Transformar presos em alunos: um estudo sobre a educação no sistema prisional paranaense
Transforming prisoners into students: a study on education in the prison system of Paraná
Convertir a los presos enalumnos: un estudio sobre la educación en el sistema penitenciario de Paraná
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, PR, Brasil
djalma02cruz@gmail.com
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, PR, Brasil
dulcyenemr@yahoo.com.br
Recebido em 17 de outubro de 2022
Aprovado em 25 de outubro de 2022
Publicado em 06 de março de 2024
RESUMO
É sabido que as prisões sempre foram lugares de muita resistência para a inserção educacional, o que contrasta com o número crescente da população encarcerada e com a consideração de que, por meio da educação, é possível resgatar as pessoas privadas de liberdade e promover a sua transformação. Este é um trabalho de natureza teórica, descritiva, explicativa e bibliográfica, no qual sistematizamos os direitos educacionais assegurados aos apenados pelas legislações brasileiras e paranaenses, e discutimos como se dá a efetivação desses direitos e dos ambientes escolares nos presídios, tomando como exemplo as unidades prisionais de Foz do Iguaçu – PR. Trata-se de parte constitutiva de uma pesquisa de mestrado. Ao analisar a atual situação educacional no sistema prisional paranaense, observa-se grave desrespeito aos direitos assegurados pela Constituição Federal e pelas leis específicas relativas ao sistema prisional. Nesse sentido, urgem mudanças de atitudes de todos os envolvidos em relação à educação na prisão: estado, gestores, agentes, educadores e os próprios apenados, de modo que a educação nas prisões possa viabilizar a ressocialização.
Palavras-chave: Educação na prisão; Ressocialização; Educação de Jovens e Adultos.
ABSTRACT
It is known that prisons have always been places of great resistance to educational insertion, which contrasts with the growing number of the incarcerated population and with the idea that, through education, it is possible to help people deprived of their freedom and promote their transformation. This is a theoretical, descriptive, explanatory and bibliographic work, in which we systematize the educational rights guaranteed to convicts in Brazilian and Paraná legislation, and discuss how these rights and the school environments in prisons are effective, taking as an example the prison units of Foz do Iguaçu – PR. It is a constitutive part of a master’s research. Upon analyzing the current educational situation in the Paraná prison system, there is serious disrespect for the rights guaranteed by the Federal Constitution and by the specific laws relating to the prison system. In this sense, there is an urgent need to change the attitudes of all those involved in relation to education in prison: the state, managers, agents, educators and the convicts themselves, so that education in prisons can enable resocialization.
Keywords: Education in prison; Resocialization; Youth and Adult Education.
RESUMEN
Se sabe que las cárceles siempre han sido lugares de mucha resistencia para la inserción educativa, lo que contrasta con el creciente número de la población encarcelada y con la consideración de que, a través de la educación, es posible rescatar a las personas privadas de libertad y promover su transformación. Este es un trabajo de naturaleza teórica, descriptiva, explicativa y bibliográfica, en el que sistematizamos los derechos educativos asegurados a los apenados por las legislaciones brasileñas y paranaenses, y discutimos cómo se efectúan estos derechos y los entornos escolares en las cárceles, tomando como ejemplo las unidades penitenciarias de Foz do Iguaçu - PR. Es una parte constitutiva de una investigación de maestría. Al analizar la situación educativa actual en el sistema penitenciario del Paraná, hay un grave desprecio por los derechos garantizados por la Constitución Federal y leyes específicas relativas al sistema penitenciario. En este sentido, se instan cambios en las actitudes de todos los que participan en la educación penitenciaria: Estado, gestores, agentes, educadores y los propios presos, para que la educación en las cárceles permita la resocialización.
Palabras clave: Educación en la cárcel; Resocialización; Educación de jóvenes y adultos.
Introdução
O título deste artigo é sugestivo da dificuldade que tem sido tratar da educação no sistema prisional. Os documentos que regem a educação estabelecem como transformar presos em alunos, mas a revisão bibliográfica realizada e os dados das nossas pesquisas indicam o quão difícil tem sido colocar isso em prática.
Vivemos em uma época de universalização dos direitos ao ensino, e, paradoxalmente, de restrição e até mesmo supressão desses direitos a quem mais necessita, a exemplo dos educandos privados de liberdade.
A população carcerária brasileira totaliza mais de 700.000 pessoas, em sua maioria, homens, segundo os dados do levantamento nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) de 2020. Menos de 8% da população carcerária é composta pormulheres. Quanto à educação da população carcerária, 8% dos apenados são analfabetos, índice bem superior ao da população em geral, e 70% deles ainda não concluíram o ensino fundamental. Infelizmente, o índice aumenta para 92% quando em relação à não conclusão do ensino médio, sendoque menos de 1% da população carcerária teve acesso ao ensino superior, dado que integra mesmo os que começaram, mas não concluíram o curso. Por conseguinte, a negligência do Estado brasileiro no tocante ainstrução e formação desse público fica ainda mais evidente quando se observa que menos de 13% dapopulação carcerária tem acesso àescolarização (Novo, s/d).
Segundo Silva e Nunes (2018), a educação é uma das poucas formas de resgatar as pessoas privadas de liberdade e promover a sua transformação, ampliando sua visão de mundo, suas possibilidades profissionais e a melhora da autoestima, aspectos importantes para viabilizar a ressocialização. No entanto, as prisões sempre foram lugares de muita resistência para a inserção educacional, o que é reconhecido pelo próprio Estado brasileiro (Paraná, 2012).
Então, podemos perguntar: que educação acontece no sistema prisional? A educação prisional contempla todas as necessidades pedagógicas dos educandos privados de liberdade? A educação prisional é capaz de promover o senso crítico e a emancipação do indivíduo, como previsto na LDBEN de 1996? A educação prisional atende à demanda dos presídios brasileiros? Os direitos ao estudo previstos na legislação são reconhecidos e ofertados para todos os privados de liberdade que desejam participar da escolarização? Os ambientes escolares dentro dos sistemas prisionais favorecem o processo de ensino-aprendizagem?
