação por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). No dia 21 de maio de 2020, o Ministério da Educação lançou edital para aquisição de obras didáticas, literárias e pedagógicas do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). Além do Edital, foi publicado o Documento Referencial Técnico-Científico: Programa Nacional do Livro e do Material Didático – Edital PNLD 2022 – Educação Infantil (BRASIL, 2020) no qual consta que o PNLD 2022 tem uma proposta que “contemple obras que tragam habilidades preparatórias para a alfabetização formal” (BRASIL, 2020, p. 3). [...] Tal publicação foi recebida com muita preocupação pela comunidade acadêmica e militante pela defesa da Educação Infantil. Várias entidades, organizações e movimentos sociais posicionaram-se contrários à inclusão de livros didáticos dirigidos para a Educação Infantil no PNLD 2022 (Pereira, 2021, p. 304).

 

O documento aponta que os fóruns de três estados, como Paraná, Goiânia e Distrito Federal, encaminharam nota de repúdio à aquisição do livro didático, que, segundo os debates, desconfigura os eixos de brincadeiras e interações da EI e assume um caráter voltado à alfabetização. Importante salientar rapidamente o que foi discutido e se tornou destaque nestes três fóruns. O Fórum de Educação Infantil do Distrito Federal ressaltou o posicionamento de que a EI “tem como eixos norteadores as interações e a brincadeira” e que “a alfabetização não lhe compete” (FEIDF, 2020, não paginado). O Fórum Goiano de Educação Infantil proferiu que o edital mostra uma “dissonância deste em relação aos eixos fundamentais no tratamento de projetos específicos para a educação de crianças de zero até seis anos” (FEI-GO, 2020, não paginado) e o Fórum de Educação Infantil do Paraná indicou que oferecer livros didáticos é incompatível com a concepção de EI concernente à legislação brasileira (FEIPAR, 2020).

Por mais que o objetivo deste artigo tenha sido o de apresentar e discutir algumas ações e a importância que os fóruns de defesa da EI tiveram no enfrentamento da pandemia, no que se refere ao atendimento das instituições para crianças de 0 a 6 anos, o PNLD perpassou todo o período e mereceu destaque quanto à aquisição do livro para a pré-escola. Esse fato trouxe um posicionamento político dos fóruns e movimentos sociais que defendem e pensam sobre o trabalho da EI.

Por último e não menos importante, tem-se o texto “A Educação Infantil para além da escolarização precoce: uma revisão sobre o tempo-espaço na escola a partir da inserção de livros didáticos”, de Vivian Ventura Tomé Pedro e Cíntia Chung Marques Correa (2021). Este artigo se utilizou de uma pesquisa bibliográfica e documental – focada em leis e documentos nacionais que regulam a EI, a partir de 1996 – e teve como principal objetivo questionar o foco na escolarização precoce dos alunos da EI, principalmente na faixa-etária de 5 anos, a partir da inserção de livros didáticos voltados para essa etapa.

Com o intuito de exemplificar a temática desenvolvida na pesquisa, as autoras destacam a ação do governo de inserir livros didáticos na EI. Assim, questionam o tempo presente a partir de instrumentos de análise que permitem tensionar as práticas pedagógicas instituídas na etapa final da EI. Contudo, as considerações apontadas por Pedro e Correa (2021) “convergem para a necessidade de maior aprofundamento na temática sobre os efeitos do uso do livro didático e de práticas voltadas para a antecipação de conteúdos em classes de EI, no sentido de avaliar de que forma a qualidade do tempo-espaço oferecida às crianças na escola poderá ser afetada”.

