Do ensino remoto na pandemia de covid-19 ao retorno presencial às aulas: desafios do fazer docente na educação profissional e tecnológica e os reflexos na aprendizagem

From remote teaching during the covid-19 pandemic to the in-person return to classes: challenges of teaching in professional and technological education and the effects on learning

De la enseñanza remota durante la pandemia de covid-19 al regreso presencial a clases: desafíos de la docencia en la educación profesional y tecnológica y los efectos en el aprendizaje

 

Frederico Santiago Lima

Instituto Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

frederico.lima@iff.edu.br

Ludmila Gonçalves da Matta

Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

ludmatta@yahoo.com.br

Rosângela Pimentel Martins

Instituto Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

r_pmartins@hotmail.com

 

Recebido em 01 de dezembro de 2023

Aprovado em 10 de janeiro de 2024

Publicado em 23 de janeiro de 2025

 

RESUMO

Este artigo foi elaborado a partir de observações realizadas no Campus Santo Antônio de Pádua do Instituto Federal Fluminense (IFFLUMINENSE) desde o início do ensino remoto, em 2020, até o retorno presencial às aulas, em 2022. A suposição inicial é que esse processo pedagógico do ensino remoto e também relacionado ao retorno presencial tenha sido permeado por desafios. Tem-se como objetivo identificar alguns desses desafios para o planejamento docente e para a aprendizagem dos estudantes. Os instrumentos de coleta de dados foram a pesquisa bibliográfica, documental e a aplicação de questionário para os docentes com natureza quantitativa e qualitativa. Os resultados sugerem que boa parte dos docentes se deparou com desafios na práxis pedagógica, sendo a acessibilidade aos recursos de tecnologia, o incentivo institucional, a adaptação dos recursos e materiais de estudo, além da metodologia para as atividades avaliativas alguns deles. Percebeu-se também que o retorno ao ensino presencial gerou desafios, entre eles, conseguir executar todo o planejamento previsto para a turma, pelo fato de os alunos não conseguirem acompanhar os conteúdos, sugerindo que o tempo de ensino remoto afetou a aprendizagem dos estudantes, principalmente por se tratar de uma escola de educação profissional e tecnológica. Destaca-se a relevância da continuidade das pesquisas já produzidas sobre a temática em questão, assim como novos estudos para buscar contribuir com o processo educacional.  

Palavras-chave: Ensino remoto; Covid-19; Educação profissional e tecnológica.

 

ABSTRACT

This article was based on observations carried out at the Santo Antônio de Pádua Campus of the Instituto Federal Fluminense (IFFLUMINENSE) since the beginning of remote teaching, in 2020, until the in-person return to classes in 2022. The initial assumption is that this pedagogical process of remote teaching and also related to the in-person return has been permeated by challenges. The aim is to identify some of these challenges for teaching planning and student learning. The data collection instruments were bibliographical and documentary research and the application of a quantitative and qualitative questionnaire to teachers. The results suggest that many of the teachers have faced challenges in their pedagogical practice, some of them being accessibility to technology resources, institutional incentives, adaptation of study resources and materials, as well as the methodology for assessment activities. It was also noticed that the return to in-person teaching had challenges, including managing to carry out all the planning planned for the class, due to the fact that students were unable to follow the content, suggesting that the time spent teaching remotely affected the student’s learning, especially given that it is a professional and technological education school. The relevance of continuing the research already produced on the topic in question is highlighted, as well as new studies  aimed at contributing to the educational process.

Keywords: Remote teaching; Covid-19; Professional and technological education.

 

RESUMEN

Este artículo se basa en observaciones realizadas en el Campus Santo Antônio de Pádua del Instituto Federal Fluminense (IFFLUMINENSE) desde el inicio de la enseñanza a distancia, en 2020, hasta el retorno a las clases presenciales en 2022. La hipótesis inicial es que este proceso pedagógico de enseñanza a distancia y también el relacionado con el retorno a la enseñanza presencial ha estado permeado de desafíos. El objetivo es identificar algunos de estos desafíos para la planificación docente y el aprendizaje de los estudiantes. Los instrumentos de recolección de datos fueron la investigación bibliográfica y documental y la aplicación de un cuestionario para docentes de carácter cuantitativo y cualitativo. Los resultados sugieren que la mayoría de los docentes enfrentó desafíos en su práctica pedagógica, algunos de los cuales fueron la accesibilidad a los recursos tecnológicos, los incentivos institucionales, la adaptación de los recursos y materiales de estudio, así como la metodología para las actividades de evaluación. También se notó que el regreso a la enseñanza presencial generó retos, entre ellos el poder ejecutar toda la planificación programada para la clase, debido a que los estudiantes no pudieron seguir el contenido, lo que sugiere que el tiempo de enseñanza a distancia afectó el aprendizaje de los estudiantes, sobre todo por tratarse de una escuela de educación profesional y tecnológica. Se destaca la relevancia de dar continuidad a las investigaciones ya producidas sobre el tema en mención, así como a nuevos estudios que busquen contribuir al proceso educativo.

Palabras clave: Enseñanza remota; Covid-19; Educación profesional y tecnológica.

 

Introdução

            O novo coronavírus, intitulado SARS-CoV-2, causador da covid-19, teve sua detecção em 31 de dezembro de 2019 em Wuhan, na China, havendo rápida disseminação. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio do diretor-geral Tedros Adhanom, declarou oficialmente a pandemia de covid-19 no dia 11 de março de 2020. A formalização foi feita em Genebra, na Suíça, trazendo impactos significativos na sociedade mundial nos campos do comércio, da indústria, do turismo, da saúde e da educação. No comunicado feito à imprensa, o diretor-geral da OMS alertou o seguinte: “Deixe-me resumir em quatro áreas principais: primeiro, preparem-se e estejam prontos. Segundo, detectem, protejam e tratem. Terceiro, reduzam a transmissão. Quarto, inovem e aprendam” (OMS, 2020).     

No campo educacional, após a declaração de pandemia, a maioria dos países optou pela suspensão das aulas. Em abril de 2020, 188 deles já tinham aderido ao fechamento de escolas, e isso afetou aproximadamente 90% dos estudantes pelo mundo. Embora nem todos os países tenham aderido à suspensão total dessas atividades letivas, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), essas suspensões acabaram provocando muitos impactos e desafios (UNESCO, 2020).

No Brasil, em meados de março de 2020, o Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou uma nota de esclarecimento e chamou a atenção dos sistemas de ensino para a observância de limites legais em relação aos agentes públicos da área da educação durante o exercício de ações voltadas ao enfrentamento da crise gerada pela pandemia no campo educativo. Após sua publicação, houve a homologação, em primeiro de junho de 2020, do Parecer n.º 5/2020, do Conselho Pleno do CNE, que trata da reorganização do calendário escolar, incluindo a possibilidade de cômputo das atividades não presenciais para contabilizar no cumprimento de carga horária mínima anual devido à pandemia (MEC/CNE, 2020).

