O papel da gestão escolar na construção de práticas pedagógicas antirracistas no contexto da educação infantil

The school management actions to the implementation of antiracist pedagogical practices in early children’s education

El papel de la gestión escolar en la construcción de prácticas pedagógicas antirracistas en el contexto de la educación infantil

Fabiana Pereira Marques

Universidade do Estado do Amapá, Macapá, AP, Brasil

marquesf896@gmail.com

Ângela do Céu Ubaiara Brito

Universidade do Estado do Amapá, Macapá, AP, Brasil

angela.brito@ueap.edu.br

 

Recebido em 24 de outubro de 2022

Aprovado em 27 de outubro de 2022

Publicado em 09 de junho de 2025

 

RESUMO

Este estudo analisa como a produção acadêmica brasileira tem discutido a atuação do gestor escolar no desenvolvimento de práticas pedagógicas antirracistas na educação infantil. Buscou-se investigar a seguinte questão: de que forma a produção acadêmica brasileira publicada entre os anos de 2015 e 2019 tem refletido a atuação do gestor escolar na formulação e implementação dessas práticas? Para isso, a pesquisa adotou uma abordagem qualitativa, com revisão bibliográfica realizada nas bases SciELO e CAPES, considerando artigos publicados no período mencionado e alinhados ao nível de ensino e ao objetivo estabelecido. Os resultados revelam que, apesar da importância do gestor escolar na estruturação de uma educação antirracista, sua atuação ainda se mostra secundária, uma vez que muitas das iniciativas têm sido propostas por agentes externos à escola. Além disso, evidenciou-se a necessidade de ampliar as discussões sobre o tema e de reorientar perspectivas que tentam negar ou minimizar a existência do racismo na educação infantil.

Palavras-chave: Educação antirracista; Gestão escolar; Práticas pedagógicas; Educação infantil.


 

ABSTRACT

This study analyzes how Brazilian academic research has discussed the role of school management in developing antiracist pedagogical practices in early childhood education. It seeks to investigate the following question: How has Brazilian academic research published between 2015 and 2019 reflected the role of school managers in the formulation and implementation of these practices? To this end, the study adopted a qualitative approach, conducting a bibliographic review in the SciELO and CAPES databases, considering articles published during the specified period and aligned with the defined educational level and objective. The results reveal that, despite the importance of school managers in structuring antiracist education, their role remains secondary, as many of the initiatives have been proposed by external agents rather than the school itself. Furthermore, it was found that discussions on the topic need to be further promoted, and perspectives that attempt to deny or minimize the existence of racism in early childhood education must be effectively addressed.

Keywords: Antiracist education; School management; Pedagogical practices; Children’s education.

 

RESUMEN

Este estudio analiza cómo la producción académica brasileña ha discutido el papel del gestor escolar en el desarrollo de prácticas pedagógicas antirracistas en la educación infantil. Se investigó la siguiente cuestión: ¿de qué manera la producción académica brasileña publicada entre los años 2015 y 2019 ha reflejado la actuación del gestor escolar en la formulación e implementación de estas prácticas? Para ello, la investigación adoptó un enfoque cualitativo, con una revisión bibliográfica realizada en las bases SciELO y CAPES, considerando artículos publicados en el período mencionado y alineados con el nivel educativo y el objetivo establecido. Los resultados revelan que, a pesar de la importancia del gestor escolar en la estructuración de una educación antirracista, su actuación sigue siendo secundaria, ya que muchas de las iniciativas han sido propuestas por agentes externos a la escuela. Además, se evidenció la necesidad de ampliar las discusiones sobre el tema y de reorientar perspectivas que intentan negar o minimizar la existencia del racismo en la educación infantil.

Palabras clave: Educación antirracista; Gestión escolar; Prácticas pedagógicas; Educación infantil.

 

Introdução

A educação antirracista é uma proposta educacional concebida no seio do movimento negro com o objetivo de transformar a escola em um ambiente plural e inclusivo. Atualmente, encontra-se amparada pelo principal documento normativo da educação brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n. 9.394/1996, que visa apoiar gestores e professores na construção de práticas pedagógicas capazes de eliminar as desigualdades étnico-raciais presentes no ambiente escolar.

Tendo em vista que esse documento orienta o desenvolvimento da educação antirracista desde o início da escolarização, reconhecer os benefícios que ela pode proporcionar quanto à constituição de um espaço escolar voltado para a prática da diversidade, do respeito e da valorização da pessoa humana pressupõe também compreender as responsabilidades dos agentes educacionais na promoção dessa perspectiva pedagógica.

Em razão disso, compreende-se que a gestão escolar representa a instância mediadora das atividades educativas entre as esferas institucionais específicas e os atores que compõem o espaço formal de ensino. Dessa forma, surge o seguinte questionamento: de que maneira a produção acadêmica brasileira publicada entre os anos de 2015 e 2019 tem refletido a atuação do gestor escolar na formulação e implementação de práticas pedagógicas antirracistas na educação infantil?

Investigar essa questão implica entender que seus resultados podem trazer contribuições significativas para o contexto acadêmico e escolar brasileiro, especialmente porque ainda há um número reduzido de trabalhos que abordam a intersecção entre gestão escolar e educação antirracista no ensino infantil.

Além disso, discutir esse questionamento é uma forma de apresentar novos caminhos para a gestão democrática, por meio dos quais se pode ampliar as estratégias de efetivação da educação antirracista na escola.

A partir do exposto, indica-se que este artigo tem como objetivo geral analisar como a produção acadêmica brasileira tem discutido a atuação do gestor escolar no desenvolvimento de práticas pedagógicas antirracistas na educação infantil. Especificamente busca examinar as contribuições do princípio da gestão escolar democrática na formulação e implementação de práticas pedagógicas antirracistas na educação infantil, considerando sua relevância para o fortalecimento de uma educação inclusiva e equitativa e identificar as principais dificuldades e desafios enfrentados pelos gestores escolares na promoção de práticas pedagógicas antirracistas na educação infantil, analisando as barreiras institucionais e estruturais que impactam a efetivação dessas iniciativas.

Diante de tais proposições, ressalta-se que o artigo está estruturado em três seções: na primeira, baseada em autores como Lück (2009), Glass (2012), Paro (2016), Macedo (2016) e Libâneo (2018), buscou-se estabelecer uma relação estreita entre gestão escolar democrática e educação antirracista.

