Educação de Jovens e Adultos e a Formação inicial de professores: desafios e possibilidades
Youth and Adult Education and initial teacher training: challenges and possibilities
Educación de Jóvenes y Adultos y formación inicial docente: desafíos y posibilidades
Marli
Vieira Lins de Assis
Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil
marli.assis@edu.se.df.gov.br
Kátia
Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva
Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil
katiacurado@unb.br
Recebido em 05 de dezembro de 2023
Aprovado em 29 de dezembro de 2023
Publicado em 02 de abril de 2025
RESUMO
Este artigo discute sobre formação inicial de professores e a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e teve como objetivo geral analisar os Projetos Pedagógicos (PPCs) dos cursos de licenciatura - de duas universidades do Distrito Federal, sendo uma pública e outra privada, com o ensejo de compreender que formação os futuros professores estão recebendo para atuarem na modalidade. Para tanto, foi utilizada uma pesquisa qualitativa, bibliográfica (com base em Assis, 2018; Curado-Silva, 2018; Laffin, 2018; Ventura, 2012, entre outros) e documental para o levantamento dos dados, que possibilitaram observar que na Universidade de Brasília, o curso de Pedagogia oportuniza aos futuros professores uma formação para atuarem na EJA, diferentemente dos dois outros cursos analisados. Em relação à Universidade Católica de Brasília, constatou-se que apenas o PPC de Pedagogia teve essa preocupação, ainda que de forma incipiente. Observa-se, de maneira geral, que os cursos de licenciatura não têm conferido a atenção necessária à formação de professores para atuarem na modalidade, o que traz consequências para o processo de ensino e de aprendizagem.
Palavras-chave: Formação Docente; Educação de Jovens e Adultos.
ABSTRACT
This article discusses initial teacher training and Youth and Adult Education (EJA), and was aimed at general objective of analyzing the Pedagogical Projects (PPCs) of undergraduate courses - specifically Pedagogy, Mathematics, and Physical Education - offered by two universities in Federal District, one being public and the other private. The aim was to comprehend the kind of preparation future educators are receiving to effectively engage in this modality. To this end, a qualitative, bibliographical, and documentary research approach was employed to collect pertinent data. The findings shed light on the fact that, within the public university (University of Brasília), only the Pedagogy program provides aspiring educators with a formation closely aligned with the expectations for YAEE instruction. In the context of the private university (Catholic University of Brasília), it was evident that only the Pedagogy program demonstrated a degree of concern in this regard, although at an early stage. Given these observations, in general, it can be deduced that the teaching degree programs are yet to allocate sufficient attention to adequately prepare educators for effective YAEE, which has consequences for the teaching and learning process.
Keywords: Teacher Training; Youth and Adult Education.
RESUMEN
Este artículo aborda la formación inicial docente y la Educación de Jóvenes y Adultos (EJA) y tenía como objetivo general analizar los Proyectos Pedagógicos de los Cursos de Licenciatura (PPC’s) - Pedagogía, Matemáticas y Educación Física, de dos universidades de Distrito Federal, siendo una pública y otra privada, con el intuito de comprender qué formación los fututos profesores están recibiendo para poder actuar en esta modalidad. Para esto, fue realizada una investigación cualitativa, bibliográfica y documental para la recopilación de datos, que posibilitaron observar que en la universidad pública (Universidad de Brasília), el curso de Pedagogía brinda formación futura para trabajar en EJA, a diferencia de los otros dos analizados. En relación a la universidad privada (Universidad Católica de Brasília), se constató que apenas el PPC de Pedagogía tuvo esa preocupación, aunque sea de forma muy incipiente. Delante de esas percepciones, se concluye, en general, que los cursos de licenciatura todavía no han conferido la atención necesaria a la formación de profesores para actuar en esta modalidad, lo que tiene consecuencias para el proceso de enseñanza y aprendizaje.
Palabras clave: Formación Docente; Educación de Jóvenes y Adultos.
Introdução
Temos acompanhado, nos últimos anos, muitas reflexões acerca da formação inicial de professores, que se justificam por múltiplos fatores. Diante desta temática, apresentamos, neste artigo, discussões acerca da Educação de Jovens e Adultos (EJA), considerando seus sujeitos e a necessária formação docente para atuar na modalidade.
Em geral, o que se constata, por meio das pesquisas empreendidas na EJA, é que o educador que trabalha com jovens, adultos e idosos não tem tido uma formação adequada para atuar nessa modalidade de ensino e não tem recebido a atenção necessária nos cursos de formação continuada de professores. Sem a devida qualificação, a maioria dos professores passa a desenvolver a prática pedagógica ignorando as especificidades e pluralidades dos sujeitos em processo de escolarização. Utilizam metodologias (técnicas, recursos e atividades) sem qualquer significado para os estudantes, desconsiderando o contexto e a historicidade desses sujeitos.