Ressalta-se que essa reorganização do calendário escolar instituída pelo CNE também exerceu influência sobre a educação profissional e tecnológica. De acordo com a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), do Ministério da Educação (MEC), a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) é uma modalidade educacional na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Tem como finalidade preparar o estudante para o exercício de profissões, proporcionando sua inserção no mundo do trabalho, assim como na vida em sociedade. A EPT oferece diversos cursos de diferentes naturezas, a saber: cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC), cursos técnicos (nível médio), cursos de tecnologia (nível superior), além de mestrados e doutorados. Por natureza, a EPT prevê seus currículos com componentes curriculares de caráter bastante prático, pois visa a formação profissional do estudante (MEC, Setec, 2022).

            Como parte dessa estrutura federal de educação, tem-se o IFFluminense (IFF), que, por sua vez, possui um Conselho Superior (Consup), com a função de atuar dentro do IFF. Esse conselho aprovou a Resolução n.º 38, de 27 de agosto de 2020, estabelecendo as diretrizes para a realização das Atividades Pedagógicas Não Presenciais (APNP) para todos os cursos presenciais de FIC, de EPT de nível médio e de graduação e pós-graduação, com o intuito de orientar a reorganização do calendário acadêmico, em função da excepcionalidade provocada pelo quadro pandêmico (Resolução IFF n.º 38, 2020).

O Campus Santo Antônio de Pádua, que faz parte do IFF, está inserido nessa estrutura educacional em nível nacional, e, por se tratar de uma escola técnica, o desenvolvimento de grande parte do currículo das disciplinas técnico-profissionais é realizado em laboratórios. Estamos aqui falando dos seguintes cursos oferecidos no campus Santo Antônio de Pádua e que fazem parte do escopo desta pesquisa: Técnico em Administração Integrado ao Ensino Médio; Técnico em Automação Industrial Integrado ao Ensino Médio; Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio; Técnico em Automação Industrial Concomitante ao Ensino Médio; Técnico em Edificações Concomitante ao Ensino Médio; Técnico em Mecânica Concomitante ao Ensino Médio.

Diante desse contexto de possíveis impactos, desafios, dificuldades, exclusões, oportunidades, enfrentamento de tal crise na saúde em diversas frentes, realizou-se um estudo no Campus Santo Antônio de Pádua do IFF, com o objetivo de identificar alguns desafios para o planejamento docente e para a aprendizagem dos estudantes. Não estamos afirmando que a educação enfrentou desafios apenas por conta do período pandêmico, pois não é essa a intenção, até porque a educação é permeada por desafios. Queremos apenas reforçar que, pela pandemia ter sido algo muito diferente do que tínhamos costume de vivenciar na educação, esse desafio se transformou em algo exponencial, por ser inesperado. Os desafios não se referem a uma natureza cotidiana vivenciada com as mazelas que conhecemos no campo educacional, mas a algo atrelado a uma questão de saúde crítica e sem muito poder de resposta imediata, com reflexo significativo nas escolas.

O estudo foi realizado a partir da utilização do método qualitativo e quantitativo, com o uso de diferentes técnicas de pesquisa, como levantamento documental e bibliográfico, observações e aplicação de questionário.

Destacamos que, ao mencionarmos APNP e ensino remoto, consideramos a conceituação conforme está posto na Resolução n.º 38, de 27 de agosto de 2020, do IFFluminense, ou seja, uma condição excepcional no processo de ensino e aprendizagem em razão do estado de pandemia de covid-19. As aulas presenciais foram substituídas por APNP mediadas pelos docentes, com ou sem a utilização de recursos e tecnologias digitais de informação e comunicação. Dentro das possibilidades de execução das APNP, incluem-se tanto as atividades de ensino quanto as de pesquisa e extensão. Além disso, elas englobam formatos de execução síncrona e assíncrona. O termo APNP é uma opção e possibilidade de denominar o ensino remoto na referida instituição de ensino (Resolução IFF n.º 38, 2020).

É válido ressaltar que APNP e/ou ensino remoto não deve ser confundido com educação a distância. Esta última possui normativas específicas, que devem ser planejadas previamente; requer autorizações a partir de exigências conforme sua natureza de funcionamento; além de ter princípio e motivação administrativa e pedagógica própria. Dessa forma, apesar de guardar semelhança com o ensino remoto/APNP, o caminho para sua execução necessita de maior formalidade e tempo para efetivação.  

Os resultados da pesquisa apontam que, durante o ensino remoto, parte dos professores enfrentou desafios e teve seu planejamento impactado, até mesmo de forma inesperada, sem saber muitas vezes qual caminho trilhar. Apenas 1 (um) docente não deixou explícito, ao responder o questionário, que houve desafios para a práxis pedagógica, o que significa aproximadamente 10% dos respondentes — no tópico 4 deste artigo, é possível ter clareza sobre percentuais em cada área abordada na pesquisa realizada com os professores. Só para exemplificar, é possível citar alguns desafios: acesso aos recursos tecnológicos; incentivo institucional; organização e planejamento do tempo de trabalho; adaptação dos recursos e materiais de estudo para os alunos; proposição de metodologias para as atividades avaliativas. Além disso, foi possível perceber que o retorno presencial às aulas também gerou desafios, como, por exemplo, não ser possível executar o planejamento completo previsto para os alunos, pelo fato de não conseguirem acompanhar os conteúdos. Isso pode sugerir que o tempo de ensino remoto pode ter afetado a aprendizagem dos estudantes, principalmente por ser uma escola de educação profissional e tecnológica de cunho prático, demandando muito dos laboratórios e, consequentemente, dos momentos presenciais.

 


Um olhar sobre o planejamento pedagógico no ensino remoto

A crise gerada pela pandemia de covid-19 criou desafios não só na economia como também em setores em que a coletividade é um fator determinante, como é o caso da educação (Mattei; Heinen, 2020).

É sabido que a educação já se deparava com desafios apresentados pelas transformações de uma sociedade contemporânea, e a pandemia de covid-19 trouxe novos contornos, intensificando demandas em direção a uma pedagogia na qual a previsibilidade não faz parte do roteiro de trabalho. Preliminarmente a ter tempo para compreender e aprofundar discussões sobre as raízes da crise instalada, foi preciso dar respostas e soluções, propondo alternativas para que as atividades acadêmicas continuassem sendo executadas dentro de um mínimo aceitável, garantindo o vínculo acadêmico. A suspensão das aulas presenciais por todo o país fez milhões de alunos migrarem suas interações pedagógicas para o ambiente on-line, desconhecido por muitos pela falta de acessibilidade a esses recursos, gerando um grande fluxo nos espaços e nas ferramentas digitais até então utilizados no campo da Educação a Distância (EaD).

