MITec: um modelo perceptivo para identificação das competências necessárias na integração das tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem

MITec: a perceptual model to identify the necessary skills in the integration of digital technologies in the teaching-learning process

 

Wender Antônio da Silva

Universidade Estadual de Roraima, Roraima, Brasil

wender@uerr.edu.br - https://orcid.org/0000-0002-5705-8372

 

Fernando Albuquerque Costa

Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

fc@ie.ulisboa.pt - https://orcid.org/0000-0001-9604-5542

 

Recebido em 24 de julho de 2022

Aprovado em 08 de dezembro de 2022

Publicado em 18 de abril de 2023

 

RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar um modelo de inquérito que busca entender como, na formação inicial de professores, é percebida a necessidade de desenvolvimento de competências específicas para a integração das tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem. Para isso, procurou-se construir um questionário que acabaria por ser estruturado em torno de três dimensões nucleares: 1) uma dimensão referente à atitude face às tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), dimensão fundamentada no modelo Will-Skill-Tool-Pedagogy (WSTP) e incluindo 6 categorias e 9 afirmativas; 2) uma dimensão referente às competências digitais, tendo como base as competências que integram o DigComp e o Quadro Dinâmico de Referência de Competência Digital para Portugal (QDRCD), incluindo 9 categorias e 15 afirmativas; 3) uma dimensão referente às questões pedagógicas propriamente ditas relacionadas com o uso educativo das TDIC, cuja estruturação toma como base os fundamentos do modelo Synthesis of Qualitative Data (SQD), possuindo 6 categorias e 24 afirmativas. A construção do questionário foi validada por um par de pesquisadores e formadores com larga experiência na formação inicial de professores, sendo complementada pela análise de confiabilidade por meio do coeficiente Alfa de Cronbach que apresentou excelente consistência interna. Ao fazer referência ao modelo Technological Pedagogical Content Knowledge (TPACK), os resultados iniciais demonstram que o questionário possui potencial para gerar dados relevantes que poderão ser utilizados por gestores e pesquisadores educacionais para tomada de decisão futura sobre as metodologias de trabalho utilizadas no desenvolvimento das competências digitais na formação inicial de professores, com vistas a incentivar a sua integração ao processo ensino-aprendizagem.  

Palavras-chave: MITec; Competências digitais; Questionário; Modelo Perceptivo.

 

 

ABSTRACT

This article aims to present a model of inquiry, in the form of a Likert questionnaire, which seeks to understand, in the initial training of teachers, how they perceive the development of skills necessary for the integration of digital technologies in the teaching-learning process. For this, we sought to structure a questionnaire in three dimensions: 1) attitude towards digital information and communication technologies (ICT) which is based on the Will-Skill-Tool-Pedagogy (WSTP) model, having 6 categories and 9 statements; 2) digital competences that are based on DigComp and on the Dynamic Framework of Digital Competence Reference for Portugal (QDRCD) having 9 categories and 15 affirmatives; 3) pedagogical that seeks foundations in the Synthesis of Qualitative Data (SQD) model, having 6 categories and 24 statements. The construction of the questionnaire was validated by a pair of specialists from the area of ​​initial teacher education, and the reliability analysis was carried out using Cronbach's alpha coefficient, which showed excellent internal consistency. By referring to the Technological pedagogical content knowledge (TPACK) model, the initial results demonstrate that the questionnaire has the potential to generate relevant data that can be used by educational managers and researchers for future decision-making on the methodologies used in the development of digital skills in initial teacher training, with a view to encouraging their integration into the teaching-learning process.

Keywords: MITec; Digital skills; Inquiry; Perceptual Model.

 

 

 

Introdução

Percebendo as tecnologias digitais como um fator de mudança estrutural nas sociedades de um modo geral, e em especial no que se refere a liberdade de criar, manipular, divulgar e obter informações nos mais diversos canais midiáticos, tais como redes sociais, aplicativos e portais de informações que estão disponíveis por meio de imagens, vídeos, áudios e textos e, que podem ser acessados de qualquer dispositivo móvel ou computador pessoal conectado à internet, visualiza-se a necessidade de “aquisição de habilidades que permitam às pessoas lidar com as tecnologias digitais da informação e comunicação em suas tarefas diárias” (SILVA, 2018, p. 22).

A aquisição de competências digitais é notoriamente necessária aos indivíduos que estão inseridos neste novo contexto social, pois a atual organização da sociedade cobra-nos a realização de trabalho em rede, de forma colaborativa e interativa, seja em âmbito pessoal, profissional ou acadêmico.

