A Residência Pedagógica da Biologia de uma Universidade Federal do Nordeste: contribuições para a formação inicial e relações com a graduação

The Biology Pedagogical Residency at a Northeastern Federal University: contributions to initial training and relations with undergraduate programmes

La Residência Pedagógica en Biología de una Universidad Federal del Nordeste: contribuciones para la formación inicial y relaciones con el grado

 

Thaís Borges Moreira

Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

thais.ufc@hotmail.com

Raquel Crosara Maia Leite

Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

raquelcrosara@ufc.br

 

Recebido em 23 de junho de 2023

Aprovado em 15 de agosto de 2023

Publicado em 19 de agosto de 2024

 

RESUMO

O trabalho apresentado trata-se de de uma pesquisa exploratória sobre a primeira turma do Programa de Residência Pedagógica (PRP) da Biologia de uma Universidade Federal da região do Nordeste. O objetivo do estudo foi analisar como o programa no curso de Biologia desta Instituição de Ensino Superior (IES) pode contribuir e se relacionar com a formação inicial dos graduandos. Como método de coleta de dados foi utilizado um questionário com 16, dos 20 residentes que estavam fazendo parte do grupo na época da coleta, seguido da realização de grupos focais agrupando os residentes entre as escolas que atuavam. Para analisar os resultados, utilizou-se a Análise Textual Discursiva (ATD), que resultou na formação de duas categorias finais: uma tratou da importância das relações com o preceptor, orientador e núcleo gestor, e a segunda sobre como as disciplinas e outras vivências na graduação auxiliam no processo de formação docente. Como conclusão, tem-se que, apesar das dificuldades encontradas, o PRP Biologia da IES se consolidou como algo positivo, mas não somente ele pode constituir a formação docentes, havendo a necessidade de integração com outros currículos formativos.

Palavras-chave: Formação de professores; Residência pedagógica; Saberes docentes.

 

ABSTRACT

The work presented here is an exploratory study of the first cohort of the Biology Pedagogical Residency Programme (PRP) at a Federal University in the North-East of Brazil. The aim of the study was to analyse how the programme in the Biology course at this Higher Education Institution (HEI) can contribute to and relate to undergraduates' initial training. The data collection method used was a questionnaire with 16 of the 20 residents who were part of the group at the time of collection, followed by focus groups grouping the residents between the schools they worked in. Textual Discourse Analysis (TDA) was used to analyse the data, which resulted in the formation of two final categories: one dealing with the importance of relationships with the preceptor, supervisor and management team, and the second on how subjects and other experiences during the undergraduate course help in the teacher training process. In conclusion, despite the difficulties encountered, the IES Biology PRP has been consolidated as something positive, but it alone cannot constitute teacher training, and there is a need for integration with other formative curriculums.

Keywords: Teacher training; Pedagogical residency; Teaching expertise.

 

RESUMEN

Este trabajo se trata de una investigación exploratoria acerca del primer curso del Programa de Residência Pedagógica (PRP) en Biología de una Universidad Federal de la región Nordeste. El estudio tuvo como objetivo analizar como el programa en el grado de Biología de esta Institución de Enseñanza Superior (IES) puede contribuir y relacionarse con la formación inicial de los estudiantes de grado. Para la recolección de datos, se utilizó como método un cuestionario con 16 alumnos, de los 20 que hacían parte del grupo en la época de la recolección, seguido de la realización de grupos focales de modo a agrupar los alumnos en las escuelas que actuaban. Para analizar los resultados, se utilizó el Análisis Textual Discursivo (ATD), que resultó en la formación de dos categorías finales: una acerca de la importancia de las relaciones con el preceptor, el tutor y el núcleo gestor; ya otra sobre como las asignaturas y otras vivencias en el grado auxilian en el proceso de formación docente. En conclusión, a pesar de las dificultades halladas, el PRL en Biología del IES se consolidó como algo positivo, pero él solo no puede constituir la formación docente, ya que hay la necesidad de integración con otros currículos formativos.

Palabras clave: Formación de profesores; Residência Pedagógica; Saberes docentes.

 

Introdução

Esta pesquisa buscou identificar características da primeira turma do Programa de Residência Pedagógica (PRP) de uma Instituição de Ensino Superior (IES), no qual os estudantes foram selecionados através de Edital. No período da pesquisa, 20 bolsistas remunerados estavam atuando em 3 escolas de Fortaleza/Ceará. Cada uma delas com suas particularidades e organização em níveis diferentes, sendo uma apenas com Ensino Médio em tempo parcial, uma com Ensino Fundamental e Médio e outra com Ensino Médio em Tempo Integral. As escolas que ofertam o Ensino Médio em tempo parcial e o Ensino Médio em Tempo Integral encontram-se nas proximidades da Universidade, enquanto a escola que oferta Ensino Fundamental e Médio localiza-se em um bairro mais distante da Universidade.

            Sobre essa diferença do modelo escolar adotado por cada escola, ressaltamos que a implementação da escola de Tempo Integral do Estado do Ceará é uma estratégia do Governo do Estado visando proporcionar uma formação integral que respeite as potencialidades, o direito de aprendizagem e o desenvolvimento de cada estudante (Secretaria de Educação do Ceará, 2017).

O Plano de Universalização da Escola em Tempo Integral do Ceará está alicerçado em premissas de conversão que tem como objetivo considerar todas as escolas de Ensino Médio Regular da rede e, a partir das mesmas, definir a lista de escolas elegíveis para conversão até 2024, visando atender a Lei Nº 16.287, de 20 de julho de 2017 (Ceará, 2017), a meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE) e a meta 6 do Plano Estadual de Educação (PEE) (Secretaria de Educação do Ceará, 2017).