Ao refletir sobre os desafios da pandemia na educação, Burgess e Sievertsen (2020) apontam para a necessidade de se pensar nos dilemas enfrentados por todos os envolvidos na formulação de políticas educacionais há tempos e que a pandemia colocou em evidência, a saber: manter escolas fechadas reduzindo o contato visando salvar vidas e/ou mantê-las em funcionamento, permitindo que haja interação social, facilitando, com isso, a disseminação do vírus.

Esse dilema, num primeiro momento a curto prazo, que ainda assola o ambiente educacional, acaba sendo sentido por grande parte das famílias no mundo, visto que a educação em casa não é um choque apenas na produtividade dos pais e responsáveis, ela aflige também a vida social e o processo de ensino e aprendizagem como um todo. Diante desse “novo” que se apresenta, o processo de ensino e aprendizagem passou a se mover num formato on-line, efetivando-se em escala sem precedentes. Para os alunos, também foi a mesma dinâmica, provavelmente com muitas tentativas e erros para os envolvidos. Ressalta-se a importância de acompanhar e produzir pesquisas ao longo dos próximos anos, pois essas interrupções nos estudos e também a mudança no formato de oferecê-los, provavelmente trarão reflexos não apenas no curto, mas também no longo prazo.

Refletindo em outras palavras, essa realidade retrata uma difícil decisão ao se deparar com uma bifurcação que leva para caminhos desconhecidos, que requer optar por um deles sem saber ao certo o que será constatado no fim da estrada. A reflexão posta serve para ponderar qual o caminho mais arriscado ou danoso, ou seja, o de privar as crianças e os jovens da aprendizagem dos conteúdos escolares, da alimentação (sabe-se que, para muitos, é na escola que acontece a principal refeição do dia), da socialização com os colegas ou de manter as aulas presenciais e fomentar a escola como um espaço de aglomeração humana propiciando a disseminação de covid-19 (Burgess e Sievertsen, 2020).

A pandemia pode ter contribuído com o processo de reinvenção pedagógica em várias instituições educacionais diante das imposições vivenciadas. Por outro lado, tornaram-se evidentes as desigualdades existentes na educação no que se refere, por exemplo, às necessidades individuais dos alunos, às dificuldades de acesso à internet e a tecnologias necessárias para o prosseguimento dos estudos de maneira remota, assim como ao contexto familiar, que nem sempre favorece os estudos. De acordo com Burgess e Sievertsen (2020), é bem provável a existência de disparidades significativas entre as mais variadas famílias pelo mundo.

De acordo com Nóvoa (2020), é necessário que as escolas e os educadores se apropriem do instrumento público que é a internet, principalmente em contextos como o da aprendizagem. Ele destaca também que a dinâmica adotada pela educação em razão da pandemia é exceção, e não a nova normalidade como alguns pensam. As práticas adotadas são aligeiradas, muitas vezes improvisadas e sem muito sentido em determinados momentos.

Para Gusso et al. (2020), o ensino remoto não visa descaracterizar o ensino tradicional. Busca-se atender, de uma maneira possível, a aspectos do currículo para a formação do estudante, mesmo que de forma não usual.

Por outro lado, Appenzeller et al. (2020) afirmam que, para desenvolver o ensino remoto, houve uma demanda específica relacionada aos professores, exigindo uma práxis pedagógica que nem sempre fazia parte do fazer docente no cotidiano escolar, ou seja, a utilização de recursos de tecnologia para mediação pedagógica.

Masetto (2003) acredita que, no ambiente educacional tecnológico no qual estamos inseridos, o fundamental é que os professores tenham condições de dominar os recursos de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), para que haja mediação pedagógica de qualidade, pela necessidade de uma interatividade entre os sujeitos, assim como dos sujeitos com os recursos proporcionados pelas TICs. Masetto (2003) vai além ao afirmar que cabe ao docente buscar a facilitação do processo de ensino e aprendizagem dos estudantes. Assim, ele precisa desenvolver competências que potencializam as oportunidades de aprendizagem e não apenas a utilização dos recursos tecnológicos. É possível ressaltar uma produção de conteúdo digital atraente, com uma utilização das TICs dentro de uma perspectiva de metodologia ativa tendo o aluno como centro desse processo, e não o conteúdo como protagonista como sendo uma das possibilidades.

O alerta feito por Bacich, Tanzi-Neto e Trevisani (2015) também é importante. Segundo eles, muitas vezes os docentes têm um sentimento de despreparo para lidar com a mediação pedagógica apoiando-se nas tecnologias, por não possuírem familiaridade e fluência necessárias para sua correta utilização acadêmica, de maneira que estejam alinhadas às necessidades de aprendizagem dos alunos. O potencial existente das TICs em se tratando de oportunidades são cada vez mais evidentes, incluindo a área do ensino e aprendizagem. Algo que não pode deixar de ser efetivado é o incentivo institucional para que os professores possam ter essa capacidade de gerir a diversidade de TICs e direcionar um processo de ensino e aprendizagem que favoreça o aluno, o que demanda formação continuada e estrutura de TI proporcionada pela escola.

            Ao se deparar com as diversas possibilidades de reorganização do calendário escolar proposto pelo CNE, os docentes tiveram que transpor barreiras nunca ultrapassadas, por não ser tão usual em momentos “normais” de um ano letivo escolar. Exemplificando, o Parecer CNE n.º 5/2020 do Conselho Pleno apresentou um desafio para o fazer docente ao trazer a possibilidade de as atividades escolares não presenciais serem computadas para o cumprimento de carga horária mínima anual (MEC/CNE, 2020).

A Constituição Federal de 1988 traz, no Artigo n.º 206, a temática da igualdade de condições de acesso e permanência escolar, sem a qual o processo de ensino e aprendizagem incorre em prejuízo. Mesmo diante de previsão legal relacionada ao tema, é possível dizer que decisões acerca dessa igualdade se tornaram ainda mais desafiadoras para gestores e, principalmente, professores da rede pública de ensino, pelo fato de o acesso dos alunos aos diversos recursos virtuais existentes ser um dos grandes entraves para as atividades remotas.