Ao se destacar a questão da aprendizagem das tecnologias existentes e de como são necessárias as competências digitais para a sua utilização, reforça a reflexão de que, por outro lado, apenas saber utilizar as tecnologias digitais não garante um bom desempenho da sua utilização no processo educacional. Ou seja, é preciso aliar as competências pedagógicas com as competências tecnológicas, buscando formas e metodologias de trabalho pedagógico que permitam e estimulem a busca individual de conhecimentos, possibilitando ao acadêmico a visualização, simulação e a interação com os mais diversos conceitos do conteúdo a ser apresentado por meio de dispositivos computacionais, como por exemplo, jogos eletrônicos com metodologia planejada em gamificação dos conteúdos.

Ou seja, “conforme a tecnologia e a pedagogia evoluem na era digital, os professores enfrentam muitos desafios ao integrar a tecnologia disponível nas práticas de sala de aula” (TONDEUR et al., 2021, p.7). Assim, para além das competências digitais, Ertmer e Ottenbreit-Leftwich (2013) destacam que se torna necessário uma visão que concentra os “[...] esforços de integração tecnológica na pedagogia que a tecnologia permite e suporta, e não na própria tecnologia” (p. 175), ou seja, algo que na formação de professores deve ser considerado enfatizando como “[...] a tecnologia deve ser usada para alcançar resultados significativos de aprendizagem” (p.175).

Neste sentido, o presente estudo apresenta uma proposta de questionário que baseado em três dimensões consideradas fundamentais, tem como finalidade permitir caracterizar a percepção dos futuros professores sobre o papel e a utilidade das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) no exercício do seu trabalho pedagógico no contexto de uma sociedade fortemente tecnológica. Um questionário que permitirá perceber em que medida se sentem preparados nas diferentes facetas do trabalho docente relacionadas com as competências digitais e quais as suas perspectivas sobre a formação recebida no que se refere às tecnologias digitais para a prática letiva. Ou seja, um questionamento que permita entender a perspectiva do aluno, futuro professor, se na formação inicial de professores foi considerado o desenvolvimento das competências digitais necessárias para a integração e rentabilização das tecnologias na sala de aula ao serviço do ensino e da aprendizagem.

O objetivo deste artigo é, pois, o de apresentar um questionário elaborado com base no modelo Will-Skill-Tool-Pedagogy (CHRISTENSEN; KNEZEK, 2001) e que, em concreto, integra três dimensões consideradas fundamentais para se planejar a integração das tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem. Na sua essência, assume-se como fator importante o valor que os estudantes, futuros professores, atribuem às tecnologias digitais. Por outro lado, utilizando-se do Quadro Dinâmico de Referência de Competência Digital para Portugal (PORTUGAL-INCODE.2030, 2017) e do DigComp (VUORIKARI, et al, 2016) busca-se perceber quais as competências digitais prévias dos futuros professores para, com base nisso, ser possível realizar a articulação com as competências pedagógicas e tecnológicas necessárias para a integração das tecnologias em sala de aula. Por meio do modelo Synthesis of Qualitative Data (TONDEUR et al, 2016) será também possível identificar como (e se) estão sendo desenvolvidas as competências relativas ao conhecimento tecnológico e pedagógico do conteúdo (MISHRA; KOEHLER, 2006), aspetos que poderão permitir e inspirar a seleção de estratégias metodológicas e didáticas com a utilização dos recursos e dispositivos informáticos hoje disponíveis.

De acordo com Pasinato e Motta (2021), a relevância do estudo justifica-se precisamente porque, se por um lado, “apesar de uma nova geração de professores mostrar que a maioria tem competência e confiança para integrar tecnologias no ensino” (p.99) por outro, uma quantidade significativa de docentes ainda “[...] experimentam dificuldades na incorporação de competências pedagógicas para o uso das TIC” (p. 99).

 

Metodologia

A metodologia seguida neste trabalho está fundamentada em Creswell e Clark (2013), bem como por Sampieri, Collado e Lucio (2013), podendo ser caracterizada como uma pesquisa de abordagem mista, utilizando o método descritivo para a análise e descrição dos dados. A realização da análise documental e da revisão bibliográfica permitiu-nos a fundamentação teórica que indicou caminhos para a construção das dimensões a serem trabalhadas por meio da construção das categorias e itens (afirmativas) do instrumento de coleta de dados.

Na prática, o questionário, instrumento proposto neste estudo, está fundamentado nos modelos Synthesis of Qualitative Data (TONDEUR et al, 2016), Will-Skill-Tool-Pedagogy (CHRISTENSEN; KNEZEK, 2001) e Technological Pedagogical Content Knowledge (MISHRA; KOEHLER, 2006), bem como no Quadro Dinâmico de Referência de Competência Digital para Portugal (PORTUGAL-INCODE.2030, 2017) e no DigComp (VUORIKARI, et al, 2016) proposto pela União Europeia, sendo composto por três dimensões:  1) Dimensão relativa à Atitude face às TDIC - com 6 categorias e 9 afirmativas; 2) Dimensão relativa às Competências Digitais - com 5 categorias e 15 afirmativas; 3) Dimensão Pedagógica – com 6 categorias e 24 afirmativas. Estas afirmativas são baseadas numa escala de Likert possuindo 5 opções de resposta (1 - Discordo totalmente; 2 - Discordo em parte; 3 - Não discordo, nem concordo; 4 - Concordo em parte; 5 - Concordo totalmente).

