Discussão de resultados de pesquisas sobre impactos da pandemia nas práticas pedagógicas da Educação Básica
Discussion of research results on the impacts of the pandemic on pedagogical practices in Basic Education
Discusión de resultados de investigaciones sobre los impactos de la pandemia en las prácticas pedagógicas en la Educación Básica
Universidade da Região de Joinville, SC, Brasil
jane.mery@univille.br
Aliciene Fusca Machado Cordeiro
Universidade da Região de Joinville, SC, Brasil
aliciene_machado@hotmail.com
Recebido em 21 de setembro de 2023
Aprovado em 18 de outubro de 2023
Publicado em 07 de dezembro de 2023
RESUMO
O objetivo deste artigo é discutir, numa perspectiva sócio-histórica, resultados de produções acadêmicas sobre os impactos da pandemia, provocados pela covid-19, nas práticas pedagógicas na educação básica entre os anos de 2020 e 2022. Para tanto, realizou-se um levantamento de produções científicas em duas plataformas que disponibilizam bancos de dados de artigos científicos, o portal de Periódicos Acadêmicos do Electronic Library Online (SciELO) e o Portal de Periódicos da Capes. Considerando uma abordagem qualitativa, as análises se pautaram nos princípios da análise de conteúdo. Da análise dos resultados emergiram dois temas, o primeiro foi a responsabilização e a intensificação do trabalho docente; o segundo, as mediações no processo de ensino e aprendizagem. De forma recorrente, as pesquisas indicaram que a desigualdade social afetou estudantes e professores. Depreendem-se das análises as consequências de uma lógica neoliberal, em que o individualismo foi reforçado, pois o professor foi responsabilizado pelo processo educativo dos estudantes mesmo tendo restrições de condições objetivas para desenvolver sua atividade profissional. A morosidade no estabelecimento de políticas públicas efetivas mostrou-se um fator que dificultou o trabalho docente e gerou incertezas. Além disso, o acesso de estudantes à tecnologia digital causou prejuízos aos processos de ensino e de aprendizagem. Também ocorreu a intensificação do trabalho docente, que afetou a saúde dos professores. Contudo, observou-se que os professores tiveram de realizar mudanças em suas práticas, o que, num movimento dialético, acabou transformando os sujeitos envolvidos nos processos.
Palavras-chave: Educação Básica; Pandemia; Práticas pedagógicas.
ABSTRACT
The purpose of this article is to discuss, from a socio-historical perspective, results of academic productions on the impacts of the pandemic, caused by Covid-19, on pedagogical practices in basic education between the years 2020 and 2022. To this end, a scientific productions survey was carried out on two platforms that provide databases of scientific articles, the Academic Journals portal of Electronic Library Online (SciELO) and the Journals Portal of Capes. Considering a qualitative approach, the analyzes were based on the principles of content analysis. From the analysis of the results, two themes emerged, the first was accountability and the intensification of teaching work and, the second, mediations in the teaching and learning process. Research has repeatedly indicated that social inequality has affected students and teachers. The consequences of a neoliberal logic are realized in the analyses, the individualism was reinforced, as the teacher was held responsible for the educational process of students even with restrictions of objective conditions to develop their professional activity. The slowness in establishing effective public policies was a factor that hindered the teaching work and generated uncertainties. The difficulty of students to access digital technology caused loss to the teaching and learning processes. In addition, there was an intensification of teaching work, which affected the health of teachers. However, it was observed that teachers had to make changes in their practices, which, in a dialectical movement, ended up transforming the subjects involved in the processes.
Keywords: Basic Education; Pandemic; Pedagogical practices.