Evidenciaram-se os estudos de Jaume Carbonell (2016) sobre a construção do tempo na modernidade e do consequente conflito entre o tempo lento e o tempo rápido experimentado pela sociedade contemporânea. Em seguida, apresentaram algumas ideias sobre os modos pelos quais a cultura da negação do desfrute do tempo, própria do século XXI, atinge a infância, analisando o impacto desses novos arranjos sociais na qualidade do tempo-espaço infantil, com estudos desenvolvidos por Phillip Ariès (1978), Mary Del Priore (2013) e Manuel Jacinto Sarmento (2011), no campo da sociologia da infância. A partir dos estudos de Sônia Kramer (2000) e Jussara Hoffman (1996), tencionaram as oportunidades (ou a falta delas) de tempo livre e criativo promovidas nos espaços escolares de Educação Infantil, tendo como propósito a crítica em relação à escolarização precoce e a centralidade na ação do professor, percebendo os efeitos do uso do livro didático e de práticas voltadas para a antecipação de conteúdos com as crianças na pré-escola.

No último parágrafo, este artigo trouxe uma informação importante à lacuna que esta revisão aponta, quando Pedro e Correa dizem que “é imperioso também estudos sobre os efeitos do uso desses livros didáticos em classes de educação infantil no sentido de avaliar a qualidade do tempo e do espaço oferecida às crianças” (2021, p. 137, grifos nossos). Ou seja, este “novo” artefato presente na EI – o livro didático – precisa ser mais investigado e pesquisado, principalmente a partir das práticas educativas pelo viés de quem está inserido no cotidiano da pré-escola.

A partir dos resultados obtidos, foi possível observar que as publicações de 2020 a 2022 nas bases de dados e portais Google Acadêmico, SciELO (Scientific Electronic Library Online) e Periódicos CAPES, com os descritores “Educação Infantil”, “Livro Didático” e “Programa Nacional”, escassamente contribuíram com a temática, visto que, dentre os 340 que apareceram na busca, somente três artigos científicos tratavam sobre o assunto. Vale ressaltar que estes documentos selecionados partiram do portal de periódicos CAPES e, ao contrário do que se supunha, o Google Acadêmico, mesmo sendo uma base de dados que dá amplo acesso à literatura acadêmica, não trouxe contribuições significativas para os artigos científicos.

À medida que se consolidou este levantamento, concluímos que as utilizações do livro didático na EI nas pesquisas por ora publicadas, embora importantes, necessitam de maior investigação e aprofundamento, mesmo que a implementação do PNLD para esta etapa de ensino seja recente no Brasil e sujeita a políticas governamentais que podem seguir outras orientações devido às mudanças políticas em âmbitos federal, estadual e municipal. Verificamos também a importância de dar continuidade às pesquisas que analisam os livros didáticos inseridos no cotidiano escolar, tomando por base as interpretações dos professores que estão utilizando (ou não) este artefato com as crianças, pois dos três artigos em evidência, apenas dois deles tratam especificamente desta etapa da educação e se aproximam da temática pesquisada.

Com base na quantidade ínfima dos achados em artigos científicos, constamos a importância em continuar com a pesquisa, devido à pouca contribuição de estudos recentes sobre o tema, principalmente na EI. Foi necessário ampliar a busca em teses e dissertações, considerando os mesmos critérios de inclusão e exclusão em bases de dados e portal educacional.

 

As pesquisas em evidência entre 2020-2022 – teses e dissertações

Utilizando os descritores “Educação Infantil” AND “Livro Didático” AND “Programa Nacional”, ampliamos a busca no Portal de Teses da CAPES, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e no Google Acadêmico. Dentre estas três plataformas, foram encontrados somente documentos no Google Acadêmico. Logo que a busca foi executada em agosto de 2022, o Google mostrou 2450 resultados, dentre estes: trabalhos de conclusão de curso de graduação, dissertações e artigos on-line de seminários, congressos e revistas digitais. Após a leitura dos títulos, realizamos o download de 40 documentos e, após a leitura do resumo, selecionamos apenas seis dissertações que podem contribuir com a presente pesquisa, realizando a leitura destas na íntegra. Não foram encontradas teses para essa busca, que teve um limite entre os anos 2020 e 2022. Dentre as seis dissertações encontradas, duas foram publicadas em 2020, três em 2021 e uma em 2022. A partir do título das mesmas, observamos que 50% destas tratam da etapa de ensino da EI e 83% falam do PNLD, desde o título.