Dada a importância do questionário e, no sentido de obter uma primeira impressão e avaliação externa aos autores desta pesquisa, o questionário foi enviado para validação de 5 professores e investigadores que atuam na área de formação de professores no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Foram recebidas apenas duas contribuições que foram levadas em consideração para a elaboração e composição final dos itens incluídos no instrumento.

Com o objetivo de testar sua confiabilidade, o questionário foi disponibilizado em uma plataforma online e enviado aos alunos vinculados aos cursos de formação inicial de professores de três universidades públicas portuguesas. Ao total, 72 indivíduos responderam ao instrumento, o que permitiu-nos possuir dados suficientes para, por meio do Statistical Package for Social Sciences (SPSS) (BRUNI, 2009), realizar a análise de confiabilidade que apresentou excelente consistência interna, obtendo um coeficiente Alfa de Cronbach de 0,955 (ALIZO, 2001).

Para além das referências apresentadas anteriormente, o objetivo passaria por procurar estabelecer também as relações das dimensões propostas com as matrizes de referência em competências digitais (PORTUGAL-INCODE.2030, 2017), (VUORIKARI, et al, 2016) e (CARRETERO; VUORIKARI; PUNIE, 2017). Nesse sentido, a elaboração e construção das categorias e itens (afirmativas), levou-se em consideração os debates acerca dos modelos de integração das TDIC em sala de aula, promovidos por (CHRISTENSEN; KNEZEK, 2009), (CHRISTENSEN; KNEZEK, 2001), (KNEZEK; CHRISTENSEN, 2016),  (TONDEUR et al, 2016),  (TONDEUR et al, 2020), (TONDEUR et al, 2021), (ERTMER, 1999), (ERTMER; OTTENBREIT-LEFTWICH, 2013), (CIBOTTO; OLIVEIRA, 2017) e (MISHRA; KOEHLER, 2006).

 

Figura 1 – Ranking médio da escala Likert por dimensão

Fonte: os autores (2021)

 

Numa primeira análise de dados, conforme pode-se observar no gráfico da Figura 1 (Ranking médio da escala Likert por dimensão), foi possível verificar que não houve uma variação significativa entre as dimensões ao se realizar o ranking médio da escala de Likert. De facto, o questionário apresentou respostas consistentes, sendo que para a Dimensão Pedagógica, conforme a literatura, já seria de esperar um índice menor. Por outro lado, os valores médios acima de 3 são considerados positivos, uma vez que expressam um nível de concordância maior (ALIZO, 2001).

 

Modelo de integração das tecnologias digitais na educação (MITec)

            A partir do referencial teórico tomado como referência sobre as tecnologias digitais em contexto educativo (COSTA, 2008), (COSTA et al, 2012), (COSTA et al, 2015), (FONSECA, 2020), (MESQUITA; MACHADO, 2017), (PONTE; SERRAZINA, 1998) e, visando a promoção do debate com maior amplitude, tomaram-se em consideração outras pesquisas que se preocuparam com a integração das TDIC em sala de aula, bem como o desenvolvimento de competências digitais na formação inicial de professores (ARARIPE; LINS, 2020), (PÉREZ GÓMEZ, 2015), (SILVA, 2018), (SILVA; KALHIL, 2021), (SILVA; KALHIL; NICOT, 2015), (PASINATO; MOTTA, 2021) e (MATOS; PEDRO, 2010) no sentido de definir as dimensões de um inquérito que pudesse assumir captar a percepção dos estudantes, futuros professores, sobre o desenvolvimento das competências digitais na formação inicial e sua integração no processo de ensino-aprendizagem.

Devido ao tipo de dados a recolher, a realização do inquérito por meio de questionário pareceu-nos ser um método válido tendo em vista “compreender fenómenos como as atitudes, as opiniões, as preferências, as representações, etc., que só são acessíveis de uma forma prática pela linguagem, e que só raramente se exprimem de forma espontânea” (GHIGLIONE; MATALON, 1993, p. 15), ou seja, é possível solicitar e obter informações sobre fatos, opiniões, atitudes, preferências, valores e satisfação (HILL, 2014).

Ao construir instrumentos de coleta de dados voltados para a educação, torna-se necessário estabelecer fundamentos que orientem a sua elaboração, buscando a validação teórica dos itens a serem respondidos. Christensen e Knezek (2001) destacam duas abordagens que subsidiam a seleção destes instrumentos quando eles visam realizar uma análise da integração de tecnologia no processo educativo. “A primeira é a difusão da inovação, enquanto a segunda é um modelo estrutural de integração de tecnologia” (CHRISTENSEN; KNEZEK, 2001, p. 8). 