Sem a pretensão de esgotar esses questionamentos, desenvolvemos uma pesquisa de mestrado (Cruz, 2022)[i] que teve por objetivo compreender a relação que as educandas privadas de liberdade estabelecem com a Matemática, os motivos que as levaram a buscar a escolarização no cárcere, e investigar as condições em que acontece o processo de ensino e de aprendizagem de Matemática na Penitenciária Feminina de Foz do Iguaçu, Unidade de Progressão (PFF-UP). Esse trabalho nos mostrou a necessidade de entender como têm se dado as discussões e sido organizadas as leis que tratam da educação no sistema prisional, além de nos proporcionar reflexões mais gerais sobre a educação na prisão. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos (CEP) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), obtendo o parecer favorável número 4.703.042, em 11 de maio de 2021.
Assim, apresentaremos, neste texto, os direitos educacionais assegurados aos apenados nas legislações brasileiras e paranaense, e discutiremos como se dá a efetivação desses direitos e dos ambientes escolares nos presídios, tomando como exemplo as unidades prisionais de Foz do Iguaçu - PR.
Quem são os educandos do sistema prisional?
Os educandos do sistema prisional são um grupo de pessoas que representam uma grande diversidade, a qual se expressa, fundamentalmente, em sua forma de agir e pensar. De acordo com Julião (2007), a população de encarcerados é composta, em sua maioria, por pessoas do sexo masculino. É uma população de pobres, não brancos e com pouca escolaridade, cujo perfil é um espelho da sociedade, mas de uma sociedade que não faz parte da vida produtiva e econômica da nação. Se os encarcerados são espelho da sociedade, os educandos do sistema prisional são retratos fiéis da população carcerária brasileira:
Esse perfil da população carcerária brasileira não difere do perfil dos alunos e alunas atendidos no Sistema Prisional do Estado do Paraná. Cerca de 60% têm entre 18 e 30 anos — idade economicamente ativa — e, em sua maioria, estavam desempregados ou envolvidos com tráfico de drogas quando foram presos, e viviam nos bolsões de miséria das cidades. Fazem parte da população dos empobrecidos, produzidos por modelos econômicos excludentes e privados dos seus direitos fundamentais de vida (Paraná, 2014, p. 9).
De acordo com o Plano Estadual de Educação do Sistema Prisional do Paraná (2014), trata-se de:
[...] um sujeito sócio-histórico-cultural com diferentes experiências de vida, que se afastou da escola devido a fatores sociais, econômicos, políticos e/ou culturais, muitas vezes com ingresso prematuro no mundo do trabalho, evasão ou repetência escolar. Tal educando traz modelos internalizados durante suas vivências escolares ou por outras experiências de vida. Nesses modelos, predomina o de uma escola tradicional, onde o educador exerce o papel de detentor do conhecimento, e o educando, de receptor desse conhecimento (Paraná, 2014, p. 19).
As características e o perfil do educando do sistema prisional assemelham-se aos dos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) fora do sistema prisional. Ambos são sujeitos com características específicas, marcados por sua trajetória de vida:
A população privada de liberdade caracteriza-se como público bastante heterogêneo (com acentuada diversidade etária, étnico-racial, sociocultural, de gênero, de orientação sexual e identidade de gênero). Neste contexto, a oferta de educação no Sistema Prisional deverá contemplar toda essa diversidade de sujeitos, respeitando-os como sujeitos das aprendizagens e entendendo-os como cidadãos com direitos a proteção e participação social. Para tal, dever-se-á viabilizar uma escola democrática e de qualidade para todos e todas, que garanta o acesso à escolarização através da modalidade EJA a todas as pessoas em privação de liberdade em todos os níveis da Educação Básica, Profissional e Técnica (Paraná, 2013, p. 20).
Ademais, carregam consigo o perfil de aluno que ainda vê o professor como detentor único e exclusivo do conhecimento. Nesse caso, é papel do professor da EJA, de dentro e de fora do sistema, romper com esse paradigma, de forma a contextualizar os conteúdos ensinados em sala de aula com a vivência do aluno, bem como seus conhecimentos adquiridos fora dos bancos escolares.
Os educandos da EJA e, de modo especial, os inseridos no sistema prisional, têm necessidade de acompanhamento pedagógico diferenciado, por ser tratar de um público com características ímpares.
Educação prisional brasileira e paranaense – o que está previsto
A educação no sistema prisional brasileiro teve início na década de 1950. Até então, as prisões eram um lugar de contenção de pessoas, e não existia proposta que intencionasse requalificar os indivíduos presos. Acreditava-se que a privação de liberdade era o suficiente para o detento refletir sobre seus atos e ressocializar-se. Porém, os altos índices de reincidência à criminalidade serviram de motivo para se buscar novos rumos para o tratamento do indivíduo privado de liberdade, iniciando-se a educação escolar no sistema prisional.
Foucault (1987, p. 224) já dizia: “aeducação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo uma precaução indispensável ao interesse da sociedade e uma obrigação para com o detento, ela é a grande força de pensar”. Isso significa que a educação deve ser uma das ações previstas no tratamento penal, visto que ela pode contribuir significativamente para a ressocialização das pessoas privadas de liberdade, proporcionando-lhes possibilidades de ressignificar suas relações e atuações no mundo.
Em relação à população carcerária, o artigo 10 da Lei n. 7.210/1984, também chamada de Lei de Execuções Penais (LEP), garante a assistência ao preso como um dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Desse modo, é na busca da capacitação das pessoas privadas de liberdade para o convívio social que a LEP assegura o tratamento penal para essa população, e o carro chefe dessa capacitação é a educação prisional.