Na segunda seção, a partir das reflexões de Cavalleiro (2001), Dias (2007) e Oliveira e Abramowicz (2010), foram discutidas as práticas pedagógicas antirracistas no contexto da educação infantil. Por fim, na terceira seção, analisou-se como as pesquisas realizadas entre 2015 e 2019 abordam a atuação do gestor escolar na formulação e implementação de práticas pedagógicas antirracistas na educação infantil.

 

Gestão escolar democrática e educação antirracista: uma relação necessária

Refletindo o contexto mais amplo da vida em sociedade, os ambientes formais de ensino têm lidado com um problema que vem gradualmente provocando uma revisão das discussões teóricas e a proposição de novos caminhos de interpretação e avaliação, qual seja o racismo na educação ou racismo educacional.

A discussão da categoria conceitual "racismo educacional" não apenas é recente no Brasil, como também está integrada a uma série de considerações que necessariamente dialogam com dispositivos legais sancionados para tal finalidade, entre os quais se destacam as Leis n. 10.639/2003 e n. 12.288/2010.

Algumas dessas considerações incluem, especialmente, questões como o modelo de gestão escolar adotado, a formulação do currículo escolar, o debate sobre políticas públicas voltadas para o combate a qualquer forma de discriminação e a promoção de uma educação antirracista.

Uma possível definição dessa perspectiva discursiva implica, antes de mais nada, em considerar que uma educação antirracista compreende aquilo que Cavalleiro (2001, p. 150) define como sua "palavra máxima", ou seja, o fomento e a defesa da "igualdade entre os seres humanos".

Tal igualdade, no entanto, está ameaçada devido à constatação de que a escola, por fazer parte de uma estrutura fortemente marcada pelo racismo, também se configura como um espaço de produção e reprodução de ideologias que vitimam, principalmente, crianças e jovens negros.

Ao sinalizar a necessidade de um repensar imediato e abrangente da cultura escolar, essa constatação reforça o princípio central da educação antirracista de que "se a escola pode produzir e reproduzir preconceitos, ela também pode ser um espaço de construção de identidade, de formação da cidadania e de transformação social" (Pereira; Dias, 2019, p. 32).

Porém, conscientes de que superar o racismo não é tarefa fácil e de que "uma resposta adequada à questão racial requer uma transformação radical em cada um de nós" (Glass, 2012, p. 885), acredita-se que um dos primeiros caminhos teórico-práticos a serem adotados consiste em desenvolver estratégias de sensibilização, capazes de levar a comunidade escolar, especialmente os gestores, a perceberem o fenômeno do racismo nas instituições de ensino como algo real e cotidiano, que precisa ser assumido e combatido.

Além disso, a adoção de modelos de organização e gestão mais flexíveis, que reflitam o respeito à diversidade no currículo escolar em seus vários aspectos (social, religioso, étnico, cultural e de gênero), é outro caminho que fortalece o diálogo entre educação antirracista e gestão escolar democrática.

Nesse sentido, se a proposta de uma educação antirracista alimenta um profundo desejo pela igualdade, assim como pelo respeito à diversidade e à pluralidade, como podemos definir uma gestão democrática aplicada ao contexto educacional?

De acordo com Lück (2009, p. 71), a gestão democrática é um processo no qual "se criam condições e se estabelecem as orientações necessárias para que os membros de uma coletividade [...] assumam os compromissos necessários para a sua efetivação".

Originado como um princípio do ensino público na Constituição de 1988, e posteriormente inserido na LDBEN de 1996, este modelo de gestão tem ganhado cada vez mais relevância nas discussões sobre a democratização educacional, pois é por meio dele que a diversificação da cultura escolar se torna possível.

É nele, por exemplo, que a relação escola-comunidade, a participação ativa, a iniciativa, a colegialidade e o compartilhamento de ideias e decisões são valorizados.

Autores brasileiros que estudam o princípio da gestão escolar democrática, como Lück (2009), Paro (2016) e Libâneo (2018), são unânimes ao afirmar que a participação nos processos decisórios e na execução de tais processos é uma dimensão central desse modelo.

Essa afirmação não se sustenta apenas no fato de que a participação é o elemento mais forte da prática democrática, mas também no entendimento de que somente por meio dela é possível "experimentar formas não autoritárias de exercício de poder, de intervir nas decisões da organização e definir coletivamente o rumo dos trabalhos" (Libâneo, 2018, p. 89).

Todas essas qualidades permitem acreditar que a gestão democrática seja um caminho viável para transformar o ambiente escolar, pois ao provocar a (re)organização das relações entre os sujeitos escolares sob uma perspectiva mais dialógica, ela desarticula o sistema hierárquico que concentra o poder de decisão nas mãos do diretor e torna possível a construção de uma escola verdadeiramente antirracista, baseada na colaboração de múltiplos atores sociais.

Assim, Paro (2016, p. 13) afirma que, longe de ser uma utopia, o modelo de gestão baseado na "efetiva participação de pais, educadores, alunos e funcionários da escola" é uma proposta plenamente viável para a resolução dos conflitos e desafios enfrentados pelas instituições de ensino.

Apoiada no potencial desse modelo de gestão para superar ou enfrentar coletivamente os problemas escolares, a reflexão sobre como o gestor pode articular essa participação no ambiente educacional se torna essencial, para evitar visões unificadoras de sujeito, família e sociedade que impeçam a pluralidade de perspectivas.

Por isso, vislumbrando a realização de uma educação racialmente crítica e antirracista (Glass, 2012), isto é, uma educação comprometida com a análise e enfrentamento das questões raciais no ambiente escolar, defende-se que a escola, ao adotar as características da gestão democrática, constitua conselhos diretivos que garantam a participação ativa da comunidade nas tomadas de decisões e estabeleça uma estreita relação com o movimento negro e com os pesquisadores dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEABs), pois são eles as instâncias mais capacitadas para contribuir com esse objetivo.

A criação de redes de colaboração entre a equipe escolar em torno de um projeto de educação antirracista, além de necessária, é plenamente viável, uma vez que a LDBEN (Brasil, 2017) confere às escolas autonomia para, em estrita observância às recomendações dos dispositivos legais, desenvolverem suas próprias propostas pedagógicas em parceria e corresponsabilização com outras instâncias.