Muitas vezes, os professores utilizam o mecanismo de reprodução do seu processo de escolarização regular (infantil) para determinar a metodologia de trabalho nas salas de EJA. Em alguns casos, o educador não possui os fundamentos que lhe permitam incluir um referencial teórico-metodológico próprio da área. Esta afirmação volta-se para a reflexão sobre o papel das instituições de ensino superior, pois o educador que atua junto aos educandos jovens e adultos deveria possuir uma formação profissional proveniente dessas instituições. Ante o exposto, trazemos para o campo de discussão os estudos realizados por Laffin (2018), Assis (2018), Ventura (2012), entre outros, que trazem à tona alguns pontos e reflexões importantes acerca da formação docente, especialmente na EJA.
Inicialmente, dialogamos com Laffin (2018, p. 55), que cita Arroyo para reforçar a necessidade da formação de professores para atuarem na EJA. Segundo o autor, quando falamos da formação docente para atuar na EJA, o que se tem observado é:
[...] um campo aberto a qualquer cultivo e semeadura será sempre indefinido e exposto a intervenções passageiras. Pode-se tornar um campo desprofissionalizado. De amadores. De campanhas e de apelos à boa vontade e à improvisação. Um olhar precipitado nos dirá que talvez tenha sido esta uma das marcas da história da EJA: indefinição, voluntarismo, campanhas emergenciais, soluções conjunturais.
Assis (2018) também contribui com essa discussão, por meio de sua pesquisa de doutorado “Letramentos e identidades sociais: uma proposta etnográfica crítica de leitura e de escrita para (e com) os moradores do Pôr do Sol (Ceilândia - DF)”, que teve como um de seus objetivos discutir a formação inicial de professores para ministrarem aulas para jovens, adultos e idosos, a partir da experiência vivenciada no projeto supracitado de alfabetização e letramento, que foi realizado na cidade Pôr do Sol – Ceilândia (Distrito Federal). De acordo com as graduandas que auxiliavam no projeto, durante a formação inicial, elas
só cursaram uma disciplina voltada para Educação de Jovens e Adultos, a qual teve um caráter mais teórico que prático e que não houve nenhuma discussão sobre o processo de ensino e de aprendizagem voltado para o público idoso, portanto elas não sabiam alfabetizar essas pessoas, o que foi um grande desafio no projeto Letramentos e Identidades Sociais. Quanto ao curso de Letras, não houve nenhuma disciplina voltada a esse público, a despeito dos/as graduandos/as desse curso poderem atuar como docentes com jovens, adultos e idosos (Assis, 2018, p. 212).
Os exemplos extraídos da tese de Assis (2018, p. 190-200) ratificam a importância da formação do futuro professor para atuar com pessoas jovens, adultas e idosas, não só na perspectiva prática, mas principalmente na perspectiva da práxis. Vejamos alguns deles, considerando o momento em que foi perguntado às graduandas o que a participação no projeto acima citado havia acrescido à formação inicial delas (nomes fictícios):
Nana: A experiência, principalmente, porque aqui eu trabalhei com idosos. Eu não tinha tido essa experiência. Principalmente, eu aprendi muito com o método Paulo Freire que eu não sabia muito e, pessoalmente, eu fiz muitas amizades que eu vou levar para sempre. Sem falar que, na prática, eu pude entender melhor o papel do professor que vai atuar em EJA. Professora, na faculdade, nós só tivemos uma disciplina de EJA e o foco não foi alfabetização de adultos. O que sabemos de alfabetização e letramento está voltado para as crianças e não para adultos, muito menos para idosos. Quando eu tenho aula nas outras matérias, eu tenho que perguntar: “E como acontece na EJA?” (Curso de Pedagogia)
Saritinha: No projeto, foi o momento em que eu me vi como professora, porque você faz uma faculdade, faz um estágio, mas eu só consegui me ver como professora a partir do momento em que eu participei do estágio e entrei no projeto, porque a vivência com os alunos. [...] O projeto me fez me ver como professora. Até esse momento, eu era uma estudante que estava finalizando o curso de Letras e nada mais e o projeto veio para me fazer professora. (Curso de Letras)
Por fim, dialogamos também com Ventura (2012, p. 79) que, ao estudar as Diretrizes Curriculares Nacionais de alguns cursos de licenciatura, aponta lacunas tanto nos documentos em análise quanto na formação inicial de professores para atuarem na EJA:
Ao analisarmos as Diretrizes Curriculares Nacionais de alguns cursos de formação de professores, tais como Pedagogia, Letras, Matemática e Ciências Biológicas, constatamos que embora a EJA na atual legislação tenha sido configurada como modalidade da Educação Básica, no que se refere à formação de professores para atuar, considerando as especificidades da área e a necessidade de um currículo diferenciado para a modalidade, a questão permanece muito incipiente nas licenciaturas.