Neste sentido percebe-se que “para usar a tecnologia de forma eficaz na educação, entendimentos conceituais apropriados são necessários para orientar o processo de integração”, sendo que “os modelos conceituais são relevantes, pois podem conectar a teoria com as aplicações práticas” (TONDEUR et al., 2021, p. 1).

Neste sentido, para além de entender a integração das tecnologias digitais enquanto uma mera ferramenta aplicada ao ensino, busca-se entender as possíveis adaptações que estas podem fazer ao currículo e à cultura do processo ensino-aprendizagem (TONDEUR et al., 2021), pois entende-se que a percepção dos alunos, futuros professores, poderá ser influenciada “[...] por uma série de fatores sociais, pessoais, contextuais e tecnológicos que podem mudar com o tempo” (TONDEUR et al., 2021, p.7).

Desta forma, para esta pesquisa científica, o questionário contribuiu para uma melhor compreensão da percepção dos futuros professores sobre a integração das tecnologias digitais em seu processo formativo, as competências digitais desenvolvidas e suas atitudes face as TDIC. Tondeur et al. (2016) destacam que “[...] o simples fato de os professores em formação assistirem a exemplos de aplicações tecnológicas é útil, mas não o suficiente. Os professores em formação também devem ser capazes de interpretar esses exemplos em um contexto educacional específico [...]”, o que leva a necessidade de “[...] observar, discutir e refletir sobre os usos bem-sucedidos da tecnologia” (p. 136), o que poderá auxiliá-los a perceber a utilidade, o valor e a viabilidade da utilização das tecnologias digitais.

Tal como referido anteriormente, o questionário proposto foi estruturado em torno de 3 dimensões, a saber: 1) Dimensão Atitude face às TDIC; 2) Dimensão Competências Digitais; e 3) Dimensão Pedagógica. Vejamos, de seguida, cada uma delas, incluindo as categorias em que cada uma está organizada e respetivos itens.

 

            1) Dimensão Atitude face às TDIC. Esta dimensão leva em consideração a percepção que os futuros professores possuem sobre o papel e a utilidade das tecnologias digitais, ou seja, o valor que atribuem ao seu uso em geral e no processo ensino-aprendizagem em particular.  Esta dimensão está fundamentada no modelo Will-Skill-Tool-Pedagogy (WSTP) descrito em Christensen e Knezek (2001), Christensen e Knezek (2009), Knezek e Christensen (2016), bem como busca referências no modelo TPACK (Technological pedagogical content knowledge) apresentado por Mishra e Koehler (2006), incluindo diferentes categorias, como: interesse pessoal, prazer, utilidade pessoal, interesse profissional, utilidade profissional e papel da tecnologia.

Em concreto, este primeiro componente do questionário fundamenta-se na proposta do modelo estrutural de integração de tecnologia (CHRISTENSEN; KNEZEK, 2001), que é “baseado no pressuposto de que a vontade do educador (atitude positiva), habilidade (competência, habilidade para executar tarefas) e acesso a ferramentas de tecnologia são todos necessários para uma integração de tecnologia bem-sucedida” (CHRISTENSEN; KNEZEK, 2001, p. 9).

Buscando uma maior consistência a sua construção, procurou-se de alguma forma integrar as referências do conhecimento tecnológico (TK) do modelo TPACK, pois conforme Cibotto e Oliveira (2017) percebe-se que “o Conhecimento Tecnológico (TK – Technological Knowledge) está em contínua evolução, o que o torna difícil de adquirir e de mantê-lo atualizado” (p.15). Ou seja, é preciso ter uma visão conceitual de valor atribuído as tecnologias no sentido de entender a perspectiva dos futuros professores sobre sua aceitação e vontade de utilizá-las, pois fica claro que existe uma certa “[...] instabilidade com relação à estagnação de conhecimento em tecnologias digitais” (p.15) o que torna a aquisição de conhecimentos específicos e especializados mais complexo “[...] uma vez que elas constantemente mudam” ( p.15). Entre outros aspetos, este modelo busca entender, por meio dos constructos “vontade” (Will) e “pedagogia” (Pedagogy), a percepção de aceitação, valor e vontade por meio de atitudes positivas em relação a compreensão e ao uso das tecnologias digitais, seja para uso pessoal ou profissional, verificando-se como as tecnologias são utilizadas no processo ensino-aprendizagem, ou seja, sua integração a sala de aula (TONDEUR et al., 2021).

