Se a gente deixasse os professores trabalharem...”: sentidos de gestão escolar inscritos nas articulações entre a gestão pública e os programas privados

“If we let teachers work...”: meanings of school management inscribed in the articulations between public management and private programs

 

“Si dejamos trabajar a los docentes...”: significados de la gestión escolar inscritos en las articulaciones entre gestión pública y programas privados

 

 

 

Maria Julia Carvalho de Melohttps://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/download/71504/63428/405192

Universidade Estadual da Paraíba, Campus III, Guarabira, PB, Brasil.

Centro Universitário Frassinetti do Recife, Recife, PE, Brasil.

melo.mariajulia@gmail.com

Lucinalva Andrade Ataide de Almeidahttps://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/download/71504/63428/405192

Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste, Caruaru, PE, Brasil

nina.ataide@gmail.com

 

Recebido em 16 de outubro de 2023

Aprovado em 12 de maio de 2024

Publicado em 12 de julho de 2024

 

 

RESUMO

Este artigo que pretendeu analisar os sentidos de gestão escolar inscritos nas articulações entre a gestão pública da educação e os programas de políticas do setor privado, constrói um aporte teórico em que discute como as concepções gerencialistas tem intencionado adequar a escola às perspectivas neoliberais. Mas ao considerar a incompletude e a provisoriedade como elementos constituintes dos processos sociais, a pesquisa compreende que mesmo frente a uma lógica que tenta fechar a produção de outras possibilidades de vida, tal qual a lógica neoliberal, há sempre algo que escapa a tentativa de totalidade. Como percurso teórico-metodológico, esta investigação assume a Teoria do Discurso fugindo dos determinismos que infligem as análises sobre a educação. Dessa forma, foram selecionados como colaboradores da pesquisa, três gestores de escolas públicas municipais de Caruaru, agreste pernambucano, escolhidos a partir do perfil de suas escolas. A análise dos dados aponta para sentidos baseados fortemente na tentativa de constituir um trabalho colaborativo nas escolas e na confiança sobre o trabalho dos professores. Entretanto, os gestores apontam que a grande quantidade de projetos propostos para as escolas parece partir da desconfiaça da escola cumprir seu papel formativo.

 

Palavras-chave: Gestão escolar; Gestão pública; Programas privados.

 

ABSTRACT

This article, which aims to analyze the meanings of school management inscribed in the articulations between the public management of education and private sector policy programs, offers a theoretical contribution by discussing how managerial conceptions have sought to to adapt schools to neoliberal perspectives. However, by considering incompleteness and provisionality as constituent elements of social processes, the research acknowledges that even in the face of logic attempting to restrict the production of alternative life possibilities, such as neoliberal logic, there is always something that escapes the attempt at totality. As a theoretical-methodological route, this investigation employs Discourse Theory, avoiding the determinisms that often influence educational analyses. Consequently, three managers of municipal public schools in Caruaru, Pernambuco, were selected as research collaborators, chosen based on their schools’ profile. Data analysis reveals meanings strongly centered on the attempt to establish collaborative work in schools and on trust in teachers’ work. However, managers point out that the large number of projects proposed for schools seems to stem from a distrust of the schools’ ability to fulfill their formative role.

 

 

Keywords: School management; Public management; Private programs.

 

 

RESUMEN

Este artículo, que tuvo como objetivo analizar los significados de la gestión escolar inscritos en las articulaciones entre la gestión pública de la educación y los programas de política del sector privado, construye un aporte teórico em el que discute cómo las concepciones gerenciales han pretendido adaptar la escuela al neoliberalismo. Pero al considerar la incompletud y la provisionalidad como elementos constitutivos de los procesos sociales, la investigación entiende que, aun frente a una lógica que pretende cerrar la producción de otras posibilidades de vida, como la lógica neoliberal, siempre hay algo que escapa al intento de totalidad. Como ruta teórico-metodológica, esta investigación asume la Teoría del Discurso, evitando los determinismos que infligen las análisis de la educación. Así, tres gestores de escuelas públicas municipales de Caruaru, Pernambuco, fueron seleccionados como colaboradores de la investigación, elegidos en función del perfil de sus escuelas. El análisis de los datos apunta significados fuertemente basados ​​en el intento de establecer un trabajo colaborativo en las escuelas y en la confianza en el trabajo de los docentes. Sin embargo, los gestores señalan que la gran cantidad de proyectos propuestos para las escuelas parece provenir de la desconfianza en que la escuela cumpla su rol formativo.

 

Palabras clave: Gestión escolar; Gestión pública; Programas privados.