No artigo 11 da LEP, inciso IV, há a previsão da assistência educacional, e os artigos 17 a 21-A dessa legislação tratam da referida assistência educacional, disciplinando que “[...] a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado” (Brasil, 1984), conforme Art. 17, e que “[...] o ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa”(Brasil, 1984), amparado pelo Art.18.
Ainda no plano normativo nacional, a educação prisional integra a modalidade de ensino intitulada EJA, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 9.394 de 1996, a qual a define, em seu artigo 37, como a modalidade destinada “[...] àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos Fundamental e Médio na idade própria e constituirá instrumento para a educação e a aprendizagem ao longo da vida” (Brasil, 1996).
Além disso, o capítulo XII do parecer do Conselho de Políticas Criminais e Penitenciária (CNPCP), de 1994, estabelece as regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil:
Art. 38. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso.
Art. 39. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação e de aperfeiçoamento técnico.
Art. 40. A instrução primária será obrigatoriamente ofertada a todos os presos que não a possuam. Parágrafo Único – Cursos de alfabetização serão obrigatórios e compulsórios para os analfabetos.
Art. 41. Os estabelecimentos prisionais contarão com biblioteca organizada com livros de conteúdo informativo, educativo e recreativo, adequado à formação cultural, profissional e espiritual do preso.
Art. 42. Deverá ser permitido ao preso participar de curso por correspondência, rádio ou televisão, sem prejuízo da disciplina e da segurança do estabelecimento (Brasil, 1994, p. 5-6).
Em outras palavras, a educação é um direito que deve ser garantido a todos eser gratuita, pelo menos nos níveis elementares e fundamentais, orientada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e para o fortalecimento do respeito aos direitos e liberdades fundamentais, nos termos do artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada em 1948. Assim, há previsão legal que fundamenta políticas públicas educacionais em favor da educação prisional.
Naturalmente, a pessoa privada de liberdade tem restrição parcial ou total do seu direito de ir e vir;porém, outros direitos lhe são assegurados, principalmente, o direito à educação. AProposta Pedagógica Curricular para a oferta de EJA nos estabelecimentos penais do Paraná de 2013 afirma que, aos privados de liberdade, são assegurados integridade física, psicológica, moral e, principalmente, o direito a uma educação universal.
A primeira penitenciária do Estado do Paraná data de 1909; antes disso, contudo, já existiam as cadeias públicas. “Desde a primeira metade do século XX, o sistema penitenciário paranaense acompanhou as principais deliberações dos Congressos Penitenciários Internacionais, adaptando e propondo alternativas no tratamento aos presos” (Paraná, 2012, p. 28).
A educação está presente no sistema prisional do Paraná desde 1982, quando a Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos firmou convênio que ampara o funcionamento de Centros Estaduais de Educação Básica de Jovens e Adultos (CEEBJA) no interior das unidades penais do Estado do Paraná. Nessa época, os CEEBJAS eram chamados de Centro de Estudos Supletivos. Para essa parceria, a Secretaria de Estado de Educação (SEED) disponibiliza professores, diretores, pedagogos, agentes administrativos, material didático, além de certificar os educandos privados de liberdade que concluem o ensino fundamental ou médio (Paraná, 2012, p. 94).
Nos estabelecimentos penais do Paraná, a modalidade de ensino ofertadaaos privados de liberdade é a EJA. Estes alunos têm características semelhantes às dos educandos da EJA fora das prisões, como baixa renda e o fato de serem trabalhadores, desempregados, moradores urbanos de periferia, entre outros. Entretanto, há também a ficha criminal.
A EJA é uma modalidade de ensino que vem ao encontro da necessidade e da diversidade dos educandos privados de liberdade. Na Proposta Pedagógica Curricular para a oferta da EJA nos estabelecimentos penais do Paraná, publicada em 2013, afirma-se que essa modalidade de ensino tem um compromisso social, cultural e socioeconômico para com a população em privação de liberdade. Ela deve ser capaz de possibilitar a inserção no mercado de trabalho e o desenvolvimento de habilidades e competências para os exercícios de direitos e da cidadania, de forma a contribuir para a redução da pobreza, rumo à construção de uma sociedade mais justa. Sendo assim, a EJA no sistema prisional deverá ter as funções:
1) Reparadora: permitindo a entrada da pessoa privada de liberdade no circuito dos direitos civis, pela restauração de um direito negado;o direito a uma escola de qualidade e o reconhecimento da igualdade ontológica entre todo e qualquer ser humano;
2) Equalizadora: reinserindo os encarcerados no sistema educacional, seja porque tiveram uma interrupção forçada pela repetência, pela evasão, pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas. Esta ação da EJA deve ser vista como reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos em situação de cárcere novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação, quando em liberdade;
3) Qualificadora: considerando o caráter incompleto de todo ser humano cujo potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares, em espaços de liberdade ou não (Paraná, 2013, p. 8. Grifos como no original).
De acordo com o documentoAções Norteadoras sobre o Regimento Escolar Prisional do Estado do Paraná (2014), a educação em espaços de privação de liberdade tem como objetivo promover a reintegração social e a aquisição de conhecimentos que possibilitem aos privados de liberdade um futuro digno. Nesse sentido, todas as ações referentes à educação no sistema prisional devem estar respaldadas pelas legislações educacionais vigentes do país, principalmente pela LEP. Essas ações contemplam todas as especificidades das diferentes etapas e modalidades do planejamento educacional nos estabelecimentos penais, sejam atividades referentes à educação formal ou não formal, bem como profissional, com o objetivo claro de possibilitar ao apenado a sua reintegração social. Logo, baseando-se em todos esses aspectos legais, é possível reconhecer que a educação é, sem dúvidas, um requisito para reinserção social (Paraná, 2014).
As Ações Norteadoras sobre o Regimento Escolar Prisional do Estado do Paraná, em seu artigo 66, asseguram:
Art. 66 - A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (Paraná, 2014, p. 36).