No Quadro 1 (Categorias e itens da Dimensão Atitude face às TDIC) apresenta-se a estrutura da dimensão Atitude face às TDIC com as respetivas categorias (6) e itens (9). Itens que, na coleta de dados, poderão ser respondidos por meio de uma escala de Likert em que deve ser especificado o seu nível de concordância variando de “discordo totalmente” até “concordo totalmente”, em uma variação de 5 opções de resposta.

Quadro 1 – Categorias e itens da Dimensão Atitude face às TDIC

DIMENSÃO

CATEGORIAS

ITENS

ATITUDE
FACE ÀS TDIC

 

Valor atribuído às TDIC em geral e na Educação em particular e vontade de usar.

 

Que percepção têm os estudantes, futuros professores, sobre o papel e a utilidade das TDIC?

 

Os estudantes manifestam-se sobre o modo como veem as TDIC e o valor que lhes atribuem.

 

Interesse pessoal

Eu quero saber mais sobre computadores  

Prazer

Gosto de falar sobre computadores com outras pessoas

Utilidade pessoal

Usar computadores tem sido muito útil para mim

Interesse profissional

Eu estou atento aos desenvolvimentos sobre as TDIC para uso educativo

Utilidade profissional

Reconheço que é útil usar as TDIC para fins pedagógicos

Papel da tecnologia

 

 

 

Considero que as TDIC devem ser sobretudo um meio para o professor transmitir o conhecimento

Considero que as TDIC devem ser sobretudo um recurso didático para os alunos aprenderem os conteúdos

Considero que as TDIC devem ser sobretudo ferramentas para os alunos criarem algo com elas

Considero que as TDIC devem ser sobretudo um meio para promover as competências-chave nos alunos (autonomia etc.)

Fonte: elaborado pelos autores.

Descrevem-se, de seguida, os objetivos de cada uma das categorias que compõem esta primeira dimensão:

a) Interesse (pessoal e profissional): Knezek e Christensen (2016) destacam que uma das atitudes em relação às tecnologias digitais está relacionada ao interesse reconhecido no uso de tecnologias, tanto do ponto de vista pessoal, como profissional. Neste sentido, é importante conhecer a intenção dos futuros professores sobre o desenvolvimento das suas competências digitais, pois entende-se que se não houver interesse pessoal, não haverá engajamento para a aprendizagem de (e) com as TDIC. Knezek e Christensen (2016) destacam que a aceitação dos computadores leva a vontade de aprender enquanto Mishra e Koehler (2006) apontam para a necessidade do desenvolvimento de competências para operar as tecnologias digitais, tais como sistemas operacionais, processadores de texto, planilhas, navegadores, e-mails etc. 

b) Prazer: esta categoria está intimamente relacionada com a própria satisfação que é sentida no uso de dispositivos e ferramentas digitais, gerando e resultando em uma atitude positiva em relação à sua utilização seja para fins pessoais, seja para objetivos de natureza profissional.

c) Utilidade (pessoal e profissional): Knezek e Christensen (2016) destacam que a utilidade se relaciona com a crença e a percepção de que os computadores são úteis para a produtividade em termos pessoais e profissionais, mas também para a instrução e a aprendizagem se pensarmos no contexto educacional. Para estes autores, outro fator relacionado é a absorção, ou seja, a crença de que os computadores e outros dispositivos digitais fazem parte e atravessam tanto a área do trabalho como do lazer.

d) Papel da tecnologia: esta categoria visa perceber, em particular, qual visão dos futuros professores em relação à integração das tecnologias digitais em sala de aula. Neste sentido Knezek e Christensen (2016) destacam que a “integração de tecnologia é o nível autopercebido de adoção de tecnologia para fins educacionais” (p. 311). Assim, a atitude dos futuros professores face às TDIC deve levar em consideração que o professor “[...] é um arcabouço constituído pelo pensar, agir e o refletir, e neste caminho de idas e vindas usa de seus conhecimentos técnicos e pessoais para analisar suas ações pedagógicas, utilizando saberes prévios e estruturando novos” (LUDOVICO et al., 2020, p. 6). A visão sobre o papel das tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem, implica refletir em um movimento que “[...] repercutirá na prática pedagógica em relação ao futuro professor, ou seja, ambos na ação pedagógica irão se abastecer com a inovação e (re)significar por meio do uso da tecnologia” (LUDOVICO et al., 2020, p. 13). 

 

2) Dimensão Competências Digitais. Esta dimensão leva em consideração a percepção dos estudantes sobre as suas próprias competências digitais, ou seja, em que medida os futuros professores se sentem bem-preparados para atuar com as diferentes facetas das tecnologias digitais. Para construção desta dimensão do questionário, utilizou-se como referência o DigComp (VUORIKARI et al, 2016); (CARRETERO; VUORIKARI; PUNIE, 2017) e o Quadro Dinâmico de Referência em Competência Digital para Portugal (PORTUGAL-INCODE.2030, 2017). Também se procurou fundamentar esta categoria no conhecimento de tecnologia apresentado pelo modelo TPACK (MISHRA; KOEHLER, 2006), abordando as categorias: literacia da informação, comunicação e cidadania, criação de conteúdos, segurança e privacidade e resolução de problemas.