Ante o exposto, compreende-se a relevância deste estudo que enseja, por meio de esforços diversos, não só o apontamento e a discussão dos dados de pesquisa, mas, acima de tudo, sinalizar a urgência de se repensar a formação inicial de professores que podem vir a atuar na educação de pessoas jovens, adultas e idosas.
Aspectos Metodológicos
Destacamos, em primeiro lugar, que a pesquisa descrita neste artigo está inserida numa pesquisa central coordenada pelo Grupo de Pesquisa de Estudos e Pesquisas sobre a Formação e Atuação de Professores/Pedagogos (GEPFAPe), denominada “Perspectivas epistemológicas da formação de professores: um estudo das concepções formativas”, que tem como objetivo analisar as perspectivas epistemológicas que orientam os cursos de formação de professores/licenciaturas a fim de compreender a contribuição destas para a formação de educadores.
De forma mais específica, a pesquisa citada acima visa identificar as principais tendências e concepções que orientam a formação de professores, os enfoques e as dimensões mais ressaltados pelos autores tanto no Brasil quanto no nível internacional, e possíveis lacunas. Tal estudo se justifica pela necessidade de refletir sobre as propostas de formação inicial docente no Brasil, a diversificação de áreas de formação docente para atuação na Educação Básica e as múltiplas instâncias formativas. As discussões sobre qual seria o eixo básico da formação inicial, somando-se a outras questões e problemas históricos de cunho político-social e, particularmente, da área educacional, apontam para a necessidade básica de discutir a perspectiva epistemológica da formação que, mesmo sem uma unicidade e sendo produzida de forma fragmentada, tem povoado o aparato orientador da formação inicial de professores para a Educação Básica no Brasil. Essa pesquisa é financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF) e possui como palavras-chave: formação de professores, epistemologia, políticas educacionais.
Diante dos objetivos da pesquisa supracitada e considerando o objetivo que norteia este estudo: analisar os Projetos Pedagógicos dos cursos de licenciatura (PPCs) - Pedagogia, Matemática e Educação Física - de duas universidades do Distrito Federal, sendo uma pública e outra privada, pretendemos compreender que formação os futuros professores estão recebendo para atuarem na Educação de Jovens, Adultos e Idosos, bem como responder às perguntas que nos impelem a pensar sobre a formação inicial de professores para atuarem na EJA, perguntas essas que são fruto dos anos dedicados à pesquisa e ao magistério nessa modalidade e das reflexões empreendidas no Grupo de Pesquisa de Estudos e Pesquisas sobre a Formação e Atuação de Professores/Pedagogos (GEPFAPe), sistematizadas por meio de uma ficha de análise dos Projetos Pedagógicos de Cursos elaborada de forma coletiva no respectivo grupo.
1. O PPC analisado contempla uma formação docente voltada para a Educação de Jovens, Adultos e Idosos? Caso o PPC não contemple a EJA de maneira explícita, no que tange à formação docente, existe alguma orientação, disciplina, prática ou projeto de extensão que possa favorecer a atuação docente na modalidade? Se sim, qual?
2. Qual a concepção de formação docente utilizada nos PPCs?
3. Os PPCs apresentam alguma metodologia que favoreça a atuação docente na EJA e contemple a diversidade dos sujeitos atendidos?
4. O referencial teórico adotado no PPC do curso se articula à produção científica no campo de formação de professores da EJA?
Para responder a esses questionamentos, a pesquisa ora apresentada foi organizada e efetivada à luz de uma pesquisa qualitativa, bibliográfica e documental.
De acordo com Flick (2009), a pesquisa qualitativa favorece as pesquisas de cunho social e oferece ao pesquisador uma variedade de métodos e de técnicas que auxiliam tanto na geração como na análise dos dados organizados durante a pesquisa.
A pesquisa bibliográfica é relevante em todo trabalho de pesquisa. Neste estudo, em especial, por possibilitar ampliar as leituras e as possibilidades de discussão em relação ao tema em estudo: a formação inicial de professores para atuarem na EJA.
A pesquisa documental foi utilizada em função do levantamento e análise dos PPCs dos cursos de licenciatura escolhidos. Segundo Gil (2008, p. 51):
a pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A única diferença entre ambas está na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa.
Neste artigo, foram analisados os Projetos Pedagógicos (PPCs) dos cursos de licenciatura de duas universidades do Distrito Federal, sendo uma pública (Universidade de Brasília - UnB) e outra privada (Universidade Católica de Brasília – UCB). Destaca-se que o corte temporal para análise dos PPCs foi de 2010 até 2021, e que todo o documento (o PPC) foi analisado em busca de encontrar orientações acerca da formação docente para atuar na EJA.