            Para isso, “nas escolas em tempo integral implementadas no Estado do Ceará, busca-se ampliar o processo educativo tendo em vista novas possibilidades (projetos, oficinas, experiências…)” (Secretaria de Educação do Ceará, 2017). Nessa proposta os alunos encontram-se em dois turnos na escola, onde, ao longo deste período, as atividades citadas são executadas, além do currículo formal já proposto. Essas diferenças e esses entendimentos sobre os diversos tipos de escolas no estado são de grande valia, pois cada escola apresenta um perfil e possuem diferenças estruturais e curriculares.

            Para o entendimento dos termos utilizados neste estudo, como preceptores e orientadores, empregamos a definição de Barboza e Linhares (2023), na qual os residentes são os estudantes dos cursos de licenciatura, os preceptores são os professores da Educação Básica e os orientadores são os professores da Instituição do Ensino Superior (IES) vinculados ao Programa.

            Assim, diante do aparato geral sobre o Programa selecionado, o objetivo geral desta pesquisa consistiu em analisar como o PRP Biologia da IES pode contribuir e se relacionar com a formação inicial dos graduandos. Como objetivos específicos buscamos entender as inter-relações dos residentes com os agentes escolares e institucionais e perceber como a formação inicial perpassa as vivências do Programa.

            Através do entendimento dos aspectos teóricos sobre os temas abordados nesta pesquisa e os objetivos colocados, optamos em trazer para a seção seguinte a descrição de todas as etapas do percurso metodológico utilizado.

 

Metodologia

Como esta pesquisa buscou explorar vários aspectos de um grupo de residentes de um subprojeto do PRP, conhecendo melhor como funciona o Programa, podemos classificá-la como exploratória, mas bem próxima da descritiva, de acordo com Manzato e Santos (2012), Prodanov e Freitas (2013) e Gil (2002). Sua utilização vem sendo exponencial, onde se pode proporcionar uma visão global do problema ou identificar possíveis fatores que o influenciam ou são por ele influenciados (Gil, 2002).

Optamos pelo PRP dentro da IES em questão por esta ser uma das melhores instituições universitárias do Norte/Nordeste, sendo de grande importância conhecer programas que estão sendo executados dentro da Universidade. Olhando para o PRP em si, sentimos a necessidade de conhecer um programa novo dentro da IES selecionada, e quais as vivências da primeira turma participante dentro do curso de licenciatura em Ciências Biológicas.

Aplicamos um questionário individual com o objetivo de elaborar um perfil dos residentes, em que Chaer et al. (2009) mostram que o questionário é uma técnica bastante viável e pertinente para ser empregada quando se trata de problemas cujos objetos de pesquisa correspondem a questões de cunho empírico, envolvendo opinião, percepção, posicionamento e preferências dos pesquisados.

Utilizamos também a técnica de grupo focal, abrangendo três encontros organizados para contemplar cada uma das três escolas que estavam vinculadas ao subprojeto que cada grupo de estudantes atuava. Em cada encontro os estudantes respondiam grupalmente sobre temas previamente selecionados em relação ao PRP. O Grupo Focal (GF) representa uma técnica de geração de dados que, a partir da interação grupal, promove uma ampla problematização sobre um tema ou foco específico (Backes et al., 2011).

A ideia de utilizar as duas técnicas partiu da pretensão de observar se haveria divergência entre os dados encontrados pelas duas técnicas de coleta de dados: o questionário e o Grupo Focal.

A fim de garantir o anonimato e facilitar o entendimento dos dados, os participantes do grupo focal foram identificados por siglas, onde cada escola ficou com uma sigla e cada participante ficou com uma numeração aleatória, assim como no exemplo a seguir: “Participante 1, ETI” – para 1 participante específico da Escola de Tempo Integral. Já a sigla EFM ficou para definir os estudantes da escola de Ensino Fundamental e Médio e EMR para os bolsistas da escola de Ensino Médio Regular de tempo parcial. Vale salientar que essa divisão também se deu por conta da individualidade de cada escola e por entender que as relações são distintas em cada escola, mesmo todos os residentes estando vinculados ao mesmo PRP Biologia da IES em questão.

Antes de preencherem o questionário e/ou participarem do Grupo Focal, todos os participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Além disso, antes de começar a gravação do GF, todos os residentes foram previamente informados que o momento das reuniões para o grupo focal seriam gravados e todos autorizaram expressamente a gravação.

O projeto inicial da dissertação de mestrado que deu origem a este artigo foi submetido e aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa, através da Plataforma Brasil (Base nacional e unificada de registro de pesquisas envolvendo seres humanos), sob o número 26010619.6.0000.5054.

Para analisar os dados, utilizamos a Análise Textual Discursiva (ATD), buscando interpretar o fenômeno investigado a partir de uma análise rigorosa e criteriosa (Morais; Galiazzi, 2016). Para utilizar a ATD foram feitas as transcrições de todos os áudios obtidos durante os encontros do grupo focal para, posteriormente, serem unitarizados, categorizados e, finalmente, formados os metatextos. Os dados encontrados nos questionário foram comparados e entraram no processo de unitarização.

Ao final, foram geradas as categorias finais, e duas delas foram selecionadas para este artigo: 1. O aprender e o ensinar: relação com os preceptores e orientadores e escola; 2. Outras relações do PRP na graduação: impactos na formação inicial.