 

Introdução

          Este estudo se inscreve em um contexto que vem sendo representado por uma contínua presença de programas do setor privado na organização dos sistemas escolares, especificamente no sistema escolar do município de Caruaru, agreste pernambucano. Em pesquisa anterior (Melo; Veloso; Almeida, 2021), ao analisarmos as articulações-negociações estabelecidas entre as políticas e as práticas curriculares de professoras dos anos iniciais, identificamos que as professoras construíram suas práticas curriculares articulando políticas públicas e programas – mesmo que estes não estivessem mais em andamento no município – com as necessidades que identificavam em sua atuação. Essas articulações eram percebidas como a construção de uma nova síntese entre os elementos, sendo transformadas a medida que outras articulações eram realizadas com a chegada de novas políticas e programas. Nossos achados demonstraram a contingência de toda articulação, sua transitoriedade e assujeitamento à contestação (Laclau, 2011).

Assim, ao demonstrarmos a presença de programas do setor privado na constituição das práticas curriculares das professoras investigadas, evidenciamos a presença de uma gestão compartilhada entre os setores públicos e privados. É, portanto, sobre esse aspecto que nos debruçamos neste estudo de forma mais atenta, ao buscarmos analisar os sentidos de gestão escolar inscritos nas articulações entre a gestão pública da educação e os programas de políticas do setor privado.

Para isso, inicialmente desenvolvemos uma discussão teórica a respeito da organização do sistema educativo nas últimas décadas perpassadas por modelos de gerenciamento neoliberais das instituições públicas (Freitas, 2018; Hypolito, 2021; Beech, 2009; Lira, 2020; Melo, Almeida, Leite, 2022). Com efeito, desde os anos 80 do século XX, as reformas educativas, nomeadamente as da América Latina (Beech, 2009), vem se configurando a partir de concepções gerencialistas que intencionam adequar a escola às perspectivas neoliberais, transformando-a em miniorganização empresarial de prestação de serviços (Freitas, 2018). Nessa tentativa de reconfiguração do sentido de educação e de escola que “tem por base a privatização dos espaços institucionais do Estado” (Freitas, 2018, p. 49), se constitui o emprego de mecanismos de responsabilização (Lira, 2020), onde escolas e seus professores são responsabilizados pelo sucesso e fracasso dos serviços prestados sem que sejam consideradas as condições estruturais, sociais, econômicas e culturais dos sistemas escolares.

Assim, a qualidade da educação é medida pela introdução de “elementos das teorias e técnicas da gerência empresarial e do culto da excelência nas escolas públicas” (Azevedo, 2002, p. 59), excelência essa alcançada pelo monitoramento e regulação das ações das escolas e professores através – não só, mas primordialmente – das avaliações em larga escala. Essas avaliações servirão, portanto, como “evidências” de indicadores a serem perseguidos para garantir uma suposta qualidade da educação. Cabendo, portanto, às escolas e aos professores, perseguirem esses indicadores, assegurando eficiência e eficácia na sua atuação.

Esse discurso revela que não se está “deixando os professores trabalharem”, ou ao menos não se está permitindo que eles atuem com certa autonomia a partir do que pensam ser importante ensinar e aprender, sua atuação passa a ser guiada pelas avaliações externas que desconsideram as especificidades dos diferentes contextos escolares.

Entretanto, as escolas e professores não ficam entregues à mercê deste modelo gerencial, afinal àqueles que compõem as instituições educativas são constituídos por vontades, desejos, concepções, necessidades que muitas vezes diferem daquilo que almeja a lógica neoliberal. Assim, as práticas escolares não podem ser compreendidas apenas a partir do que determina o modelo empresarial da educação. O determinismo retira do/a homem/mulher a possibilidade de fazer história que implica na possibilidade de mudança. Dessa forma, inscritos na negação ao essencialismo e determinismo, nos vinculamos ainda à conceituação sobre a agência enquanto a capacidade dos atores criarem criticamente respostas às situações problemáticas, considerando também os contextos e período histórico em que essas situações acontecem (Biesta; Tedder, 2006; Priestley, Biesta, Robinson, 2015).

Vinculado a isso,  compreendemos que é necessário permitir aos professores responderem às problemáticas que acontecem na ordem do inesperado e portanto pelos atravessamentos dos/nos cotidianos de sua atuação, considerando que a total prescrição das suas ações é contra-produtiva para o objetivo central da escola, qual seja, fazer aprender aqueles que se submetem ao processo educativo.

Assim, como percurso teórico-metodológico, assumimos a Teoria do Discurso (Laclau, Mouffe, 2000; Burity, 1997) entendendo que a referida perspectiva é capaz de fugir dos determinismos que infligem as análises sobre a educação. Por isso mesmo, a partir dos discursos dos gestores, colaboradores da investigação, operamos diante da impossibilidade de um fundamento universal, sem eliminar sua necessidade, mas o percebendo como lugar vazio que pode ser ocupado parcialmente de várias maneiras (Laclau, 2011). É, pois, como incompletude constitutiva que o presente estudo se apresenta.