RESUMEN
El objetivo de este artículo es discutir, desde una perspectiva sociohistórica, resultados de las producciones académicas sobre los impactos de la pandemia, provocada por el Covid-19, en las prácticas pedagógicas en la educación básica entre los años 2020 y 2022. Encuesta de producciones científicas en dos plataformas que proporcionan bases de datos de artículos científicos, el portal de Revistas Académicas de la Biblioteca Electrónica en Línea (SciELO) y el Portal de Revistas de la Capes. Considerando un enfoque cualitativo, los análisis se basaron en los principios del análisis de contenido. Del análisis de los resultados surgieron dos temas, el primero fue la rendición de cuentas y la intensificación del trabajo docente y, el segundo, las mediaciones en el proceso de enseñanza y aprendizaje. Las investigaciones indicaron repetidamente que la desigualdad social afectaba a estudiantes y profesores. Se desprende de los análisis las consecuencias de una lógica neoliberal, que el individualismo se reforzó, al responsabilizarse al docente por el proceso educativo de los estudiantes incluso con restricciones de condiciones objetivas para desarrollar su actividad profesional. La demora en establecer políticas públicas efectivas fue un factor que dificultó la labor docente y generó incertidumbres. La dificultad de los estudiantes para acceder a la tecnología digital ha causado daños en los procesos de enseñanza y aprendizaje. Además, hubo una intensificación del trabajo docente, lo que afectó la salud de los profesores. Sin embargo, lo que se observó es que los docentes debieron realizar cambios en sus prácticas, que, en un movimiento dialéctico, terminaron transformando a los sujetos involucrados en los procesos pedagógicos.
Palabras clave: Educación Básica; Pandemia; Prácticas pedagógicas.
Introdução
Em 2019, um coronavírus altamente contagioso e letal causou uma doença conhecida como covid-19. O mundo se viu em uma situação pandêmica que impactou todas os setores da sociedade, dentre eles a educação. Com isso, em 2020, houve a suspensão das aulas presenciais nas escolas. Para dar continuidade ao processo educativo, optou-se por oferecer atividades por meio do ensino remoto, que fez uso, preferencialmente, das tecnologias digitais.
Com a substituição das aulas presenciais pelas telas de computadores e smartphones, professores e estudantes precisaram se adaptar à realidade imposta naquele momento. A utilização de recursos digitais com propósito pedagógico foi um desafio para a comunidade escolar, pois houve dificuldade de acesso aos recursos tecnológicos, agravada pela desigualdade social. Soma-se a isso o fato de que nem todos os envolvidos nos processos educativos tinham domínio do uso das ferramentas digitais com propósitos pedagógicos.
Todavia, diante da pandemia, os professores assumiram o compromisso de trabalhar com as tecnologias buscando uma formação que pudesse responder às demandas da educação naquele momento. De acordo com Nóvoa e Alvim (2021), as melhores respostas à pandemia, considerando as necessidades dos estudantes e a busca para que houvesse aprendizagem, não vieram dos governos ou dos ministérios da educação, mas dos professores que foram capazes de manter o vínculo com os seus alunos para apoiá-los nas aprendizagens.
Com a volta das aulas presenciais, não podemos mais pensar em práticas educativas sem considerarmos as tecnologias digitais e a crescente necessidade da virtualidade. Entretanto é necessário buscar a apropriação, especialmente pelos professores, de uma relação crítica com as tecnologias, entendendo que elas não são neutras. Para que haja aprendizagem por parte dos estudantes não é possível utilizá-las de modo a reproduzir aulas de forma remota nos moldes das aulas presenciais.
Nessa perspectiva, ao compreender as práticas pedagógicas como práticas sociais, cada vez mais articuladas com as tecnologias digitais, dentro e fora da sala de aula, tal realidade deve ser compreendida em
sua totalidade e em seus diversos aspectos, vistos em relação dialética, o que constitui o movimento da realidade. O modo de produção, as relações de produção e de classes, a conjuntura em que se expressam estes movimentos em cada espaço e lugar, a cultura e as relações de poder são alguns desses aspectos, assim como as significações constituídas como linguagem e como expressão de afetos, as formulações valoradas, as formas de entender e explicar a realidade vivida (Bock; Perdigão; Kulnig, 2022, p. 55).
De acordo com a perspectiva sócio-histórica, os sujeitos e suas relações são imbricados pela cultura num movimento constante de construção e desconstrução. Nas práticas educativas, as relações dos indivíduos com a sociedade não são dicotômicas, o que “implica buscar nos fenômenos sociais a presença de um humano que é sujeito, com uma subjetividade processual, complexa e histórica, afirmando a unidade dialética entre indivíduo e sociedade” (Gonçalves; Bock, 2009, p. 144).
