A burocracia da Nova Gestão Pública: o mundo paralelo da prestação de contas[1]

The Bureaucracy of New Public Management: the parallel world of accountability

La burocracia de la Nueva Gestión Pública: el mundo paralelo de la rendición de cuentas

Géssica Priscila Ramos

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil

gessicaramos@ufscar.br

Regilson Maciel Borges

Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG, Brasil

regilson.borges@ufla.br

Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil

cristinagfer@ufscar.br

José Carlos Rothen

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil

josecarlos@rothen.pro.br

Ana Paula Silveira

Secretaria Municipal de Educação de Pitangueiras, SP, Brasil

a_silveirapaula@yahoo.com.br

 

Recebido em 21 de setembro de 2023

Aprovado em 21 de setembro de 2023

Publicado em 09 de abril de 2024

 

RESUMO

O objetivo do artigo é analisar a relação entre a Nova Gestão Pública e a burocracia no Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), tendo como referência a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A metodologia empregada na pesquisa foi a análise documental e entrevistas semiestruturadas a nove agentes que atuaram no período de implementação do Reuni na Universidade no período de 2007 a 2012. A categoria central de análise foi a performatividade, sendo subdividida em quatro subcategorias: processos reguladores; controle a distância; processos de avaliação; e prestação de contas. Os resultados mostram que as ações tomadas pela UFSCar visando o aumento de sua performatividade, para alcançar os indicadores, internos e externos, à política, tiveram como consequência a intensificação do processo de prestação de contas pela Universidade, reforçando a antiga rigidez e o controle provenientes do modelo burocrático pela criação de um mundo paralelo de prestação de contas frente aos resultados de performatividade exigidos do setor.

Palavras-chave: Nova gestão pública; Política pública; Burocracia; Educação superior; Reuni.

 

ABSTRACT

The aim of this article is to analyze the relationship between New Public Management and bureaucracy in the Support Program for Restructuring and Expansion Plans of Federal Universities (Reuni), with reference to the Federal University of São Carlos (UFSCar). The methodology used in the research was document analysis and semi-structured interviews with nine agents who worked during the implementation period of Reuni at the University from 2007 to 2012. The central category of analysis was performativity, being subdivided into four subcategories: regulatory processes; remote control; evaluation processes; and accountability. The results show that the actions taken by UFSCar aiming to increase its performance, to reach the indicators, internal and external, to the policy, resulted in the intensification of the accountability process by the University, reinforcing the old rigidity and control arising from of the bureaucratic model by creating a parallel world of accountability in the face of the performativity results required of the sector.

Keywords: New public management; Public policy; Bureaucracy; Higheducation. Reuni.

 

RESUMEN

El objetivo de este artículo es analizar la relación entre la Nueva Gestión Pública y la burocracia en el Programa de Apoyo a los Planes de Reestructuración y Expansión de las Universidades Federales (Reuni), conreferencia a la Universidad Federal de São Carlos (UFSCar). La metodología utilizada en la investigación fue el análisis de documentos y entrevistas semiestructuradas com nueve agentes que trabajaron durante el período de implementación de Reuni en la Universidad de 2007 a 2012. La categoría central de análisis fue la performatividad, subdividiéndose en cuatro subcategorías: procesos normativos; control remoto; procesos de evaluación; y rendición de cuentas. Los resultados muestran que las acciones emprendidas por la UFSCar con el objetivo de aumentar su desempeño, para alcanzar los indicadores, internos y externos, a la política, resultaron en la intensificación del proceso de rendición de cuentas por parte de la Universidad, reforzando la antigua rigidez y control provenientes de la modelo burocrático creandoun mundo paralelo de rendición de cuentas frente a los resultados de performatividad exigidos al sector.

Palabras clave: Nueva administración pública; Política pública; Burocracia; Educación universitaria; Reuni.

 

Introdução

            O termo Nova Gestão Pública foi criado em meados do século XX para nomear o modelo de gestão que passou a ser pensado como resposta à preocupação em se reformar a administração pública na primeira metade daquele século. Esse modelo trouxe como característica central o uso de pressupostos provenientes da esfera empresarial (TOONEN, 2010) para gestão do setor público, realizada por organizações públicas ou privadas – provenientes de parcerias realizadas entre o governo e os setores empresariais (OLIVEIRA; ROTHEN, 2019) -, sob o argumento da eficiência e da efetividade de seus serviços. De acordo com Dasso Júnior (2014, p. 408-9), a Nova Gestão Pública possui cinco pontos norteadores:

 

a) “lógica do privado” deve ser a referência a ser seguida; b) o mercado é quem deve formular políticas públicas; c) os serviços públicos devem abandonar as fórmulas burocráticas para assumir a modalidade da concorrência empresarial; d) o cidadão deve converter-se em cliente; e) a gestão deve ser apartada da política.