 

Sobre os novos (velhos) modelos de organização dos sistemas educativos

O “novo” modelo de organização do sistema educativo pode ser considerado não tão novo assim, afinal ao nascer de uma prática híbrida que articula o liberalismo econômico com o autoritarismo social (Freitas, 2018) já se fazia presente como resposta aos problemas econômicos desde os anos 70 do século XX, se tornando ainda mais forte nos anos 80 principalmente nos Estados Unidos e Inglaterra, e na América Latina nos anos 90. Assim, o denominado neoliberalismo que produziu uma identidade nova ao articular o liberalismo clássico do século XIX com o autoritarismo social, ainda apresenta ligações com um conservadorismo político (Freitas, 2018) ao mesmo tempo em que dá ênfase às liberdades individuais (que suplementam as libertades coletivas). No neoliberalismo os direitos sociais são transformados em serviços que você compra no mercado, se apresentando como um conjunto de ideias onde o indíviduo é um empresário de si mesmo (Chauí, 2017).

          Dessa forma, a articulação entre esses elementos é capaz de criar um discurso em que a solução para todas as crises econômicas é o livre mercado, e onde as relações entre economia e educação são ainda mais aproximadas. A partir dessa construção discursiva, “o neoliberalismo olha para a educação a partir de sua concepção de sociedade baseada em um livre mercado cuja própria lógica produz o avanço social com qualidade” (Freitas, 2018, p. 31). O Estado é visto então, como o mau gestor, sendo imprescindível a intervenção do mercado para suprir as deficiências estatais ou mesmo assumir as responsabilidades que antes eram do Estado.

          Na agenda neoliberal para a educação, as equivalências (ou similitudes) (Burity, 1997) são produzidas a partir das demandas de grupos políticos, das fundações empresariais, das organizações não governamentais com ou sem fins lucrativos que inundam as redes públicas com programas que visam simular a organização empresarial no interior das escolas. Concebido como incompetente, o Estado passa a ser sinônimo de má qualidade, e o setor privado, com seus programas, como possibilidade de garantir qualidade à educação pública. Essa passa a ser gerida por instrumentos próprios do mercado num movimento a que Ball e Youdell (2007) denominam de “endoprivatização”, ao mesmo tempo em que acontece a transferência de responsabilidade da educação pública para o setor privado através de um processo exógeno. Assim,

a privatização não se restringe à transferência da propriedade pública ao setor privado, mas, além da adoção da lógica privada, a transferência subsidiada pelo poder público de responsabilidades, neste caso, por meio de programas sob a gestão de instituições privadas, contratação de assessorias e demais formas de parcerias. (Garcia, 2018, p. 54).

 

          Frente a isso, a privatização também assume seus contornos na constituição de relações público-privadas construídas sob a prevalência do setor privado. Como exemplos temos no Brasil as inúmeras parcerias estabelecidas entre o Itaú Social, Fundação Lemann, Google.org – para citar apenas algumas dentre tantas outras organizações – com as secretarias municipais e estaduais. Essas organizações promovem a criação de programas de formação, livros e sequências didáticas, aplicativos, ferramentas digitais, plataformas, que se disfarçam de filantropia, mas que carregam várias estratégias lucrativas com contratos milionários para venda desse materiais ao setor público (Hypolito, 2021).

          Para além disso, o novo (velho) modelo de organização dos sistemas educativos se configura pelo estabelecimento de sistemas centralizados de avaliação de rendimento (Beech, 2009), outro elemento que intenciona mimetizar a lógica empresarial nas escolas públicas. Os professores passam a ser controlados através de metas de produtividade que são verificadas pelos índices alcançados nas avaliações. Novos papéis e subjetividades são criados e professores se transformam em produtores/fornecedores, empresários da educação e de si mesmos, estando sujeitos a análise periódica sobre seu desempenho (Ball, 2005). Mas não só professores, os demais profissionais da educação, nomeadamente os gestores escolares foco deste estudo, tem seu papel transformado de agente mediador dos sujeitos e práticas escolares para o de “cobrador de impostos”, aquele que deve cobrar que os professores atinjam os resultados almejados pelas avaliações.

          Mas se estamos no terreno do indecidível, onde a incompletude e a provisoriedade constituem os processos sociais, então admitimos que mesmo frente a uma lógica que tenta fechar a produção de outras possibilidades de vida, tal qual a lógica neoliberal, há sempre algo que escapa a essa tentativa de totalidade. É nesse sentido que consideramos a possibilidade das escolas e daqueles que delas fazem parte, construírem práticas pedagógicas atentas às exigências de lógicas privatistas e mercadológicas ao mesmo tempo em que produzem outras formas de se fazer escola.

 

Trançando os percursos no terreno do indecidível

A incompletude e a provisoriedade pertencem à produção desta pesquisa, em que operamos com a Teoria do Discurso (Laclau; Mouffe, 2000), dessa forma não definimos de uma vez por todas os sentidos de gestão escolar inscritos nas articulações entre a gestão pública da educação e os programas de políticas do setor privado. Os sentidos, que foram demonstrados mais adiante na análise, só foram possíveis dentro de uma formação discursiva, mas se pertencessem a outra formação produziriam outras sentidos. Ou seja, enfatizamos que através das discursividades que analisamos não fechamos a possibilidade do que os sentidos de gestão escolar podem ser, mas apresentamos como eles estão sendo dentro de um período, local, historicidade demarcados. Compreendemos então, que os discursos são contingentes, transitórios e sujeitos à contestação (Laclau, 2011).