Um desafio a ser citado é o de estudantes marginalizados — em razão da falta de acesso à internet e à diversidade de dispositivos eletrônicos — certamente tenderem a ser prejudicados na etapa de realização desse tipo de atividades. Para que a permanência se efetive e essa dificuldade seja transposta, a fim de haver êxito escolar, as condições para a realização das tarefas fora da escola são fundamentais, senão pode ser algo que colabore para a ampliação dos percentuais de evasão.

Mais um ponto que costuma exercer influência no fazer docente é a falta de letramento digital dos estudantes para o uso dos ambientes virtuais de aprendizagem aplicados, em razão da pouca familiaridade com essas ferramentas. Uma internet de má qualidade, com baixo nível de sinal, que seja insuficiente para a demanda de conteúdo dado pelo professor em aula também pode prejudicar a qualidade do desenvolvimento do planejamento docente, uma vez que o pacote de dados de internet influencia o download de atividades apresentadas pelo professor.

A pandemia expôs ainda mais a necessidade de redefinir e ressignificar o processo de ensino e aprendizagem e suas diversas possibilidades apresentadas e que podem contribuir muito para uma aprendizagem efetiva, bastando utilizar cada proposta de acordo com o contexto de cada demanda, incluindo a EPT (Unesco, 2020).

Para Síveris (2015), a presença não se encerra na particularidade dos indivíduos presentes fisicamente, se expande também para outras vertentes do processo pedagógico oriundo das tecnologias digitais, entre outras coisas, de forma que ainda mais possibilidades educativas possam ser criadas, sistematizadas e organizadas considerando cada contexto.

Portanto, é importante fazer das dificuldades experimentadas no ambiente escolar, principalmente durante o ensino remoto, uma oportunidade de ressignificar a prática, considerando o mundo dinâmico vivenciado.

 

Percurso metodológico

Para alcançar os objetivos deste trabalho, realizou-se pesquisa bibliográfica, documental e aplicação de questionário para todos os 36 docentes lotados no Campus Santo Antônio de Pádua. Cabe ressaltar que, dos 36 professores que receberam a solicitação de preenchimento do questionário, a quantidade de respondentes foi de 11 professores, ou seja, um percentual de apenas 30%, o que pode sugerir uma necessidade de maior engajamento sobre a temática por parte da escola. Desses 11 docentes, 7 são do sexo masculino e 4 do sexo feminino. Todos os respondentes têm formação stricto sensu, sendo 8 em mestrado e 3 em doutorado. Sobre a idade dos respondentes, as dividimos em 3 faixas etárias, a saber: até 30 anos (5 docentes); entre 31 e 40 anos (4 docentes); superior a 40 anos (2 docentes). Dos 11 professores respondentes, 8 são de disciplinas da área Técnico-Profissional e 3 são professores de disciplinas propedêuticas. Como na instituição há disciplinas com apenas 1 docente, optamos por não delimitar no questionário a disciplina, especificamente, para que fosse mais prudente no sentido de buscar evitar ao máximo identificar cada professor, tendo em vista a relevância da preservação da identidade de cada um. Por fim, foi observado que, dos 11 respondentes, apenas 3 atuam na instituição há menos de 3 anos.

O questionário foi enviado por e-mail institucional no dia 27 de outubro de 2022 e informado que seu fechamento seria no dia 11 de novembro de 2022. Foi utilizada ferramenta do Google para elaboração e aplicação do questionário aos docentes. O referido instrumento de pesquisa continha caráter quantitativo e qualitativo, com um total de 15 perguntas, sendo 11 de múltipla escolha e 4 perguntas abertas (discursivas). As respostas originadas de perguntas objetivas deram origem a percentuais identificados após a contabilização de cada uma delas. Já as perguntas abertas foram categorizadas com ênfase em eixos temáticos, a saber: insistência na utilização de metodologias tradicionais de ensino; desafios no processo avaliativo; frustração docente; e relação nota/aprendizagem. A respostas que mais chamaram nossa atenção foram transpostas para esse artigo.  

            Sobre a abordagem de pesquisa qualitativa, de acordo com Knechtel (2014, p. 106), “[…] interpreta os dados qualitativos mediante a observação, a interação participativa e a interpretação do discurso dos sujeitos (semântica)”.

As respostas obtidas deram origem à seção seguinte.

 

Resultados e discussão

Com base na pesquisa realizada com os docentes por meio de aplicação de questionário, apresentamos agora alguns pontos, com o intuito de contribuir para o entendimento do contexto vivenciado tanto durante o ensino remoto quanto no retorno presencial.

Um primeiro questionamento referiu-se a suporte técnico de (TI) oferecido pela instituição, incluindo infraestrutura de material (empréstimo de notebook, computador, fone de ouvido, webcam etc.), suporte técnico e tecnológico oferecido pelo IFFluminense para utilizar ferramentas, recursos e tecnologias digitais, para que fosse possível realizar um bom trabalho com os estudantes durante o ensino remoto. A partir desse questionamento, encontrou-se um resultado preocupante, visto que apenas 20% dos respondentes informaram que houve esse suporte. Dessa forma, essa é uma questão a ser refletida diante da necessidade de haver condições propícias para desenvolver tanto o planejamento quanto a execução das atividades inerentes à formação profissional.

Quando perguntado se o docente realizou alguma capacitação/qualificação por iniciativa própria — externamente ao IFFluminense — para a devida utilização de metodologia, tecnologia, estratégia e/ou recurso pedagógico/tecnológico necessários durante o ensino remoto, 80% dos professores disseram que sim. Em outra pergunta, sobre a mesma temática da capacitação/qualificação, 90% deles disseram que o IFF ofereceu algum tipo de capacitação/qualificação. Entretanto, provavelmente nem a capacitação/qualificação oferecida pelo IFF nem a que foi buscada externamente pelo próprio professor tenham sido suficientes para criar um ambiente e condições capazes de satisfazer às necessidades básicas para realizar um trabalho satisfatório com os alunos durante o ensino remoto.

Sobre ter havido a necessidade de utilizar metodologia, tecnologia, estratégia ou recurso pedagógico/tecnológico sem o devido conhecimento sobre a ferramenta usada com os estudantes, 90% dos respondentes disseram que não tinham conhecimento básico necessário. Mesmo com poucos respondentes — 30%, como informado anteriormente —, a maioria deixou explícito que trabalhou em diversas oportunidades sem ter o devido conhecimento.

Entre as metodologias, tecnologias, estratégias e/ou recursos pedagógicos/tecnológicos citados como utilizados pelos professores sem o devido conhecimento, destacamos alguns: Loom; OBS Studio; Moodle; Google Meet; Google Drive; YouTube; Zoom; podcast; lousa digital; e WhatsApp.