 

Esse modelo adentrou de forma mais clara no Brasil na década de 1990 com o nome Administração Pública Gerencial, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Com o documento Plano Diretor da Reforma do Estado Brasileiro, criado em 1995, pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE), sob o comando de  Bresser-Pereira (JUNQUILHO, 2010), o governo Fernando Henrique Cardoso iniciou uma ampla reforma do Estado decorrente de acordos firmados com agências financeiras internacionais - Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, por exemplo - para concessão de empréstimos que ficaram condicionados ao cumprimento de metas que estavam alinhadas aos interesses do mercado (OLIVEIRA; ROTHEN, 2019).

A reforma deveria, então, atuar no sentido da eliminação do modelo de “Estado intervencionista na economia”, dando espaço a um “Estado regulador”, a partir do uso de estratégias como: “redução do tamanho do Estado, fixação de limites ao gasto público, controle do endividamento das instituições públicas, racionalização do fasto público, políticas de privatização e reformas regulatórias” (DASSO JÚNIOR, 2006, p. 69).

Por essa razão, a ideia de modernização e diminuição da máquina estatal colocou-se como ação fundamental desse processo, de modo que o Plano Diretor estabeleceu como estratégia da reforma brasileira a “reconstrução da administração pública em bases modernas e racionais” (BRASIL, 1995, p. 6). Seu diagnóstico apontava que o modelo vigente, ao se pautar em princípios racional-burocráticos, limitava-se “a padrões hierárquicos rígidos”, que se mostravam morosos e ineficientes frente à grandeza e a complexidade dos desafios do país perante à “globalização econômica” (BRASIL, 1995, p. 6).

O modelo burocrático foi caracterizado no Documento como ineficiente ao se voltar para rígidos controles internos - na “admissão de pessoal”, nas “compras”, no “atendimento a demandas” etc. – e para o efetivo controle do que chamou de “abusos” por parte da gestão e dos cidadãos (BRASIL, 1995, p. 15). A ideia de abusos justificava-se no Documento sob o argumento de que o modelo burocrático fundar-se-ia em “uma desconfiança prévia nos administradores públicos e nos cidadãos que a eles dirigem demandas” (BRASIL, 1995, p. 15), o que forçaria o uso de um modelo de gestão calcado num grande “formalismo”, num “excesso de normas” e numa “rigidez de procedimentos”, tendo “excessiva regulamentação” expressa em sua ênfase na definição de normas e processos (BRASIL, 1995, p. 26).

Todavia, de acordo com o Plano Diretor da Reforma do Estado (BRASIL, 1995, p. 22), especialmente nos anos 1980, com a ampliação da atuação do Estado pela Constituição Federal de 1988,  o excesso de rigidez e controle do modelo burocrático teriam contribuído para fazer um “encarecimento significativo do custeio da máquina administrativa, tanto no que se refere a gastos com pessoal como bens e serviços, e um enorme aumento da ineficiência dos serviços públicos”, o que, sob tal argumento, teria colocado em xeque sua efetividade para os anos 1990.

Com base nessa interpretação, o Plano passou a apresentar a Administração Pública Gerencial como antídoto para as mazelas provenientes do modelo burocrático, ao se pautar sob novos princípios – “da confiança e da descentralização da decisão” – e exigir “formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções” (BRASIL, 1995, p. 17). Ainda, o Documento enfatizava como qualidades desse modelo o fato de se sustentar “em conceitos atuais de administração e eficiência, voltados para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão”, pela reorganização das “estruturas da administração com ênfase na qualidade e na produtividade do serviço público” e “pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações” (BRASIL, 1995, p. 7).

Assim, segundo o Plano Diretor (1995, p.16), a Administração Pública Gerencial apresentava-se como “um avanço” e “até um certo ponto” como “um rompimento com a administração pública burocrática”. Todavia, como destacado no próprio Documento da reforma, isso não significava que o modelo proposto negasse todos os princípios provenientes da gestão burocrática, posto que a Administração Pública Gerencial se apoiava no modelo anterior, do qual conservava, ainda que de forma flexível:

 

“[...] alguns dos seus princípios fundamentais, como a admissão segundo rígidos critérios de mérito, a existência de um sistema estruturado e universal de remuneração, as carreiras, a avaliação constante de desempenho, o treinamento sistemático” (BRASIL, 1995, p. 16).

 

Conforme o referido Plano, a diferença fundamental entre ambos estaria “na forma de controle”, que deixaria de se basear “nos processos para concentrar-se nos resultados”. (BRASIL, 1995, p. 16).  Com isso, os princípios da Nova Gestão Pública, presentes no Plano Diretor da Reforma do Estado brasileiro, sob o nome de Administração Pública Gerencial, contribuíram para inserção de diretrizes, procedimentos, indicadores e metas de natureza empresarial em todos os setores da administração pública brasileira, implantando no país um modelo de gestão pautado na criação de um amplo sistema de monitoramento de resultados, de avaliação da gestão e de prestação de contas.