Isso por outro lado, não significa o abandono pela busca por uma resposta às questões apresentadas, mas que elas sempre serão parciais e nunca fixas, últimas. Assim, a “plena representatividade não está mais lá como possibilidade, mas isso não quer dizer que sua necessidade seja erradicada” (Laclau, 2011, p. 43). O que move esta pesquisa não é um sonho totalitário de encontrar uma resposta definitiva, se não “o abandono da aspiração a um conhecimento absoluto” (Laclau, 2011, p. 43).

Frente ao terreno indecindível e contestável, desenvolvemos a pesquisa no município de Caruaru, uma vez que em pesquisas anteriores (Melo, Veloso, Almeida, 2021; Melo, Almeida, Leite, 2023) já havíamos percebido o movimento de ações articulatórias entre os setores público e privado através, principalmente, das práticas curriculares de professoras dos anos iniciais do ensino fundamental. Dessa forma, agora buscamos entender como essas articulações estão sendo realizadas pela gestão das escolas, entendendo-a como mediação do trabalho que acontece na escola mediante os aspectos pedagógicos, administrativos e financeiros. Primordialmente porque a partir do Modelo de Gestão Integrada (MIG) e do Programa de Modernização da Gestão Pública adotados pelo estado de Pernambuco, agregando uma cultura de planejamento e gestão por resultados dentro de uma perspectiva empresarial de eficiência, eficácia, metas, bonificação (Gomes, 2019), se faz necessário entender como esse processo estava e está se dando dentro do município de Caruaru.

          Dessa forma, selecionamos como colaboradores da pesquisa, três gestores de escolas públicas municipais de Caruaru, agreste pernambucano, que foram escolhidos a partir do perfil de suas escolas, sendo todas do ensino regular, que atendem à crianças em situação de vulnerabilidade social, e apresentam impacto social na região onde se localizam. Gestores de escolas de tempo integral não foram selecionados, mesmo diante do crescimento de escolas com esse perfil no município, pois sua escolha acrescentaria tipos organizacionais diferentes, demandando outro tipo de análise. Todas as escolas eram de porte médio, sendo duas localizadas no contexto urbano da cidade e uma localizada na região campesina. Assim, os perfis das escolas e seus gestores são anunciados abaixo em um quadro explicativo:

 

Quadro 1: Caracterização dos gestores colaboradores da pesquisa

 

GESTOR A

GESTORA B

GESTOR C

FORMAÇÃO

Magistério;

Licenciatura em Ciências Sociais;

Especialização em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica;

Especialização em Educação e

Direitos Humanos;

Mestrado em Educação.

Magistério; Graduação em Pedagogia; Mestrado em Educação; Doutorado em educação

Graduação em Pedagogia;

Especialização em Educação Especial Inclusiva, voltado para o Atendimento Educacional Especializado (AEE)

TEMPO DE ATUAÇÃO NA GESTÃO

8 anos

6 meses

1 ano e 6 meses

TEMPO DE ATUAÇÃO NA GESTÃO DA ESCOLA

1 ano e seis meses

6 meses

1 ano

LOCALIZAÇÃO DA ESCOLA

Urbana

Campo

Urbana

QUANTIDADE TOTAL DE ALUNOS

400 alunos

800 alunos

470 alunos

NÍVEIS QUE A ESCOLA ATENDE

Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, funcionando em dois turnos (manhã e tarde)

Ensino Findamental do 1º ao 9º ano e EJA, funcionando nos três turnos

Ensino fundamental do 1º ao 7º ano e EJA, funcionando nos três turnos

Fonte: Produzido pelas autoras do artigo

            Importa salientar ainda, que todos os gestores tinham anos de experiência na docência antes de assumir o cargo na gestão, e remetem importância a esse tempo como elemento que produz marcas na sua atuação administrativa. Outra característica necessária de ser mencionada diz respeito ao modo como foram alçados aos cargos de gestão, pois enquanto os Gestores A e C participaram de processo seletivo no município, processo esse instituído desde meados de 2018, a Gestora B foi indicada ao cargo decorrente do seu nível de formação, como também pelo reconhecimento aos 17 anos de trabalho realizado no município. Isso demonstra que coexistem, ao menos nessa região, formas diferentes de seleção e escolha dos profissionais que assumem a gestão das escolas. Quanto ao vínculo empregatício, os Gestores A e C possuem vínculo de contrato e a Gestora B é uma profissional concursada do município de Caruaru.

          Desse modo, partindo de um registro analítico que nega todo e qualquer fundamento que se apresenta como último  (Lopes; Burity; Mendonça, 2015), realizamos a tentativa de fixar, mesmo que parcialmente, nossas análises sobre os sentidos de gestão escolar inscritos nas articulações entre a gestão pública da educação e os programas de políticas do setor privado. Acolhendo a abertura do social e a contingência histórica apresentamos a seguir nossas análises.