Ao analisar as dissertações encontradas no Google Acadêmico, iniciei pela dissertação de Flávia Talavera de Azeredo (2021), da Universidade de Brasília, intitulada “Unificação da escolha dos livros didáticos no Programa Nacional do Livro e do Material Didático: percepção docente”. Segundo a pesquisadora (2021, p. 1), “o PNLD é uma importante política pública que distribui livros e materiais didáticos para os estudantes e professores das escolas públicas brasileiras”. Ao longo da sua dissertação, deixa claro que o processo de seleção dos livros ocorre de forma democrática e é realizado pelos professores de cada escola que adere ao Programa.

Nesse sentido, caracterizou a investigação como um “estudo de caso que teve como objetivo conhecer a avaliação dos professores de escolas públicas brasileiras sobre a unificação dos materiais do PNLD no âmbito de suas redes de ensino” (Ibidem, 2021, p. 1). Para isso, a autora utilizou uma investigação com enfoque quanti-quali, com “pesquisa em referências bibliográficas”, utilização de “questionário como instrumento de geração de dados aplicados a uma larga amostra de professores brasileiros” (Ibidem, 2021, p. 1). A autora aponta que “entre seus achados, pode-se mencionar, com base na percepção dos participantes, alguns ganhos proporcionados pela unificação, embora se evidenciem alguns problemas” (Azeredo, 2021, p.1). O documento apresentou-se assim organizado:

 

O documento está estruturado em 4 capítulos. No Capítulo 1, intitulado “Breves apontamentos norteadores da pesquisa” se fazem considerações sobre o PNLD e o Decreto nº 9.099/17, são identificados o problema de pesquisa e os objetivos, bem como a justificativa. No Capítulo 2, intitulado “Estudos preliminares, um suporte ao referencial teórico” são apontados estudos sobre livro didático no Brasil e no mundo, aprofundando nos aspectos voltados para o PNLD. No Capítulo 3, intitulado “O Percurso metodológico”, são detalhados os elementos da metodologia da pesquisa, referencial metodológico, seu enfoque, seu alcance, os instrumentos de geração de dados e informações sobre a análise dos dados. No Capítulo 4, intitulado “Unificação da escolha dos livros didáticos no PNLD: percepção docente, análises, resultados e conclusões”, são apresentadas as categorias de análises usadas na investigação, bem como as análises em si, além dos resultados e das conclusões da investigação. Por fim, nas “Considerações Finais” são apresentadas as fragilidades da pesquisa e possíveis caminhos investigativos (Azeredo, 2021, p. 1).

 

Essa dissertação não trata do ciclo do PNLD da EI, porém traz um viés de valorização ao livro didático e ao Programa Nacional, visto a frase inicial da dissertação: “Livros dão alma ao universo, asas para a mente, voo para a imaginação, e vida a tudo (Platão)” e o fato de que a pesquisadora exerce suas atribuições profissionais na Coordenação de Apoio às Redes de Ensino/COARE, que presta apoio técnico a todas as escolas e redes de ensino participantes do PNLD. A importância e o reconhecimento ao livro aparecem desde o início da escrita.

A pesquisadora também relata problemas advindos da unificação da escolha dos livros por parte de um ente federado, e não com base exclusiva na escolha dos professores. Aponta que o número de secretarias de educação que optaram por unificar a escolha dos materiais e utilizar os mesmos livros didáticos em todas as escolas e redes de ensino no período é expressivo e mostra tabelas com dados quantitativos. Faz um contraponto argumentando que essa unificação pode amenizar problemas como a falta ou a sobra de livros nas escolas e o desperdício de recursos públicos, no caso das escolas que ficam com sobras de livros que não são utilizados. Uma vez que todas as escolas da rede de ensino utilizam o mesmo material, torna-se mais simples o processo de remanejamento, que consiste na troca de materiais em excesso ou em falta entre as unidades escolares. Cita também que em razão de sua complexidade, o processo de aquisição, produção e distribuição dos livros do PNLD em todo o território nacional inicia-se sempre dois anos antes da efetiva entrega dos livros nas escolas, fato que consta no site do MEC. Segundo a pesquisadora, o lapso temporal entre a publicação do censo escolar e o momento de distribuição dos livros pode gerar oscilações entre o número de livros adquiridos e a quantidade de alunos no ano de atendimento.