No Quadro 2 (Categorias e itens da Dimensão Competências Digitais) são apresentadas as 5 categorias e os 11 itens que contribuirão para o entendimento das competências digitais que os estudantes consideram ter. Com base nas suas respostas, será possível determinar em que medida esses estudantes, futuros professores, se sentem bem-preparados nas diferentes facetas das competências digitais consideradas no instrumento (EUC, 2017), (PORTUGAL-INCODE.2030, 2017), (VUORIKARI et al., 2016), (CARRETERO; VUORIKARI; PUNIE, 2017) e (CHILE, 2013).

Quadro 2 – Categorias e itens da Dimensão Competências Digitais

DIMENSÃO

CATEGORIAS

ITENS

COMPETÊNCIAS DIGITAIS

 

Percepção das suas competências digitais.

 

Em que medida os estudantes, futuros professores, se sentem bem-preparados nas diferentes facetas da competência digital?

 

Os estudantes manifestam-se sobre o nível de competência digital percebido.

 

Literacia da Informação

 

 

Sinto-me capaz de navegar, pesquisar e filtrar dados, informações e conteúdo digital

Sinto-me capaz de avaliar dados, informações e conteúdo digital

Sinto-me capaz de gerir de dados, informações e conteúdo digital

Comunicação e Cidadania

 

 

Tenho competências para promover a interação, colaboração e partilha de informações em ambientes digitais

Tenho competências para me envolver na cidadania digital por meio de tecnologias

Tenho competências para respeitar o código de conduta em ambiente digital (Netiqueta) 

Criação de conteúdos

 

 

Tenho competências para utilizar as TDIC para produção de conteúdos digitais

Tenho competências para utilizar as TDIC para integração e reelaboração de conteúdos digitais

Tenho as competências para respeitar os direitos de autor e as licenças dos produtos e conteúdos digitais

Segurança e Privacidade

 

 

Tenho competências para utilizar ferramentas e dispositivos que permitem a proteção de conteúdos e dados pessoais

Tenho competências para reconhecer os impactos sociais e ambientais causados pelas tecnologias digitais

Tenho competências para entender os riscos físicos e psicológicos do mau uso das tecnologias digitais

Resolução de Problemas

 

 

Eu consigo resolver problemas técnicos específicos que, porventura, ocorram na utilização das tecnologias digitais

Eu consigo ajustar e personalizar ambientes digitais de acordo com minhas necessidades individuais

Eu consigo identificar lacunas de competência digital, buscando oportunidades de autodesenvolvimento

Fonte: adaptado de Vuorikari et al (2016).

a) Literacia da informação: esta categoria busca entender se os futuros professores consideram possuir competências para localizar, recuperar dados, informações e conteúdos digitais. Além do mais, busca compreender se os estudantes conseguem verificar a relevância da fonte das informações e seu conteúdo, bem como, realizar o seu armazenamento, gerenciamento e organizar dados, informações e conteúdo digital (PORTUGAL-INCODE.2030, 2017).

b) Comunicação e cidadania: esta categoria visa entender em que medida os futuros professores consideram ter as competências para interagir, comunicar e colaborar por meio de tecnologias digitais, bem como perceber de que forma, enquanto estudantes, participam da sociedade por meio das tecnologias digitais, levando em conta o convívio e as regras de conduta social na grande rede mundial de computadores (PORTUGAL-INCODE.2030, 2017).

c) Criação de conteúdos: esta categoria tem como objetivo compreender em que medida os futuros professores consideram ter as competências para a produção, integração e reelaboração de conteúdos digitais, bem como o conhecimento sobre os direitos autorais e as licenças dos aplicativos e dos conteúdos digitais (PORTUGAL-INCODE.2030, 2017).

d) Segurança e privacidade: com esta categoria busca-se entender em que medida os futuros professores consideram possuir conhecimentos para utilizar ferramentas que permitem a proteção de conteúdos e dados pessoais, bem como estar atento ao bem-estar social, impacto ambiental, riscos físicos e psicológicos da utilização das tecnologias digitais (PORTUGAL-INCODE.2030, 2017).

e) Resolução de problemas: esta categoria busca perceber em que medida os futuros professores consideram possuir competências para resolver problemas e situações problemáticas em ambientes digitais, bem como serem capazes de utilizar ferramentas digitais para inovar em processos educacionais, entendendo as oportunidades de autodesenvolvimento e de evolução digital (PORTUGAL-INCODE.2030, 2017).