Nesse contexto, tanto a prestação de contas, quanto os mecanismos de controle e a ênfase nos resultados passaram a se colocar como uma maneira para se garantir a melhoria e a transparência nos serviços prestados, com redução de custos e responsabilização de agentes prestadores dos serviços por seus resultados, associando descentralização do processo executório à centralização da formulação e do controle dos resultados, o que representaria a modernização da máquina estatal sob essa ótica. (ROTHEN, 2020).

Os primeiros registros da introdução da Nova Gestão Pública na educação ocorreram, segundo Oliveira, Duarte e Clementino (2017), citando estudo de Gewirtz e Ball, no final dos anos 1980, com a Reforma Educacional inglesa de 1988, quando se destacam:

 

A introdução do Currículo Nacional; a organização da escolarização obrigatória em 5 key-stages (estágios-chave), sendo que objetivos educacionais foram definidos para cada estágio; implantação da administração local das escolas; a introdução das Grant Maintained Schools (GMS – Escolas mantidas por subvenção); a liberdade aos pais de escolherem a escola para seus filhos; a publicização dos resultados obtidos nos exames (ranking de escolas) (GEWIRTZ; BALL, 2011, p. 199).

 

Gewirtz e Ball (2011, p. 199) apontam que esse “novo gerencialismo na educação enfatiza os propósitos instrumentais de escolarização”, no qual se busca o aumento dos “padrões e desempenhos conforme mensurados pela avaliação dos resultados, nível de frequência e destino dos egressos”, sendo “frequentemente articulado a um vocabulário da empresa, excelência, qualidade e eficiência”. Os autores mencionam ainda como características desse discurso as “decisões instrumentalistas guiadas pela eficiência, custo-eficácia, busca por competitividade” (GEWIRTZ; BALL, 2011, p. 200), que somados à ideia de prestação de contas, mecanismos de controle e ênfase nos resultados (COSTA; CUNHA, 2012) pautaram boa parte das políticas educacionais.

No cenário internacional, Oliveira, Duarte e Clementino (2017) destacam que a disseminação da Nova Gestão Pública na educação se deu a partir dos anos 1990. Exemplo disso foram as reformas educativas inauguradas no contexto latino-americano ao longo daquela década, quando se buscou reestruturar “o Estado por meio de princípios fundamentados na empresa capitalista, sob o argumento de necessária modernização”, inserindo “um discurso reformista que chega até a escola baseado na eficácia e eficiência nos serviços públicos” (OLIVEIRA, 2018, p. 44). Tais princípios igualmente orientaram a reforma gerencial do Estado brasileiro na década de 1990.

Nesse contexto, os processos avaliativos se intensificaram na área educacional brasileira e o uso de sistemas de prestação de contas tornou-se estratégia central do setor, que remodelou a tão criticada rigidez e controle da burocracia, substituindo dela o seu argumento da “desconfiança prévia” nos administradores públicos e cidadãos pelo dever de transparência na ação de gestores e funcionários públicos, construindo em si um mundo paralelo ao da “modernidade gerencial”: o do controle burocrático para prestação de contas frente aos resultados de performatividade exigidos do setor.

Pode ser destacado como exemplo, nesse sentido, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, com o objetivo de ampliar o acesso e a permanência de estudantes na educação superior. Sua estrutura e funcionamento tiveram como referência o modelo da Nova Gestão Pública, sendo efetivado por meio de contratos de apoio realizados entre o Governo Federal e as Universidades, sob a condição do uso de indicadores de performance, com vistas a reforçar a produtividade e a eficiência do setor, ao estabelecer ações para monitorar, avaliar e regular as Instituições (RAMOS; ROTHEN; FERNANDES, 2020).

Com base nesse contexto, o objetivo deste estudo é analisar a relação que se estabelece entre a Nova Gestão Pública e a burocracia dentro do Reuni, tendo como referência o caso da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).  Este artigo integra uma pesquisa mais ampla que investigou a Nova Gestão Pública e a reconfiguração da avaliação da educação superior na UFSCar a partir do Reuni, com base no uso de pesquisa documental e de campo. Para redação deste artigo, foram utilizados dados da pesquisa de campo ou, mais especificamente, foram usadas as entrevistas semiestruturadas realizadas com nove agentes institucionais que atuaram de 2007 a 2012 (período de implementação do Reuni na Universidade), em órgãos de produção e organização dos indicadores de performatividade da UFSCar. Essas entrevistas foram realizadas na Universidade, de maio a agosto de 2019, bem como gravadas em áudio e transcritas para processamento da análise. Como previsto no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os entrevistados tiveram os seus nomes omitidos nas análises, de acordo com o projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Plataforma Brasil (Número do Parecer: 2.708.094).