Certamente, todos os dados e informações acerca das implicações da unificação da escolha sob a ótica dos docentes, com análise de aspectos como autonomia, diversidade de obras didáticas, pluralismo de ideias, percepção do poder de influência das editoras, melhoria do acesso ao livro didático e eficiência do gasto público, são importantes para a pesquisa que segue nesta revisão. Contudo, a autora não analisa especificamente a EI e o “novo” momento vivido com a chegada desses livros nas instituições com esta etapa de ensino, mas discute a unificação. Apesar desta diferença, prima por escutar os professores e trazer estes contributos para a análise na dissertação, o que é interessante para entender melhor este Programa Nacional e auxiliar em novas escritas.

A dissertação intitulada “Programa Nacional do Livro e do Material Didático: implementação e participação”, de Nadja Cézar Ianzer Rodrigues (2022), tem como objetivo analisar as etapas do Programa Nacional do Livro e do Material Didático e a participação dos agentes envolvidos na sua execução em âmbito nacional, a partir da questão: “como se realiza o programa e que atores participam da sua implementação?”. A pesquisa foi concebida numa abordagem quanti-quali, descritiva e exploratória. Foram analisadas as etapas e as principais formas de participação na execução do Programa, com base na legislação e nos bancos de dados do Ministério da Educação, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

Conforme a autora detalha no documento,

 

Os resultados apontam para uma multiplicidade de etapas sucessivas e interdependentes, para a ausência de informações estruturadas sobre a etapa de monitoramento e avaliação da política, e para uma alta participação dos agentes envolvidos na maior parte das ações gerenciais relacionadas à implementação observadas na pesquisa. Por outro lado, foi identificada a falta de participação das redes de ensino na formulação da política, além de baixas participações no remanejamento e na reserva técnica dos livros e ausência de informações sobre a participação nas ações locais do PNLD. A partir dos resultados, foi concebido um produto técnico como uma ferramenta de coleta de dados para a construção de indicadores sobre a participação na execução, e que servirá também para estruturar novos e mais completos modelos de monitoramento do PNLD pela coordenação nacional do programa. O planejamento é implementar essa nova ferramenta já em 2022 no PNLD (Rodrigues, 2022, p. 9).

 

A pesquisa trata mais especificamente do PNLD e não do ciclo 2022 da Educação Infantil, como já citado na pesquisa analisada anteriormente, e pode trazer subsídios para conhecer melhor sobre a caminhada e percurso do Programa Nacional, entendendo mais sobre as etapas do Programa Nacional do Livro e do Material Didático a fim de ampliar a visão a respeito da dinâmica e as complexidades das políticas públicas, especialmente as educacionais.

A dissertação de Micarla Lopes de Farias (2021), “O discurso sobre a função epistêmica da imagem visual no Programa Nacional do Livro e do Material Didático”, traz em seu resumo a explicação sobre a pesquisa:

 

A imagem visual é um artefato cultural, cuja produção acontece pela ação humana. A sociedade contemporânea tornou-se altamente imagética, considerando os variados gêneros de imagem, os diversos lugares e dispositivos no qual ela se faz presente em nosso cotidiano. Além disso, as imagens visuais possuem variadas funções: ilustrativa, mnemônica, decorativa, simbólica e epistêmica. O Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) tem sido responsável pela distribuição de livros de forma gratuita e sistematizada. Nos Guias de Livros Didáticos do PNLD, podemos encontrar não somente a resenha dos exemplares, como também os aspectos exigidos pelo programa para a seleção das coleções que serão utilizadas em toda a Educação Básica Pública. Considerando a hipótese de que há imagens com função epistêmica presente no programa nacional de livros, o objeto desta pesquisa é o discurso sobre a função epistêmica da imagem visual no PNLD e a abordagem teórico-metodológica empregada é a Análise Arqueológica do Discurso (Foucault, 2008). Ao mapear os Guias do PNLD, escavar os fragmentos enunciativos que tratam da imagem com função epistêmica, analisamos as suas regularidades e identificamos uma série de correlações que possibilitam conhecer as condições de possibilidade do discurso investigado, assentadas em três séries discursivas: I) a imagem concebida enquanto texto; II) a imagem empregada com finalidades metodológicas; e III) a imagem cumprindo funções epistemológicas, as quais confirmam a hipótese verificada (Farias, 2021, p. 8).