 

3) Dimensão Pedagógica. Através da recolha da perspectiva dos estudantes sobre a preparação pedagógica recebida durante formação inicial, com esta dimensão procura-se caracterizar a formação recebida pelos futuros professores no que se refere em concreto à utilização das TDIC para fins pedagógicos e didáticos nas diferentes áreas científicas em que virão futuramente a exercer a função docente. Fundamentada no modelo Synthesis of Qualitative Data (SQD) descrito em Tondeur et al. (2016), Tondeur et al. (2020) e Tondeur et al. (2021) esta dimensão aborda as categorias: papel de modelos, reflexão, concepção, colaboração, autenticidade das experiências e feedback.

Considerando a especificidade da preparação efetiva dos professores em formação para o uso das tecnologias digitais, o modelo SQD envolve, em um primeiro nível, questões como esforços de mudança sistemática e sistêmica, alinhamento da teoria à prática; envolve, em um segundo nível, questões como o acesso a recursos, treinamento de pessoal, planejamento e liderança em tecnologia e cooperação dentro e entre instituições (TONDEUR et al., 2021). Com esta amplitude de elementos, percebe-se que a “[...] teoria embutida no modelo SQD é aplicável a uma ampla gama de fenômenos com um alto grau de generalização (Escopo) e que pode ser usada em instituições de formação inicial de professores em outros países” (p. 11).

A decisão de adaptar o nível micro do SQD à dimensão Pedagógica proposta neste instrumento tem fundamento na sugestão de Tondeur et al. (2021) de que esta estratégia pode levar à melhoria dos diferentes vetores que compõem o modelo TPACK (Technological Pedagogical Content Knowledge) (MISHRA; KOEHLER, 2006) no caso dos professores em formação (TONDEUR et al., 2020). Ou seja, que existe uma consistência entre os modelos, possibilitando sua utilização como ferramenta que poderá fornecer subsídios para as instituições de ensino superior pensarem a integração das tecnologias digitais na formação inicial de professores (TONDEUR et al., 2021).  Desta forma, para a construção da Dimensão Pedagógica do presente questionário, levou-se em consideração o modelo SQD (Tondeur et al. 2016), conforme pode observar-se no Quadro 3 (Categorias e itens da Dimensão Pedagógica) e em que se destacam os 24 itens distribuídos nas 6 categorias desta dimensão que de seguida são apresentadas.

a) Papel dos modelos: com esta categoria busca-se compreender se, e de que forma, os futuros professores estão percebendo a integração e a utilização das tecnologias digitais no processo ensino-aprendizagem por meio de exemplos e de aplicações práticas. Neste sentido, entende-se que o fator motivador para a integração futura de tecnologias digitais em sala de aula, passa pelos exemplos e inspiração dos professores formadores.

Quadro 3 – Categorias e itens da Dimensão Pedagógica

DIMENSÃO

CATEGORIAS

ITENS

PEDAGÓGICA

Formação recebida pelos futuros professores, no que se refere às TDIC para as práticas letivas.

 

Como foi a sua preparação para o uso pedagógico das TDIC?

 

 

Trata-se, no fundo, de pedir a perspectiva dos estudantes sobre como a formação considerou essa dimensão na sua preparação enquanto futuros professores.

Papel dos modelos

Vi exemplos de utilização das TDIC em contexto educativo

Contactei com exemplos de utilização pedagógica das TDIC que poderei aplicar no futuro

 Observei exemplos de práticas com TDIC que me inspiraram a usá-las em minhas aulas

Foi-me mostrado de forma concreta o potencial do uso das TDIC na educação

Reflexão

A partir dos exemplos observados durante o estágio, tive oportunidade de refletir sobre o papel das TDIC na educação

Pude discutir com os colegas sobre os desafios da integração das TDIC na educação

Tivemos oportunidade de discutir sobre as nossas próprias experiências com as TDIC nas aulas que leccionámos no estágio

Houve ocasiões específicas para discutirmos sobre nossa atitude em relação às TDIC na educação

Concepção

Tive apoio dos professores formadores para conceber aulas com integração das TDIC

Aprendi a integrar as TDIC de forma efetiva nas aulas

Aprendi a usar as TDIC no desenvolvimento de materiais pedagógicos

Tive apoio dos professores formadores no desenvolvimento de aulas com TDIC para o meu estágio

Colaboração

Houve ocasiões para trabalhar com os colegas na conceção de aulas com TDIC

Houve bons exemplos de cooperação no que diz respeito ao uso das TDIC na educação

Houve bons exemplos de ajuda mútua entre os colegas com o objetivo de usar as TDIC para fins pedagógicos

Houve oportunidade para partilha entre colegas das experiências pedagógicas com TDIC

Experiência prática

 