O próprio Parecer n. 003/2004, que aprovou as Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, reforça essa ideia, afirmando que o sucesso das políticas públicas de Estado voltadas para uma educação que promova reparação, reconhecimento e valorização da identidade, cultura e história dos negros brasileiros “depende [...] de trabalho conjunto, de articulação entre processos educativos escolares, políticas públicas e movimentos sociais”, já que “mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações étnico-raciais não se limitam à escola” (Brasil, 2004, p. 5), mas se tornam responsabilidade de todos.

Sendo tal empreendimento um compromisso coletivo que se insere no horizonte da vida em sociedade, não parece razoável que a responsabilidade pela construção desse projeto educacional continue sendo atribuída exclusivamente ao professor.

Ao analisar o problema sob essa perspectiva, fica evidente que delegar aos professores o encargo único desse projeto educacional equivale a isentar os demais sujeitos da instituição escolar – isto é, discentes, gestores, funcionários e famílias – de suas respectivas responsabilidades.

No âmbito escolar, todos devem ser protagonistas da educação antirracista. Todos precisam estar engajados na desconstrução de preconceitos e estereótipos, bem como comprometidos com a melhoria das relações humanas. Afinal, o racismo não é um problema que afeta apenas pessoas negras; ele “imprime marcas negativas na subjetividade dos negros e também na dos que discriminam” (Brasil, 2004, p. 16).

Um dos primeiros interessados, ressalta-se, deve ser o gestor escolar. Cabe a ele conduzir e motivar a comunidade escolar na implementação das políticas afirmativas de inclusão das temáticas étnico-raciais nos planos e projetos oficiais da instituição. Além disso, o gestor escolar deve oferecer suporte adequado às práticas docentes e fomentar intercâmbios entre a escola e os movimentos negros, visando proporcionar ações formativas e extensivas para professores e alunos.

Mais do que qualquer outro agente educacional, o gestor escolar deve estar comprometido com o enfrentamento do racismo dentro da instituição. Afinal, o gestor que não se posiciona contra atitudes racistas na escola “acaba por ratificá-las, demonstrando um ponto de vista que pode ser entendido como institucional, uma vez que a gestão é também a representação de toda a escola” (Macedo, 2016, p. 108).

E, sendo a gestão uma representação institucional, compete a ela refletir sobre as atividades desempenhadas, promover a descentralização das decisões e das tarefas, para que os diversos atores escolares tenham a oportunidade de participar ativamente da idealização do projeto de educação antirracista. Esse projeto precisa, imperativamente, incorporar as aspirações, desejos e expectativas reais da comunidade em relação às questões étnico-raciais, conforme determinam as Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais.

O gestor escolar não deve mais ser visto como um burocrata focado exclusivamente no desempenho acadêmico e nos indicadores de rendimento escolar. O gestor do tempo presente precisa compreender que o compartilhamento do poder e da liderança é essencial para que a transformação se instale no ambiente escolar. Além disso, ele deve perceber que mudanças efetivas na rotina institucional só serão possíveis mediante a construção de diálogos e a disponibilização de espaços coletivos de questionamento e revisão de práticas que contrariam os fundamentos da gestão democrática.

Dito isso, se o racismo é um antivalor social que emerge do cultivo da intolerância e da rejeição à diversidade, tanto no contexto familiar quanto no social, infiltrando-se no ambiente escolar pela ausência de um diálogo estruturado sobre sua problemática, não há outro caminho para reverter esse dano senão a abertura da escola para o confronto.

Esse confronto deve ser desenvolvido no sentido de incutir nos sujeitos, desde os primeiros anos de sua vida escolar, valores pautados no respeito às diferenças e na dignidade humana.

 

As práticas pedagógicas antirracistas no contexto da educação infantil

A educação infantil é uma etapa de ensino, sendo vislumbrada como o momento ideal para o trabalho com as práticas antirracistas na escola, pois é neste período da fase escolar que as crianças começam a construir sua identidade e a formar seus “conceitos e valores sobre a vida, a beleza, o bem, o mal, o feio, entre outras coisas” (Brasil, 2006, p. 31), os quais podem favorecer o adequado cultivo e aprendizado das relações étnico-raciais.

Além disso, a constatação de que as crianças nessa etapa de ensino já compreendem os efeitos do racismo e apresentam “uma percepção das diferenças raciais” (Oliveira; Abramowicz, 2010, p. 212), que pode levá-las a nutrir sentimentos preconceituosos em relação àqueles que são diferentes de si, tem acelerado cada vez mais as discussões sobre a aplicabilidade de práticas pedagógicas antirracistas capazes de reverter esse cenário.

As práticas pedagógicas antirracistas são ações planejadas com o objetivo de combater o racismo e impedir que o preconceito racial e o preconceito de marca[1] manifestados no ambiente escolar se espraiem e adquiram corpo social. O desenvolvimento destas ações encontra respaldo nos principais dispositivos normativos da educação brasileira.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana colaboram para a construção de práticas pedagógicas antirracistas na escola (Brasil, 2004).

A Resolução n. 5, de 17 de dezembro de 2009, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), determina que as diferentes culturas sejam contempladas na organização das propostas pedagógicas das instituições de educação infantil, preenchendo a lacuna legal deixada pela Lei n. 10.639/2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana somente para os estabelecimentos de ensino fundamental e médio.

Segundo esse documento, nos incisos VIII a X do art. 8°, as propostas pedagógicas das escolas de educação infantil devem assegurar às crianças apropriação e reconhecimento cultural, bem como sua dignidade contra formas de violência real ou simbólica (Brasil, 2009).

 

VIII - a apropriação pelas crianças das contribuições histórico-culturais dos povos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros países da América;

IX - o reconhecimento, a valorização, o respeito e a interação das crianças com as histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras, bem como o combate ao racismo e à discriminação;

X - a dignidade da criança como pessoa humana e a proteção contra qualquer forma de violência – física ou simbólica – e negligência no interior da instituição ou praticadas pela família, prevendo os encaminhamentos de violações para instâncias competentes (Brasil, 2009, p. 2-3).

 

Diante dessas recomendações, fica evidente que os profissionais da educação infantil não podem mais subestimar as capacidades cognitivas das crianças com a justificativa de sua pouca idade (Marques; Dornelles, 2019). Em vez disso, devem estar preparados para desenvolver ações que combatam qualquer discurso pautado na ideia de superioridade racial, ajudando a deslegitimar visões preconceituosas internalizadas no contexto familiar.