 

Ao longo deste trabalho, a autora segue mapeando os guias dos livros didáticos, escavando significantes e significados (imagem visual x fontes mapeadas), verificando os enunciados e analisando o discurso sobre a função epistêmica da imagem visual dos livros no PNLD. Utiliza-se da abordagem teórico-metodológica da análise arqueológica do discurso, de Michel Foucault (2008), a qual oferece as categorias de análise necessárias à pesquisa, conforme a autora.

O trabalho lido, não possui o foco na EI e pouco auxilia para pensar sobre o ciclo de 2022. Aborda apenas alguns aspectos do PNLD na perspectiva da sua constituição e os conceitos de artefato e dispositivo que perpassam sutilmente pelas ideias. O olhar está voltado às imagens das obras didáticas, porém não fica claro quais obras foram analisadas, nem em qual recorte de tempo ou a etapa da educação a que se destina.

Na sequência, a dissertação “Análise de livros didáticos do PNLD/2019 para a Educação Infantil: imagens e gêneros”, da autora Francielly de Lima Oliveira (2020), objetiva “a análise de imagens, na perspectiva de gênero, dos quatro livros didáticos aprovados pelo Edital do PNLD/2019 endereçados a professoras(es) da Educação Infantil” (p. 8). Sendo eles: “Aprender com a criança: experiência e conhecimento”, da Editora Autêntica; “Cadê? Achou!” e “Pé de Brincadeira”, da Editora Positivo; e “Práticas comentadas para inspirar”, da Editora do Brasil.

 

Das mil setecentas e trinta e quatro representações do gênero feminino e masculino selecionamos e analisamos trinta e cinco imagens, as quais possibilitaram apreender que as crianças pequenas se desenvolvem e se posicionam a partir de um lugar social e de olhares que são assumidos com base em uma concepção adultocêntrica. Nesse sentido esta observação nos permitiu verificar que as imagens veiculadas e escolhidas pelas autoras tenderam a reproduzir estereótipos de gênero ao sustentarem a visualização de um modelo patriarcal e, também racista, tendo em vista a fase de desenvolvimento da identidade infantil. Com isso, ponderamos que os resultados sobre a temática de gênero e suas desigualdades possibilitaram amadurecer os olhares para as imagens dos livros didáticos analisados. Propomos assim, socializar este estudo e expor a necessidade de mais olhares que possam revelar outros focos sociais sobre as desigualdades de gênero (Oliveira, 2020, p. 8).

 

Por mais que a pesquisa seja sobre a etapa da EI, o principal foco não está em relação ao PNLD – ciclo 2022. Não menos importante, a pesquisa concentra-se em observar e reconhecer a desigualdade de gênero presente nas ilustrações dos livros didáticos. Diante disso, contribui para pensar no poder das imagens e no uso de estereótipos que limitam as leituras de mundo das crianças e reforçam preconceitos. Assim, a pesquisa fica mais no âmbito dos Direitos Humanos e não das práticas educativas com o uso do livro didático na EI.

A próxima dissertação tem como título “O Programa Nacional do Livro do professor da Educação Infantil: oralidade, leitura e escrita em destaque”, de Janaina Bulcão de Oliveira (2021). Para a autora, “o uso de livros didáticos e apostilados em turmas da Educação Infantil sempre foi algo polêmico entre os estudiosos e professores da área”, inclusive ela complementa reforçando que “embora há muito tempo faça parte da realidade das instituições particulares, nas escolas públicas ele ainda é um objeto de pouca circulação” (2021, p. 5).