De acordo com a psicologia sócio-histórica, adotada como vertente epistemológica que embasa a presente pesquisa, a totalidade é uma categoria teórica fundamental para compreender os fenômenos estudados, haja vista que
todos os fenômenos e acontecimentos que o ser humano percebe da realidade fazem parte de uma totalidade, ainda que este não a perceba explicitamente. Assim, o conhecimento de fatos ou conjunto de fatos da realidade é o conhecimento do lugar que esses fatos ocupam na totalidade da própria realidade (Caldeira; Zaidan, 2010, n.p.).
Para compreender a complexidade das experiências vividas em espaços escolares durante a pandemia, realizamos um levantamento de resultados de pesquisas. Assim, este artigo tem por objetivo discutir, numa perspectiva sócio-histórica, resultados de produções acadêmicas sobre os impactos da pandemia, provocados pela covid-19, nas práticas pedagógicas na educação básica entre os anos de 2020 e 2022.
Metodologia
Este trabalho
vincula-se à uma pesquisa1 interinstitucional, de perspectiva
sócio-histórica, cujo objetivo é conhecer e intervir na realidade educacional,
que tem sofrido os impactos da pandemia. Por essa razão, é necessário conhecer
resultados de produções acadêmicas sobre os tais impactos nas práticas
pedagógicas.
De abordagem qualitativa, a presente pesquisa contemplou a realização de um levantamento de produções acadêmicas. Segundo Therrien e Therrien (2004), esse tipo de levantamento permite identificar as pesquisas sobre um determinado tema que estão disponíveis em plataformas digitais de credibilidade. Ao empreendermos a busca por produções acadêmicas sobre os impactos da pandemia nas práticas pedagógicas na educação básica, identificamos resultados que podem indicar caminhos de estudo sobre o assunto escolhido.
Para tal, efetuou-se um levantamento das produções acadêmicas no que se refere a artigos científicos escritos na língua portuguesa, avaliados por pares e publicados em periódicos qualificados no período de 2020 a 2022. O levantamento foi feito em duas plataformas que disponibilizam bancos de dados de artigos científicos: a) Periódicos Acadêmicos do Electronic Library Online (SciELO); b) Portal de Periódicos da Capes.
Num primeiro momento, os descritores empregados foram educação básica e pandemia com o operador booleano and, o que resultou em 51 artigos no SciELO e 243 artigos no Portal de Periódicos da Capes. No segundo momento utilizaram-se os descritores educação básica, pandemia e prática pedagógica com o operador booleano and, resultando em três artigos no SciELO e 24 no Portal de Periódicos da Capes. Esse material foi organizado em uma planilha Excel, com informações como: título, autores, ano de publicação, resumo, palavras-chave e link de acesso.
Após a leitura do material, foram selecionados seis artigos, cujos resultados têm aderência com o tema investigado e consistem em pesquisas empíricas. Os dados foram organizados nos quadros 1 e 2, com ano de publicação, título, autores, objetivo e metodologia.
Quadro 1 – Artigos encontrados no portal de periódicos SciELO
ANO |
AUTORES(AS) |
TÍTULO |
OBJETIVO |
METODOLOGIA |
2022 |
SANTOS, Eliana Cavalcante dos; LACERDA JUNIOR, José Cavalcante |
Os desafios da docência na Educação Básica durante a pandemia de covid-19 na cidade de Lábrea, Amazonas, Brasil |
Compreender como se deu a prática docente no uso das tecnologias digitais na experiência da ERE na cidade de Lábrea, estado do Amazonas, Brasil. |
Abordagem qualitativa com observação participante. Diário de campo e questionário semiestruturado. Período: fevereiro e março de 2021. Participantes: 21 professores da Educação Básica. Análise de conteúdo. |
2022 |
FIALHO, Lia Machado Fiuza; NEVES, Vanusa Nascimento Sabino |
Professores em meio ao ensino remoto emergencial: repercussões do isolamento social na educação formal |
Compreender como o isolamento social reverberou na práxis docente para viabilizar a continuidade do ensino-aprendizagem por intermédio do ensino remoto emergencial. |
Abordagem qualitativa. Participantes: 146 professores da Educação Básica e do Ensino Superior. Instrumento: questionário online. Processamento de dados: programa Iramuteq. Análise de conteúdo. |
2021 |
CIPRIANI, Flávia Marcele; MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; CARIUS, Ana Carolina |
Atuação docente na Educação Básica em tempo de pandemia |
Analisar os pensamentos, sentimentos, desafios e perspectivas dos docentes nesse período de calamidade. |
Participantes: 209 professores de Juiz de Fora, MG. Instrumento: questionário. Análise de conteúdo. |
Fonte: Primária (2023)
Quadro 2 – Artigos encontrados no Portal de Periódicos da Capes
Fonte: Primária (2023)
A análise dos dados foi baseada na Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2015), que aconselha três etapas. A primeira é denominada pré-análise, uma fase cujo propósito foi organizar a pesquisa com o estabelecimento de objetivos e de escolha dos documentos a serem analisados. No caso desta investigação o material selecionado consiste nos artigos mencionados nos quadros 1 e 2. A segunda etapa foi a exploração do material, momento da codificação e categorização, utilizando critério semântico, o que permitiu construir categorias temáticas adequadas ao objetivo do estudo empreendido. Na terceira etapa, de tratamento dos resultados, realizaram-se inferências e interpretações, que foi a fase da reflexão, da intuição, considerando os materiais empíricos. Essa fase consistiu no diálogo entre os conhecimentos acumulados e os adquiridos.