Ao analisar as respostas do questionário, ficou nítida a preocupação vivenciada pelos docentes em relação ao uso das variadas ferramentas pedagógicas. Destaca-se aqui o relato de um professor, que será identificado como Docente 1, com o intuito de manter sigilo da resposta. Para ele, nem mesmo o WhatsApp, tão naturalizado nos dias atuais, possibilitou dar segurança ao trabalho com os alunos, pois não havia sido utilizado anteriormente como ferramenta pedagógica: “Debate através de WhatsApp por mensagens de áudio (nunca tinha usado como sala de aula virtual). Marcava com os alunos o tema/conteúdo a debater, e na hora iniciava o debate” (Docente 1).

Uma resposta que chamou a atenção foi a do Docente 2 ao dizer que utilizou "métodos mais tradicionais de ensino como listas de exercícios, pouca interação, uma vez que é uma demanda forte no ensino” (Docente 2). Essa resposta insere também uma necessidade de reflexão para além da aptidão ao uso de ferramentas tecnológicas ao adentrar numa discussão sobre o olhar docente quanto às metodologias tradicionais de ensinar e aprender em sala de aula que, para este artigo, não será o foco de aprofundamento.

Ao ser perguntado sobre o processo avaliativo com os estudantes; como fez para realizá-lo remotamente; se utilizou metodologia diferente de quando os avaliava presencialmente antes da pandemia; ou se lançou mão do mesmo procedimento avaliativo, ressalta-se a resposta do Docente 3:

 

Em sua maior parte, consegui manter as avaliações que já realizava, por exemplo: usava uma avaliação chamada de PORTFÓLIO, que era uma espécie de diário de bordo com relatos e impressões (escritos e por imagens) dos conteúdos de cada semana estudados. Remotamente consegui fazer também, porém, soube que os alunos acharam bem complicado, pois não tinha momentos presenciais com eles para explicar melhor. No seminário, a diferença foi que pedi para gravarem eles apresentando, como se estivesse numa sala de aula presencial. Algumas provas, consegui adaptar para usar esse modelo aqui do Google Forms, nunca tinha aplicado uma prova por essa ferramenta. (Docente 3)

 

Para o Docente 4, alguns desafios também surgiram ao longo do processo avaliativo, entre eles:

 

1) A apresentação de seminários no presencial onde todos os alunos falam pelo menos um pouco não foi possível, e foi trocado por vídeos de seminários. Nesses vídeos, não era exigido que todos os membros do grupo aparecessem, por demandar aporte tecnológico para execução que nem todos os nossos alunos possuíam; 2) A prova presencial deixou de existir, e foi substituída por questionários on-line. Esses questionários sempre tinham um tempo maior para execução, de pelo menos alguns dias, para não prejudicar os alunos sem acesso constante à internet. Isso gerou uma quantidade muito grande de plágio e de cola; 3) A quantidade de avaliações do remoto foi muito menor em comparação à quantidade de avaliações ao longo do ano. Enquanto que, no ensino presencial, são pelo menos umas dez avaliações ao longo do ano, no ensino remoto foram umas três; e 4) Umas das grandes dificuldades foi verificar a autenticidade das atividades realizadas pelos estudantes. (Docente 4)

 

Quando perguntados sobre os desafios vivenciados no fazer docente, numa pergunta feita de forma que os docentes pudessem sinalizar mais de uma opção, os respondentes apontaram impactos sentidos no fazer pedagógico, diretamente relacionado à atividade docente, ou indiretamente, neste caso, quando se trata de algo no campo discente, que se reflete no planejamento do professor. Dessa forma, 90% dos respondentes sinalizaram que o acompanhamento de frequência e o desempenho estudantil foram questões que impactaram no planejamento docente.

A acessibilidade dos alunos aos recursos tecnológicos foi indicada por 80% dos respondentes. Já a adaptação dos materiais de estudo para os estudantes foi apontada por 70% dos que responderam. A organização e o planejamento do tempo de trabalho discente foi exposto como impacto identificado por 60% dos respondentes. Para 50% deles, o desenvolvimento da rotina docente no ambiente domiciliar, a baixa participação discente durante os momentos síncronos e a metodologia para realizar o processo avaliativo geraram impacto direto no fazer do professor.

Uma outra situação que, na visão dos professores, afetou diretamente a práxis pedagógica foi a dificuldade dos alunos durante o ensino remoto em realizar estudos ou atividades, por falta de internet, computador/notebook, celular ou algum outro suporte demandado. Sobre esse ponto, 90% dos professores informaram que tomaram conhecimento de alunos com esse tipo de problema. Além disso, para 60% dos respondentes do corpo docente, a falta de letramento digital mínimo necessário para realizar estudos e/ou atividades utilizando a ferramenta tecnológica proposta na disciplina impactou no planejamento do professor e na qualidade da aprendizagem.

Ao ser perguntado se, com a experiência vivenciada no ensino remoto (uso de metodologias, recursos, tecnologias etc.), o professor se apropriou de algo que começou a utilizar durante o ensino remoto e permaneceu lançando mão ao retornar presencialmente, as respostas trouxeram alento e preocupação. Alento porque 70% dos docentes que responderam ao questionário passaram a usar, no retorno presencial às aulas, alguns recursos, algumas metodologias etc. inseridos no tempo de ensino remoto, sendo compatíveis com o retorno presencial às aulas. Porém, 30% responderam que não utilizam nada usado no ensino remoto, por entenderem que o que foi aplicado não é possível empregar no retorno presencial.

A partir das respostas dadas pelos professores, mais uma preocupação que podemos indicar aqui é que, até o dia 11/11/22, data do fechamento do questionário aplicado, 55% dos professores não tinham conseguido executar todo o planejamento da disciplina (abordagem de conteúdo, avaliações etc.) previsto para a fase que se encontrava o ano letivo e que fazia parte do plano de ensino do curso. Esse percentual de docente afirmou que foi observada a necessidade de priorizar conteúdos e atividades, pelo fato de a turma não conseguir acompanhar o ritmo do planejamento realizado inicialmente. A partir dessa resposta, é possível supor que essa dificuldade em acompanhar o curso tenha relação com os dois anos de ensino remoto e que, como tem sido difundido em pesquisas recentes, afetou a qualidade na aprendizagem, gerando, por consequência, impacto também no retorno às aulas no ambiente escolar.