De maneira idêntica, a modalidade EJA, no sistema prisional, assegura aos educandos que as ações pedagógicas utilizadas nessa modalidade de ensino devem priorizar os conhecimentos adquiridos nas vivências diárias dos educandos e fazer uma contextualização direta com o seu mundo e seus interesses. Também assegura aos privados de liberdade a matrícula a qualquer tempo:
Art. 90 - Ao educando não vinculado a qualquer instituição de ensino assegura-se a possibilidade de matrícula em qualquer tempo, desde que se submeta a processo de classificação, aproveitamento de estudos, previstos no presente Regimento Escolar, conforme legislação vigente (Paraná, 2014, p. 42).
A matrícula a qualquer tempo é algo que contribui significativamente para que os educandos possam concluir seus estudos. Outro fator muito relevante para o processo de ensino e aprendizagem no sistema prisional é a forma de avaliação da aprendizagem dos educandos. A esse respeito, tem-se que:
Art. 148 - A avaliação da aprendizagem dos educandos deverá ser contínua, processual e abrangente, com auto avaliação e avaliação em grupo, sempre presenciais, inclusive para a avaliação da aprendizagem feita em cursos ministrados com a mediação da educação à distância:
I. Investigativa ou diagnóstica, para possibilitar ao professor obter informações necessárias para propor atividades e gerar novos conhecimentos;
II. Contínua, permitindo a observação permanente do processo ensino aprendizagem e possibilitando ao educador repensar sua prática pedagógica;
III. Sistemática, para acompanhar o processo de aprendizagem do educando, utilizando instrumentos diversos para o registro do processo;
IV. Abrangente, de forma a contemplar a amplitude das ações pedagógicas no tempo escolar do educando;
V. permanente, para que permita um avaliar constante na aquisição dos conteúdos pelo educando no decorrer do seu tempo escolar, bem como do trabalho pedagógico da escola (Paraná, 2014, p. 55).
Por meio de uma avaliação flexível, abrangente e comprometida com a proposta curricular, fundamentada nos critérios estabelecidos pelo artigo 148 do Regimento Escolar Prisional do Estado do Paraná de 2014, é possível avaliar a aprendizagem dos educandos.
Ademais, esse documento assegura a recuperação da aprendizagem de forma diferenciada, para oportunizar novo acesso à aprendizagem, àqueles ou àquelas que não tiveram apropriação satisfatória dos conteúdos ministrados anteriormente. Em seu artigo 169, o Regimento Escolar Prisional do Estado do Paraná afirma que a recuperação deverá ser individualizada, com atividades significativas por meio de exposição dialógica dos conteúdos, e, ainda, que essa intervenção possa ser presencial ou à distância, devendo conter roteiro de estudos e entrevista, para melhorar o diagnóstico e o nível de aprendizagem de cada educando.
Ainda, no que diz respeito aos direitos dos educandos privados de liberdade, o artigo 225 das Ações Norteadoras sobre o Regimento Escolar Prisional assegura que o educando privado de liberdade deve:
I. Ser reconhecido e valorizado nas diferenças e nas diversidades;
II. Ter assegurado que a instituição de ensino cumpra a sua função de efetivar o processo de ensino e aprendizagem;
III. Ser respeitado, sem qualquer forma de discriminação;
IV. Ter formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, cultural e político;
V. Participar das aulas e das demais atividades escolares;
VI. Ter assegurada a prática, facultativa, da Educação Física, nos casos previstos em lei;
VII. Ter ensino de qualidade ministrado por profissionais habilitados para o exercício de suas funções e atualizados em suas Áreas de Conhecimento;
VIII. Ter acesso a todos os conteúdos previstos na Proposta Pedagógica Curricular;
IX. Ser informado sobre o Sistema de Avaliação da instituição de ensino;
X. Tomar conhecimento do seu aproveitamento escolar e de sua frequência, no decorrer do processo de ensino e aprendizagem;
XI. Ter assegurado o direito à recuperação de estudos, no decorrer do ano letivo, mediante metodologias diferenciadas que possibilitem sua aprendizagem;
XII. Ter reposição das aulas e conteúdos quando da ausência do professor responsável pela disciplina;
XIII. Solicitar os procedimentos didático-pedagógicos previstos na legislação vigente e normatizados pelo Sistema Estadual de Ensino;
XIV. Realizar as atividades avaliativas, pré-estabelecidas, em caso de falta às aulas, mediante justificativa e/ou atestado médico;
XV. Ter registro de carga horária cumprida pelo educando, no Histórico Escolar, das atividades pedagógicas complementares e do estágio não obrigatório;
XVI. Requerer, por escrito, a inserção de seu nome social em âmbito escolar e constando somente nos documentos internos da instituição de ensino, tais como espelho do Livro Registro de Classe, Edital de Notas e boletim escolar.
XVII. Garantir a diversidade religiosa;
XVIII. Cumprir e fazer cumprir as disposições do Regimento Escolar, no seu âmbito de ação (Paraná, 2014, p. 76 - 77).
De fato, matrícula a qualquer tempo, avaliação diferenciada e contínua, e recuperação de aprendizagem, entre outros direitos, estão assegurados pelo Regimento Escolar Prisional do Estado do Paraná de 2014. Além disso, a Constituição Federal estabelece a educação como uma garantia fundamental para o pleno desenvolvimento de todos os cidadãos, como argumenta Bernardi (2015, p. 26):
No rol dos direitos sociais anunciados pela Constituição Federal, dentro de Direitos e Garantias Fundamentais, a educação é o primeiro direito relacionado, denotando a importância conferida à educação pelo legislador constituinte. O direito à educação abarca não só sua garantia a todos pelo Estado, mas também seu respeito e proteção, visando a dignidade e o pleno desenvolvimento dos cidadãos.