Com base nas etapas estabelecidas por Bardin (2015), após a seleção do material, os artigos foram lidos integralmente com o propósito de fazermos uma leitura flutuante. Em seguida, nos debruçamos mais detalhadamente nos resultados das pesquisas trazidos nos seis artigos a fim de identificar padrões e recorrências que se apresentavam. Foram destacados os excertos e nomearam-se indicadores, como: responsabilização do professor, autoformação, condições materiais de trabalho (infraestrutura), aprendizagem dos alunos, prática docente, papel da família, desigualdade social. Considerando o imbricamento entre alguns desses indicadores, eles foram agrupados nas seguintes temáticas: Responsabilização e intensificação do trabalho docente e Mediação no processo de ensino e aprendizagem. Num diálogo com a teoria, as temáticas elencadas serão analisadas a seguir.
Análise e discussão
As práticas pedagógicas estão associadas às intencionalidades dos atos educativos e ao controle de ações pedagógicas que, orientadas pela área da Pedagogia, buscam “[...] organizar/ compreender/ transformar as práticas sociais educativas que dão sentido e direção às práticas educacionais” (Franco, 2016, p. 536). Nesse sentido,
as práticas educativas são experiências sociais, mediadas pela linguagem e pela ação. No âmbito da escola, a prática educativa tem como propósito promover o desenvolvimento intelectual das novas gerações, dando acesso aos conhecimentos produzidos pela humanidade, para que possam se apropriar e (res)significá-los. Ao se considerar os estudos de Vigotski (2009), a escola e a orientação consciente e planejada do professor são instrumentos fundamentais no processo de constituição das crianças e dos jovens. Para o autor, a fala e as relações têm papel central, não somente no desenvolvimento dos sujeitos, mas na evolução histórica da consciência (Pesce; Voigt; Garcia, 2022, p. 34-35).
As práticas pedagógicas, entendidas como práticas sociais, ocorrem em diferentes espaços e tempos da comunidade escolar, especialmente mediadas pela ação intencional do professor. Nelas estão imbricados elementos de sua constituição histórica e social, que podem interferir de modo direto ou indireto. Nesse sentido, as experiências educacionais vividas no período pandêmico afetaram a constituição subjetiva dos indivíduos envolvidos no processo.
Responsabilização e intensificação do trabalho docente
As condições profissionais da docência têm precarizado e intensificado o trabalho do professor nas últimas décadas. A necessidade de ampliar o número de aulas, turmas, períodos de trabalho e escolas representa o aumento de números de alunos que estão sob a responsabilidade do professor. Essa demanda significa mais tempo de planejamento, correção e registros burocráticos do desempenho dos alunos e entre outros dados que devem ser inseridos nos sistemas digitais educacionais (Del Pino; Vieira; Hypolito, 2009).
A lógica utilitarista e produtivista é um dos efeitos do modelo neoliberal na educação. Ao responsabilizar o professor por executar e gerenciar as tarefas com o uso das tecnologias digitais, o sistema garante eficácia e racionalização dos gastos com menor contratação de pessoal. Para Del Pino, Vieira e Hypolito (2009), a intensificação do trabalho docente impacta a vida pessoal do professor ao diminuir seu tempo de lazer e descanso, além de não conseguir dedicar-se a estudos e pesquisas para aprimorar sua prática pedagógica. Portanto, a intensificação do trabalho afeta tanto o ofício quanto a saúde do docente.