O corpus do trabalho foi constituído pelos PPCs das universidades supracitadas, considerando os seguintes critérios: a) ofertar curso de licenciatura, b) ser curso presencial. Os 3 (três) cursos de licenciatura escolhidos foram: Pedagogia, Educação Física e Matemática, os quais são ofertados nas duas instituições considerando os critérios acima. Ademais, são cursos que possuem uma grande procura no DF, principalmente pelas pessoas que almejam fazer uma graduação e entrar na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal.
É importante destacar que a coleta de dados se deu no site das instituições acima e, nesse sentido, os encontramos por meio da pesquisa documental. Em relação aos cursos em análise da Universidade de Brasília, destacam-se as seguintes informações: (i) todos são ofertados de maneira presencial, (ii) em relação à oferta, os cursos são ofertados predominantemente nos turnos diurno e noturno e (iii) têm as seguintes cargas horárias:
Tabela 1 – Cursos e Cargas Horárias - Universidade de Brasília
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CURSO |
CARGA HORÁRIA |
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Pedagogia |
3.300 horas |
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Educação Física |
3.210 horas |
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Matemática |
2.810 horas |
Fonte: PPCs dos cursos analisados da UnB
Em relação aos cursos em análise da Universidade Católica de Brasília, destacam-se as seguintes informações: (i) todos são ofertados de maneira presencial, (ii) em relação à oferta, os cursos são ofertados predominantemente nos turnos diurno e noturno e (iii) têm as seguintes cargas horárias:
Tabela 2 – Cursos e Cargas Horárias - Universidade Católica de Brasília
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CURSO |
CARGA HORÁRIA |
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Pedagogia |
2.880 horas |
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Educação Física |
3.200 horas |
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Matemática |
2.480 horas |
Fonte: PPCs dos cursos analisados da UCB
Quanto aos PPCs, todos foram publicados nos sites das respectivas instituições entre os anos de 2010 até 2021.
A Educação de Jovens e Adultos e a formação inicial de profes-
sores
A Educação de Jovens, Adultos e Idosos é uma modalidade de ensino destinada às pessoas que não tiveram acesso à educação ou nela não tiveram condições de permanecer por motivos diversos. A despeito de vários normativos garantirem-na como um direito, observa-se que muitos são os jovens, adultos e idosos que ainda não tiveram acesso à escolarização.
De acordo com as Diretrizes Operacionais da Educação de Jovens e Adultos da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal (2021, p. 12):
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem a função social de assegurar a escolarização dos sujeitos que, historicamente, foram excluídos do direito à educação. Assim, deve-se cuidar para não reproduzir na escola as práticas excludentes da sociedade, pois seu papel é a formação de sujeitos capazes de intervir, de forma reflexiva, crítica, problematizadora, democrática e emancipatória, com voz, vez e decisão, na solução e superação dos problemas e desafios impostos à sua sobrevivência e existência.
Com o objetivo de garantir a escolarização a jovens, adultos e idosos, a Constituição Federal de 1988 destaca, no artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A Carta Magna põe em evidência que a educação é um direito assegurado a todas as pessoas e reforça que essa educação é necessária para que essas possam exercer a sua cidadania e se qualificar para o mundo do trabalho.
Em sequência, temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB 9.394/96 que no rol de seus artigos enfatiza: “a educação de jovens e adultos se destinará àqueles que não tiveram acesso aos estudos, ou continuidade deles, nos ensinos Fundamental e Médio na idade própria.” (Artigo 37)
O Plano Nacional de Educação (2014-2024) - Lei nº 13.005/2014 - também reitera esse direito por meio das metas abaixo elencadas:
Meta 8: Elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, de modo a alcançar, no mínimo 12 (doze) anos de estudo no último ano de vigência deste Plano [...].
Meta 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou mais para 93,5% (noventa e três inteiros e cinco décimos por cento) até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% (cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo funcional.
Meta 10: Oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas da educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada à educação profissional.
Além dos normativos acima apresentados, que tratam da EJA como um direito destinado às pessoas que não tiveram condições de estudar na idade considerada “certa”, temos também a Resolução CNE/CP n.º 1, de 15 de maio de 2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia - licenciatura e apresenta em seu artigo 8º o seguinte texto sobre a EJA, incluindo-a na formação inicial de professores:
IV - estágio curricular a ser realizado, ao longo do curso, de modo a assegurar aos graduandos experiência de exercício profissional, em ambientes escolares e não escolares que ampliem e fortaleçam atitudes éticas, conhecimentos e competências: [...] d) na Educação de Jovens e Adultos.
O artigo 6º, que trata da estrutura do curso de Pedagogia, respeitadas a diversidade nacional e a autonomia pedagógica das instituições, também confere especial atenção à modalidade: “aplicação, em práticas educativas, de conhecimentos de processos de desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, nas dimensões física, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial”.