Portanto, a educação prisional é um direito, conforme discorrem vários documentos, entre os quais: a Resolução Estadual Conjunta nº 80 de 1982; Parecer nº 149/82 do Conselho Estadual de Educação do Paraná; Resolução Conjunta nº 03/2011 - SEED/SEJU, que atualmente estabelece as competências de cada secretaria parceira; LDBEN/96; Lei de Execução Penal (LEP) nº 7210/1984 e Decreto nº 7626/2011, que institui o Plano Estratégico de Educação no Âmbito do Sistema Prisional.
Mas, na prática, o que se vê? No tópico seguinte, são trazidos elementos dos ambientes educacionais constituintes da realidade material dasprisões.
Educação prisional no Paraná – o que realmente acontece
Apesar de diversos documentos deixarem bem claro o direito à educação para as pessoas em privação de liberdade, há resistência quanto ao reconhecimento desse direito. A sociedade, de maneira geral, e muitos funcionários que trabalham no sistema prisional, não reconhecem de maneira clara e objetiva esse direito.
Convém destacar que as prisões são lugares totalmente diferentes de um ambiente escolar. A SEED e o Departamento Penitenciário do Paraná (DPEN) têm plena consciência dos desafios da educação no sistema prisional, pois o plano de 2012, elaborado em conjunto por esses órgãos, afirma:
Diferentemente de outros espaços nos quais a educação de jovens e adultos (EJA) foi implantada com sucesso, a prisão precisa ser ressignificada como espaço potencialmente pedagógico. Como transformar carcereiros em educadores? Como transformar presos em alunos? Como situar a educação como um valor dentro da prisão e como fazer para que as relações entre todos sejam predominantemente pedagógicas (Paraná, 2012, p. 23).
Criar, dentro das penitenciárias, um ambiente potencialmente pedagógico, pode constituir um grande desafio. Nas palavras de Mészáros: “A escola é condição necessária, mas não suficiente, para tirar das sombras do esquecimento social milhões de pessoas, cuja existência só é reconhecida nos quadros estatísticos” (Mészáros, 2008, p. 11).
O não reconhecimento da educação no sistema prisional como um direito do apenado não contribui para a implementação de uma educação que ressignifique os saberes, os valores éticos, sociais e científicos desses educandos. Muitas vezes, nem mesmo a própria pessoa presa reconhece esse direito como seu. Pode-se perceber isso na fala de um interno do sistema prisional de Minas Gerais:
Tive oportunidade aqui, coisa que lá fora eu tinha, mas não tive interesse. Com relação à escola, tô satisfeito. Eu sou até jovem ainda, tenho dois filhos e quero completar os estudos. Tem muito irmão aqui dentro que nem sabia ler e hoje tem terceiro ano. A escola faz muito bem. [...] desde o início, estudo. Tem que ter bom comportamento e eu sempre tive pra poder ter oportunidade (E6) (Oliveira, 2013, p. 961).
A narrativa evidencia que o direito ao estudo está vinculado ao bom comportamento, como se a educação no sistema prisional fosse um benefício, e não um direito. O trecho seguinte foi extraído dos depoimentos que fazem parte do trabalho de mestrado realizado e mencionado no início deste texto:
No momento agora eu não estou estudando, pois infelizmente estou com uma falta, mais vou falar o que eu penso, eu acho em minha opinião que mesmo a gente estando com falta deveríamos pelo ao menos poder continuar estudando, pois, os estudos são muito importantes para a nossa vida(Educanda 13, Sic).
O trecho destacado também evidencia que a possibilidade de estudar está relacionada ao bom comportamento. Infelizmente, se o educando comete uma falta disciplinar dentro do sistema prisional, ele é suspenso de todas as atividades, inclusive das atividades escolares, e, dependendo do caso, só pode retornar aos estudos após seis meses.
Esses trechos mostram que as atividades escolares para os apenados são vistas pelos agentes do sistema prisional como um privilégio; logo, se o preso comete uma falta disciplinar, ele perde o “benefício”. A educação para os privados de liberdade ainda não é vista como um direito.
Esse talvez seja um dos fatores pelo qual a educação no sistema prisional é tão negligenciada. Os reflexos disso são comprovados por números: 92% da população carcerária não concluiu o Ensino Médio, e somente 12,28% tem acesso à educação nos presídios brasileiros (Brasil, 1994).
O não reconhecimento da educação prisional como direito afeta até mesmo alguns professores. Assim, um dos problemas da educação prisional é a sua não constatação, haja vista que “a educação no interior dos presídios tem a função desafiadora de colaborar para a desconstrução da concepção de que esse é um ambiente de desumanidades e de negação de direitos”(Paraná, 2012, p. 26).
Com efeito, para esse modelo de ensino ser prioridade, precisa ser reconhecido como direito do privado de liberdade. Sob essa conjuntura, “[...] torna-se urgente privilegiar as ações educacionais em uma Proposta Político Pedagógica de execução penal como programa de reinserção social para, efetivamente, conseguir mudar a atual cultura da prisão” (Paraná, 2012, p. 25).
Inegavelmente, a educação no sistema prisional ainda é vista, dentro e fora do sistema, como um benefício para os privados de liberdade. Todavia, é preciso romper com esse paradigma para termos, nas unidades prisionais, uma educação que seja acolhedora, emancipadora, e de qualidade, como estabelece a LDBEN de 1996:
A educação é um bem valioso. É a mais eficiente ferramenta para alavancar o crescimento pessoal. É tão importante que assume o status de Direito Humano fundamental, pois deve ser vista como parte integrante da dignidade humana e aquilo que contribui para ampliá-la como conhecimento, saber e discernimento (Paraná, 2013, p. 12).
Com o objetivo de atender ao Plano Nacional de Educação nas Prisões, os estados elaboraram seus planos de educação prisional, incorporando suas particularidades e, simultaneamente, convergindo ao Plano Nacional, que propõe a erradicação do analfabetismo nas prisões brasileiras. Desse modo, o estado do Paraná aprovou seu plano em setembro de 2012, com ampla participação da comunidade e, fundamentalmente, com a participação dos educadores e funcionários do sistema prisional. Assim, com a realização de seminários, fóruns de discussões e debates, consolidou-se a aprovação do Plano Estadual de Educação do Sistema Prisional.