De acordo com o Docente 5, além do impacto na aprendizagem dos alunos e no planejamento docente, a frustração do professor também se tornou algo visível ao longo do ensino remoto, por ele entender que não conseguia dar o seu melhor:

 

Um ponto que é muito forte na minha prática docente é o momento da aula ao vivo (olho no olho com os alunos). A riqueza de construção de conhecimentos que é feita presencialmente nas minhas aulas, não chegou nem perto do que eu conseguia fazer nas aulas ao vivo pelo Google Meet. Isso me frustrou demais. Eu percebia que eu não estava conseguindo entregar o meu melhor nesse formato de ensino. Acho que minhas aulas remotas eram bem aquém do que eu consigo fazer presencialmente. Acredito ser por causa da minha inabilidade em trabalhar de forma remota (nunca tinha feito isso antes) e, também, por partes dos alunos que não sabiam bem como se portar e interagir numa aula ao vivo virtual. A sensação de não ver ninguém na câmera era bem ruim. Quando eu fazia perguntas aos alunos era desanimador […] às vezes só ouvia o silêncio deles, e perguntava: "alguém tá aí? falem comigo pessoal. É bem ruim estar aqui sem saber o que está acontecendo. Vocês estão entendendo? (Docente 5)

 

Sobre a relação nota/aprendizagem, o Docente 6 fez uma colocação interessante ao dizer que:

 

[…] com o retorno à presencialidade, fica nítido que boas notas no ensino remoto não são compatíveis com bom aprendizado. Muitos alunos conseguiram bons rendimentos pela facilidade dos métodos avaliativos sem efetivamente participar das aulas ou estudar […] o que mais senti falta foi da interação aluno-professor [...] Todas as aulas eram ministradas para uma audiência sem contexto e sem afeto, o que, ao meu ver, impossibilita um bom trabalho. (Docente 6)

 

Sobre esse ponto, o (Docente 7) corrobora ao afirmar que “os alunos apresentam deficiências atualmente no ensino presencial que não eram perceptíveis durante o ensino remoto”. O retorno presencial às aulas ocorreu em abril de 2022. Já o fim do ano letivo ocorreu em dezembro de 2022.

A seguir, é apresentada uma coleta de informações retiradas do sistema Q-Acadêmico do IFFluminense sobre o quantitativo de alunos reprovados no fim de cada ano letivo desde 2018. O sistema Q-Acadêmico é o sistema utilizado pelo IFF para registro e disponibilização de informações dos alunos sobre notas, frequência, boletins etc., tudo relacionado à vida estudantil de cada discente. O ponto de partida foi o ano citado tendo em vista não haver movimentos significativos a partir dessa data no quantitativo de estudantes matriculados, ficando em torno de aproximadamente 400 alunos. Os três primeiros anos de funcionamento do Campus não estão sendo considerados, 2015, 2016 e 2017, por terem uma quantidade de alunos inferior aos demais anos. O intuito é realizar um comparativo com o quantitativo de reprovados nos anos pré-pandemia, sendo possível verificar se o patamar de “regularidade média” de reprovação no Campus Santo Antônio de Pádua continuou dentro do conhecido ou se houve um agravamento durante a pandemia e/ou no retorno presencialmente.

 

Quadro 1 – Comparativo de alunos reprovados nos cursos do Campus Santo Antônio de Pádua em 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022.

Ano letivo

Discentes reprovados

Percentual de reprovados

2018

66

16,5%

2019

67

16,7%

2020

76

19%

2021

49

12,2%

2022

46

11,5%

Fonte: Levantamento dos autores utilizando a base de dados do Sistema Q-Acadêmico do Campus Santo Antônio de Pádua.

 

O quantitativo de discentes reprovados engloba estudantes de todas as séries dos cursos técnicos integrados e cursos técnicos concomitantes de nível médio, incluindo reprovação por nota e/ou frequência. A partir dos dados coletados em relação ao número de reprovados, é possível verificar que, nos dois anos pré-pandemia, 2018 e 2019, não houve alteração relevante no quantitativo. Ao comparar 2018 e 2019 com o primeiro ano da pandemia, 2020, apesar de ter havido uma oscilação de apenas 2,5 e 2,3 pontos percentuais, respectivamente, é possível ressaltar que não deixa de ser algo negativo e relevante, pois, como é relacionado à área da educação, esse aumento de aproximadamente dez reprovações no primeiro ano da pandemia provavelmente trouxe perdas importantes para o processo pedagógico e para a vida escolar dos alunos afetados. Não se pode afirmar categoricamente, mas é possível refletir sobre o possível impacto no planejamento docente ou a falta dele, por conta dos desafios que a pandemia impôs, para o aumento no número de reprovações, tendo em vista, nos anos anteriores, o patamar não ter variado de forma a chamar a atenção. Os desafios no planejamento docente, além das angústias de se ver obrigado a um ensino remoto, desconhecido por muitos, possivelmente afetaram a aprendizagem dos alunos e consequentemente os resultados.

Ressalta-se que o primeiro ano da pandemia, muito provavelmente, foi o período que mais causou instabilidade no planejamento das ações dos docentes, tendo em vista cada professor ter seu trabalho para o ano letivo 2020 definido e, inesperadamente, ter que reformulá-lo completamente pelas necessidades imposta pelo contexto.

No Quadro 1, verifica-se também que, no segundo ano da pandemia, houve uma queda importante no quantitativo de reprovações, possivelmente pelo fato de ter sido um ano que, mesmo atípico ao ser comparado com os “moldes naturais” de se fazer educação, houve uma maior estabilidade relacionada ao seu planejamento, tendo em vista a experiência vivenciada em 2020 e que possibilitou agregar conhecimento e expertise ao processo de ensino e aprendizagem.

O fator que mais chama a atenção é a comparação e a diferença entre o primeiro ano de pandemia, em 2020, e o primeiro ano após o retorno presencial no “pós-pandemia”, em 2022. Houve uma variação de 7,5 pontos percentuais, materializando uma redução em 30 reprovações no ano letivo que foi marcado pela volta presencial ao ambiente escolar. Ao refletir sobre o universo de 400 matrículas, alguns podem chegar à conclusão de que 30 não se trata de um número significativo. Entretanto, ao incluir a reflexão de que esses dados são de um ambiente educacional, essa conclusão muda, ou pelo menos seria importante mudar, uma vez que são 30 pessoas com sonhos, objetivos — seja para verticalizar os estudos, para ir ao mercado de trabalho, seja por outras razões — e que conseguiram obter êxito durante o processo de ensino e aprendizagem, mesmo podendo ter sido prejudicados com o ensino remoto no momento do isolamento social pela pandemia, como aconteceu em 2020, principalmente. É importante ponderar que a pandemia trouxe impactos que refletiram no planejamento docente e na aprendizagem dos estudantes. Os desafios foram evidentes durante o ensino remoto vivenciado por ambos e que não se extinguiu ao longo do ano letivo de 2022 ao retornarem presencialmente às aulas.