 

Produção da prática gestora: democracia, participação e trabalho coletivo

          Conforme discutimos anteriormente, vivemos em um cenário de criação de mercados da educação onde a supervisão e a revisão dos resultados, assim como as recompensas pela conquista desses resultados são as ferramentas principais da atual gestão pública (Ball; Youdell, 2007). Nesse contexto, novas relações são estabelecidas entre os sujeitos baseando-se na lógica empresarial, em que  as formas de trabalho individualizado são submetidos à avaliação baseada em produto finais.

          Apesar de inscritos nessa conjuntura,  a partir dos discursos dos gestores foi possível identificar que a gestão escolar vem sendo significada diante da articulação entre democracia, participação, descentralização do poder. Ao estabelecerem a articulação entre esses elementos produzem uma nova síntese “na qual a recomposição dos fragmentos é artificial, contingente” (Burity, 1997, p. 13), e modificam, portanto, as identidades desses elementos.

Dessa forma, os gestores, de modo geral, apesar de significarem sua atuação dentro de uma produção discursiva baseada em princípios neoliberais que promovem o individualismo em detrimento do coletivo, produzem na falha estrutural da tentativa de fechamento do processo de significação (Laclau, 2011), o sentido de gestão como organização do trabalho coletivo.

Mencionam que são responsáveis primordialmente pela administração das escolas, mas que dependem do trabalho dos outros sujeitos que as compõem. Há, nessa direção, uma preocupação dos gestores em atuarem no sentido de mediação das ações e dos sujeitos escolares, bem como uma preocupação com o sentido democrático de sua atuação.

Porque eu vou ser bem sincera, eu acho muito estranho quando me chamam de gestora porque eu trabalho na escola como uma professora que está meio que fazendo as questões e respondendo por aquilo. Porque é dessa questão mesmo, da minha visão do que é educação, de um fazer coletivo. E se não for assim, a gente não consegue dar conta, porque são muitas estantes, são muitas demandas, são muitos problemas que surgem e você realmente, sozinho você não resolve. (Gestora B, 2023).

 

          A legislação do nosso país promulga a necessidade por uma gestão democrática que implica a participação da comunidade escolar nas decisões sobre a escola. Sendo assim, no artigo 45 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) se afirma que:

[...] em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação, a administração e a gestão deverão se orientar pelos princípios da democraticidade e da participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as características específicas de cada nível de educação e ensino. (Brasil, 1996).

 

          Dessa forma, o sentido atribuído à democracia no texto da lei é de um regime de gestão em que múltiplas pessoas possam fazer parte. Entendendo que não há valor universal agregado à democracia, ou seja, não há um conteúdo concreto que enclausuraria em si mesmo um sentido único à democracia, mas um horizonte sempre móvel (Laclau, 2011), de sentidos particulares que assumem o significante vazio, identificamos como em nossa sociedade a gestão é percepcionada como essa função que exigiria a presença não só do gestor, mas de outros membros da comunidade escolar.

          Esse é o sentido compartilhado pelos gestores colaboradores da pesquisa, pois quando solicitados a evidenciarem o que faria parte de sua função, argumentam que sua atuação não pode acontecer sozinha.

 

Então a secretaria, a coordenação e o gestor formam essa equipe gestora, mas que é alicerçada, que é alimentada por quem? Pelo conselho escolar. A gente bebe muita fonte do conselho escolar. Porque é ele que nos sustenta. Em que sentido nos sustenta? Que dá alicerce pra nosso fazer profissional. Que sinaliza pra gente até onde é sonho, até onde a gente pode ir e até onde a gente precisa ir. (Gestor A, 2023).

 

Eu tenho uma concepção de gestão, de uma gestão de fato democrática, de uma gestão coletiva onde a gente possa junto com a escola, com a comunidade, fazer essa mediação, fazer esse acompanhamento da escola (...) Por exemplo assim, eu costumo ouvir, chamar as pessoas, mas a própria comunidade muitas vezes não está acostumada a trabalhar com essa questão mais democrática. (Gestora B, 2023).

 

Eu não posso centralizar tudo em mim, porque quando eu centralizo eu não vou conseguir suprir a necessidade, e alguma coisa vai ficar a falhar, e alguém vai ficar sem trabalhar. Então a gente trabalha aqui na escola eu vejo, é um trabalho colaborativo, de corresponsabilidades. (Gestor C, 2023).

 

 

          Há, portanto, a compreensão de democracia como participação, onde o trabalho é compartilhado entre aqueles que fazem parte da escola. Isso não significa que todos os atores fazem tudo, sem definição de tarefas, mas que cada integrante da escola ciente de seu papel, precisa participar dos processos decisórios sobre os rumos da escola.

          No entanto, apesar de compartilharem o sentido de democracia vinculada à participação, visualizamos singularidades nos discursos dos gestores. Segundo o Gestor A, a partipação está diretamente vinculada ao conselho escolar, se articulando com o sentido veiculado pela LDB quando esta afirma que “a gestão democrática do ensino público na educação básica pode ter a participação da comunidade escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes” (Brasil,1996). Na escola do Gestor A, se materializa o conselho escolar que em muitos contextos se faz presente só no texto da lei.