No processo de coleta e estudo dos dados, a performatividade foi considerada a categoria central de análise, sendo compreendida a partir de elementos relacionados ao desempenho que se define pelas competências de eficiência e de eficácia, às metas esperadas dos sujeitos envolvidos nos processos do Reuni e à visibilidade, definida pelos indicadores de desempenho e de insumos. Considera-se que a:

 

[...] performatividade é alcançada mediante a construção e publicação de informações e de indicadores, além de outras realizações e materiais institucionais de caráter promocional, como mecanismos para estimular, julgar e comparar profissionais em termos de resultado: a tendência para nomear, diferenciar e classificar (ROTHEN et al., 2018).

 

Na perspectiva de Ball (2005), a performatividade comparece como uma tecnologia, uma cultura ou um método de regulação, comum na pós-modernidade, em que as pessoas precisam de desenvolvimentos individuais que focalizam os resultados, sendo eficientes e eficazes no decorrer de suas ações. Os agentes institucionais são performáticos devido ao fato de serem avaliados, diferenciados e classificados, ao executarem as políticas públicas.

Para se proceder a análise documental e das entrevistas, a categoria performatividade foi subdividida em quatro subcategorias, sendo: processos reguladores, que focou a regulamentação que balizou as ações a serem desenvolvidas pela instituição; controle a distância, que apresentou os mecanismos de controle remoto provenientes tanto da gestão interna, quanto da gestão externa à UFSCar utilizados no período; processos de avaliação, que abordou os  mecanismos internos e externos de avaliação utilizados no processo; e prestação de contas, que revelou as ações e as ferramentas construídas para divulgar interna e externamente as ações e resultados alcançados pela instituição.

 

Nova Gestão Pública na educação: o caso do Reuni

Criado em 2007, o Reuni foi uma política educacional inserida no contexto da implantação das concepções da Nova Gestão Pública, como um “instrumento voltado para performatividade, tendo como base a regulação e a avaliação de desempenhos quantitativamente mensuráveis” (RAMOS; ROTHEN; FERNANDES, 2020, p. 3). O programa teve como foco a expansão do acesso, a reocupação das vagas ociosas e a permanência do estudante no ensino superior, definindo para isso a elevação gradual da taxa de conclusão média nos cursos de graduação presencial para 90%, e o aumento de 18 alunos por professor na graduação presencial.

A operacionalização de adesão das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) ao programa iniciava-se pela aprovação de um Plano de Reestruturação no órgão superior da instituição, “demandando seu ingresso no Programa e indicando suas estratégias de ação para atendimento das metas” (RAMOS; ROTHEN; FERNANDES, 2020, p. 10). No caso de adesão da UFSCar ao Reuni, esse processo ocorreu inicialmente por meio do Conselho Universitário (ConsUni), que no ano de 2007 nomeou uma comissão para discutir a proposta, e concomitantemente a Pró-Reitoria organizou-se para entender o projeto, suas demandas, compromissos e riscos. Assim, caberia à interessada a elaboração de uma Proposta, contendo as seguintes dimensões: 1) Ampliação da Oferta de Educação Superior Pública, 2) Reestruturação Acadêmico-Curricular, 3) Renovação Pedagógica da Educação Superior, 4) Mobilidade Intra e Inter-Institucional, 5) Compromisso Social da Instituição, 6) Suporte da pós-graduação ao desenvolvimento e aperfeiçoamento qualitativo dos cursos de graduação” (BRASIL, 2007).

O detalhamento de cada uma dessas dimensões na Proposta era uma indicação dos termos do Contrato firmado entre a instituição interessada e o MEC, considerando que, se aprovado o Plano de Reestruturação, “caberia ao MEC, condicionado à sua capacidade orçamentária e operacional, a destinação dos recursos financeiros a cada Universidade Federal”. Observa-se que, “nessa situação, os recursos chegariam definidos, limitados e regrados à Instituição”, cabendo à Universidade a “operacionalização do Programa, tendo os Conselhos Superiores o papel de validar o processo e o Dirigente, o papel de garantir o cumprimento das metas dentro do organograma da Universidade” (RAMOS; ROTHEN; FERNANDES, 2020, p. 15).

O Reuni promoveu a expansão das IFES pelo período de cinco anos (2007 a 2013). As 53 IFES existentes naquele período aderiram ao programa e isso resultou no aumento do número de matrículas, a partir da criação de cursos de graduação ou expansão dos cursos já existentes, contratação de docentes e servidores públicos, aumento da área predial das IFES e desenvolvimentos de políticas institucionais que adequassem as IFES às especificidades do Reuni. O Relatório Anual de Atividades 2010 da UFSCar (UFSCAR, 2011a) apresenta indicadores que permitem visualizar o crescimento rápido e expressivo da UFSCar em decorrência da adesão ao Projeto Reuni, com destaque para a criação dos Campi de Sorocaba e Lagoa dos Sinos. Este crescimento foi previsto para ocorrer no período de 2009 a 2012. Houve, de fato, um grande crescimento no número de cursos e vagas ofertadas, contratação de Técnico-Administrativos (TAs) e Docentes.