Além disso, a SEED e a Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SEJU) promoveram, nos dias 26 e 27 de julho de 2012, em Curitiba, o Encontro Estadual de Educação nas Prisões. Nesse encontro, estavam presentes representantes de vários segmentos da sociedade, tais como:
[...] diretores, pedagogos e professores de Estabelecimentos de Ensino que atendem às Unidades Penais, coordenadores de Núcleos Regionais de Educação e convidados dos diferentes organismos de gestão pública – Conselho Estadual de Educação (CEE), APP Sindicato, Organização dos Advogados do Brasil (OAB), Fórum EJA, Agenda Territorial, Programa Brasil Alfabetizado/Paraná Alfabetizado (Paraná, 2012, p. 16).
Nessa ocasião, a SEED e SEJU apresentaram uma proposta pedagógica a ser implementada no sistema prisional do estado do Paraná, conhecida como ensino combinado à distância. A proposta estabelecia que os educandos privados de liberdade tivessem parte dos conteúdos ministrados presencialmente, e outra desenvolvida à distância. Na oportunidade, os argumentos das secretarias para a implantação da nova proposta eram a ampliação da oferta educacional no sistema prisional e a possibilidade de atendimento educacional aos presos de alta periculosidade, bem como para os presos do seguro[ii]. O debate foi longo, acalorado e muito proveitoso, pois possibilitou a participação efetiva dos educadores do sistema prisional.
Os educadores entenderam que a nova proposta não contribuiria para o bom desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem, nem seria capaz de propiciar as transformações necessárias para que os educandos privados de liberdade vislumbrassem sua ressocialização, já que “[...] a educação no ambiente carcerário deve ser compreendida como um processo que oportuniza o desenvolvimento pessoal, a transformação dos sujeitos e da sociedade” (Paraná, 2012, p. 21).
Para os educadores, as diretrizes curriculares da EJA, de 2006, contemplavam melhor as necessidades de transformação dos educandos privados de liberdade, principalmente pelo perfil e necessidades apresentadas por esses educandos, além da emergência de uma aproximação maior com seu educador. Entretanto, a nova proposta aumentava esse distanciamento.
Em resumo, no entendimento da maioria dos educadores, a nova proposta enfrentaria muitas dificuldades para ser implantada, devido às particularidades do sistema prisional, porque muitas unidades prisionais não permitem que os internos tenham em suas celas livros, apostilas, lápis e outros materiais para desenvolver, à distância, a parte combinada, apresentada na proposição. Outrossim, a orientação não contribuía para melhorar as ações pedagógicas que visam à transmissão de conhecimentos e de valores sociais e éticos, que são essenciais para a emancipação dos educandos privados de liberdade.
O ensino no sistema prisional não serve só para remir[iii] a pena do educando, e sim constituir fator principal para a sua ressocialização, pois “[...] a educação no ambiente carcerário deve ser compreendida como um processo que oportuniza o desenvolvimento pessoal, a transformação dos sujeitos e da sociedade” (Paraná, 2012, p. 26).
Outra preocupação dos educadores no debate, em 2012, era que o novo experimento servisse de laboratório para a implementação da educação à distância (EAD) na EJA, dentro e fora das prisões, de modo que ela fosse regra, e não exceção. Neste último caso, a EAD é usada para atender somente as situações especiais, como as dos presos de alta periculosidade e dos presos do seguro.
Em virtude dos argumentos apresentados, a proposta combinada de educação presencial e à distância ficou de fora do Plano Estadual de Educação do Sistema Prisional do Paraná de 2012. Infelizmente, em 2013, o governo do Paraná lançou novamente a proposta de educação presencial combinada com educação à distância para a aprovação do Conselho Estadual de Educação (CEE). Em 2014, pelo PARECER CEE/CEIF/CEMEP nº 08/14, foi aprovada a referida proposta, que combina educação presencial e à distância por dois anos. Excetuou-se do experimento o ensino fundamental –anos iniciais, que continuou com 100% de sua carga horária presencial.
A nova redação do CEE de 2014 estabelece que o ensino fundamental – anos finais e o ensino médio poderão funcionar englobando uma das possibilidades: 100% presencial; 75% presencial e 25% à distância; 50% presencial e 50% a distância; 20% presencial e 80% a distância. De acordo com o parecer do CEE de 2014, cada CEEBJA prisional pode ofertar qualquer um dos percentuais em seu estabelecimento de ensino, de acordo com sua realidade.
O experimento, que era para dois anos, está em vigência até a presente data, ou seja, após oito anos, ainda está vigorando. A proposta original aprovada previa que essa modalidade seria implementada para atendimento aos presos de alta periculosidade e aos do seguro. Porém, o atendimento educacional ainda não chegou aos presos de alta periculosidade, e muitos que se encontram no seguro ainda não foram contemplados de maneira significativa com os estudos.
Por outro lado, a modalidade proposta com parte de sua carga horária à distância é, atualmente, a regra de atendimento nos estabelecimentos penais do Paraná . A prerrogativa de que cada CEEBJA prisional escolhesse o percentual da carga horária presencial também não se aplica. A cada ano, o setor educacional do sistema prisional recomenda a modalidade a ser implementada, e esta é, quase sempre, a modalidade de 20% presencial e 80% à distância. O excerto seguinte indica como isso tem se estabelecido na UFF – UP:
[...] e até hoje aula presencial só tive com ele nas disciplinas de ciências e Matemática e o que me levou a estudar aqui na cadeia. Hoje com a pandemia tudo é muito dificultoso não temos aulas presenciais, somente apostila que vem para fazermos dentro da cela e é aí que entra a minha maior dificuldade é a falta de um professor, pois tenho muitas dúvidas e até mesmo não sei fazer algumas questões e não temos professor para nos explicar nos ensinar e tirar dúvidas o que nos prejudica muito em aprender (Educanda 14, Sic).