 

Resultados e Discussão

Para o primeiro e o segundo encontros de grupo focal (GF) apenas 3 participantes se fizeram presentes e no terceiro encontro 6 residentes se fizeram presentes. Para Gatti (2005), o ideal é não se trabalhar com mais de 10 participantes, pois esse fator pode limitar as interações, as trocas de ideias e a participação das pessoas. Ao total dos 20 bolsistas que ingressaram no programa, na época da realização do grupo focal haviam 16 residentes e todos responderam o questionário.

Posteriormente, os áudios obtidos da técnica de GF foram transcritos, sendo a transcrição feita de maneira manual, de modo a nos familiarizarmos com os dados encontrados. Com relação ao tempo, cada encontro durou uma média de 41 minutos.

Iremos apresentar a seguir os resultados organizados a partir das categorias referidas, formadas a partir dos resultados encontrados tanto no questionário quanto no GF.

 

O aprender e o ensinar: relação com os preceptores e orientadores e escola.

Discutimos aqui sobre a relação dos residentes com os preceptores, orientadores e o núcleo gestor da escola. Podemos levantar a questão: qual a interferência da relação entre estes atores para a formação do residente? O percurso para a elaboração dessa categoria está exposto no Quadro 1.

Quadro 1 – Construção da categoria final - Relação com os preceptores, orientadores e núcleo gestor escolar

CATEGORIAS INICIAIS

CATEGORIAS INTERMEDIÁRIAS

CATEGORIA FINAL

A escola entendeu o PRP

 

Relações dentro da escola

 

Relações com os preceptores, orientadores e núcleo gestor

Identidade do programa

Comunicação

 

Relações interpessoais

Problemas com o preceptor

Preceptora incrível

Fonte: Elaborado pelas autoras.

 

A construção do metatexto veio a partir de vários pontos que surgiram sobre os residentes e a relação destes com os agentes da escola e do orientador da IES. Assim, nesse momento foram feitas discussões sobre como tais relações interferem no processo dos ensinamentos e vivências do Programa.

Cada escola-campo apresenta uma realidade distinta. Além das diferentes formas que essas se constituem (Ensino Fundamental e Médio, Ensino Médio regular e ensino de tempo integral), podemos considerar a relação existente entre cada escola e os residentes. Essas relações foram descritas e discutidas e as apresentamos a seguir. 

            Dos três grupos focais formados, dois relataram alguma relação das suas participações no PRP, destacando o papel do núcleo gestor nesse processo. Em um grupo, a relação foi descrita como positiva, fluida e os residentes sentem essa contribuição e a relatam como algo que facilita o trabalho deles e que, assim, se sentem parte integrada à escola.

            Em trecho da fala de uma das residentes, percebemos que na escola em que o núcleo gestor apoia os residentes e entende o seu papel, existe um maior entusiasmo por parte dos mesmos quando contam a trajetória dentro da escola. A seguir, tem-se um dos fragmentos que cita essa sensação de que o trabalho como residente está ocorrendo de maneira efetiva e positiva:

 

O núcleo gestor também apoia muito a gente. Se a gente precisar de alguma coisa eles (núcleo gestor) estão disponíveis para facilitar a aula que a gente quer dar. Sempre que possível, eles fazem com que a gente realize o trabalho da melhor maneira possível e da melhor forma (Participante 6, ETI).

 

            Carvalho et. al (2012) afirmam que o PRP foi pensado para ser desenvolvido de maneira coletiva, sendo suporte também à equipe diretiva na escola participante do Programa. Para os autores, o trabalho em equipe é fundamental, por isso os agentes escolares devem participar para a promoção de um desenvolvimento mais qualificado da relação entre o professor, aluno e escola participante do Programa.

            Já no grupo de residentes de outra escola que relatou informações sobre a relação dos residentes com o núcleo gestor, percebemos no fragmento extraído da fala de uma das residentes a dificuldade de identidade do PRP por parte do núcleo gestor na escola. Assim, nessa escola, para os residentes não existia uma clareza por parte do núcleo gestor sobre a função dos residentes.

 

Eu já ouvi da diretora perguntando o que a gente tava fazendo ali. Ela não percebe a relação, a forma como ela nos trata. Não que ela seja uma pessoa ruim, até no lugar dela eu também me sentiria assim porque não teve uma conversa sobre o que seria a residência, foi uma falha muito grande. Até no começo do ano a gente era chamado de PIBID, a gente não tinha característica (Participante 1, EFM).

 

            Barbedo (2018) traz as experiências de uma jovem professora, demonstrando que quanto melhor foi o acolhimento e a recepção por parte da escola, melhor foi o início da vida profissional como professora.

 

Nota-se como é fundamental sentir-se apoiado e reconhecer a possibilidade de apoio no âmbito educacional, isso porque os primeiros anos encarregam-se não apenas de ensinar aos professores iniciantes seu ofício, mas especialmente em como se constituir por meio da socialização profissional. Contudo, é mister os pares acolherem, de modo respeitoso e solidário, o professor iniciante, momento em que a empatia é indispensável, pois é natural que todo profissional se sinta inseguro e ansioso ao iniciar, sobretudo quando o contexto é tão adverso (p. 78).

 

            Vailliant e Marcelo (2012, p. 77), ao citarem os estágios como uma etapa para a formação inicial, fazem crítica às escolas que recebem alunos estagiários e se espera que o núcleo escolar acolha os licenciandos, mas que, na realidade, muitas escolas não estão preparadas para receber esses estudantes. O que acaba acontecendo, em alguns casos, é que a escola não trata esses estudantes como profissionais em formação e, assim, são tolerantes e paternais, ou ainda lhes dão tarefas burocráticas ou a escola assume um papel abusivo com esses estudantes, sem entender sequer o seu papel no processo como uma instituição que também é formadora de professores. 