E a Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Sobre a formação de professores, a Resolução destaca, no que se refere à EJA:
Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada em Nível Superior de Profissionais do Magistério para a Educação Básica aplicam-se à formação de professores para o exercício da docência na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio e nas respectivas modalidades de educação (Educação de Jovens e Adultos [...]).
Art. 3º A formação inicial e a formação continuada destinam-se, respectivamente, à preparação e ao desenvolvimento de profissionais para funções de magistério na educação básica em suas etapas – educação infantil, ensino fundamental, ensino médio – e modalidades – educação de jovens e adultos [...].
Destacamos nos normativos apresentados a observância quanto à EJA, entre outras referências relacionadas à modalidade. No entanto, o que se tem observado nas pesquisas destinadas ao público da modalidade é que o direito à educação e o reconhecimento desse direito nos cursos de formação de professores ainda é algo distante.
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ([IBGE], 2023) apresentados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua ([PNAD], 2023, p. 5), o Brasil possuía 9,6 milhões de pessoas, com idades acima de 15 anos, analfabetas, em 2022.
Segundo a pesquisa, a taxa de analfabetismo entre os jovens em 2022 era de 5,6%; entre os adultos com mais de 40 anos, a taxa era de 9,8% e entre os idosos, pessoas com mais de 60 anos, a taxa estava em torno de 16%.
Os dados revelam, ainda, que os homens, com 15 anos ou mais, analfabetos, representam 5,6% da população brasileira e as mulheres, 5,4%. Com mais de 60 anos, os dados são ainda mais alarmantes, pois os homens representam 15,7% da população e as mulheres, 16,3%. Em relação à cor ou à raça, os dados demonstram que a população preta ou parda é a que mais se destaca entre as pessoas analfabetas. Os jovens pretos ou pardos de 15 anos ou mais representam 7,4% da população brasileira que não têm acesso à escolarização, portanto não são alfabetizados, e a população com mais de 60 anos representa 23,3% da população brasileira nessas condições.
Para além da falta de acesso, temos outra questão que carece de um olhar mais apurado: a permanência do estudante no contexto escolar. Muitas pessoas acabam abandonando a escola, depois de tanto almejá-la, por múltiplos fatores, como por exemplo: o cansaço, a distância da escola/moradia, um currículo distante de sua realidade, atividades infantilizadas e pouco significativas para sua vida em sociedade, uma reprodução das práticas e das atividades desenvolvidas com os estudantes do ensino regular, e, por fim, um professor que não tem uma formação voltada a esse público (Assis, 2018).
Considerando os dados acima, compreendemos o quanto as políticas públicas precisam ser repensadas, colocadas em prática e atingir ao público da EJA. Como não temos espaço para discutir de forma mais aprofundada todas as questões relativas ao acesso e à permanência dos estudantes no ambiente escolar, vamos nos debruçar sobre a formação inicial de professores para ministrarem aula na modalidade, pois o despreparo do docente também é motivo de abandono escolar.
Exemplo disso é a pesquisa realizada por Assis (2018, p. 212), na qual a graduanda do curso de Pedagogia de uma instituição de ensino superior do Distrito Federal destaca que, durante os 4 (quatro) anos do curso de Pedagogia, só teve uma disciplina voltada para a EJA e que essa não a preparou para ministrar aulas para jovens, adultos e, principalmente, para idosos. Vejamos o excerto em que a graduanda fala da necessidade de buscar em outros espaços essa formação: “Milly (nome fictício): Professora, eu vim para o projeto pela necessidade de aprender a alfabetizar e letrar pessoas adultas e idosas. Na faculdade, não temos essa vivência”. Considerando as reflexões apresentadas e o depoimento da graduanda, ratificamos a importância da formação inicial de professores para atuarem na EJA. Apresentaremos a seguir a pesquisa realizada e o que ela nos revelou em relação à temática em tela.
A pesquisa - professor de quê? Para ministrar aula a quem?
Considerando as perguntas norteadoras deste estudo em relação aos PPCs de Pedagogia, foi possível observar que nos cursos de Pedagogia de ambas as universidades (UnB e Católica) existe uma formação (pautada na oferta de disciplinas) voltada para a atuação docente na EJA. O curso de Pedagogia ofertado pela UnB confere atenção à modalidade desde o começo do documento, como podemos observar na página 20 (vinte) do documento: “a existência de um grande número de estabelecimentos de ensino, tanto públicos como privados, que oferecem as modalidades de educação especial, educação de jovens, adultos e idosos bem como educação profissional em que o pedagogo pode trabalhar”.
O documento ancora-se, ainda, na Resolução CNE/CP 02/2015 para reforçar os espaços de trabalho do pedagogo, e dentre eles estão as modalidades, como por exemplo, a EJA:
[...] formação de professores para o exercício da docência na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio e nas respectivas modalidades de ensino (Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação Profissional e Tecnológica, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação a Distância e Educação Escolar Quilombola), nas diferentes áreas do conhecimento e com integração entre elas, podendo abranger um campo específico e/ou interdisciplinar (Brasil, 2015, p. 33).