O Relatório de Atividade de 2009 da UFSCar mostra o aumento do número de cursos, particularmente dos cursos de extensão oferecidos por conta do Reuni (UFSCAR, 2010), na medida em que os professores, provavelmente, passaram a registrar de forma mais sistemática suas atividades, devido ao aumento do número de docentes e de cursos de graduação na Universidade no decorrer do período, e pelo fato de que a discussão interna indicava que a atividade de extensão faria parte da avaliação do trabalho docente. Entretanto, apesar dos aspectos positivos da expansão da UFSCar há também outros elementos preocupantes, como os pontuados no seu Relatório de Gestão do exercício 2010, que destaca o descompasso do crescimento do quadro de servidores Técnico-Administrativos (TAs) em relação ao de Docentes (UFSCAR, 2011b).

Para responder a esta situação, a UFSCar passou a investir sistematicamente em programas de capacitação e qualificação de sua força de trabalho, desenvolvendo iniciativas de informatização e revisão dos fluxos de processos de trabalho, procurando torná-los mais enxutos e racionais, e realizando ações direcionadas ao treinamento de servidores, com “custeio dos eventos, pagamento de passagens e diárias aos servidores, quando em viagem para capacitação, taxa de inscrição em cursos, seminários, congressos e outras despesas relacionadas à capacitação de pessoal” (UFSCAR, 2011b, p. 21). Contudo, essas iniciativas não foram suficientes para enfrentar o quadro que se delineou com a insuficiência de recursos para garantir a expansão planejada e a devida reposição do efetivo de TAs da Universidade (UFSCAR, 2011b).

A partir de 2010, foi organizado um conjunto de indicadores de desempenho da UFSCar para o gerenciamento de seus recursos humanos. Observa-se nos documentos analisados que a unidade possui um conjunto de dados importantes para a criação de indicadores gerenciais. No entanto, historicamente, tais indicadores não estavam sendo desenvolvidos, o que passou a ocorrer com a criação da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (ProGPe), no ano de 2010, e desde então foram criadas as condições para se pensar o desenvolvimento de indicadores gerenciais. (UFSCAR, 2012). Os indicadores sugeridos foram: Absenteísmo; Acidentes de trabalho e doenças ocupacionais; Rotatividade (turnover); Educação continuada; Satisfação e motivação; Disciplina; Desempenho funcional; Níveis salariais; e Demandas trabalhistas (UFSCAR, 2012, p. 27).

A organização desses indicadores reflete a expansão da UFSCar a partir do período de implementação do Reuni, explicitando sua performance ao longo dos anos, além de servirem como mecanismo de controle e regulação da instituição, ao se observar que

 

[...] todos os indicadores, por sua natureza contábil e ao servirem de base para avaliação da performance, acabariam atuando de forma direta na definição ou redefinição da estrutura e funcionamento da Universidade [...] (RAMOS; ROTHEN; FERNANDES, 2020, p. 18).

 

No caso da UFSCar, o Relatório de Atividade de 2009 indica que o registro das informações relacionadas ao desempenho das ações da Universidade e de suas unidades era realizado no Sistema Integrado de Planejamento, Orçamento e Finanças (SIMEC). (UFSCAR, 2010). São citados também outros três sistemas do então Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, atual Ministério da Economia, que atuavam nesse processo de monitoramento das ações, sendo eles: o Sistema de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), o Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (SIASG) e o Sistema de Gestão de Convênios, Contratos de Repasse e Termos de Parceria (SICONV) (UFSCAR, 2013).

O monitoramento realizado por meio desses sistemas de formulários eletrônicos servia tanto como base para a análise e aprovação das propostas quando da manifestação da instituição interessada em aderir ao Reuni, quanto possibilitava o acompanhamento das ações previstas nos Planos de Reestruturação de cada instituição participante da Proposta. Esses bancos de informações, somados aos sistemas internos criados pela UFSCar, como o Sistema informatizado de controle acadêmico (ProgradWeb) e o Programa de acompanhamento dos programas de ensino (Nexos), bem como aos processos de regulação externos e internos conduzidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Auditoria Interna da UFSCar (AudIn), mostram que a adesão da Universidade ao Reuni implicou “certo enquadramento” (RAMOS; ROTHEN; FERNANDES, 2020, p. 21), nesse caso explicitado na ideia da prestação de contas como elemento que gera a burocracia exigida pelo Programa.

Assim, se por um lado a prestação de contas, junto a outros mecanismos de monitoramento, avaliação e regulação, visam garantir a transparência, melhoria, redução de custos dos serviços públicos (COSTA; CUNHA, 2012), por outro, reforçam “a produtividade e a eficiência como seus objetivos centrais de gestão, ao condicionar o recebimento de recursos ao cumprimento das metas que foram pactuadas nas Propostas de expansão das IFES”. (RAMOS; ROTHEN; FERNANDES, 2020, p. 21-22).