            Frisamos a necessidade de ser analisada a questão de o Programa ser recente nos moldes do âmbito nacional. Os residentes dessa pesquisa se constituem os primeiros residentes do primeiro edital de Residência Pedagógica lançado pela CAPES em 2018.  Portanto, a construção e o entendimento do que é o Programa, juntamente com a função dos residentes, vêm com o tempo e com o engajamento por parte dos agentes escolares, de entenderem como o novo Programa funciona.

 

Problemas do Programa em si, que a gente ficava ´será se pode?´ ´pera, vou perguntar ao coordenador´, ´pera, vou perguntar ao supervisor´. E a supervisora também não sabia...aí tipo, devido o Programa ser novo, né?! Têm muitas coisas que precisam ser acertadas, sabe?! Tive muitas dúvidas sobre o que podia/não podia fazer...troca de escola, essas coisas (Participante 1, EMR).

 

            De fato, no Edital 06/2018 (Brasil, 2018) não existe tópico relacionado à troca de escola-campo por parte dos residentes quando os mesmos já faziam o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), havendo apenas a palavra “preferencialmente” quando se refere à realização das atividades na mesma escola, o que reitera o citado anteriormente que, devido ao Programa ser recente, existem essas lacunas a serem preenchidas.

Vale ressaltar que uma das diferenças do PIBID para o PRP é que o PIBID “tem por finalidade proporcionar a inserção no cotidiano das escolas públicas de educação básica para os discentes da primeira metade dos cursos de licenciatura” (Brasil, 2023). Já de semelhanças está o fato de ambos os programas estarem buscando contribuir com a formação inicial dos participantes que estão na graduação (Oliveira; Paulo, 2020).

Retornando sobre o Edital 06/2018 (Brasil, 2018), apesar de no mesmo edital existir um tópico que afirma que antes de iniciar o Programa existiriam 2 meses para o curso de formação de preceptores e preparação dos estudantes para o início das atividades da Residência Pedagógica, notamos que mesmo com o curso existem situações eventuais que não puderam ser pensadas inicialmente. Destacamos aqui que o referido curso de formação de preceptores e preparação dos estudantes, não foi questionado nem citado pelos residentes sobre sua existência.

            Percebemos também que a escola em que os residentes estavam inseridos interfere diretamente no entendimento deles sobre os aspectos positivos do Programa. Quando os residentes tiveram apoio do núcleo gestor e a escola entendeu o real papel dos residentes, as experiências foram consideradas mais positivas. Todo esse processo de entendimento do Programa, para um dos grupos, se deve ao fato de a preceptora ser alguém presente e disponível, alguém cuja admiração fica nítida na fala dos residentes.

 

A preceptora é incrível. Ela trabalha mesmo, se dedica muito. Ela, inclusive, faz terapia para lidar com tudo isso. Ela se dedica até mais que deveria. E ela prepara mesmo (a aula). Com ela eu me sinto realmente funcionária da escola, então até na sala dos professores a gente cria vínculo com os professores, os funcionários da escola...então ela (preceptora) dentro da Residência me proporcionou isso (Participante 1, ETI).

 

            Cruz e Ferreira (2020), ao aplicarem um questionário a residentes de uma IES de outro estado, perceberam que as interações dos residentes e de seus preceptores podem ser vistas como uma relação que busca facilitar o processo de aprendizagem docente, sendo essa relação algo que desenvolve efetivamente as ações do PRP, pois tanto preceptores quanto residentes estão, desde o início do processo, lado a lado nas etapas a serem executadas dentro do Programa. 

            Porém, existe uma escola em que o preceptor é tido pelos residentes como alguém pouco comprometido com o Programa. O preceptor dessa escola específica é tratado como um professor que não participa dos planejamentos nem das atividades desenvolvidas na escola. No relato de uma das residentes verificamos que nem sempre o preceptor foi assim, mas que ao ser atingido por problemas de cunho pessoal, passou a apresentar um aspecto menos participativo dentro do Programa.

 

No começo do ano o nosso preceptor começou a ter alguns problemas, já do ano passado... não afetou tanto naquele momento, mas já nesse ano teve um déficit muito grande ‘pra’ gente. Então, se não partir de nós, bolsistas, o planejamento, o preceptor não cobrava o planejamento. Ele cobrava de a gente ‘tá’ lá na escola, mas ele não se preocupava em olhar as coisas que a gente ‘tava’ fazendo. Ele não era mais participativo como era antes (Participante 1, EFM).

 

            Para Cruz e Ferreira (2020), a relação entre os residentes e o os preceptores da escola-campo é necessária para o êxito das ações que o Programa se dispõe a executar. Assim, o preceptor assume o papel de mediador do processo que acolhe, funcionando como uma ponte entre os residentes e o ambiente escolar, aproximando-os do núcleo gestor, dos alunos e dos outros docentes da escola.

            Comparando os relatos, reforçamos a importância de um preceptor presente e comprometido com seu trabalho, visto que no grupo em que a preceptora foi mais presente e envolvida com o projeto, o encantamento dos residentes pela experiência vivida foi maior. Além do maior carisma, os agentes escolares conseguiram entender melhor a função dos residentes e do Programa, o que reforça ainda mais a importância de um bom preceptor.

            Entendemos que existem problemas pessoais que podem interferir em trabalhos de todos os cunhos, porém é importante lembrar do compromisso assumido e, caso não seja possível realizá-lo, deve-se pedir afastamento ou ajuda.