Além dessas referências iniciais à modalidade, o curso de Pedagogia oferece de maneira presencial três disciplinas que dialogam com a modalidade, como por exemplo: Educação de Jovens e Adultos EJAI (60 horas), Estágio II (120 horas) e Processos de Alfabetização e Letramento (60 horas).
Em relação à segunda pergunta, o PPC de Pedagogia apresenta sugestões de leituras que dialogam com a EJA. Na disciplina Educação de Jovens e Adultos, foram identificados os seguintes autores que têm pesquisado sobre a modalidade: Di Pierro e Galvão (2007); Freire (1992); Reis (2011); Soares (2011). Na disciplina de Estágio, foi identificado Barcelos (2007), e na disciplina Processos de Alfabetização e Letramento, identificamos: Freire (2011); Garcia (2015); Kleiman (1995); Street (2014).
Dando sequência ao estudo, foi analisado o PPC do curso de Pedagogia da UCB. Nele, foi possível observar algumas referências à formação do futuro professor para atuar na EJA, porém com menos frequência que no PPC do referido curso na UnB.
No início do documento, encontramos a primeira menção em relação à formação docente para atuar na EJA:
[...] A superação da dicotomia entre teoria e prática no processo formativo de professores se materializa na organização curricular aqui proposta, uma vez que, a teoria se apresenta a partir dos questionamentos que surgem por meio de investigações do cotidiano da escola e da prática docente com vistas a formar um profissional que saiba enfrentar as situações adversas do processo de ensino e aprendizagem com uma postura ativa e que busque soluções criativas com vistas a potencializar a capacidade de aprender dos estudantes do ensino fundamental. Pedagogo que sabe construir estratégias de ensino efetivas e voltadas para as diversas realidades do Brasil na educação infantil, nos anos iniciais do ensino fundamental e educação de jovens e adultos, primeiro segmento [...].
Em relação às disciplinas, encontramos no corpo do PPC: Educação de Jovens e Adultos (80 horas), Estágio Supervisionado II (160 horas) e Laboratórios de Formação Específica - Laboratório de Práticas Pedagógicas (LAPED) (modalidade presencial):
O LAPED constitui-se como um “espaço-tempo” em que os sentidos primários de aprendizagem e prática são subvertidos e ampliados, dando origem a um contexto novo de aprendizagem, que valoriza a experiência, a intersubjetividade e a construção de projetos educativos. Assim, o Laboratório de Pedagogia configura-se como essa possibilidade de atuação de estudantes, professores do curso de Pedagogia em diálogo com estudantes e professores de outros cursos e de nossa comunidade externa. Destacam-se os seguintes objetivos:
[...] Desenvolver atividades teórico-práticas e metodológicas voltadas para o ensino e a aprendizagem de estudantes da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos [...].
No que tange ao referencial teórico adotado e sua relação com a modalidade, pode-se observar que o PPC do curso de Pedagogia não apresenta referências ou sugestões de leitura relacionadas à EJA.
Observa-se que a EJA é contemplada no PPC de Pedagogia da UCB, porém se trata de uma formação ainda fragilizada frente às reais demandas da modalidade. Nesse sentido, Ventura (2012, p.74) destaca:
há uma clara relação entre a ausência da discussão sobre a especificidade da Educação de Jovens e Adultos na formação inicial e o despreparo dos professores em lidar com este público na educação básica. Raramente, as licenciaturas refletem sobre o seu fazer pedagógico contextualizado à escolarização de jovens adultos; a maioria dos professores reproduz os moldes da escolarização de crianças e adolescentes, materializados em ações que refletem a perspectiva supletiva do currículo escolar. Como consequência, ainda hoje, um dos principais desafios que os cursos de EJA enfrentam é a superação da lógica de aceleração e a construção de um projeto pedagógico específico.
Em sequência, foram analisados os PPCs do Curso de Educação Física e de Matemática das duas IES. Em relação à leitura dos documentos, é preciso destacar que encontramos algumas referências à modalidade, entretanto com poucas contribuições à formação inicial de professores.
No Curso de Educação Física da UnB, encontramos na página 20 (vinte) (Perfil do Profissional) do PPC a primeira menção à EJA:
Deve ser capaz de organizar, planejar, administrar e avaliar a sua prática pedagógica tendo como base o jogo, o esporte escolar, a ginástica, a dança e o lazer, tendo a sua atuação principal direcionada para o exercício da docência nos diversos níveis e modalidades de ensino que compõem a Educação Básica, a saber, em instituições de ensino públicas e privadas, que oferecem Educação Infantil, Ensino Fundamental ou Ensino Médio, em uma perspectiva inclusiva, assim como com a Educação de Jovens e Adultos.