Oliveira (2021) destaca a proposta lançada em 2017 pelo Programa Nacional do Livro Didático, que inclui o livro para o professor da Educação Infantil. A partir desse contexto, durante suas pesquisas, analisa como os trabalhos com a oralidade, leitura e escrita estão apresentados nesses livros. Demonstra como o livro, enquanto artefato cultural, vem constituindo uma forma de ser professor na EI, por meio de seus discursos, revelando também a produtividade dos materiais escolares, mostrando que estes subjetivam os sujeitos e constroem um discurso a respeito do trabalho docente (Oliveira, 2021).

Fica evidente que a autora se pauta em uma pesquisa qualitativa, do tipo documental, que “teve por base a análise textual e do discurso”, permitindo analisar os materiais e “perceber a relevância dos dados com maior aprofundamento e compreensão” (Oliveira, 2021, p. 8). Os documentos que fizeram parte da investigação foram:

 

o Edital de Convocação 01/2017 - Coordenação-Geral dos Programas do Livro (CGPLI), o Guia do Livro do Professor d Educação Infantil e os livros Pé de brincadeira (CORDI, 2018) e Aprender com a criança - experiência e conhecimento (DEHEINZELIN; MONTEIRO; CASTANHO, 2018), ambos com suas produções voltadas para a etapa pré-escolar da Educação Infantil (Oliveira, 2021, p. 5 e 14).

 

É marcada a intenção da autora em contestar o livro didático para professores da EI, ainda mais quando escreve que:

 

A relevância desta pesquisa está em garantir que a criança da Educação Infantil possa viver sua infância com olhos no brincar, uma prática tão relevante para sua aprendizagem e seu desenvolvimento. O ato de brincar é imprescindível e não pode ser previsto ou delimitado em atividades de um livro (Oliveira, 2021, p. 14).

 

Na pesquisa bibliográfica, a autora não encontrou pesquisas sobre o livro do professor da EI referente ao PNLD (2020), deixou explícito no texto que acredita que seja devido ao pouco tempo de circulação dos materiais no âmbito escolar. Sendo assim, essa revisão bibliográfica contribuiu localizando as lacunas que poderiam ser “aprofundadas nos estudos, questões norteadoras, definição de objetivos e escolhas metodológicas, sua relevância e importância” (Oliveira, 2021, p. 18).

Para dar seguimento ao estudo, Oliveira (2021) organiza a dissertação em quatro capítulos, sendo intitulados como: Aproximações Temáticas - contendo elementos das políticas públicas e o PNLD; Aproximações Teóricas - campo teórico que orienta a pesquisa e estudos referentes à linguagem e as culturas infantis; Caminhos da Pesquisa - esclarece a respeito do campo metodológico da pesquisa; Reflexões Analíticas - analisa os documentos selecionados (Edital de Convocação, Guia Digital PNLD 2019, livros para o professor da EI); e as Considerações Finais. Faz-se interessante destacar o depoimento da própria pesquisadora:

 

Algo que sempre nos incomodou, desde o início das análises, foi o número reduzido de livros aprovados pelo PNLD para a Educação Infantil. Após analisar os livros, percebermos a forma explícita com que o texto da BNCC se apresenta nestes materiais demonstrando assim, que o MEC ao realizar a seleção tenha dado prioridade aos que apresentam de forma clara estas similaridades, recusando todas as outras propostas. Com o objetivo de que o livro do professor da EI, possa formar o professor dentro da proposta da BNCC, influenciando na prática, subjetivando-o e fazendo parecer que o discurso deste documento é o único verdadeiro e que merece ser propagado nas turmas de EI do Brasil, silenciando tantos outros (Oliveira, 2021, p. 96).

 

            A pesquisa evidenciou que os livros analisados limitam o trabalho do professor, contendo modelos de práticas e sugestões de leitura, ficando um espaço pequeno para o docente pensar a partir da sua própria realidade. Oliveira (2021) diz que:

 

[...] os livros ao adotarem o discurso da BNCC tendem a padronizar o currículo, desconsiderando as diferenças regionais, de classe e cultural das crianças, diante disso, estes materiais tornam-se limitados. Enquanto artefato cultural, os livros, seus textos e propostas de atividades, acabam influenciando na forma como os professores pensam o seu planejamento, determinando temas e saberes a serem trabalhados, subjetivando os docentes e construindo uma identidade de como é ser professor da Educação Infantil (Oliveira, 2021, p. 98).