            No grupo EMR não existiram falas sobre as relações com o núcleo gestor, mas um dos residentes relatou sentir ausência de todos os agentes quando comparado com outro Programa de formação inicial que participou.

 

Eles (preceptor e orientador) estão presentes, eles falam que estão lá se a gente precisar podia falar com eles, mas ainda assim eu sinto [falta de] um pouquinho mais disso, que a gente tinha mais no PIBID e as dificuldades de enfrentar alguns problemas, como: indisciplina dos alunos, problemas que eles trazem para escola e a preparação de como agir com eles (alunos da escola) (Participante 2, EMR).

 

            Para outro residente, poderia ter existido maior participação dos preceptores e do orientador, como colocado a seguir.

 

O que senti falta mesmo foi de orientação mesmo. De todas as partes: preceptor, coordenador, supervisor... (Participante 2, EFM).

 

            É possível que, pelas atividades características do PIBID, os licenciandos possam se achar “mais soltos”, mais desamparados no PRP. Como citado anteriormente, as atividades escolares são mais intensas, fazendo com que os residentes sintam maior necessidade de apoio e orientação.

            Acreditamos que essa ausência sentida por parte de alguns residentes venha somado ao fato de as reuniões semanais serem mais voltadas para os aspectos formativos, com pouco compartilhamento das vivências e redução do planejamento já citado. Para tanto, existe na fala do próprio residente, que compara o PRP com outros programas já vividos, uma tentativa de aproximação por parte do preceptor e orientador, ao passo que o residente afirma que os mesmos se dispõem a ajudar no que for necessário.

            Poladiam (2014) entrevistou professores que trabalham com o PRP da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Na fala de uma professora preceptora entrevistada, os conflitos vividos pelos residentes são discutidos coletivamente, de forma que o grupo se apoie para a busca de alternativas para essas experiências, contando sempre com a orientação próxima do professor preceptor.

            Com essas e outros experiências, para Poladiam (2014), o Programa traz a realidade e a complexidade do fenômeno educativo pela imersão dos estudantes em situações reais e articuladas com fundamentos teóricos da educação, de forma a situá-las. Comparando os dados de Poladiam (2014) com os desta pesquisa, sugerimos um maior envolvimento por parte dos agentes envolvidos no PRP Biologia da IES.

            No Edital 06/2018 está previsto que tanto o preceptor quanto o orientador devem auxiliar no processo de prática docente, além de todos os agentes da escola ter participação nesse auxílio. 

 

e) Oportunizar que o discente vivencie e pratique a regência de classe, com intervenção pedagógica planejada conjuntamente pelo docente orientador do curso de formação, pelo preceptor da escola e outros participantes da escola que se considere importante, além da gestão do cotidiano da sala de aula, planejamento e execução de atividades, planos de aula, sequencias didáticas, projetos de ensino e atividades de avaliação da aprendizagem dos alunos (Brasil, 2018, p. 18).

 

            Diante de todas essas relações, destacamos o desejo de continuidade do Programa e a afirmação de que o Programa os auxiliou no processo de formação inicial.

 

[...] mas só que mesmo assim, eu considero muito bom o Programa, me ajudou bastante, bastante, demais na minha formação. E eu sinto que o Programa deveria continuar, aderir mais pessoas dos cursos de licenciatura. Essa vai ser assim, uma experiência única assim na graduação, com certeza (Participante 1, EMR).

 

            Mesmo com todos os desafios e, muitas vezes, com a ausência do entendimento da escola sobre o papel dos residentes, eles consideram que todos os estudantes de graduação deveriam participar de programas de iniciação à docência, como o PRP. Ainda em relação aos dados do questionário, todos os 16 participantes marcaram que desejariam a continuidade do Programa.

            Poladiam (2014) reintera a importância do PRP da UNIFESP, onde afirma que o trabalho, o desenvolvimento e a continuidade das ações no Programa devem existir, auxiliando também na formação continuada desses professores preceptores.

            Assim, corroborando com os achados de Poladiam (2014), afirmamos que os residentes têm seu aprendizado diante do Programa. E não distante desse crescimento, os professores preceptores e orientador têm no PRP a oportunidade de engrandecimento, reflexão e melhoria de suas práticas, servindo como espaço para a formação continuada do preceptor.

            Gomes e Lago (2019) reforçam esse entendimento ao pontuarem que a Residência Pedagógica, através de suas práticas e vivências de imersão, contribui para o aprendizado dos residentes, sendo importante para a aquisição da prática profissional. Em suma, na literatura acredita-se que todos os agentes envolvidos devem estar disponíveis para o aprendizado e crescimento. Assim, os achados da nossa pesquisa corroboram com os autores.

            Para além do PRP, existem outras relações vividas durante a graduação e que foram relatadas pelos residentes. A relação com o Programa e sua contribuição/desafios também se mistura com outras vivências dentro da graduação, conforme será descrito no próximo e último metatexto produzido nesta pesquisa.

 

Outras relações do PRP na graduação: impactos na formação inicial.

Para a última categoria formada temos as outras relações estabelecidas pelos residentes (disciplinas, programas de formação...). Com o último metatexto, manifestam-se as experiências vividas dentro do curso de Biologia e como estas interferem, na visão dos residentes, sobre as contribuições do PRP, associando ao que já foi vivido dentro da graduação.  A formação da categoria final denominada de “Outras relações com a graduação” foi exposta no Quadro 2.