Nos objetivos do curso também encontramos: “Conhecimentos de características físicas, emocionais, cognitivas e do desenvolvimento de crianças, jovens e adultos” (p. 16).
Em seguida, foram encontradas, na matriz do curso, as seguintes disciplinas que dialogam com a modalidade: Fundamentos do Desenvolvimento e Aprendizagem aplicados à Educação Física 2 (80 horas) e Estágio Supervisionado em Educação Física no Ensino Médio e EJA (120 horas).
Quanto ao referencial teórico e sua relação com a formação inicial de professores (também para a EJA), encontramos os seguintes: Freire (1997); Piconez (2002); Saviani (2005).
Já no curso de Educação Física da UCB, encontramos, no PPC, apenas uma menção à modalidade e constatamos que não há um referencial teórico que dialogue e fomente a formação inicial de professores. Tanto na página 42 (quarenta e dois) quanto na página 64 (sessenta e quatro) do documento encontramos a seguinte referência à EJA: “Diagnosticar os interesses, as expectativas e as necessidades das pessoas (crianças, jovens, adultos, idosos, pessoas com deficiência, de grupos e comunidades especiais) de modo a planejar, prescrever, orientar, assessorar, supervisionar, controlar e avaliar projetos e programas de atividades físicas e/ou esportivas e/ou de cultura e de lazer”.
Quanto ao referencial teórico indicado nas disciplinas, foi encontrado apenas 1 (um) que se aproxima da modalidade: Gallahue e Ozmun (2005).
Por fim, nos PPCs de Matemática, foi possível identificar que na UnB, esse documento não faz menção à EJA, embora a formação inicial esteja voltada aos ensinos fundamental e médio. E na UCB, no PPC de Matemática, a única referência à modalidade encontra-se no Projeto Alfabetização e Comunidade Educativa, e não foram encontradas sugestões de leituras sobre a modalidade, conforme excerto a seguir.
Esse projeto tem como ponto de partida a alfabetização de adultos. A Comunidade Educativa é um processo pedagógico no qual a população se engaja para identificar, criar e fazer uso de oportunidades de aprendizagem, objetivando a aplicação do conhecimento resultante na formulação e na implementação de iniciativas sustentáveis de desenvolvimento. Portanto, tendo como base a alfabetização de jovens e adultos e de atividades da comunidade educativa, a UCB atua pedagogicamente, de modo articulado, oportuno e progressivo para subsidiar a ação dos indivíduos e dos grupos engajados na elaboração e na implementação de projeto próprio de melhoria da qualidade de vida ( p. 32).
Não foi encontrada nos PPCs nenhuma metodologia de ensino voltada para o público da EJA e, em relação à base epistemológica que fundamenta a formação inicial de professores para atuarem na modalidade, destaca-se que no curso de Pedagogia da UnB foi observada uma proposta formativa em consonância com a epistemologia da práxis. Nos demais cursos observou-se uma predominância da epistemologia da prática pautada no domínio de conteúdos e na suposta preparação para o fazer docente.
Considerando a necessidade de uma formação específica para o futuro professor que irá trabalhar na EJA, apresentamos alguns pontos indispensáveis para que essa formação ocorra:
1. A necessidade de uma formação ampla e sólida que sirva como compreensão da realidade, para, assim, estimular a consciência crítica do professor de modo que ele tenha confiança em desempenhar seu futuro trabalho com competência e autenticidade.
2. A importância de as universidades adotarem não só de forma teórica, mas também prática e reflexiva as diretrizes orientadoras dos cursos de licenciatura, conferindo à EJA a importância social e educacional que a modalidade possui e atribuindo também especial atenção aos aspectos metodológicos que precisam ser contemplados na modalidade.
3. A necessidade de ofertar disciplinas presenciais não só nos cursos de Pedagogia, mas em todos os cursos de licenciatura, com especial atenção às disciplinas de Educação de Jovens e Adultos e de estágio na modalidade, com temáticas que propiciem ao futuro professor uma atuação mais segura e, para o estudante, mais significativa.
4. Em relação aos referenciais teóricos, é mister destacar a importância de oferecer nas instituições de ensino superior leituras relacionadas com os sujeitos da EJA e seus processos de aprendizagens.
5. Outra questão de suma relevância é a concepção de professor que se pretende formar. Nos PPCs em análise, foi possível identificar que a concepção de formação que vigora está ancorada na epistemologia da prática, ou seja, para o fazer docente, e deslocada de uma reflexão crítica e embasada teoricamente. O PPC que apontou uma concepção de formação docente ancorada na epistemologia da práxis foi o PPC do curso de Pedagogia da UnB. O trecho abaixo, retirado do documento, nos permite fazer essa inferência:
O currículo deve constituir-se em um processo de ampliação e de desenvolvimento humano, encaminhando formandos e formadores para o exercício de uma identidade crítica e transformadora, calcada nas ideias de liberdade e de autonomia. Dessa forma, compreende-se o currículo como um terreno da práxis formativa, da transmissão cultural e das instituições educativas e que deve ser reexaminado constantemente. Nessa reconstrução do PPPC da licenciatura em pedagogia, a FE-UnB assume a necessidade de implementar um currículo que propicie a construção de práticas educacionais capazes de contemplar, em consonância com o rigor científico e com a formação humana integral, as dimensões linguísticas, artísticas, culturais, sociais e políticas nos processos formativos(p. 35).