 

A Burocracia da Nova Gestão Pública na UFSCar: o caso do Reuni

A percepção sobre a performatividade da UFSCar aparece na fala dos entrevistados quando discorrem sobre os indicadores da Universidade, ressaltando sua relação com o financiamento da instituição pública e a exigência da prestação de contas à sociedade. Para o Entrevistado 3, “a universidade, enquanto instituição pública, precisa dar satisfação à sociedade” e, por isso, “os indicadores são criados por conta das ações”, de modo que, “para cada ação estabelece-se um número e esse número serve como referência a ser cobrada”. Nesse sentido, conforme verificado nas entrevistas, o indicador de desempenho mais utilizado e que impactou no volume de recursos recebidos pela UFSCar foi o seu número de alunos equivalentes. Segundo o Entrevistado 3, o MEC dizia o seguinte:

 

[...] 12 milhões serão repassados para as universidades. E isso é custeio e capital, não é o salário, pois o pagamento de professores está fora disso. Quanto a universidade federal vai ter nisso? Ela calcula seus alunos equivalentes. Nesse cálculo da fórmula do aluno equivalente há um conjunto de elementos, mas sempre associado ao aluno. Alunos formados, alunos que vão entrar, alunos que estão fora, de outros campi, alunos de cursos noturnos, alunos de medicina, de engenharia, da pedagogia etc. O tipo de curso impacta nisso daí. O resultado é uma quantidade de alunos equivalentes por universidade e eu, com meus alunos equivalentes, vou ter uma quantidade, um percentual daquele valor do MEC. Assim é feita a distribuição de recursos. Esse cálculo de alunos equivalentes é ditado, é checado. Esse é o grande indicador, aluno equivalente.

 

Todavia, o principal indicador usado para avaliação e cobrança do MEC em relação aos recursos empregados pelo Reuni referia-se, segundo os entrevistados, ao indicador de qualidade da UFSCar, que apresentava a taxa de sucesso dos cursos, ou seja, a relação entre a entrada e saída de alunos. Pode-se dizer que tal indicador expressava a ideia presente no contrato firmado pela instituição com o MEC, que previa a elevação da taxa de sucesso dos alunos para 90%. Dessa forma, como assinala o Entrevistado 2, embora a preocupação da UFSCar com seus indicadores de qualidade já existisse antes do Reuni, esse cuidado foi ampliado com a política, pois a questão dos indicadores de desempenho e de qualidade passaram a materializar, tanto para a comunidade interna quanto para a externa, a performatividade da Universidade (Entrevistado 1), bem como condicionava o recebimento de novas verbas pela Instituição. Em suas palavras:

 

Eu lembro que alguns indicadores eram importantes, por exemplo, essa questão do professor/aluno. E era importante subir, no total, o número de alunos da UFSCar em relação ao número de professores, no final do Programa. Isso também era um dado importante [...]. A questão das turmas também era muito importante. Eu lembro que, segundo esses indicadores, não se podia abrir cursos novos com menos de 40 alunos. Isso gerava algumas amarras. Gerava também um limite no número de professores que se podia trazer, fosse para um curso novo ou para um curso que estava sendo oferecido em outra modalidade. Então esses indicadores tinham que ser levados em consideração (Entrevistado 1).

 

 Sob essa perspectiva é que se intensificaram, na UFSCar, os mecanismos de controle a distância provenientes tanto da gestão interna, quando da gestão externa à Instituição, efetuado sobretudo por meio de ferramentas informatizadas já que, anteriormente ao Reuni, a Universidade não contava com um sistema de prestação de contas automatizado, de modo que seus trâmites burocráticos eram processados em papel. Segundo o Entrevistado 2:

 

É demanda dos Órgãos de controle, porque é mais investimento, então automaticamente fica necessário criar mais mecanismos. Então, por exemplo, a gente não tinha um sistema de prestação de contas automatizado, era tudo enviado em papel, aí nesse período automatizou também o sistema de prestação de contas, no qual você tinha que entrar e registrar em tópicos específicos, já tinha que fazer toda a explicitação de cada um […].

 

A partir do Reuni, observa-se então um processo de revisão ou construção de ferramentas de controle a distância no campo da gestão externa à instituição. Nesse caso, destaca-se que o sistema de prestação de contas para o MEC passou a ser processado em um ambiente virtual – o Sistema Integrado de Planejamento, Orçamento e Finanças do Ministério da Educação (SIMEC), altamente detalhado em tópicos específicos. Para o Entrevistado 2, isso ocasionou que, embora o Reuni tenha se apresentado inicialmente como mais um programa para a UFSCar, com o passar do tempo “ele passou a ser ‘o’ [mais importante] programa” por conta do grande volume de verbas que começou a movimentar na Universidade e do controle externo que era feito dos resultados do uso dessas verbas.