 

Quadro 2 – Construção da categoria final – Outras relações com a graduação

CATEGORIAS INICIAIS

CATEGORIAS INTERMEDIÁRIAS

CATEGORIA FINAL

Disciplina de didática

 

Disciplinas da Graduação

 

 

Outras relações com a graduação

Conteúdos mais teóricos

IPEC V

 

PIBID

 

Programa de Formação

Fonte: Elaborado pelas autoras.

 

Os residentes se referiram a outras experiências da graduação que ocorrem ao longo do percurso de formação, tanto antes como em paralelo ao PRP. A formação inicial docente dos residentes foi constituída pela participação no PRP, mas também, dentre outros fatores, por disciplinas que foram citadas ao longo do GF e do questionário.

 

“Eu acho que as disciplinas pedagógicas têm a subjetividade do docente que ´tá´ ensinando. Têm disciplinas pedagógicas que são muito legais, deixam você super a vontade. A disciplina não vai te ensinar a ser docente, não pode entrar com essa perspectiva, mas ela vai te proporcionar um ambiente que você se sente à vontade, cria boas expectativas. Tem disciplinas, por outro lado, com o mesmo conteúdo, com a mesma carga horária, mas que muitas vezes, o docente é tão cansado, indisponível ao diálogo, a construção coletiva, que você sai frustrado.” (Participante 2, ETI).

 

  Na transcrição anterior temos a reflexão de uma residente sobre o fato de que as disciplinas pedagógicas do curso não ocorrem, necessariamente, com o mesmo professor, isto é, dependendo de como a disciplina é ministrada, a experiência pode ser positiva ou não. 

  Freire (2014, p. 47) afirma que “saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”, sendo o professor uma pessoa que deve estar disponível, sendo um “ser aberto à indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos”. Nesse sentido, o que se encontra na fala da residente é essa necessidade intrínseca de professores formadores mais motivados que possibilitem essa perspectiva positiva da experiência vivida durante as disciplinas do curso.

  Podemos questionar nesta pesquisa como docentes que abordam os aspectos teóricos e práticos do “ser professor” podem ser colocados como seres desmotivados da profissão que estão ali para ensinar. Ainda para Freire (2014), deve-se existir beleza e alegria em ensinar, não sendo o oposto de compromisso e rigorosidade da prática como professor.

  Santeiro, Santeiro e Andrade (2004), ao pesquisarem sobre a visão de estudantes universitários em um curso da área da saúde, afirmam que o professor pode ser um agente facilitador e instigar a criatividade do aluno, assim como pode ser um dos maiores fatores a inibirem seus potenciais criativos.  

  Partindo desses pressupostos, é possível afirmar que para se ter melhoria da formação docente inicial devemos investir não somente na formação inicial em si, mas também formação continuada dos professores formadores, bem como na avaliação permanente de disciplinas e professores formadores a partir do feedback dos estudantes. 

  Quando associamos o PRP, as disciplinas vivenciadas ao logo do curso trazem aprendizagens complementares, contribuindo com o processo de formação docente, pois se percebe que ao longo de todo o processo de vida e de formação inicial na graduação existe o aprendizado de saberes, os quais vão se articulando, complementando.

  Tardif (2012) afirma que os saberes docentes são plurais e nessa perspectiva a importância e relevância do PRP está justamente em seu papel facilitador de articulação dos vários saberes necessários e oriundos da prática docente: os saberes pedagógicos, os saberes científicos da área (neste caso a Biologia), os saberes cotidianos do ambiente escolar, entre outros, através da construção do saber experiencial.

 

Os professores, no exercício de suas funções e na prática de profissão, desenvolvem saberes específicos, baseados em seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio. Esses saberes brotam da experiência e são por elas validados. Eles incorporam-se à experiência individual e coletiva, sob forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser (Tardif, 2012, p. 39).

 

  Para Tardif (2012), as IES irão compor outro saber, o disciplinar, onde “integram-se igualmente à prática docente através da formação (inicial e contínua) dos professores nas diversas disciplinas oferecidas pela universidade” (p. 38). Partindo dessa reflexão, é necessário considerar que a formação de professores abrange diversos aspectos e não podemos restringi-la a apenas a um único programa ou a uma única disciplina.

  Outra reflexão aqui destacada: não se pode achar que a disciplina irá simplesmente ensinar o estudante a ser professor, pois a mediação deve ocorrer para a construção do conhecimento e entendimento do “ser professor”, mas tal construção é uma junção de fatores.

  Nesse sentido, Tardif e Raymond (2000) colocam que existem inúmeros saberes docentes na formação dos professores e que vários aspectos devem ser considerados plurais e heterogêneos.

 

Esses saberes provêm de fontes diversas (formação inicial e contínua dos professores, currículo e socialização escolar, conhecimento das disciplinas a serem ensinadas, experiência na profissão, cultura pessoal e profissional, aprendizagem com os pares etc.). É a esse segundo significado que está ligada a nossa própria concepção (Tardif; Raymond, 2000, p. 212).

 

  Ao comparar as experiências vividas das disciplinas definidas pelo residente como “teóricas de educação”, existe uma exaltação do PRP, na qual, para o residente, a experiência vivida no Programa foi muito válida e prática, comparando-a com as disciplinas que já havia feito.

 

Eu digo que a Residência ajudou mais nesse período de um ano e seis meses, me ajudou mais que, eu posso dizer por mim, que já fiz todas as disciplinas teóricas de educação, eu ‘tô’ no final do curso, no 9° semestre, mas a Residência em um ano e seis meses foi mais do que as (disciplinas) de educação, são em grande parte teórica (Participante 2, EFM).