Esse modelo tem impactado o trabalho docente, cuja intensificação se agravou no período pandêmico, quando se exigiu que o professor se responsabilizasse por múltiplas tarefas. Dentre elas, podemos destacar o desenvolvimento das atividades profissionais com o uso das tecnologias digitais; a adaptação de espaços privados como salas de aula; a assunção de um novo modelo de ensino; a autoformação para utilização das tecnologias digitais; a mediação do processo de ensino e aprendizagem e a orientação das famílias. A responsabilidade do professor na pandemia se exacerbou, já que estava distante do seu espaço de trabalho físico e, consequentemente, dos colegas e dos gestores.
Como pudemos identificar em pesquisas, em localidades onde os estudantes não tinham acesso às tecnologias digitais, por vezes, os próprios docentes foram orientados pela escola a entregar as atividades pedagógicas na casa dos estudantes. A exemplo da pesquisa de Santos e Lacerda Junior (2022), verificou-se que essa condição colocou os professores da cidade de Lábrea, no Amazonas, em risco de maior contágio da doença. Os professores relataram que se sentiram tão expostos ao vírus quanto os profissionais de saúde. A distribuição do material didático foi mais uma tarefa que alguns docentes assumiram, intensificando seu trabalho ao se deslocar até as casas dos estudantes.
A morosidade no estabelecimento de diretrizes do Ministério da Educação durante a pandemia criou uma incerteza em relação às ações que deveriam ser executadas pelas Secretarias de Educação no sentido de dar continuidade aos processos educativos. Nesse cenário, foi deslocada ao docente a responsabilidade de efetivar a realização das aulas, “[…] configurando o docente de mediador do conhecimento para gestor de todo o processo, uma vez que necessitava gerenciar o acesso, a permanência e o êxito dos alunos” (Santos; Lacerda Junior, 2022, p. 13). Na mesma direção, Fialho e Neves (2022) destacaram que os professores da Educação Básica, participantes da sua pesquisa, relataram aumento das demandas burocráticas, entendidas como excesso de procedimentos, de relatórios, entre outros. Ainda afirmaram que, a despeito das novas exigências emergenciais para a continuidade das aulas remotas, careceram de apoio pedagógico e de acesso às tecnologias digitais.
O modelo de ensino remoto exigiu dos professores produção de diferentes materiais didáticos (exercícios, tarefas, videoaulas, resumos, avaliações); formas de comunicação com os estudantes por meio de aulas síncronas e assíncronas, assim como o uso de redes sociais e do WhatsApp. Com isso houve significativo impacto no trabalho dos professores, com aumento da jornada de trabalho. Na pesquisa de Cipriani, Moreira e Carius (2021), os participantes apontaram a falta de equipamentos, de um ambiente adequado para as aulas, a produção de vídeos e a exposição da imagem pessoal como dificultadores para o processo de ensino.
Embora houvesse o comprometimento dos professores em dar continuidade às atividades escolares, Ferraz, Ferreira e Silva (2022, p.13) evidenciaram na pesquisa
[…] aspectos de ordem econômica, se se considerar o quadro de vulnerabilidade financeira de muitos estudantes, já que o acesso aos dispositivos digitais e suas interfaces ainda representa uma condição de privilégio para parcela da população brasileira.
As autoras concluíram que a organização do trabalho pedagógico das professoras participantes da pesquisa foi afetada pela desigualdade social, tanto das professoras quanto dos estudantes, estes últimos com mais intensidade.
Como os professores ficaram responsáveis pelo processo educativo, a adoção do ensino remoto exigiu novos conhecimentos. As dificuldades enfrentadas nas mudanças nas práticas docentes requeridas pelo período pandêmico reforçaram a necessidade da formação continuada e o maior suporte para o uso das tecnologias da informação e comunicação (Cipriani; Moreira; Carius, 2021; Ferraz; Ferreira; Silva; 2022).