 

Diante desse cenário, é possível entender a necessidade de ampliar as pesquisas que envolvem o livro para a EI, principalmente quando se fala no livro didático e o PNLD – ciclo 2022, pois, se em 2017, quando saiu o primeiro edital para o livro do professor desta etapa de ensino, já apontava muitas lacunas no trabalho com este artefato, atualmente, com o livro do estudante (criança de 4 a 5 anos), as lacunas são maiores ainda, o que certamente justifica o investimento na presente investigação, que busca por meio do Estado da Arte fazer os levantamentos e análises que possam auxiliar e estimular outras pesquisas.

A sexta e última dissertação, de Renata Adjaína Silva de Araújo (2020), com o título “Os usos do livro didático na Educação Infantil: uma análise da construção de práticas de ensino de leitura e escrita”, tem como objetivo principal “investigar os usos de um livro didático na construção de práticas de ensino de leitura e escrita, desenvolvidas por professoras que atuavam no último ano da Educação infantil” (Araújo, 2020, p. 6).

Nesta pesquisa, Araújo (2020) vai a campo ouvir duas professoras que utilizam o livro didático para entender melhor o trabalho de leitura e escrita por meio deste artefato. Os dados revelaram que:

 

[...] o livro didático não constituía o único recurso mobilizado na construção das práticas de ensino das docentes, pois elas também sugeriam atividades utilizando outros materiais, como cadernos, fichas de atividades coladas nos cadernos das crianças e fichas de atividades avulsas. Além disso, tais materiais tiveram maior frequência de uso que o livro didático. Nesse sentido, embora as professoras tivessem proposto poucas atividades do livro didático, notamos que as crianças realizaram muitas atividades com lápis e papel, se considerarmos também o uso dos outros suportes. No caso da professora 1, observamos também o uso de livros e de textos literários, a partir dos quais foram exploradas algumas estratégias de compreensão leitora, principalmente a localização de informações explícitas e conhecimentos relacionados ao sistema de escrita alfabética. Já a professora 2 recorreu a outro livro didático para extrair uma das atividades relativas à leitura e à escrita que propôs à sua turma, além de ter feito uso de cadernos com atividades escritas à mão (Araújo, 2020, p. 6).

 

Por meio deste trabalho, percebemos que mesmo diante do livro didático, os professores diversificam as propostas ou até mesmo deixam de lado e somente utilizam o que lhes interessa do livro, dependendo da intencionalidade. Além disso, a autora organizou a análise em três momentos:

 

[...] a) analisar as práticas de ensino de leitura e escrita e as atividades propostas por professoras que atuavam no último ano da Educação Infantil, tendo como suporte o livro didático; b) caracterizar o que disseram as professoras sobre o livro didático enquanto recurso para o ensino da leitura e da escrita; c) analisar as práticas de ensino de leitura e escrita e as atividades propostas sem o uso do livro didático pelas professoras. (Araújo, 2020, p. 171).

 

A referida pesquisa apontou que o livro didático não se constituiu como um recurso único e principal na construção das práticas de ensino das docentes investigadas. Segundo a conclusão da autora, “quando utilizavam esse recurso, as docentes não seguiam à risca as prescrições apresentadas pelo LD em questão” (Araújo, 2020, p. 171), elas se valeram de outros recursos e atividades, de acordo com o que acreditavam ser importante para as crianças das suas turmas. Ainda conclui que:

 

Os dados encontrados a partir deste estudo também permitiram-nos perceber que, embora o livro didático tenha sido pouco utilizado nas duas turmas observadas, as crianças realizaram intensivamente atividades sugeridas em outros suportes, como cadernos e fichas de atividades avulsas. Isso parece revelar indícios de que investimentos públicos na aquisição de livros didáticos só irão aumentar ainda mais a presença de atividades com lápis e papel nas rotinas das crianças que frequentam a Educação Infantil (Araújo, 2020, p. 174-175).