 

  Observamos na fala do residente a dicotomia entre teoria e prática, pois para o estudante o fato de a Residência ter lhe proporcionado a experiência prática se sobressai às disciplinas teóricas. Desse modo, a vivência na escola-campo é importante, pois acredita-se na imersão que o Programa promete e acredita-se que esta se faz necessária, mas não deve existir essa distinção entre o teórico e o prático, devendo ter a fluidez de ambos, pois tanto a teoria quanto a prática docente são importantes e devem ser o mais articuladas possível, evitando  a dicotomia constatada por tantos autores que influenciaram a criação do programa justamente para facilitar essa articulação teoria-prática.

  Imbernón (2016) afirma que a formação de professores não deve ser pautada simplesmente pela ida até a escola ou por um conjunto de técnicas a serem aprendidas. Para o autor, uma boa formação do professorado deve ser mais que uma transferência física da universidade para a escola, representando “um novo enfoque para redefinir conteúdos, as estratégias, a instituição, o protagonismo e os propósitos da formação” (p. 156).

   Poladian (2014) afirma que para superar a falta de equilíbrio entre as disciplinas teóricas e práticas e a não articulação entre a universidade (com suas disciplinas ministradas) e a escola, deve-se buscar propostas inovadoras que concebam não somente a prática pela prática, mas a articulação do curso de formação inicial e todas as suas experiências. E foi para isso que o programa foi criado: é necessário mudanças nas escolas, mas também nas licenciaturas.

  Nesse sentido, concordamos com o posicionamento dos autores supracitados de que deve existir essa relação profunda entre a teoria e a prática, indissociando-as. A ideia fragmentada delas vai em direção contrária do que se busca em relação à formação docente proposta pelo PRP.

  Em outros relatos extraídos das transcrições percebemos que os estudantes apontam um distanciamento do PRP e das disciplinas iniciais do curso de licenciatura dos aspectos práticos e das escolas, e isso, para os residentes, poderia dificultar até mesmo a visão do estudante sobre o fato de quem quer ou não “ser professor”.

 

O curso não é uma coisa mais prática, é muito voltado para a parte teórica. Quando a gente vai para escola, a gente já ‘tá’ no quinto ou sexto semestre, já finalizando. Eu acho que é para ser uma coisa desde o começo, por isso acho que o curso não tem uma formação adequada (Participante 1, EMR).

 

Eu também acho que não, e eu também acho importante essa parte prática até mesmo porque muitas pessoas que entram (no curso) não gostam né?! E talvez se tivesse desde o começo essa vivência, talvez mudassem de ideia. Eu, quando entrei, tinha uma ideia meio assim da licenciatura... e foi a partir do PIBID e das outras bolsas que tive essa aproximação com a escola e me senti mais preparada (Participante 2, EMR).

 

  Programas institucionais como o PIBID e o PRP buscam diversificar e trazer novos olhares para o contexto educacional. Nesse sentido, a pesquisa de Feitosa et al. (2020) analisou narrativas sobre as contribuições do PIBID para os estudantes e, nesse contexto, as atividades desenvolvidas pelo Programa trazem:

 

[...] algo que propicie curiosidade e interligue várias áreas do conhecimento, para que a aprendizagem seja ampla. Além disso, busca tornar o ensino mais divertido e atrativo para convocar a atenção do aluno e isto certamente contribuiu para uma melhoria do ensino (p. 123).

 

  Outra residente cita uma disciplina de um conjunto delas denominadas de “Instrumentalização para o Estudo da Ciência (I e II)” e “Instrumentalização para o Ensino de Ciências (II, IV e V)”, totalizando 5 delas distribuídas em 5 semestres, chamadas, respectivamente, de IPEC I, II, III, IV e V. A residente destaca uma delas, a IPEC IV, onde haveria mais práticas docentes.

 

E as IPEC’s também não são tão práticas, só a partir da IPEC IV que a gente começa a praticar, então a gente só faz pequenos planos (de aula), pequenos projetos. Então, somente a partir da IPEC IV que a gente pratica mais em sala, o que é fora de sala realmente. Então, a gente não sabe resolver conflitos em sala de aula realmente, e a gente não sabe o que é (Participante 3, EMR).

 

  Novamente, notamos pelo fragmento extraído do participante que existe a fragmentação da prática docente sem perceber que se aprende a ser professor de acordo com inúmeras vivências da graduação. Esse modelo formativo que prioriza primeiro a teoria e depois a prática, sem articulação de inúmeros fatores não contribui para a formação docente.

É de ampla relevância mencionar as Diretrizes Nacionais para a formação de professores em nível superior, aprovadas pelo CNE por meio das Resoluções 1/2002 e 2/2002, por parte dos Cursos de Licenciatura abrigados as instituições nacionais a abandonarem de vez o conhecido modelo 3+1 (três anos voltados para área de conhecimento e um ano para as práticas pedagógicas) e pautar numa formação inicial de melhor qualidade (Scheibe; Bazzo, 2013).

 

Dos pressupostos e orientações emanadas das duas resoluções mencionadas, surgiu a exigência de uma verdadeira reconstrução na organização e desenvolvimento dos cursos de Licenciatura e, consequentemente, a exigência de uma efetiva mudança de mentalidade dos formadores que neles atuam e das instituições que os abrigam (p.23).

 

Assim, acreditamos que olhar para o currículo dos cursos de formação de professores (incluindo as disciplinas da graduação) também é fundamental para essa mudança efetiva. Logo, se o PRP biologia pretende buscar novos paradigmas para essa prática, por si só não o fará.