No período pandêmico, o uso das tecnologias digitais não assegurou a continuidade dos estudos a todos, pois a mediação do professor se mostrou imprescindível para a aprendizagem dos estudantes. A formação docente nesse período foi insuficiente, considerando as demandas do momento emergencial, portanto,
[...] não se pode imaginar um futuro para a humanidade sem professores. Sublinha-se, nesse sentido, a importância da formação dos profissionais da educação para que as tecnologias digitais possam ser utilizadas como recursos efetivos, sem que as mediações docentes percam seu real valor na sociedade e nas interações presenciais com os alunos (Cipriani; Moreira; Carius, 2021, p. 12).
Outros aspectos apontados pelas pesquisas estão relacionados à responsabilização e à intensificação do trabalho docente. Essa condição de trabalho provocou situações de ansiedade, preocupação e angústia. Assim, “esses profissionais se viram pressionados, por um lado, pelo temor do contágio e risco de adoecimento, por outro lado, pela pressão para cumprir a pauta do novo formato de ensino” (Ferraz; Ferreira; Silva; 2022, p. 17). O adoecimento dos professores estava ancorado nas novas e crescentes demandas relacionadas à suspensão das aulas presenciais e à implementação do ensino remoto, ofertado em condições domiciliares, por vezes, inadequadas. Fialho e Neves (2022, p. 13) destacaram que os próprios docentes
[…] atribuem os incômodos sofridos ao descaso político-administrativo para com a educação, muitas vezes tendo que contornar cenários adversos de maneira improvisada, individual e sem apoio público, somando-se ao fato de já possuírem uma extensa jornada de trabalho sem capacitação específica para o uso das tecnologias e com precário ou nenhum apoio governamental.
Uma sociedade capitalista como a nossa valoriza o esforço individual em detrimento do coletivo. O individualismo preconizado pelo pensamento neoliberal é materializado no discurso, sendo naturalizado e, portanto, assumido pelos sujeitos como verdades hegemônicas (Voigt; Pesce; Xavier, 2022). Como podemos inferir pelas falas dos professores, o individualismo preconizado pelo pensamento neoliberal acentua as desigualdades, uma vez que nem todos os sujeitos têm condições para, com seus esforços individuais, ser bem-sucedidos no que lhes é exigido. O sistema impele o indivíduo a resolver os problemas sozinho, sendo responsabilizado por suas ações.
Como afirmam Bock, Perdigão e Kulnig (2022), é na relação dialética entre indivíduo e sociedade, entre objetividade e subjetividade, que se forja a constituição do indivíduo. Assim, as significações constituídas pelos indivíduos são pautadas na sociedade capitalista, que é fundamentada na exploração, na competição, no individualismo e que tem a desigualdade social como elemento estruturante. Para as autoras, “além de produzir uma miséria econômica, a desigualdade social pode atingir outras dimensões da vida social, produzindo miséria psicológica, existencial e política, como apontam alguns estudos/teorizações sobre esse fenômeno” (Bock; Perdigão; Kulnig, 2022, p. 48).
No caso desta pesquisa, os resultados indicam para a necessidade de se considerar como a desigualdade social é determinante no trabalho docente e nas práticas pedagógicas desenvolvidas, sobretudo no período pandêmico. Isso porque os professores são sujeitos históricos e suas práticas estão inseridas em seus contextos sociais. Dessa forma, podem-se compreender as razões da sobrecarga docente no período pandêmico, bem como da responsabilização desse profissional pelo processo educativo.
Nesse cenário, os professores abarcaram uma enorme quantidade de trabalho, que em meio à lentidão e desarticulação das respostas governamentais os levou a tomar para si a responsabilidade de manter os estudantes conectados ao ensino escolarizado. Dessa forma, não é de se surpreender que os professores tiveram sua saúde afetada na medida em que suas condições de trabalho também estavam precarizadas.
Todavia os resultados das pesquisas também indicaram que, apesar da desarticulação do Estado durante a pandemia, existe uma rede de apoio laboral e afetiva nas comunidades escolares, pois foi essa rede que funcionou como apoio e autoformação coletiva entre os professores. Como consequência os estudantes puderam permanecer vinculados às atividades pedagógicas, dando continuidade ao seu processo de escolarização. Contudo vale pontuar que o esforço dos professores não foi suficiente, em decorrência das desigualdades nas condições objetivas de acesso ao ensino remoto virtual.