Com a pandemia e os decretos que proibiram o atendimento presencial nos estabelecimentos penais do Estado, o cenário foi alterado. Foi adotado o uso de atividades impressas para o atendimento educacional no sistema prisional, que passou a ser 100% à distância, com registro na modalidade de 20% presencial e 80% à distância, aumentando ainda mais, nos anos de 2020 e 2021, o distanciamento entre educador e educando.
Como tem sido o espaço físico da educação no sistema prisional
A educação nas unidades prisionais não tem levado em consideração a estrutura física dessas unidades ou o perfil dos educandos privados de liberdade; tampouco, tem privilegiado os agentes envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, a exemplo de professores, policiais penais e direções de presídios.
A maioria das unidades prisionais não contempla espaços adequados para o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem, pois muitas salas “[...] foram espaços internos adaptados para funcionar como salas de aula” (Paraná, 2021, p. 9). Muitas vezes, contudo, o problema não é a falta de espaço: há penitenciárias que até têm salas de aulas adequadas, porém estas foram inutilizadas, simplesmente pelo fato de a unidade não ter o agente penitenciário para remover o educando até esses locais. Logo, a solução encontrada foi improvisar espaços dentro das próprias galerias para funcionarem como salas de aula.
Há um déficit muito grande no número de policiais penais no Estado do Paraná. De acordo com o Sindicado dos Policiais Penais do Paraná (SINDARSPEN), para atender a demanda atual, segundo o número do próprio Departamento Penitenciário – Depen (2021), seria necessária a contratação de, no mínimo, 4100 novos servidores, além de outros 2300 para trabalhar nas novas unidades a serem inauguradas. Destaca-se que a falta de agentes penitenciários é um dificultador para o desenvolvimento educacional no sistema prisional, haja vista que são os policiais penais que conduzem os educandos privados de liberdade até a sala de aula.
A imagem a seguir retrata um banheiro adaptado como sala de aula para o atendimento educacional dos privados de liberdade.
Figura 1: Banheiro adaptado como sala de aula na PEF II – Foz do Iguaçu, 2022
Fonte:Acervo dos autores.
Essa unidade prisional tem quatro salas de aula com capacidade para 25 alunos, e outrapara a biblioteca. Todas essas salas foram desativadas, pois a unidade prisional não dispõe de policiais penais para acompanhar os alunos até elas. Vale ressaltar que essa unidade está funcionando com pouco mais de 50% dos policiais penais necessários, segundo o SINDARSPEN. A solução que a direção da unidade prisional encontrou, juntamente com a direção do CEEBJA que a atende, para possibilitar a oferta de aulas, foi adaptar os banheiros das galerias que estavam inutilizados, fazendo deles salas de aula. Cada uma dessas salas comporta 14 alunos, utilizando as cadeiras, como ilustrado na figura 1.
Na figura 2, é possível ver um solário adaptado como sala de aula.
Figura 2: Solário adaptado como sala de aula na PEF III, Foz do Iguaçu, 2022
Fonte: Acervo dos autores.
Esse solário improvisado como sala de aula está em uma unidade prisional inaugurada em 2021. No projeto arquitetônico original dessa unidade, não foi previsto espaço para o desenvolvimento educacional, apesar de vários órgãos contemplarem a obrigatoriedade da educação para os privados de liberdade. Assim, é no espaço desse solário que eles estudam e participam do projeto da remição da pena pela leitura[iv].
O local para o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem sempre foi uma das grandes preocupações de professores e pedagogos que realizam atividades educacionais nas unidades prisionais. O espaço escolar dentro de um complexo prisional deveria contribuir para a dignidade da pessoa humana, como pontua o artigo 200 das Ações Norteadoras sobre o Regimento Escolar Prisional do Estado do Paraná de 2014:
Art. 200 - O espaço escolar em presídios deve ser o local onde o interno pode se sentir humano, uma vez que eles passam a ser apenas educandos, um (a) educando (a) na incessante busca pelo aprendizado que lhe possibilitará, talvez, sair da condição de miserável para uma condição mais humana (Paraná, 2014, p. 67).
A educação no sistema prisional tem, como qualquer segmento educacional, o direito a um espaço adequado para o desenvolvimento das suas ações, como determina a legislação. No entanto, muitas escolas que atuam dentro dos sistemas prisionais funcionam em ambientes improvisados, como vimos. E essa é a realidade da maioria dos presídios brasileiros. Como elucida Rodrigues (2018, p. 54-55):
Entende-se, contudo, que o processo de construção de uma penitenciária, fruto de uma política prisional que, historicamente, vem criando argumentos sobre a intenção na opção da pena de prisão, concorda em seu discurso que esse espaço precisa ter efeitos benéficos. Contraditoriamente, produz obras arquitetônicas que, [...], reduz qualquer possibilidade de humanização do sujeito, seja pela construção inadequada, pelas condições de manutenção do espaço, seja pela superlotação.
Todavia, na mesma cidade onde se encontram os exemplos anteriores, há um exemplo positivo. O atendimento às presas em Foz do Iguaçu, depois de ocupar, por certo período, vagas em um presídio masculino, passou a ser desenvolvido no Centro de Ressocialização Feminina de Foz do Iguaçu (CRESF), até que, finalmente, em outubro de 2018, foi inaugurada a Penitenciária Feminina de Foz do Iguaçu - Unidade de Progressão (PFF-UP). A criação dessa unidade veio ao encontro das ações do projeto Cidadania nos Presídios, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ela foi instalada no mesmo prédio do antigo CRESF, ou seja, o CRESF transformou-se em PFF-UP.