Cientes das dificuldades manifestadas e motivados a auxiliar gestores e professores nessa missão, alguns autores, baseados nas orientações dos documentos oficiais da educação infantil, têm proposto um conjunto de práticas, as quais se configuram como antirracistas por assumirem continuamente esse compromisso com a (re)educação das relações étnico-raciais e também com o combate ao racismo e a todas as formas de discriminação e tratamentos diferenciados que insistem em se perpetuar no ambiente escolar (Cavalleiro, 2001).

Dias (2007), perfazendo os campos de experiência da educação infantil, demonstra que essas práticas podem se efetivar de diversas formas, seja por meio da contação e leitura de histórias infantis que colocam os personagens negros em situação de prestígio; das oficinas de confecção de bonecas e brinquedos que possuam relação com a história afro-brasileira e africana; da leitura e releitura de obras de arte produzidas por diferentes grupos étnico-raciais ou mesmo por meio de cartazes e murais que assumam uma relação intrínseca com a diversidade cultural presente na escola.

Em complemento, Silva Jr., Bento e Carvalho (2012), no livro Educação infantil e práticas promotoras de igualdade racial, apresentam várias outras atividades, jogos e brincadeiras que podem ser utilizados pelas escolas como forma de fomentar a (re)educação das relações étnico-raciais entre as crianças.

Dentre essas atividades, destacam-se aquelas associadas à linguagem, como as brincadeiras de faz de conta e a dramatização, e também as relacionadas à imagem e ao corpo, como a construção de álbuns de fotos das crianças e seus familiares e os cantos da beleza, que possibilitam um excelente trabalho com as características físicas das crianças e com os diferentes tipos de cabelos, produtos, acessórios, pentes e penteados que ajudam no processo de construção da identidade e reconhecimento de sua imagem e corpo como valorizados.

Essas atividades são vistas como essenciais para a desconstrução do racismo, que se manifesta na educação infantil a partir das “relações afetivas e corporais entre adultos e crianças e nas brincadeiras espontâneas destas” (Oliveira; Abramowicz, 2010, p. 221). Afinal, são elas que contribuem para a anulação do sentimento que muitas crianças alimentam de não serem aceitas por sua identidade racial, dado o fato de quererem negar sua condição racial.

Além disso, como já demonstrado anteriormente, as unidades escolares que se dedicam à formação de crianças pequenas precisam avaliar continuamente a organização de seus espaços, tempos e materiais, para que não reproduzam o apagamento da diversidade étnica na infância e não ofereçam imagens distorcidas nem estereotipadas dos diferentes grupos raciais.

Destacar as histórias afro-brasileira e africana e assumir o reconhecimento do pertencimento racial como elemento necessário à formação de uma identidade positiva é algo que precisa ser considerado desde a educação infantil, pois, de outro modo, estar-se-á contribuindo para o reforço do racismo estrutural comentado por Silva Jr., Bento e Carvalho (2012), que interfere especificamente no aprendizado das crianças negras.

Por esse motivo, defender que, logo no início de sua escolarização, as crianças tenham essas experiências com as temáticas étnico-raciais é uma forma não apenas de preservar seus direitos constitucionalmente garantidos, mas também de assegurar que construam memórias e referências positivas sobre si mesmas, suas histórias e suas culturas africana e afro-brasileira, haja vista ser pertinente o argumento de que a falta dessas referências provoca nas crianças negras uma rejeição à sua origem racial e atua como um dos fatores que perpetuam o racismo na sociedade brasileira.

Diante da série de razões apresentadas, avança-se para a caracterização metodológica da pesquisa realizada e, em seguida, para o momento destinado à análise dos artigos científicos selecionados, a fim de compreender como as práticas mencionadas estão sendo aplicadas no contexto da educação infantil e em que medida refletem o compromisso dos gestores e da comunidade escolar na construção de uma educação antirracista, que contribua para o surgimento de um sentimento de autovalorização, especialmente, entre as crianças negras.

 

Trilha metodológica

O trabalho caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, do tipo revisão bibliográfica, na qual se procurou desenvolver uma reflexão a respeito da atuação do gestor escolar no desenvolvimento das práticas pedagógicas antirracistas, tendo como ênfase de análise e discussão o contexto da educação infantil brasileira.

Para tanto, optou-se pela análise de artigos publicados entre os anos de 2015 a 2019, que possuem relação com o nível de ensino especificado, e empreendeu-se a pesquisa por profundidade nas bases de dados da Scientific Electronic Library Online (SciELO) e no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), utilizando-se as seguintes palavras-chave: “educação antirracista”, “educação étnico-racial”, “práticas pedagógicas antirracistas” e “racismo na infância”.

Por meio das palavras-chave e aplicando os filtros disponíveis em cada plataforma quanto ao limite temporal, idioma e gênero do trabalho, excluindo-se aqueles repetidos, ou seja, disponíveis em ambas as plataformas, foi encontrado um total de 21 artigos potencialmente relacionados ao tema.

Entretanto, após a leitura desse levantamento preliminar, selecionaram-se apenas 7 para compor o corpus de análise, pois foram eles que se preocuparam em articular, direta ou indiretamente, a figura do gestor com os elementos contidos na esfera da educação antirracista, conforme disposto na tabela a seguir.

 

Tabela 1 – Artigos científicos publicados entre os anos de 2015 a 2019 nas bases de dados pesquisada

Autores

Título

Aguiar; Piotto; Correa, 2015

Relações étnico-raciais e formação docente: situações de discriminação racial na educação infantil

Rodrigues; Oliveira; Santos, 2016

Desafios da implementação da Lei nº 10.639/03: um estudo de caso de municípios do Estado de São Paulo

Marinho; Martins, 2017

Educação infantil e relações étnico-raciais: impactos da formação docente nas práticas educativas

Cardoso; Cardoso, 2017

A diversidade vai à creche: reflexões sobre a implementação da Lei Federal 10.639/03 na Creche do Morro da Queimada em Florianópolis

Silva; Dias, 2018

A educação infantil e as práticas pedagógicas descolonizadoras: possibilidades interculturais

Chaves; Oliveira, 2018

“O Jefferson falou que o meu cabelo é feio, é ruim”: cabelo crespo e empoderamento de meninas negras na creche

Marques; Dornelles, 2019

O mito da ausência de preconceito racial na educação infantil no Brasil

Fonte: Elaborada pelas autoras.