Assim, “[…] dar visibilidade às significações, constituídas nas relações e nos processos humanos, permite-nos uma compreensão melhor de como a desigualdade social se reproduz e se mantém entre nós sem nos constrangermos com ela” (Bock; Perdigão; Kulnig, 2022, p. 59). Portanto, é necessário considerarmos como as condições desiguais da sociedade afetaram as práticas pedagógicas e os sujeitos durante a pandemia.
Mediações no processo de ensino e aprendizagem
O conceito de mediação nos processos de ensino e aprendizagem, compreendido numa perspectiva sócio-histórica, não se limita a uma simples relação entre elementos, dado que é necessário considerar que, “[...] na relação mediada, homem e mundo estão contidos um no outro e, desse modo, não se limitam a ser o reflexo um do outro. Homem e mundo não existem de forma isolada; estão em permanente relação constitutiva” (Aguiar et al., 2009, p. 58). Assim, a mediação constitui o centro organizador dessa relação, envolvendo os professores, os estudantes, as condições objetivas e os demais elementos que compõem o processo de ensino e aprendizagem.
Um resultado observado nos artigos analisados foi a dificuldade de realizar o ensino de modo que os estudantes aprendessem os conteúdos. Mobilizar e alcançar a atenção dos estudantes nas aulas online mostrou-se um desafio para os professores participantes da pesquisa de Cipriani, Moreia e Carius (2021). Os professores perceberam os estudantes desmotivados, apáticos e desinteressados, bem como distraídos com seus ambientes domésticos. A restrição do contato físico implicou a dificuldade de acompanhamento da realização das atividades pedagógicas dos estudantes. Para os autores, por mais que haja a possibilidade de interação pelos meios tecnológicos digitais, ela parece não ser satisfatória na Educação Básica, pelo fato de restringir o olhar atento do professor e limitar práticas que fortaleçam a participação e a compreensão dos sujeitos envolvidos (Cipriani; Moreira; Carius, 2021).
Em relação ao uso da tecnologia como ferramenta mediadora do ensino e da aprendizagem, em muitos casos, a pesquisa de Silva, Castro e Severo (2021) revelou que alguns professores participantes, mesmo num ambiente virtual, recorreram ao modelo de aula tradicional, no qual o conteúdo é apresentado para o estudante sem a mediação necessária para a sua compreensão. No entanto, as autoras destacam que outros professores relataram que,
[...] em sua metodologia, buscam construir aprendizados pensados nas individualidades, onde os estudantes podem refletir a respeito e recriar formas de ser e estar no mundo, utilizando os conhecimentos já existentes e produzindo aprendizagens significativas para a comunidade em que vivem e que fogem da proposta metodológica de ensino tradicional (Silva; Castro; Severo, 2021, p. 246).
Nos relatos das participantes da pesquisa, Souza e Reali (2022) observaram que se torna fundamental questionar de que forma o currículo escolar praticado durante a pandemia promoveu aprendizagem dos estudantes. Na pesquisa ficou evidenciado que o currículo foi adaptado às condições objetivas de oferta naquele momento. Isso pode ter afetado a formação dos estudantes, visto que as professoras denunciaram a desigualdade no processo de escolarização e destacaram a necessidade de acolhimento afetivo e pedagógico dos estudantes.
Fialho e Neves (2022) salientam que a mediação no processo de ensino e aprendizagem foi prejudicada, segundo os professores participantes da pesquisa, pelas diversas carências socioeconômicas dos estudantes, levando-os a uma exclusão digital e à precária efetivação da sua formação. Para além da relação entre os professores e estudantes, a família teve um papel relevante. Em alguns casos, os professores indicaram a dificuldade dos pais ou responsáveis em orientar os estudantes para desenvolver as atividades pedagógicas. As desigualdades sociais impactaram no acesso, nas possibilidades de os pais desempenharem o suporte para o ensino em casa.
Depreende-se dos resultados das pesquisas analisadas que o momento pandêmico foi desafiador, pois havia condições desiguais de acesso e de envolvimento dos próprios estudantes. Além disso, havia limitações do conhecimento dos professores em relação à utilização dos recursos tecnológicos de forma que pudessem envolver os estudantes no processo de ensino e aprendizagem. Ao mesmo tempo em que os professores eram inventivos e comprometidos com suas práticas pedagógicas, estavam atados a um modelo de aula presencial.