Essa não foi somente uma mudança de nomenclatura. A transformação em uma unidade de progressão alterou bastante a forma dos atendimentos. Entre as principais mudanças que ocorreram na transformação dos espaços físicos, destacam-se a criação de novos canteiros[v] de trabalho e a ampliação de vagas para o estudo da educação básica profissionalizante e para o projeto da remição da pena pela leitura. A Penitenciária Feminina de Foz do Iguaçu - Unidade de Progressão (PFF-UP) foi a segunda unidade de progressão feminina do Paraná e serve de modelo de unidade de progressão.
Figura 3: Sala de aula da PFF-UP, 2022
Fonte:Acervo dos autores.
A figura 3 traz a fotografia de uma das três salas de aulas da PFF-UP. As outras são similares. Vale ressaltar que essa imagem não representa a realidade das penitenciárias do estado do Paraná e nem de Foz do Iguaçu, como mencionado. No complexo penitenciário de Foz do Iguaçu, por exemplo, há cerca de 3500 presos; desses, somente 250 são do sexo feminino. Nas outras penitenciárias do município, existem grades que separam o educador do educando, e todas as salas são improvisadas, ou seja, são espaços que não foram planejados para ser salas de aula.
A PFF-UP é uma unidade de progressão. Assim, logo que as privadas de liberdade chegam, e depois de passado o período de triagem, são inseridas na escolarização e nos demais projetos, algo que não ocorre em unidades prisionais que não têm essa característica de progressão de regime. Além disso, há, no Paraná, unidades prisionais que nem estudo conseguem oferecer. É o que está destacado no relato seguinte:
Fui presa dia 10 de dezembro de 2014, quando eu fui presa eu fiquei na comarca de Colorado – Paraná, fiquei lá 1 ano e lá não tinha nenhum tipo de remição e não tinha estudo também, depois de 1 ano eu vim de transferência para Foz do Iguaçu – Paraná e somente aqui eu tive a oportunidade de voltar a estudar [...] (Educanda 13, Sic).
De acordo com dados do INFOPEN, a maioria das aprisionadas femininas está em carceragens improvisadas, que não apresentam condições de ofertarem o tratamento penal completo, principalmente a escolarização. Tal fato se evidencia no relato da Educanda 13, a qual estava custodiada em uma comarca, que não é local para cumprimento de pena, e, por isso, não tinha escolarização. Comarcas são carceragens provisórias, mas, infelizmente, no Brasil, muitas mulheres cumprem pena nesses locais, o que dificulta a efetivação do tratamento penal a que têm direito.
Considerações finais
Apesar das leis, a inserção das ações educacionais nas unidades prisionais não se dá de forma pacífica ou contínua. As condições para a realização de ações de ensino e aprendizagem nos presídios, como salas improvisadas, falta de materiais didáticos, censura imposta aos materiais escolares destinados aos privados de liberdade, e falta de agentes penitenciários para conduzir os apenados às salas de aulas, acabam por gerar descontinuidades delas. A implementação de uma proposta pedagógica que combina momentos presencias e à distância, proposta rejeitada pelos próprios educadores do sistema prisional paranaense, não condiz com as condições do ambiente prisional, local em que os alunos não têm acesso às fontes de pesquisa, por exemplo.
Infelizmente, as prisões são ambientes que não têm contribuído para o bom desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem. Além dos espaços físicos, existem muitos outros desafios a serem superados: a transformação do ambiente carcerário em um ambiente pedagógico; o reconhecimento inquestionável do direito à educação aos privados de liberdade; a transformação do preso em estudante; a transformação do carcereiro em participante ativo juntamente com os educadores no processo de ensino e aprendizagem; e a transformação da educação em um valor dentro dos presídios.
Para avançar rumo a uma educação prisional de qualidade é preciso romper com alguns paradigmas presentes no sistema prisional brasileiro, caso contrário, desperdiçaremos tempo e dinheiro e aniquilaremos qualquer possibilidade de que as pessoas em privação de liberdade venham a se recuperar (Magnabosco, 1998).
Em síntese, faz-se fundamental repensar em como desenvolver uma educação de qualidade com as condições apresentadas no sistema prisional, haja vista que a educação não está isolada. É necessária, portanto, a união entre os gestores públicos e os educadores do sistema prisional.
Vale ressaltar que a educação no sistema prisional tem papel fundamental na vida das pessoas privadas de liberdade. Uma vez que a prisão é um lugar de repreensão e negação de direitos, cabe à educação a ressignificação desse conceito, de modo que ela possa se tornar, dentro das prisões, mais reflexiva, crítica e humanizadora. Assim, o educando poderá vislumbrar sua ressocialização e desenvolver sua cidadania plena, de forma crítica e independente.
Referências
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Notas
[i]Trabalho de mestrado do primeiro autor, orientado pela segunda autora.
[ii]Seguro - são celas separadas dos demais detentos. Geralmente vão para o seguro os presos que cometeram crimes que não são tolerados pela maioria dos presos, como crimes sexuais, violência contra crianças, feminicídio, presos que cobiçam mulheres ou filhas de outro preso, internos que se enquadram na lei Maria da Penha, X9 (delatores), ex-policiais ou presos de facções rivais.
[iv]Remição da pena pela leitura é um projeto implantado em 2012 pela Secretaria de Estado da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos (SEJU). O projeto consiste em remir quatro dias de pena, em um mês, para os apenados que, após a leitura de um livro, seja ele clássico, literário, científico, religioso etc., e a produção de uma resenha de uma lauda, obtenha nota igual ou superior a 60 (sessenta) pontos. A resenha é corrigida pelo professor de língua portuguesa.
[v]Canteiros – termo usado entre os apenados para se referirem a qualquer posto de trabalho dentro de uma unidade penal. Na PFF-UP, existem vários “canteiros de trabalho”: artesanato, fralda, costura e cozinha. Alguns detentos são remunerados pelas empresas que abrem frentes de trabalho dentro das unidades penais.