Para Curado-Silva (2018, p. 37), a epistemologia da práxis:
valoriza o movimento dialético; revela as contradições e as mediações dessa prática; utiliza conceitos e categorias teóricas; e recupera uma totalidade explicativa que nos proporcione um debate político, cultural da escola, dos alunos e, principalmente, do trabalho docente. Toma-se o último, o trabalho docente como princípio educativo e evita-se, assim, um fazer adaptativo, no qual a relação teoria e prática se converta num praticismo [...].
A seguir tecemos algumas considerações acerca da pesquisa realizada neste estudo.
Considerações Finais
O presente estudo ratificou o quanto a formação inicial de professores para atuarem na Educação de Jovens e Adultos carece de discussões e de políticas públicas que considerem as peculiaridades do público da modalidade. A análise dos Projetos Pedagógicos dos cursos analisados nos conduziu a algumas reflexões importantes que serão expostas a seguir.
Inicialmente, é preciso que a EJA seja reconhecida como um direito de todos os jovens, adultos e idosos que não tiveram acesso à educação na idade considerada “própria”, conforme o artigo 208 da Constituição Federal de 1988, que destaca: “I – Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria”.
Essa modalidade precisa ser fortalecida e repensada no contexto educacional no que tange a muitos aspectos e, no caso deste texto, conferimos especial atenção à formação docente, visto que na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal temos cerca de 105 unidades escolares que ofertam a modalidade, 60% dos professores que atuam na modalidade são professores efetivos e 40% são professores contratados temporariamente.
Os normativos que ratificam o direito do estudante da EJA à educação precisam ser considerados nas universidades e nas unidades escolares que ofertam a modalidade. É relevante destacar que essa consideração deve ser feita tendo a EJA como um direito e não somente para cumprir, no papel, as orientações dos normativos que tratam da modalidade, como por exemplo, as Resoluções, o Plano Nacional de Educação e as Diretrizes Operacionais da Educação de Jovens e Adultos, entre outros.
As instituições de ensino superior precisam compreender que a oferta de uma formação inicial voltada para a atuação docente na modalidade não é uma obrigação apenas dos cursos de Pedagogia, mas de todos os cursos de licenciatura, pois os professores formados nos variados cursos de licenciatura também podem atuar na EJA, no 2º e 3º segmentos, conforme nomenclatura adotada no Distrito Federal e não devem ficar restritas à ofertadas esporádicas de disciplinas que tratem da temática. Entendemos que essa deve perpassar todo o curso de formação de professores, por meio de atividades diversificadas, como: atividades em projetos de extensão e também por meio de uma reorganização curricular, trazendo, por exemplo, eixos integradores que tratem das modalidades, como a EJA.
É imperioso que a formação inicial de professores seja fundamentada numa epistemologia da práxis, de forma que haja uma unicidade entre teoria e prática, além de considerar uma relação entre a formação inicial e a formação continuada.
Nesse sentido, consideramos válido inferir que a formação inicial não pode ser concebida como o fim do processo. Mas esta, como sua própria denominação pressupõe, é inicial, necessitando de outros e constantes subsídios de formação: a formação continuada. Entendemos então, que é urgente a superação da lógica racional e técnica, bem como a sua substituição pela proposta de emancipação e autonomia na formação do professor, e também que é preciso apreender que a formação profissional se dá como um devir constante, que envolve a construção inicial-continuada e o trabalho docente.
Nesse entendimento, podemos afirmar que a formação não implica um conjunto de disciplinas, procedimentos técnicos e de difusão de conhecimentos, mas que deve contribuir para a formação consciente e crítica do docente que atua e interage no contexto social. Concordamos com o pensamento fecundo de Freire (2001), ao entender que a reflexão é a circulação realizada entre a ação e o pensar, entre o pensar e a ação, ou seja, no “pensar para o fazer” e no “pensar sobre o fazer”. Estes levantamentos iniciais devem nos propiciar um diálogo que objetive, além de analisar a intencionalidade exposta no PPC, pensar em possibilidades e mudanças mútuas e permanentes no fazer a formação docente. Por fim, entendemos que olhar para a formação inicial dos professores não significa a ingenuidade de dar à esperança um poder absoluto de resolução de conceitos, no entanto, se aliados a ela se encontrarem o esforço, a capacidade, a persistência e a humildade, o educador está no caminho certo.
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