 

Para Araújo (2020, p. 175), essa discussão precisa ultrapassar o olhar restrito apenas para a quantidade de atividades e mirar a inclusão do livro didático no PNLD para a EI – ciclo 2022, pois o edital desses livros “propõe, abertamente, entre outros pontos questionáveis, um enfoque na preparação das crianças para o ciclo de alfabetização baseado no método fônico”. Frente à ampliação do Programa Nacional às crianças de 4 a 6 anos, deixa claro o seu posicionamento nas conclusões finais:

 

Diante das nossas discussões até aqui expostas e dos dados encontrados, reafirmamos a nossa posição não favorável à adoção de livros didáticos para a Educação Infantil. Nesse sentido, estamos cientes de que adotar ou não livros didáticos nessa etapa exige reflexões e discussões mais amplas no que se refere às especificidades da própria Educação Infantil (Araújo, 2020, p. 175).

 

Ao finalizar o trabalho, a autora explicou que não foi possível realizar a análise do livro do professor e focou seu olhar para as práticas educativas por parte dessas duas professoras. Citou o PNLD em poucos momentos, mas principalmente como necessidade de continuidade de outras pesquisas.

 

Resultados e Considerações finais

Interessante perceber que pesquisas nesta área ainda se configuram como uma lacuna que precisa ser mais bem explorada, uma vez que esta adoção via PNLD é recente nos municípios e que o livro didático não está explicitado como uma necessidade nas Diretrizes Curriculares Nacionais (2010), nem na Base Nacional Comum Curricular (2019) para a Educação Infantil. O PNLD – ciclo 2022, está presente em apenas duas destas pesquisas, o que revela a novidade dos acontecimentos no Brasil. Além disso, existem discussões voltadas à escolarização precoce e a questões políticas que se acirram em algumas destas leituras, que por vezes, possuem um olhar mais voltado aos direitos humanos, ao poder das imagens e do artefato em questão. Contudo, o que nos provocou efetivamente é que somente em duas pesquisas, os pesquisadores se propuseram a ouvir quem de fato está utilizando o livro na prática educativa, os professores.

Para ilustrar a síntese geral dos achados, segue abaixo a figura 1, contendo as referências dos artigos e dissertações, uma vez que nas teses não foram encontradas pesquisas alusivas, além de uma breve descrição de cada pesquisa, contendo qual(is) a(s) principal(is) contribuição(ões).

 

Figura 1 – Síntese geral dos achados

Fonte: Os autores.

 

A partir do Estado da Arte, emergiu a importância de trazer essa temática e investir em futuras pesquisas, devido à pouca contribuição de estudos recentes sobre o tema, principalmente na EI, expandindo as contribuições, uma vez que o PNLD para a EI apresenta-se contemporâneo às investigações, e também que outros pesquisadores se interessem, buscando pesquisar e escrever mais sobre a temática, aprofundando e impulsionando o olhar para esta etapa da educação que está à margem dos aprofundamentos e buscas. Os estudos apontados nesta revisão elevam a urgência de um olhar voltado às políticas para a Educação Infantil que por vezes “parecem avançar”, e por outras demonstram retrocessos, uma vez que o livro didático está sendo enviado com uma frequência e regularidade considerável para as instituições escolares que trabalham com a pré-escola nos municípios que fizeram a adesão ao programa.

Muitos gestores nas Secretarias de Educação e em Escolas não promovem discussões e formação continuada que auxiliem na seleção, trato didático-metodológico, adequação ao currículo e até mesmo consulta às crianças sobre a escolha dos livros, que visem ampliar a qualidade das práticas educativas. Não se trata de aceitar ou não os livros didáticos na EI, mas sim abrir um campo de possibilidades para que todos participem das discussões sobre o uso pedagógico desse meio. O que não podemos aceitar é o enorme gasto público de recursos da educação em projetos e programas, que não passem diretamente pelo aval das escolas e seus agentes.

 

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