 

Os artigos foram discutidos de maneira descritivo-explicativa, seguindo a análise textual discursiva proposta por Moraes e Galiazzi (2006), que a caracterizam como um processo auto-organizado composto de três etapas: a unitarização, que consiste no levantamento dos dados que possuem relação com os objetivos da pesquisa; a categorização, na qual se articulam as informações semelhantes que formarão as categorias de análise a serem discutidas; e a comunicação, que constitui a construção do texto contendo as interpretações dos autores a respeito dos dados e das categorias formadas.

Como resultado dessa sequência direcionada, foram selecionadas e utilizadas as seguintes categorias de análise para a devida realização da última etapa: “A negação, a suavização e o reconhecimento de práticas racistas na educação infantil” e “A atuação do gestor escolar na proposição de práticas pedagógicas antirracistas”, as quais são comentadas a seguir.

 

O que dizem as pesquisas? Análise da produção acadêmica no período de 2015 a 2019

A análise da produção acadêmica no período de 2015 a 2019 revela diferentes perspectivas sobre o racismo na educação infantil e o papel do gestor escolar na promoção de práticas pedagógicas antirracistas. Por um lado, observa-se a persistência da negação e da suavização do racismo nas instituições de ensino, o que dificulta a implementação de medidas efetivas para seu enfrentamento. Por outro lado, há iniciativas que reconhecem a existência do problema e buscam estratégias para combatê-lo, evidenciando a importância de uma gestão escolar engajada. Dessa forma, as próximas subseções exploram, respectivamente, os desafios relacionados à identificação e reconhecimento das práticas racistas no ambiente escolar, bem como o papel fundamental do gestor na formulação e aplicação de estratégias educativas que promovam a equidade racial.

 

A negação, a suavização e o reconhecimento de práticas racistas na educação infantil

Ao se realizar levantamento da produção de artigos científicos publicados no período de 2015 a 2019, é possível notar que tem havido uma preocupação direcionada para o trato das questões étnico-raciais envolvendo a valorização da cultura e da história afro-brasileira e africana, o empoderamento das vozes das crianças negras e a construção de um diálogo formativo que centre a atenção em práticas antirracistas.

Entretanto, se a intenção final dessas produções é a construção de um discurso e de uma prática que se oponham ao preconceito e à discriminação étnico-racial, por outro lado, os apontamentos que trazem sobre situações reais ou teóricas explicitam a existência de um racismo que se tenta negar ou suavizar, compreendendo-se que mesmo quando é reconhecido, as ações que deveriam coibi-lo são tímidas ou limitadas institucionalmente, isto é, o ato do reconhecimento adquire um sentido negativo, conforme se pode observar das descrições contidas na Tabela 2:

 

Tabela 2 – Casos de negação, de suavização e de reconhecimento de práticas racistas indicadas no corpus.

Autores

Trechos extraídos do corpus

Aguiar; Piotto; Correa, 2015

“Elas presenciaram professoras do berçário comentando sobre a ‘[...] dificuldade de arrumar certos tipos de cabelo’, referindo-se aos das crianças negras, que seriam ‘ruins e armados’. As estagiárias completam essa descrição destacando o modo como uma das professoras se referia ao cabelo das crianças: ‘bandido’. Segundo a explicação da professora, também registrada pelas estagiárias, o cabelo levava esse ‘apelido’ porque seria como um bandido: se não está preso, está armado” (p. 381).

 

 “um menino foi arrastado pela professora, que o segurava pela camiseta, da sala de aula até a porta da secretaria da escola. As alunas mencionam que, quando fizeram o relato oral, não se deram conta, e por isso não comentaram, que o menino era negro” (p. 382).

Rodrigues; Oliveira; Santos, 2016

“A maioria dos profissionais, seja branco ou negro, reconhece a existência de racismo na sociedade brasileira. Porém, quando o assunto é racismo na escola, predomina a visão de que nela o problema é menor, a ponto de ele ser negado por mais de um quarto dos participantes. A percepção de inexistência de racismo no ambiente escolar leva à importante reflexão sobre como desenvolver pedagogias de combate ao racismo quando professores e gestores não conseguem identificá-lo dentro da instituição, situando-o como algo externo. O racismo, assim, é visto como um problema de outros espaços sociais, e não da escola” (p. 291).

Marinho; Martins, 2017

Sim, mas eu não digo discriminação, porque como eles são pequenos na Educação Infantil, os meus têm quatro anos, eu acho que eles não têm muita noção ainda, eu vejo muito assim que eles reproduzem as falas que eles ouvem em casa, eu penso assim. Não que... Eles não sabem ainda o que é isso discriminar, eles reproduzem o que ouvem em casa, dizem ‘Você é preto’, ‘Você é’ ... Dizem alguma coisa, alguma palavra que não deveria dizer, mas porque eles ouvem em casa, não sabem muito bem o que estão falando. (Professora Helena/ Negra)” (p. 60, destaque dos autores).

Chaves; Oliveira, 2018

“Era o final da hora do sono, na sala do Mini Grupo I. Nesse momento, as 12 crianças (7 meninos e 5 meninas) eram cuidadosamente observadas pela professora e por uma outra educadora. No entanto, em determinado momento, Alana, com 3 anos, acorda segurando o elástico que prendia o seu cabelo crespo. Sem falar nada, sai da sua sala, atravessa o refeitório e vai ao encontro de uma das pesquisadoras. O seu cabelo estava dividido em 3 ‘birotes’ pequenos que se soltaram enquanto dormia. A professora chamou por ela e perguntou onde ela iria, sem obter resposta. Alana chegou se aconchegando no colo de uma das pesquisadoras, sem falar nada; mas, chorando, pôs o elástico nas mãos dela, que logo perguntou o que tinha acontecido. Ela se aconchegou mais no colo, olhou para a pesquisadora e disse: ‘O Jefferson falou que meu cabelo é feio, é ruim’, e começou a chorar mais intensamente.” (p. 182, destaque das autoras).