          Já a Gestora B, demonstra que seu trabalho se localiza justamente na mediação entre as diversas práticas que compõem a escola, mas evidencia como sua atuação requer ainda a sensibilização dos demais sujeitos para uma gestão que se esforça em produzir um diálogo efetivo e que oportunize a escuta do outro numa perspectiva de horizontalidade das relações. Essa sensibilização também passa por assumir uma outra postura de gestão que supere a centralização do poder.

 

Então, eles vêem essa questão de como gestor você realmente resolver tudo na chibata. [...] Então, isso é uma coisa também que eu converso muito. Já teve reuniões, inclusive com funcionários, que eu tive que dizer isso, eu digo: “olhe, vocês vão ter que aprender a dialogar, porque eu não vou gritar, eu não vou bater na mesa, tá certo? Não vou expor ninguém, não pretendo fazer isso”. Não é meu perfil. (Gestora B, 2023).

 

          O Gestor C apresenta a recusa da centralização das funções da gestão, por isso mesmo ele compreende que sozinho não é capaz se enfrentar os desafios postos pela escola. Sua figura não representa a onipotência, mas a delegação de responsabilidades:

 

[...] a gente se faz presente em tudo, mas em cada espaço desse nós temos uma pessoa responsável e nós entramos ali com a corresponsabilidade pra dar uma força, pra dar um ânimo, continuar. (Gestor C, 2023).

 

Assim, é possível considerar que os gestores atuam experimentando e descobrindo formas de trabalhar em conjunto, considerando a potência do grupo, sem esquecer do poder do indivíduo (Fullan; Hargreaves, 2001) que precisa saber quais são suas responsabilidades e o que se espera dele. Como dissemos em pesquisa anterior (Melo; Almeida; Leite, 2020, p. 2009) “a escola opera na relação entre aquilo que é individual e aquilo que é coletivo, sendo essa relação produzida no cotidiano. Essa aproximação é responsável, pois, por inseri-la no entre-lugar, na fronteira entre as práticas singulares e as coletivas”. O que os gestores tentam fazer é fortalecer essas práticas coletivas, corroborando com a legislação nacional, mas se posicionando como contraponto ao cenário atual de gestão pública que introduz a política de resultados e individualiza o trabalho, primordialmente de professores.

 

“O município abraça e joga para a escola”: ações articulatórias entre a gestão pública e o setor privado

 

          A produção de uma prática gestora baseada em princípios democráticos de participação e trabalho coletivo também se deu através de negociação de demandas com os projetos instituídos nas escolas pelo município de Caruaru. Reconhecemos inclusive que “a democracia pressupõe manter aberta a possibilidade de negociação de sentidos com diferentes demandas, considerando o lugar do poder (o universal) como vazio” (Lopes, 2012, p. 710).

Dessa forma, o discurso do Gestor A é representativo dessas negociações quando afima que:

 

[...] é um excesso muito grande na rede municipal de tanto projeto que a escola, que o município abraça e joga pras escolas. Então o professor acaba ficando sobrecarregado porque ele tem a formação de língua portuguesa, ele tem a formação de matemática, aí ele tem que trabalhar as habilidades específicas para o SAEPE, visando as avaliações externas. Aí a formação diz uma, prepara o professor para uma perspectiva, aí vem uma cobrança da avaliação externa que não está sendo cobrada na formação. Então o professor fica sobrecarregado de tanta perspectiva pra trabalhar. E qual vai ter que priorizar? (Gestor A, 2023)

 

          Os gestores tecem críticas quanto à quantidade de projetos que as escolas precisam assumir, sendo representativo no discurso acima o fato das escolas não poderem escolher junto com seus sujeitos quais projetos irão desenvolver, pois afinal “o município abraça e joga pras escolas”. Dessa forma, enquanto buscam atuar numa perspectiva democrática, os gestores se inserem em um contexto onde as decisões sobre suas escolas não são assim tão democráticas, pelo menos não no sentido que as permitiria participar da deliberação sobre quais projetos assumir. Assim, os gestores negociam as demandas de suas escolas com as demandas do município em um contexto de redefinição dos papéis dentro das organizações a partir do gerencialismo e da performatividade (Gomes, 2019).

          A performatividade se faz presente nas cobranças imputadas às escolas, e primordialmente aos professores, através de avaliações externas que buscam exercer controle sobre o trabalho realizado nesses espaços educativos. O Gestor A menciona nominalmente o Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco, SAEPE, como um dos mecanismos que exercem esse controle, refletindo que as cobranças advindas pelo conjunto de projetos, programas e avaliações externas muitas vezes carregam perspectivas distintas entre si e acabam por realizar exigências igualmente distintas para as escolas e para aqueles que delas fazem parte.