Os sujeitos envolvidos criaram e recriaram significações das práticas pedagógicas nas condições objetivas do momento pandêmico, portanto, foram agentes de transformação do mundo e de si mesmos. Num movimento dialético, com base no modelo das aulas presenciais, os professores mantiveram algumas das metodologias e integraram estratégias e recursos advindos das tecnologias digitais. Nessa perspectiva, as práticas pedagógicas podem ser compreendidas como uma síntese provisória que as experiências e interações dos sujeitos possibilitaram naquele momento.
Considerações Finais
As produções acadêmicas analisadas apontam que os impactos da pandemia na Educação Básica afetaram os professores e suas práticas pedagógicas. Da análise dos resultados das pesquisas emergiram duas temáticas: responsabilização e intensificação do trabalho docente e mediações no processo de ensino e aprendizagem. As pesquisas trazem relatos de professores sobre o aumento de trabalho, o que os fez se sentirem sobrecarregados em virtude das exigências para a oferta do ensino remoto. Outro aspecto levantado foi a dificuldade em promover a aprendizagem dos estudantes, especialmente, os que tinham pouco ou nenhum acesso às plataformas digitais.
Com base nas análises, podemos inferir que a lógica neoliberal intensificou os impactos vividos na pandemia, uma vez que os professores se sentiram responsabilizados pela formação dos estudantes. A falta de políticas educacionais claras e de suporte e de formação docente fez com que o professor procurasse responder às demandas, buscando soluções por conta própria, assumindo o papel de gestor do processo educativo.
As condições de trabalho a que os professores foram submetidos durante a pandemia afetaram a sua subjetividade, pois nesse tempo-espaço de trabalho as dimensões da vida privada ficaram sobrepostas às da vida laboral. As fronteiras entre os limites físicos e temporais do trabalho docente e da vida privada dos professores foram diluídas de tal forma que os professores se sentiram responsáveis pelo processo educativo. Ao naturalizem tais demandas, vivenciaram momentos de cansaço excessivo e adoecimento físico e mental.
A precarização do trabalho docente e as condições objetivas para dar continuidade aos processos escolares no período pandêmico afetaram a aprendizagem dos estudantes. Os resultados das pesquisas indicaram que a falta de acesso à internet, poucos aparelhos para conexão por família, a dificuldade de realizar as atividades propostas impactaram as práticas pedagógicas e a aprendizagem dos educandos. As desigualdades sociais foram determinantes para que o processo de ensino e aprendizagem fosse precarizado e prejudicado. Os dados das pesquisas nos levam a entender que o professor não conseguiu realizar as mediações, pois as condições objetivas não foram suficientes para que houvesse uma interatividade que levasse os estudantes a aprender.
Assim, os estudos sobre educação na pandemia demonstraram que os espaços escolares são fundamentais para a formação dos estudantes. A experiência humana de isolamento social deixou evidente que é uma ilusão pensar que a escola pode ser substituída pela casa e pelas tecnologias digitais (Nóvoa; Alvim, 2021). Segundo os autores, é necessário repensar um novo espaço escolar, que só é possível com a capacidade coletiva de ação e reflexão. Os professores deram respostas criativas e únicas às exigências que se fizeram presentes com o ensino remoto. Portanto, têm avançado nas suas práticas pedagógicas, o que significa possibilidades de reinventar a escola como espaço de escuta, trocas, respeito ao outro, de aprendizagem.
Os estudos indicaram a potência criativa dos professores, seu comprometimento ético e pedagógico com a docência, o qual configurou sua prática pedagógica. O isolamento social na pandemia confinou os sujeitos em suas casas e, ao mesmo tempo, possibilitou outras formas de interação social, o que levou a uma transformação. As práticas pedagógicas, compreendidas como práticas sociais, envolvem professores e estudantes, que se constituem nas interações, afetados pela realidade objetiva e suas experiências. Ao mesmo tempo em que os sujeitos envolvidos nas práticas pedagógicas assumem pressupostos de uma sociedade capitalista e neoliberal, num movimento dialético, podem romper com a lógica, ao proporem práticas críticas e emancipatórias, ressignificando a realidade escolar.
Referências
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BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2015.
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1 “Pandemia da COVID-19 e seus impactos na educação básica no Brasil: diagnóstico e proposições interventivas na escola”, aprovada no Edital de Seleção Emergencial IV CAPES, uma parceria do Mestrado em Educação da Universidade da Região de Joinville (Univille) com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
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