Segundo o Entrevistado 6, isso implicou que a Reitoria criasse uma comissão específica para inserir esses dados no Simec, “porque tinham que ser implementados dentro do sistema do Ministério da Educação”. Então, “a reitoria determinou pessoas para fazer essa implementação” (Entrevistado 6), direcionando um número de funcionários administrativos da Universidade para alimentar a burocracia virtual criada a partir do Reuni, não obstante o número insuficiente de profissionais técnico-administrativos existentes na UFSCar diante das novas demandas geradas pela expansão (Entrevistado 3).

Além dos mecanismos externos de controle, a UFSCar passou ainda a atuar na criação ou ampliação de mecanismos burocráticos de controle interno à Universidade, com base na preocupação de que o recebimento de verbas Reuni estava condicionado ao número de alunos equivalentes e à performatividade que a Universidade apresentaria na manutenção, permanência e sucesso de seus estudantes nos cursos. A ideia, portanto, seria acompanhar internamente os dados de performance da Instituição para criar e sustentar bons resultados, garantindo o cumprimento dos indicadores estabelecidos no contrato com o MEC e, por consequência, o recebimento das verbas Reuni. Conforme explica o Entrevistado 1,

 

[...] a liberação de verba do Reuni era anual, o número de vagas etc. Para seguir tendo as liberações tinha-se que cumprir o que fora aprovado aqui, no MEC etc. Nisso as universidades tinham liberdade para dizer quanto iam cumprir em cada ano do programa. [...] Mas uma vez aprovado, o projeto tinha que ser cumprido. Um projeto propunha abrir tantas vagas no primeiro ano: havia a liberação. Mas só era liberada a verba completa do segundo ano se fosse cumprido o que fora proposto no primeiro ano. Eu não sei em que grau isso foi controlado. Na UFSCar, ao que me parece, os centros, os departamentos e a reitoria cumpriram algo muito próximo do que foi combinado.

 

Além da crescente burocracia usada como estratégia para controle performático da UFSCar, o Entrevistado 2 destaca também o aumento dos procedimentos burocráticos voltados para a avaliação das ações da Universidade no sentido de verificar a efetividade da gestão administrativa e acadêmica da UFSCar frente à expansão. Nesse sentido, o referido Entrevistado ressalta o trabalho realizado pela Comissão Própria de Avaliação (CPA), juntamente com a Secretaria Geral de Planejamento e Desenvolvimento Institucionais (SPDI), diante da expansão da Universidade.

 

Então foi assim, um período em que a gente passou a acompanhar de lá, da Secretaria de Planejamento […] e expandiu muito a universidade nessa época, aumentou muito o número de cursos, número de alunos, então a parte de estatística tinha que ser feita junto com a ProGrad, junto com a CPA – muitos trabalhos foram feitos em conjunto –, para acompanhar como a universidade estava conseguindo desenvolver suas atividades com todas essas mudanças (Entrevistado 2).

 

Assim, como se observa, “a utilização de sistemas de controle internos e externos, informatizados, pela universidade” foi “uma decorrência do próprio crescimento da instituição, do número de alunos”. (Entrevistado 2). Com isso, a consequência foi a intensificação dos processos de prestação de contas, que se estabeleceu como procedimento para respaldar a fiscalização sobre os gastos da Universidade e para apresentar à sociedade e/ou Estado os resultados dos investimentos realizados, conforme destaca o parágrafo 1º do artigo 70 da Constituição Federal de 1988, que prevê a prestação de contas de “qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”. (BRASIL, 1988).

O processo de Prestação de Contas da UFSCar era feito por meio de publicações periódicas como Relatórios de Prestação de Contas, Relatórios de Atividades, UFSCar em números, Anuários Estáticos, Indicadores do Biênio e Indicadores TCU/UFSCar, que são elaborados pela Secretaria Geral de Planejamento e Desenvolvimento Institucionais (SPDI) em conjunto com outros setores da Universidade. Segundo informações constantes da página eletrônica da SPDI, o Relatório era

 

[...] encaminhado para a Controladoria Geral da União do Estado de São Paulo (CGU), para avaliação e emissão de parecer sobre a gestão. Após a emissão do parecer, a CGU/SP envia para o Ministro de Estado supervisor para obtenção do Pronunciamento Ministerial, e finalmente tramitado para o Tribunal de Contas da União (TCU), para julgamento final (UFSCAR, [2020]).

 

A respeito dos órgãos externos, o Entrevistado 3 aponta que com a criação da Controladoria Geral da União (CGU), no início dos anos 2000, a UFSCar passou por “auditorias em quase todos os anos, em alguns anos não, porque tínhamos obtido bons resultados e com isso ficamos à margem do processo de auditoria, quando a Universidade resolveu criar mecanismos próprios de auditoria”.