          Produzindo uma reflexão semelhante, a Gestora B igualmente questiona a quantidade de projetos e programas nas escolas, apresentando singularidade discursiva quando sua crítica se direciona para além da sobrecarga do trabalho docente, e trata sobre a retirada de autonomia dos professores.

 

[...] eu tenho muitas questões com essa quantidade enorme de programas, principalmente os programas que são comprados. Porque assim, geralmente são programas que tiram a autonomia do professor. São programas que já vem com as atividades todas feitas, o planejamento feito. Tem programa que diz inclusive o que o professor tem que falar, entrar na sala, a hora de dar o bom dia, de fazer a leitura. Quando isso na verdade, eu penso, na verdade deveria ser o professor que planejasse de acordo com a realidade da sua turma. Então assim, acaba que tem muitos programas e quando chega, e o conteúdo? E aquilo que de fato os alunos teriam que aprender? Eles não passam por isso. (Gestora B, 2023).

 

          Compreendemos a impossibilidade de total autonomia das escolas e seus professores, afinal sempre haverá políticas que regularão a educação, mas ao mesmo tempo percebemos as escolas como espaços curricularmente inteligentes (Leite, 2005) capazes de construir respostas eficazes às problemáticas que surgem no cotidiano. Dessa forma, a Gestora B ao questionar programas que retiram a autonomia docente, concebe os professores enquanto projetistas curriculares (Leite, 2003; Melo; Almeida, 2019; Melo; Almeida; Leite, 2022) e sujeitos de presença, diferentemente desses programas, a que ela menciona, que percepcionam o professor como sujeito da falta, ou seja, falta a ele competência profissional.

          Dessa forma, os gestores demonstram confiança na atuação do professor, possibilitando que possam realizar seu trabalho mesmo que este não atenda diretamente às exigências dos programas. A confiança na expertise do professor, percepcionando-o como o especialista do processo de ensino e aprendizagem é uma marca nos discursos produzidos. 

 

Eu como sou professora já há trinta anos, eu costumo dizer, eu tenho uma professora lá do primeiro ano: “se a gente deixasse os professores trabalharem, desse uma boa formação a eles, a gente teria um resultado muito melhor”. Porque o professor sabe como o aluno chega. Veja, eu já tenho uma professora lá alfabetizadora, ela já me disse: “eu não faço o que me mandam na formação”. No dia que ela me chamou pra dizer, ela me apresentou oito alunos do primeiro ano alfabetizados, assim, lendo e escrevendo. Ela me chamou pra mostrar, ela disse: “olha aí, Gestora”. E eu disse: “olhe minha filha se dá, se eles conseguem...”. Veja não foi o programa, não foi o programa que vem o passo a passo. Mas foi a experiência da professora que fez aqueles alunos em tão pouco tempo, aqueles oito alunos, que foi mais no início do ano, em tão pouco tempo alcançar. (Gestora B, 2023).

 

 

          A própria experiência na docência dos gestores contribuem com essa confiança que apresentam na expertise dos professores das escolas que administram. Eles conseguem entender as dificuldades do trabalho docente, e principalmente compreendem as dificuldades que os professores enfrentam com as cobranças para alcançar os índices almejados pelas avaliações externas. A gestão, portanto, permite esse olhar ampliado da escola e do próprio sistema educativo.

 

Eu até costumo dizer nas minhas rodas de diálogos e de conversa que todo professor deveria passar pelo cargo de coordenação ou gestão. Mesmo que isso fosse um semestre ou um ano letivo, porque a gente muda muito as nossas concepções. Hoje eu voltando pra uma sala de aula eu serei um novo profissional. [...] Mas assim, quando a gente passa para um cargo de chefia, seja na coordenação ou na gestão, a gente começa a ver o outro lado da moeda. E a gente começa a enxergar não só o meu estudante da minha turma, mas o estudante da escola. Eu começo a enxergar a comunidade escolar, eu começo a enxergar a escola. (Gestor C).

 

          Importa ressaltar que apesar das críticas que tecem quanto ao excesso de programas a que as escolas estão submetidas, os gestores reconhecem em seus discursos a contribuição de alguns deles para a prática pedagógica das escolas. O Alfabetômetro é um exemplo disso, um programa que propõe a divisão dos estudantes em chamados agrupamentos produtivos, segundo os gestores, objetivando sua alfabetização. O programa foi assumido pelo município após verificar as dificuldades de aprendizagem das crianças no período pós-pandemia do COVID-19.

 

Por exemplo, nós temos o terceiro ano A, terceiro B, terceiro C. Então, as três professoras do terceiro A, B e C, conversam em princípio e elas vêem: “olha, a minha minha turma eu tenho mais alunos com deficiência no processo de reconhecimento da letra, de frases”. A outra: “tenho mais dificiência, dificuldade em matemática”. Então a gente faz o agrupamento, uma listagem desses alunos, e as professoras, uma fica com o processo nível um, uma fica com o nível dois, uma fica com o nível três, ou seja, a cada dois dias por semana esses alunos eles migram da sua sala de origem e vão pra outra sala, eles vão se encontrar com alunos de outras salas e juntos formam uma turma com a mesma dificuldade. E aquela professora vai trabalhar aquela dificuldade especificamente do mês pra potencializar aquilo. Então o agrupamento produtivo ele tem dado muito certo tanto é como você pode observar no Alfabetômetro, nos índices como a gente tá evoluindo, como a gente tá melhorando [...] (Gestor A, 2023).