Uma questão visível que requer o empenho de todos é a necessidade de saber lidar com a inexperiência diante de determinada situação, e isso é corroborado nas palavras do professor Tomazinho (2020, p. 2), quando ele expõe que “em cenários de incertezas, todos são novatos”. Da mesma forma que aconteceu com o início do ensino remoto, o retorno presencial também esteve carregado de desafios para o desenvolvimento das interações dentro da escola após muito tempo de afastamento desse espaço. A grande diferença talvez seja o fator acolhimento, pois presencialmente o processo de observação, escuta e suporte aos alunos com dificuldades na aprendizagem se torna mais possível de acontecer do que durante o ensino remoto.

Com o retorno presencial, muitos motivos levam a refletir sobre a necessidade de acolhimento dos estudantes. Muitos alunos vivenciaram experiências bastante negativas durante o auge da pandemia, incluindo questões de luto de amigos, familiares. Essas perdas necessitam ser tratadas, e a escola faz parte desse processo.

As variadas mudanças na rotina que ocorreram na vida dos alunos, assim como dos familiares, com o retorno presencial voltam ao campo das preocupações e dificuldades a serem enfrentadas. Se já foi complicado mudar a rotina saindo do espaço escolar para a residência, o caminho inverso não seria diferente. Tal mudança novamente gera um ambiente desafiador e insegurança para todos, exigindo um período de readaptação ao espaço escolar e à rotina de atividades escolares bem mais intensa do que quando as aulas estavam ocorrendo de forma remota, até porque remotamente nem todo o currículo foi possível ser trabalhado como previsto, por se tratar de uma escola de educação profissional e tecnológica (EPT).

Outro ponto importante a ser considerado no retorno presencial é o receio de nova contaminação, uma vez que a doença não foi erradicada. Assim, é preciso lidar com diferentes níveis de ansiedade, seja por conta das questões escolares ou pelo fato de ainda haver um certo medo de contaminação pelo vírus.

O professor tem papel relevante no desenvolvimento da empatia entre os alunos, na tolerância em relação aos conteúdos planejados, às expectativas e aos objetivos para cada período letivo, considerando o tempo de afastamento ocorrido, que possivelmente afetou grande parte dos estudantes. O docente precisa se manter em constante processo de observação, buscando identificar os alunos que mais necessitam de apoio pedagógico, além de refletir sobre os conteúdos a serem priorizados e pensar em atividades e em algumas estratégias para repor o que não foi possível alcançar ao longo do ensino remoto.

Por fim, outro desafio do professor é ter que lidar com os contrastes envolvendo os discentes, ao mesmo tempo que precisa cuidar de suas próprias contradições, uma vez que os desafios do ensino remoto foram impostos na vida docente ao mesmo tempo que na vida discente, incluindo a adaptação ao novo ambiente de trabalho em casa, que nem sempre apresenta condições para uma educação completa.

Se analisado, todas as turmas que iniciaram presencialmente o ano letivo de 2022 têm perfil de primeiro ano no tocante ao conhecimento da dinâmica do espaço escolar do IFF, dado que, como são cursos de dois ou três anos, o ensino remoto durou dois, e todos os alunos iniciaram a vida estudantil dentro do espaço físico somente em 2022. Independentemente de estarem no 1º, 2º ou 3º ano do curso que realiza, é o primeiro ano que vivenciam presencialmente a escola, conhecem pessoalmente os professores e a equipe de apoio pedagógico, entre outras coisas.

Portanto, a pandemia de covid-19 teve seus impactos na educação, e será fundamental haver políticas públicas para buscar sanar as perdas ocorridas sempre que identificadas e possíveis de serem corrigidas ao longo dos próximos anos.

 

Considerações finais

O cenário pandêmico acabou concedendo permissões desordenadas em muitos campos, incluindo a educação. O que não podia antes, passou a poder de uma hora para outra, na maior parte das vezes sem haver uma clareza dos procedimentos e dos objetivos relacionados ao tema em questão. Dessa forma, todo o esforço em analisar os acontecimentos durante a pandemia no tocante à educação acaba sendo algo complexo, pela falta de parâmetros relacionados aos acontecimentos, por não haver precedentes. Mesmo diante desse quadro, não há como desconsiderar a relevância de discutir sobre o panorama marcado pela pandemia de covid-19, registrando reflexões sem a pretensão de ser conclusivo, mas trabalhando no campo das problematizações, que podem ajudar a compreender esse período crítico da história mundial.

A partir dos objetivos propostos e do caminho percorrido ao longo deste estudo, foi possível identificar alguns desafios enfrentados pelos docentes durante o ensino remoto e que também impactaram de alguma forma a aprendizagem dos alunos, sinalizando uma necessidade de ressignificação do processo de ensino e aprendizagem. Assim, a falta de incentivo institucional do ponto de vista da formação docente, de apoio instrumental da parte da TI, com o intuito de viabilizar o trabalho do professor, a organização e o planejamento do tempo de trabalho docente e discente, a expertise no processo de adaptação dos recursos e materiais de estudo para os alunos e o domínio para a proposição de metodologias ativas para as atividades avaliativas são alguns dos desafios identificados quanto à atividade docente.

Sobre a aprendizagem dos discentes, é possível destacar a dificuldade de acesso aos recursos tecnológicos e à internet; o baixo letramento digital dos estudantes; a falta de ambiente familiar propício aos estudos; a organização do tempo na rotina de estudos; e a falta de experiência dos professores para propor adaptações a partir das demandas vivenciadas como sendo problemáticas, influenciando de forma negativa o quadro apresentado.

Também foi possível perceber que o retorno presencial às aulas gerou desafios como, por exemplo, não ser possível executar o planejamento completo previsto para os alunos, pelo fato de não conseguirem acompanhar os conteúdos.

É válido sinalizar que, como não conseguimos ter controle de tudo o que acontece no mundo, ou seja, é possível haver futuramente outro momento complicado como esse da pandemia, sugerimos que a instituição escolar fomente as potencialidades dos servidores, proporcionando capacitação em áreas estratégicas com regularidade (incluindo a temática das adaptações curriculares, recursos tecnológicos e pedagógicos), apoio para incremento em bolsas de estudos em nível de mestrado e doutorado, principalmente por serem as mais complexas de conseguir, além de planejamento para execução de ações pedagógicas diversificadas, transpondo a metodologia tradicional de ensino. Outra sugestão é a readequação do sistema acadêmico utilizado para registro de notas, frequência, entre outras etapas da vida estudantil, pois demonstrou não ser funcional e flexível, prejudicando o acompanhamento dos alunos durante o ensino remoto. Deixar em segundo plano o planejamento institucional de forma regular, no campo educacional, é o mesmo que abrir mão de termos respostas satisfatórias e coerentes quando somos acometidos por impactos que muitas vezes não estão sob nosso controle.