 

[...] nós tínhamos que receber auditorias anuais: Ministério Público, TCU e CGU. Tínhamos os órgãos que vinham aqui. Nós implantamos a auditoria interna na universidade, e eu mesmo fui lá, eu fiz a proposta. Por que fizemos isso? Primeiro que por lei é necessário. E até então a universidade estava tangenciando essa questão, colocando de lado. Até que chegou o momento em que nosso reitor ia sofrer uma multa, porque tinha sido uma recomendação a implantação de auditorias aqui. E aí começamos a fazer, implantar a auditoria. Hoje nós temos uma área, para a qual foram contratados, recentemente, dois auditores. Hoje temos isso implantado, o que não significa que não temos mais as auditorias externas. E o que se observa na universidade é: ao menos na parte administrativa é muito difícil fazer uma bobagem, a não ser que se queira muito (Entrevistado 3).

 

Conforme dito anteriormente, o registro das informações relacionadas ao desempenho das ações do MEC e de suas unidades era realizado no Sistema Integrado de Planejamento, Orçamento e Finanças (SIMEC). Uma das preocupações da Instituição era mostrar que os indicadores utilizados ocorrem em fontes fidedignas e auditáveis, tais como: ProgradWeb; Nexos; Plano Plurianual; Plataforma Integrada para Gestão das IFES; e-MEC; Coleta CAPES (atualmente Plataforma Sucupira); Censo da Educação Superior; PingIFES; Serviço de Controle de Estagiários (SerCE); e o e-Contas.

No âmbito interno da UFSCar também foram criadas algumas comissões ao longo do tempo, como a Comissão de Processos Administrativos e a Comissão de Risco, fazendo com que a Universidade passasse progressivamente a se preocupar mais com o atendimento da cobrança burocrática do que gerencial.

Com base nos dados observados, pode-se dizer que durante o período de 2007 a 2017, as ações tomadas pela UFSCar para dar conta de atender às novas demandas provenientes do amplo processo de expansão materializado pela implementação do Reuni ocasionaram o aumento de sua performatividade, com vistas a alcançar os indicadores, internos e externos, à política. Esse contexto teve como consequência a intensificação do processo de prestação de contas pela Universidade, sob o argumento da necessária transparência da gestão pública, o que acarretou o aumento da burocracia na Instituição.

 

Considerações finais

Os resultados da análise das entrevistas auxiliaram a compreensão sobre a questão da Nova Gestão Pública na UFSCar no contexto de implementação do Reuni, perpassando pela categoria performatividade. A questão da performatividade, expressa na preocupação da UFSCar com seus indicadores de qualidade, também se mostrava presente na universidade antes da implantação do Reuni. Os indicadores de evasão, reprovação, repetência, número alunos e de vagas são questões que atravessam a gestão de toda universidade e foi ampliada a partir do período do Reuni, que exigiu maiores discussões sobre a Taxa de sucesso dos cursos, o número de alunos por professor e o número de TAs. Tais indicadores configuram a performatividade da universidade que é percebida pela comunidade interna e externa à UFSCar.

Ao falarem sobre a performatividade, os entrevistados descreveram também os processos reguladores externos do TCU e a regulação interna da UFSCar realizada pela AudIn, problematizando o peso das orientações legais e seu impacto para a autonomia universitária, constatando-se que os processos reguladores externos e seus mecanismos de controle eram percebidos de forma similar para a maioria dos gestores da universidade.

Ao detalharem questões referentes ao controle a distância, os entrevistados assinalaram sua significativa intensificação após a implantação do Reuni. Tal controle foi realizado a partir da criação e uso de ferramentas informatizadas tanto pelo Estado, quanto pela própria Universidade, como decorrência do aumento de investimentos públicos na Instituição, que levou à criação de novos mecanismos internos e externos de controle de seus resultados mais eficientes.

Assim, em síntese, percebe-se pelos resultados das entrevistas realizadas nesta pesquisa que as ações institucionais da UFSCar e suas práticas de avaliação, gestão e regulação intensificaram práticas provenientes da Nova Gestão Pública, que já eram presentes na Universidade, mas que foram amplificadas pelo uso dos processos avaliativos na área educacional, ocasionando a ampliação do sistema de prestação de contas. 

Por essa razão, conforme observado no caso estudado, não obstante a prestação de contas ter se apresentado como mecanismo para melhorar a transparência nos gastos e gestão do setor, na prática, ela acabou reforçando o aumento da produtividade, ao relacionar o recebimento de recursos e o cumprimento das metas presentes na Proposta de expansão da UFSCar, reforçando a antiga rigidez e o controle provenientes do modelo burocrático a partir da criação de um mundo paralelo de prestação de contas frente aos resultados de performatividade exigidos do setor.

 

Referências

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[1]Artigo produzido a partir dos resultados da pesquisa “A nova gestão pública e a reconfiguração da avaliação da educação superior: o caso da UFSCar”, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo 2017/21393-1.