Fonte: Elaborada pelas autoras

 

O problema identificado pelos trechos expostos é quanto à ênfase do reconhecimento ou não de práticas racistas, ou seja, se em um sentido parte dos artigos demonstra que os entrevistados, sejam gestores, professores ou acadêmicos estagiários, percebem em algum momento que algum ato de racismo foi cometido, em outro, parece haver uma resistência em admitir que se esteja realmente diante de práticas racistas, nega-se a existência de racismo na escola ou se tenta, em alguns casos, suavizar o evento.

Por exemplo, enquanto no artigo de Aguiar, Piotto e Correa (2015), estagiárias do curso de Pedagogia encontram dificuldades para identificar práticas racistas, acreditando que determinadas situações presenciadas não poderiam ser assim categorizadas, o artigo de Rodrigues, Oliveira e Santos (2016, p. 293) expõe que alguns dos gestores e professores entrevistados negam a existência do racismo em seus ambientes de trabalho e o explicador dessa constatação seria um certo ineditismo presente na questão que se traduz “no pouco ou nenhum conhecimento acerca das normativas e do ensino sobre a temática.”

Por sua vez, as professoras entrevistadas por Marinho e Martins (2017) demonstram certas tentativas de suavizar discursos racistas de alunos contra alunos, de professores contra alunos e de funcionários contra alunos, acreditando que um dos caminhos é tratar mais da questão da ofensa do que dos atos de racismo em si.

Em comparação com os posicionamentos anteriores, o artigo de Chaves e Oliveira (2018) caminha tanto na direção da identificação do racismo na educação infantil, no sentido de coibi-lo, quanto na tentativa de formar práticas que o confrontem em vez de suavizá-lo, alimentadas pelo diálogo e pela necessidade de exposição em vez de silenciamento, a fim de se tornar patente o alto nível de dano que o velamento ou a negação podem representar para o desenvolvimento psicológico e cognitivo das crianças alvo de tais práticas.

No tocante aos outros artigos, em Cardoso e Cardoso (2017) o foco é a análise de documentos educacionais que foram promulgados em Florianópolis (SC) ou que se destinaram a tratar da inclusão de questões e temáticas étnico-raciais tanto na educação infantil quanto no Ensino Fundamental I da rede pública do município.

Os autores reconhecem que os documentos analisados apresentam avanços significativos. Em parte, não cedem ao silenciamento do racismo institucional, apesar de conterem lacunas referentes ao tema, mostrando-se em alguns momentos universalistas em suas concepções de diversidade, bem como não orientando pontualmente que ações/práticas seriam privilegiadas para a formação docente e discente no enfrentamento do racismo. O avanço, segundo os autores, se deve à constante atuação do movimento negro em prol desse reconhecimento legal e sua aplicação na realidade escolar.

Por sua vez, o artigo de Marques e Dornelles (2019), apesar de igualmente centrar-se na legislação, ao contrário do anterior, dá bastante ênfase a equivocada defesa de alguns gestores e professores do não conhecimento das crianças do que seja o racismo, o que impossibilita a adequada efetivação da lei, e admite, a partir de outras pesquisas, que as crianças negras estão menos suscetíveis a práticas de afeto que as brancas.

Quando se confronta essa tripla constatação de negação, suavização e reconhecimento do racismo com a proposição de práticas necessárias para combatê-lo no segmento educacional, obtêm-se os apontamentos contidos na Tabela 3, na qual são indicadas algumas práticas identificadas nas pesquisas analisadas:

 

Tabela 3 – Exemplos de práticas pedagógicas antirracistas indicadas no corpus.

Autores

Práticas

Silva; Dias, 2018

- organização de espaços lúdicos;

- aquisição e disponibilização de brinquedos; - aquisição e disponibilização de acervo literário voltado para temáticas étnico-raciais; - incorporação de aspectos culturais na programação regular e festiva da escola (danças e outras manifestações artísticas de natureza africana ou afro-brasileira);

- o estímulo para a construção positiva da autoimagem das crianças negras.

Chaves; Oliveira, 2018

- o estímulo para a construção positiva da autoimagem das crianças negras, principalmente das meninas;

- o estabelecimento de um circuito de trocas emocionais e atenção a fim de se combater “a distribuição desigual de afeto nos espaços educativos” (p. 174).

Fonte: Elaborada pelas autoras.

 

O artigo de Silva e Dias (2018) reflete, a partir de entrevistas com a gestora e professores, sobre os avanços escolares incluindo o tratamento de temáticas étnico-raciais como demanda legal. As autoras usam a expressão “crianças e negras” (Silva; Dias, 2018, p. 131), conjugando uma dupla subjetividade, para se referir ao público escolar que em sua opinião é mais afetado por tentativas de silenciamento e invisibilização. Ademais, o artigo diagnostica que há uma lacuna no tocante à representação lúdica (bonecos) de meninos negros.

Já Chaves e Oliveira (2018) se identificam como docentes e gestoras com larga experiência, motivo pelo qual se propõem a apresentar suas vivências em diálogo com o referencial teórico pertinente ao tema de escrita. Compreende-se que o objetivo do artigo é a discussão da representação estética especificamente das meninas negras, ou seja, o corpo e o cabelo adquirem centralidade no trabalho.

Somado a isso, as autoras ainda problematizam a utilização dos brinquedos como importantes ferramentas para o combate ao racismo educacional e ressaltam o papel que a dimensão lúdica pode adquirir como eixo de promoção da igualdade étnico-racial na escola. Afinal, o brinquedo não é um artefato neutro e pode igualmente reproduzir aspectos individualizadores de aprendizagem centrada em apenas um núcleo cultural, o da criança branca.

De modo geral, subjaz no conjunto discursivo desse corpus a ideia de que é no contato e na construção da subjetividade das crianças, socialmente orientados, que a percepção ou não do racismo se faz presente porque se a convivência familiar e escolar estimular o enfrentamento, a discussão e a compreensão das diferenças étnicas, a afirmação da identidade e do pertencimento étnico-racial será sustentada. Se o contrário ocorrer, é através, por exemplo, da projeção de si em uma aparência idealizada e socialmente aceitável que se ocultará a negação de seu próprio eu.

Como acentuaram diversos autores referenciados nas duas primeiras seções, entre os quais Libâneo (2018), não é possível haver práticas se não houver um ou mais agentes. E em se tratando especificamente de práticas pedagógicas antirracistas, o estudo vem buscando evidenciar que não apenas os atores mais próximos dos alunos, no caso, os professores, mas todos aqueles integrantes do círculo escolar são igualmente convocados a tomar parte ativa nesse projeto de revitalização das experiências e das subjetividades étnico-raciais.