 

          É possível perceber que a proposta do programa não traz uma ideia necessariamente nova: trata-se de agrupar estudantes com o mesmo nível de aprendizagem ou níveis próximos. Entretanto, se apresenta ou não uma proposta nova, para os gestores importa perceber que é um programa que está alcançando seus objetivos.

Portanto, os gestores não negam o papel dos programas, mas identificam quais deles de algum modo está próximo das necessidades que emergem das escolas e quais deles são propostos com o objetivo de atender às demandas principalmente das avaliações externas.

 

Então eu tenho muitos, muitos problemas com essa questão desses programas, porque eu acho que é mais do mesmo, só muda os nomes. E efetivamente não melhora a qualidade da educação, nem a formação humana, não está preocupado. Muitos desses programas prepara o aluno para responder a prova da avaliação externa. Então realmente eu tenho muitas questões e a assim uma crítica muito grande que é dinheiro público. (Gestora B, 2023).

 

          A Gestora B indica preocupação com programas comprados pelo município que apresentam como promessa a melhoria da qualidade da educação, quando na verdade há uma agenda inscrita nesse discurso que indica a tentativa de asfixiar o setor público ao mesmo tempo em que a iniciativa privada se desenvolve com o dinheiro público (Freitas, 2018).

          Os gestores, portanto, apontam diferenciação entre os programas que de algum modo atendem as necessidades das escolas e aqueles que são configurados para atender exclusivamente às demandas externas desses espaços. Assim, “sob o domínio da lógica de resultados que subordina os fins da educação à dimensão dos testes e indicadores educacionais” (Lira, 2020, p. 52), os gestores desenvolvem sua atuação a partir da negociação das demandas de suas escolas, com as do município e as dos programas, indicando confiança no trabalho de seus professores ao mesmo tempo em que buscam desenvolver os projetos propostos pelo município.

          Concebemos que os gestores constroem uma agência descentrada de uma conquista individual, sua agência é interação-com-outros (Biesta; Tedder, 2006), depende dos outros, nomeadamente os professores. Como pontua a Gestora B (2023): “eu estou na gestão, mas também sou uma professora e a gente está na mesma luta, a gente está no mesmo barco, mesmo que a gente esteja em posições diferentes”.

Dessa forma, as articulações entre a gestão pública e o setor privado no município são construídas a partir da compra de programas que são jogados nas escolas, mas são vividos através da tentativa de um trabalho colaborativo entre aqueles que delas fazem parte. Essas articulações promovem, portanto,  disjunções em posições instituídas e anunciam outros modos de significar afirmando o caráter ontológico da sociedade (Borges, 2015).

 

E para finalizar (por enquanto)...

         

          Ao retomarmos o objetivo do estudo, verificamos que os sentidos de gestão escolar inscritos nas articulações entre a gestão pública da educação e os programas de políticas do setor privado estiveram baseados fortemente na tentativa de constituir um trabalho colaborativo nas escolas. Os gestores tratam sua atuação como atividade que precisa da participação dos outros para ser bem sucedida, sua agência depende da ação desses outros (Biesta; Tedder, 2006). Dessa forma, os sentidos que constroem também se baseiam na confiança sobre o trabalho dos professores, compreendendo que se a eles fosse creditado o reconhecimento de seus conhecimentos profissionais conseguiriam atender as exigências imputadas.  

          Por isso mesmo, os gestores apontam que há uma grande quantidade de projetos “jogados” – termo por eles utilizado – para as escolas e que essa quantidade parece partir da desconfiaça de que os professores seriam capazes de responder adequadamente as necessidades e problemáticas que surgem nos cotidianos de sua atuação. Essa quantidade de projetos propostos às escolas, segundo os gestores, ainda se contradizem uma vez que solicitam dos professores objetivos diferentes entre si, fazendo com que esses profissionais permaneçam mais preocupados em cumprir com os objetivos dos diversos projetos do que com o que acreditam ser necessário ensinar.

          No entanto, a crítica tecida pelos gestores não implica na recusa de todos os projetos. Apesar de questionarem o uso do dinheiro público com a compra excessiva de projetos, eles identificam que alguns deles conseguem atender a certas necessidades das escolas, nomeadamente o projeto que diz respeito aos agrupamentos produtivos. Assim, em um contexto onde o município produz articulações entre o público e o privado, onde há aumento de mecanismos de controle e monitoramento das instituições de ensino através de definição de currículo, metas e avaliação (Silva; Drabach, 2023), os gestores produzem na falha da tentativa de fechamento do processo de significação, sentidos de gestão inscritos no processo de resistência à lógica gerencialista da educação.

 

 

Referências

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