É possível identificar que houve certo desejo, por parte da instituição, de oferecer cursos e orientações durante o período da pandemia e, por parte dos servidores, de buscar capacitação por conta própria, inclusive, mas ações desconectadas e sem planejamento tendem a não surtir o efeito necessário para superar desafios mais complexos.

Destaca-se que este trabalho não tem como pretensão exaurir o tema, ser taxativo em conclusões, por entender sua complexidade, relevância e falta de conhecimento pleno sobre o assunto que, na verdade, é bastante novo para todos. Com isso, é fundamental a continuidade ao longo dos próximos anos das pesquisas sobre a temática proposta, pois as interrupções nos estudos e também a mudança no formato de oferecê-los provavelmente trarão reflexos não apenas no curto prazo, mas também no médio e longo prazo. Uma questão importante a ser aprofundada em pesquisa num futuro próximo, dando continuidade a esse artigo, é sobre o olhar a partir do viés institucional e também dos professores sobre possíveis alterações na prática pedagógica diante das inúmeras possibilidades que os recursos tecnológicos e pedagógicos oferecem para melhorar o processo de ensino e aprendizagem, tendo como base os desafios vivenciados no período de pandemia de covid-19.

Portanto, é necessário reconhecer os desafios para o desenvolvimento das potencialidades existentes no campo da educação, principalmente diante de momentos difíceis. Assim, reconhecer e aceitar demandas pedagógicas contemporâneas, incluindo o potencial da conectividade, da mobilidade digital e a implicação prática para a educação do século XXI é algo necessário e demanda investimento. A crise causada com o surgimento do coronavírus poderá ser uma ótima oportunidade para reconhecer os desafios impostos, identificar limites de atuação e assumir responsabilidades antes deixadas de lado, para que as potencialidades de transformação da educação deixem de se fundamentar apenas numa pedagogia da presença física e em metodologias que muitas vezes não surtem tanto efeito, e seja dado um passo à frente buscando articulação com os princípios e fundamentos de uma pedagogia mais flexível e adaptável a partir de cada demanda identificada.

 

Referências

APPENZELLER, Simone. et al. Novos Tempos, Novos Desafios: Estratégias para Equidade de Acesso ao Ensino Remoto Emergencial. Rev. Bras. Educ. Med. [online]. 2020, vol.44, suppl.1, e155. Epub 24-Set-2020. ISSN 1981-5271. Disponível em:<http://educa.fcc.org.br/pdf/rbem/v44s1/1981-5271-rbem-44-s1-e155.pdf>. Acesso em 05 jan. 2023.

 

BACICH, Lilian.; NETO, Adolfo Tanzi.; TREVISANI, Fernando de Mello. (Org.). Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2015.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 21 dez. 2022.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional da Educação. Nota de Esclarecimento - Covid-19. 2020. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=142021-nota-de-esclarecimento-covid-19&category_slug=fevereiro-2020-pdf&Itemid=30192>. Acesso em 04 ago. 2022.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional da Educação. Parecer n.º 05/2020. Reorganização do calendário escolar. 2020. Disponível em: <https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/pdf/CNE_PAR_ CNECPN52020.pdf>. Acesso em 04 ago. 2022.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense. Resolução Consup n.º 38 de 27 de agosto de 2020. Estabelece diretrizes para realização de Atividades Pedagógicas Não Presenciais. 2020. Disponível em: <https://cdd.iff.edu.br/documentos/resolucoes/2020/resolucao-33>. Acesso em 22 dez. 2022.

 

BRASIL. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica: Saiba o que é a EPT e conheça os principais atores que operam na normatização e na oferta desta modalidade educacional. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/educacao-profissional-e-tecnologica-ept#:~:text=A%20educa%C3%A7%C3%A3o%20profissional%20e%20tecnol%C3%B3gica,e%20na%20vida%20em%20sociedade>. Acesso em: 30 ago. 2022.

 

BURGESS, Simon.; SIEVERTSEN, Hans Henrik.. Escolas, habilidades e aprendizado: o impacto do COVID-19 na educação. VOX. p. 1 - 4. 2020. Disponível em: <https://voxeu.org/article/impact-covid-19-education>. Acesso em 29 mai. 2022.

 

GUSSO, Hélder Lima et al. Ensino Superior em Tempos de Pandemia: Diretrizes à Gestão Universitária. Educ. Soc., Campinas, v. 41, e238957, 2020. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/es/a/8yWPh7tSfp4rwtcs4YTxtfr/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em 08 nov. 2022.

 

KNECHTEL, Maria do Rosávio. Metodologia da pesquisa em educação: uma abordagem teórico-prática dialogada. Curitiba, PR: Intersaberes, 2014.

 

MASETTO, Marcos Tarciso. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo: Summus, 2003.

 

MATTEI, Lauro.; HEINEN, Vicente Loeblein. Impactos da Crise da Covid-19 no mercado de trabalho brasileiro. Revista de Economia Política, v.40, n.4, p.647-668, 2020.

 

NÓVOA, Antônio. Palestra proferida na abertura da Formação Continuada Territorial à Distância, Salvador (Bahia), abr. 2020. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=wx-deAxdegE>. Acesso em 08 set. 2022.

 

Organização Mundial da Saúde (OMS). Discurso de abertura do Diretor-Geral da OMS na coletiva de imprensa sobre COVID-19 - 11 de março de 2020. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/educacao-profissional-e-tecnologica-ept#:~:text=A%20educa%EF%BF%83%EF%BE%A7%EF%BF%83%EF%BE%A3o%20profissional%20e%20tecnol%EF%BF%83%EF%BE%B3gica,e%20na%20vida%20em%20sociedade0>. Acesso em 29 ago. 2022.

 

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Educação: do fechamento da escola à recuperação. 2020. Disponível em: <https://en.unesco.org/covid19/educationresponse>. Acesso em 29 jul. 2022

SÍVERES, Luiz. Encontros e diálogos: pedagogia da presença, proximidade e partida. Brasília: Liber Livro, 2015.

 

TOMAZINHO, Paulo. Ensino Remoto Emergencial: a oportunidade da escola criar, experimentar, inovar e se reinventar. Disponível: https://www.sinepe-rs.org.br/noticias/ensino-remoto-emergencial-a-oportunidade-da-escola-criar-experimentar-inovar-e-se-reinventar/. Acesso em: 27 out. 2022.

 

UNESCO. Suspensão das aulas e resposta à COVID-19. 2020. Disponível em: <https://pt.unesco.org/covid19/educationresponse>. Acesso em: 13 set. 2022.

 

CC.png

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)