 Destacamos ainda que essas exigências não ocorrem de hoje, como citado anteriormente, e que está previsto em lei essas mudanças. Mais de vinte anos da Resolução 1/2002 (Brasil, 2002), ainda estamos discutindo a importância de um ensino superior pautado em inserir a prática durante todo seu processo formativo.

 

Art. 12. Os cursos de formação de professores em nível superior terão a sua duração definida pelo Conselho Pleno, em parecer e resolução específica sobre sua carga horária. § 1º A prática, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espaço isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulado do restante do curso. § 2º A prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor. § 3º No interior das áreas ou das disciplinas que constituírem os componentes curriculares de formação, e não apenas nas disciplinas pedagógicas, todas terão a sua dimensão prática (Brasil, 2002, p.05).

 

Não é possível preencher o fosso entre os discursos e as práticas se não houver um campo profissional autônomo, suficientemente rico e aberto. Hoje, em um tempo tão carregado de referências ao trabalho cooperativo dos professores, é surpreendente a fragilidade dos movimentos pedagógicos que desempenharam ao longo das décadas um papel central na inovação educacional. Estes movimentos, tantas vezes baseados em redes informais e associativas, são espaços insubstituíveis no desenvolvimento profissional dos professores.

  Pimenta e Lima (2019) afirmam que mesmo estando em uma universidade pública, local em que se defende igualdade para todos, existem inúmeras formações dentro do mesmo curso.

Ainda, destacamos a questão dos estudantes que precisam trabalhar enquanto fazem o curso de graduação, sendo estes os mais prejudicados, uma vez que, dificilmente, irão conseguir tempo para participar dos projetos e programas existentes.

 

O enfoque para a ampliação da desigualdade na formação de professores e os danos causados na educação nos leva a verificar que, mesmo no interior da formação realizada pela universidade pública, gratuita e de qualidade, tão defendida por nós, são gerados distintos tipos de formação para o mesmo diploma de conclusão de curso. Os alunos trabalhadores são os mais prejudicados, uma vez que não dispõem de tempo para a participação em projetos e programas de pesquisa e docência (PIMENTA; LIMA, 2019, p. 06).

 

  Por fim, percebemos as associações e interferências do curso dentro da formação dos residentes. A visão dos estudantes sobre teoria e prática mostra-se como mais um percurso a ser discutido. Chegamos até aqui percebendo a visão dos estudantes de Biologia sobre seu curso e suas outras experiências, trazendo sempre o PRP como um Programa somativo às práticas já vividas. Os residentes não percebem que os programas institucionais devem imbricar junto aos conhecimentos aprendidos nas disciplinas tidas como teóricas e tantos outros aspectos aqui citados. A visão sobre a formação de professores é uma caminhada contínua e de necessária discussão.

 

Conclusão

Percebemos, a partir das falas dos residentes, que as relações interpessoais também interferem na formação, sendo os papéis dos preceptores e do orientador fundamentais na concepção de sucesso do Programa e no sentimento de que o mesmo poderia ser melhor se existisse uma maior integração dos agentes escolares com o PRP. Entendemos que investir na formação continuada de professores formadores, orientadores e preceptores é investir também na formação inicial, além de se entender que o Programa deve desvelar o seu papel para a formação continuada do preceptor.

Se há falhas quanto ao desconhecimento do programa na escola, isso se deve a todos os agentes envolvidos, pois a formação continuada será de todos os professores regentes envolvidos na escola. O PRP é da escolar também e portanto esta precisa participar como um todo.

Também percebemos a importância dos professores preceptores no processo de construção da identidade docente dos licenciandos que fazem parte do PRP. Ao se falar em formação inicial deve-se atentar também à formação continuada para os docentes que recebem os residentes na escola, pois sua formação também é fundamental para o processo de aprendizagem das práticas docentes.

  Além disso, destacamos o orientador como uma ponte entre a Universidade e a escola, trazendo a reflexão da importância do mesmo e do quanto este agente pode aprender e ensinar à medida que é ele quem está mais próximo dos residentes. Dessa forma, é possível finalizar as discussões desta pesquisa vendo diversos olhares que formam e ajudam a constituição da formação inicial, sendo todos os pontos importantes para a melhoria dela, incluindo o PRP como ponto somativo. 

O coordenador institucional deve se envolver no programa e buscar entender sobre o desconhecimento por parte dos estudantes sobre questões básicas de format do programa.

  Sobre a interferência das outras temáticas relacionadas à formação inicial que permeiam a formação dos residentes, é possível concluir que muitos não percebem a importância da fluidez que deve ter sobre eles e todas as experiências de vida. Além disso, se destaca a empatia e o compromisso dos profissionais da educação, e o quanto uma pessoa dedicada com seu trabalho se transforma em um agente de inspiração. Tem-se a afirmação que mesmo cursando a mesma licenciatura, a formação não será igual e deve-se pensar, principalmente, naqueles que não terão a oportunidade de ingressar em programas de iniciação à docência, seja PIBID ou PRP.

  Por fim, percebemos que o tema formação de professores é interessante e desafiador, pois não existe uma fórmula, um modelo técnico que consiga afirmar qual caminho seguir para se constituir professor. Porém, ao analisarmos as vivências e as falas dos residentes, buscando entender como um Programa, que surgiu em meio aos cortes educacionais vem constituindo de maneira positiva a formação de futuros professores, evidenciamos as potencialidades que o PRP possui para a formação de professores. Esperamos que mais trabalhos surjam sobre esta temática, havendo comparações de melhorias e desafios de novos residentes e de outras realidades institucionais.

 

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