 

A atuação do gestor escolar na proposição de práticas pedagógicas antirracistas

A identificação das potencialidades do gestor escolar no desenvolvimento de uma educação antirracista tem ocupado um lugar de menor destaque nas produções acadêmicas brasileiras publicadas entre os anos de 2015 a 2019, tornando-se urgente reflexões que se detenham nessa lacuna a fim de dar destaque a esse ator educacional, bem como de dar visibilidade aos motivos responsáveis pela sua ainda persistente atuação como coadjuvante na formulação e efetivação de práticas pedagógicas direcionadas para o combate à discriminação e ao racismo educacional.

Não à toa, ao se voltar o olhar para a figura do gestor escolar, o que se tem percebido é que a atuação deste tem sido praticamente inexistente no que diz respeito à proposição de práticas pedagógicas antirracistas ou no fortalecimento daquelas já existentes em seu espaço de atuação profissional.

Frente à essa realidade, parte do corpus vem sugestionando ações que podem ser desenvolvidas por esse ator educacional, seguindo três eixos básicos de constituição, o pedagógico, concentrado no currículo; o subjetivo, concentrado na construção de um circuito afetivo; o estrutural, centrado na organização do espaço escolar, segundo se pode conferir na tabela a seguir:

 

Tabela 4 – Eixos de orientação para atuação do gestor escolar indicados no corpus.

Autores

Eixos

Silva; Dias, 2018

- as ações do gestor devem seguir um projeto intercultural de descolonização em todas as suas instâncias (de saber, de poder, de ser, de dizer, do olhar), assim, acredita-se que práticas pedagógicas antirracistas possam alcançar maior espaço e adesão; dessa perspectiva, o currículo é uma das dimensões destacadas para o início da proposição de novas práticas orientadas para uma educação em direitos humanos.

Chaves; Oliveira, 2018

- as ações do gestor devem estruturar práticas antirracistas que se originem na construção e no reforço de um circuito de afetos porque essa dimensão humana aparentemente menor mostra-se fundamental no trato cotidiano com os alunos que se sentem negados e excluídos em distintas situações e por distintos atores integrantes do ambiente educacional; a proposta é de atentar para a formulação de práticas de cuidado e atenção que não menosprezem os danos psicológicos a médio e longo prazo provocados pela execução de um jogo de preferência versus abandono.

Marques; Dornelles, 2019

- as ações do gestor devem se orientar para a proposição de práticas antirracistas que reconfigurem o espaço de vivência dos atores educacionais em formação por meio, por exemplo, da recomposição da dimensão lúdica, importante momento de socialização e constituição da personalidade e da autoimagem para os educandos.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

 

O artigo de Silva e Dias (2018, p. 118), citando Petronilha Silva, reforça a intenção de que os gestores públicos atuantes nos ambientes formais de ensino precisam abraçar a ideia de que a educação brasileira está passando por um processo de “enegrecimento”, o que implica na desnaturalização do preconceito e na consolidação de ações em prol do resgate histórico, bem como da composição de espaços de fala em vez de silenciamento.

De acordo com as autoras, esse é um momento dos mais viáveis para o gestor escolar contribuir com seus pares na formulação de práticas antirracistas porque todos os olhos estão se voltando gradualmente para a escola a fim de verificarem se os ventos da transformação têm sido acolhidos e frutificado oportunamente.

Uma das indicações direcionadas a esse ator da educação é a do alinhamento discursivo em uma perspectiva intercultural, ou seja, primeiro deve-se identificar e constatar o peso e a carga semântica que o discurso colonial impôs à sociedade brasileira ao longo dos séculos e partindo do reconhecimento crítico desse problema reunir a comunidade escolar para que sensivelmente delibere sobre a construção de seu currículo, em um ato de descolonização, apoiada nos pressupostos da gestão democrática, de acordo com a definição e as características enunciadas por Paro (2016).

É certo que a provocação em direção à mudança enfrenta muita tensão e resistência, as quais despontam nas falas de gestores, professores e responsáveis dos alunos para quem os avanços já são suficientes e não há muito mais a ser feito. Esse posicionamento desequilibra a balança em desfavor dos esforços transformadores, oportuniza o surgimento de lugares-comuns de apoio discursivo e preenche a escola de incertezas, mas um ponto de virada é atingido quando o olhar é educado para a percepção da diferença e dela passa a se ocupar sensivelmente e não apenas por força da lei.

A síntese indica, portanto, que as práticas antirracistas, cuja iniciativa está associada ao gestor escolar, na leitura de Silva e Dias (2018), devem se concentrar na reinvenção da escola, de sua linguagem e procedimentos operacionais, através da reelaboração do currículo cuidadosamente discutido, analisado e deliberado pela comunidade escolar.

Chaves e Oliveira (2018) notam com evidência que nem sempre a prática antirracista precisa se constituir em um grandioso projeto elaborado para ser executado em etapas específicas. Qualquer proposição que se destine a modificar profundamente a rotina escolar de modo a corrigir os desvios históricos cometidos por gestores, professores, funcionários, alunos e responsáveis pesa na conta a favor da mudança de cenário.

Dessa maneira, as autoras observam que o afeto aparece como um campo fecundo de onde podem brotar ações extremamente significativas para todos os envolvidos. Nesse sentido, o gestor escolar, no gozo de suas prerrogativas funcionais, pode agir propondo a organização de novas rotinas institucionais que privilegiem a formação de um circuito de afetos no qual os tratamentos diferenciados sejam dispensados em favor de um olhar marcado pela empatia.

Ao seu turno, Marques e Dornelles (2019) constatam que uma possibilidade a se explorar para a proposição de práticas pedagógicas antirracistas é a de o gestor escolar atentar para a dimensão lúdica, que é parte importante da vivência e do compartilhamento de experiências durante os anos da educação infantil.

Brincar, além de aspecto contido nos documentos orientadores desse segmento educacional, também é prática social. As crianças manejam objetos e atribuem sentidos a eles. Sendo assim, projetos escolares que aproximem as crianças de brinquedos variados quanto à forma, aparência e conteúdo podem contribuir positivamente para a desconstrução de estereótipos que extrapolam os círculos mais íntimos de um dado sujeito.

De maneira mais ampliada, o lúdico também pode ser objeto de práticas pedagógicas antirracistas se o gestor, em associação com seus pares institucionais, propuser jogos e brincadeiras que integrem em vez de seccionar e permitam às crianças o confronto necessário para constatarem que aquilo que aparentemente as separa é substancialmente inferior àquilo que as une como membros de uma mesma sociedade.

Consequentemente, entre os elementos contidos no saldo que se extrai do corpus despontam como propostas de ações antirracistas o respeito ao outro por ser quem é, quesito que se unifica como demanda institucional urgente a ser realizada; a equalização de oportunidades de uso dos espaços escolares e o compartilhamento de afetos sem quaisquer preferências ou julgamentos estereotipados; a celebração de momentos destinados ao compartilhamento de experiências de vida, bem como o fomento à criação de eventos que integrem todo o corpo escolar em jogos ou manifestações culturais variadas; além do investimento ou da formulação de projetos que possam captar recursos públicos ou estabelecer parcerias público-privadas para a aquisição de bens (livros, brinquedos, mobiliário etc.) e serviços, os quais possam contemplar a comunidade em geral.

Parte dos artigos também acentua que o gestor escolar vem cada vez mais sendo convocado a um protagonismo que não necessariamente pretende torná-lo o enunciador principal ou concentrar em sua figura responsabilidades absolutas, mas reconhecer a importante função que pode cumprir ao mediar as relações entre os demais atores educacionais que se movimentam em seu círculo profissional.

Certo das tarefas que lhe compete por força da função a cumprir, o gestor escolar tem de assumir o dever de articular diferentes segmentos da sociedade e de seu espaço de atuação a fim de contribuir para a formulação e o fortalecimento de prática pedagógicas conscientemente elaboradas e definidas pelo conjunto dos atores educacionais para operarem modificações estruturais que já se encontram inscritas na trilha de um projeto educacional essencialmente antirracista.

Uma educação antirracista não é uma possibilidade para o futuro, mas uma urgência do presente. As mudanças que cada sujeito precisa efetuar têm de encontrar acolhida no agora que demanda posicionamento como complemento do discurso e propostas em complemento aos ideais. Caso contrário, se essa via aberta com esforço por distintos sujeitos em décadas passadas e enfrentando muita resistência de grupos de interesse não for alimentada devidamente, é difícil que uma mudança de mentalidade a favor da pluralidade e contra o racismo venha a ser realidade.

 

Considerações finais

Nesse momento, sobressaem-se algumas importantes observações a respeito do que se apresentou, entre as quais se destacam o tímido engajamento do gestor escolar no processo de definição de práticas pedagógicas antirracistas e a proposição de muitas dessas práticas provenientes de agentes externos aos espaços formais de ensino.

Sobre o primeiro aspecto, os artigos mostraram que apesar de o gestor escolar ser listado como ator educacional fundamental para o combate ao racismo, sua atuação persiste sendo a de um coadjuvante que ainda não tem despontado para o centro do processo, havendo casos em que sequer é capaz de notar a proliferação de práticas racistas por parte de outros atores institucionais.

No tocante ao segundo aspecto, foi possível perceber que alguns artigos direta ou indiretamente orientaram suas discussões para a problematização do racismo educacional propondo medidas para coibi-lo. Tais respostas foram enunciadas dando destaque para a dimensão legal, apontando-se algumas deficiências identificadas no ordenamento jurídico relacionado ao tema; para a lúdica, para a valorização de aspectos estéticos, para o fortalecimento da pedagogia do afeto, para a criação de espaços de vivência e contato com elementos artísticos ou literários das culturas africana e afro-brasileira, bem como para suas histórias.

Por outro lado, um ponto negativo notado em parte do corpus foi a constatação de tentativas de negação ou de suavização do racismo educacional. Assombra o fato de que em alguns casos aqueles sujeitos que deveriam estar mais empenhados em seu combate são os que executam ações de segregação e exclusão daquele público histórica e socialmente submetido às regras da hierarquização cultural e aos desvios morais de uma população que sustenta a falsa crença de ser o Brasil um país de iguais. Essas barreiras demonstram a necessidade urgente de aprofundar estudos sobre a resistência institucional à implementação de práticas pedagógicas antirracistas.

Uma limitação deste estudo é a restrição temporal e geográfica da análise, concentrada nos anos de 2015 a 2019 e no contexto brasileiro. Investigações futuras podem ampliar essa abordagem, contemplando períodos mais extensos e comparações internacionais, a fim de verificar como diferentes países têm tratado a questão da gestão escolar e da educação antirracista na infância.

Além disso, futuras pesquisas poderiam explorar mais detalhadamente a formação de gestores escolares para a implementação de práticas antirracistas, identificando os desafios específicos e os fatores que podem contribuir para um protagonismo mais ativo desses profissionais na estruturação de projetos educacionais eficazes. O impacto dessas práticas nas crianças, especialmente na construção da identidade racial e no desenvolvimento emocional, também representa um campo promissor de investigação.

Ao longo de cada uma das duas seções iniciais, buscou-se pontuar formas de articulação do gestor escolar com princípios democráticos, além de acentuar-se algumas propostas que poderiam ser inseridas na educação infantil de maneira a contribuírem para a quebra das fronteiras étnico-raciais e a efetiva integração das crianças umas com as outras.

Nota-se que não são necessários projetos excessivamente complexos para que tais propostas e articulações intersubjetivas se concretizem. Isso evidencia que a alegação de alguns gestores, justificando a falta de transformações pela escassez de recursos, não se sustenta.

O que realmente falta – como o corpus bem expressou – é, por um lado, a disposição dos agentes educacionais em assumir o compromisso de uma educação inclusiva, diversa e etnicamente responsável; e, por outro, a compreensão definitiva da urgência desse projeto, que deve ser implementado hoje e não mais postergado.

 

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Notas



[1] O artigo de Aguiar, Piotto e Correa (2015, p. 378), um dos textos a ser discutido e analisado, define preconceito de marca como a “visão depreciativa associada à cor da pessoa combinada a outras características, como o grau e instrução, ocupação, hábitos pessoais; como uma tendência a se ignorar a cor escura do indivíduo bem-sucedido.”