Houve ocasiões para eu testar diferentes formas de usar as TDIC em sala de aula

Tive oportunidade de aprender a usar as TDIC nas aulas de estágio

Fui incentivado a ganhar experiência no uso de TDIC em ambiente de sala de aula

Os estudantes eram encorajados quando tentavam usar as TDIC para fins pedagógicos

Feedback

Recebi feedback sobre o uso das TDIC nas minhas aulas

As minhas competências em TDIC foram objeto de avaliação

Recebi feedback sobre como posso aprofundar as minhas competências em TDIC

As minhas competências no uso das TDIC em sala de aula foram avaliadas regularmente

Fonte: adaptado de Tondeur et al. (2016).

b) Reflexão: com esta categoria procura-se compreender, a partir dos exemplos práticos e teóricos vivenciados, de que forma os futuros professores estão buscando pensar criticamente, interpretando os modelos apresentados em um contexto educacional específico. Esta estratégia permite desenvolver a capacidade de diferenciar entre a ação e o planejado, exigindo um pensamento mais profundo e crítico sobre a integração da tecnologia em sala de aula (TONDEUR et al., 2016).

c) Concepção: partindo da percepção dos exemplos e da reflexão, faz-se necessário entender se os futuros professores desenvolveram as competências necessárias para a aplicação e a efetiva integração das tecnologias no processo ensino-aprendizagem, ou seja, verificar se os professores em formação tiveram a oportunidade de aprender e aplicar em sala de aula um planejamento que integre as TDIC aos conteúdos curriculares.

d) Colaboração: com esta categoria busca-se perceber de que forma e, se os professores em formação realizaram trabalhos colaborativos. Entende-se que o compartilhamento de experiências é essencial para mitigar o sentimento de insegurança, bem como reduzir a ansiedade e o medo do fracasso, pois a colaboração entre os colegas permite que se tenha uma visão geral do processo, permitindo perceber erros e acertos de todos os envolvidos.

e) Experiência prática:  esta categoria permite compreender a percepção dos futuros professores sobre a aprendizagem das práticas pedagógicas envolvendo a utilização das tecnologias digitais em sala de aula e das possibilidades proporcionadas para que em ambientes reais, possam vir a desenvolver experiências autênticas, o que pode proporcionar-lhes, uma melhor compreensão da relação teoria e prática.

f) Feedback: para se entender como estão sendo desenvolvidas as competências e as capacidades que permitem a integração e a utilização das tecnologias digitais em sala de aula, é preciso haver um processo de avaliação e orientação contínua, buscando entender qual a percepção dos futuros professores sobre como, se estão sendo conduzidos estes processos em sua formação.

 

Contribuições do questionário MITec

A figura 2 (Modelo de coleta de dados: MITec) ilustra e resume a composição das dimensões nucleares consideradas na construção do questionário apresentado, e da qual é possível inferir possíveis contribuições para a pesquisa na área das tecnologias educacionais em contexto educativo, em especial, sobre a percepção dos futuros professores em relação à sua integração pedagógica no processo ensino-aprendizagem.

Partindo do que é definido no DigComp (VUORIKARI, et al, 2016); (CARRETERO; VUORIKARI; PUNIE, 2017) e no Quadro Dinâmico de Referência de Competência Digital para Portugal (PORTUGAL-INCODE.2030, 2017), em articulação com o modelo Will-Skill-Tool-Pedagogy (CHRISTENSEN; KNEZEK, 2001), (CHRISTENSEN; KNEZEK, 2009), (KNEZEK; CHRISTENSEN, 2016) e o modelo Synthesis of Qualitative Data (TONDEUR et al, 2016), (TONDEUR et al, 2020), (TONDEUR et al,  2021), destacam-se as três dimensões consideradas essenciais para o desenvolvimento das competências digitais de alguma forma presentes na integração das tecnologias digitais em sala de aula.

A escolha da escala SQD para a dimensão pedagógica deu-se, como referido anteriormente, pelas reconhecidas características que este instrumento possui de “[...] medir as percepções dos professores em formação sobre até que ponto eles experimentam o suporte e o treinamento necessários para integrar a tecnologia nas atividades de sala de aula” (TONDEUR et al., 2016, p. 144).  De acordo com os seus criadores, a escala “[...] pode ser usada como ferramenta relevante se o objetivo for o de avaliar o impacto do trabalho das instituições de formação de professores nas competências dos professores em formação para integrar a tecnologia educacional” (TONDEUR et al., 2016, p. 147). Trata-se, na prática, de uma abordagem com potencial para “[...] medir estratégias eficazes adotadas para preparar futuros professores para o uso da tecnologia educacional e para melhor estruturar a profissionalização dos formadores de professores (TONDEUR et al., 2016, p. 148).

 

Figura 2 – Modelo de coleta de dados: MITec

                     Fonte: os autores (2021)

 

Arruda e Mill (2021) destacam que as políticas públicas fomentadoras do uso de tecnologias digitais, bem como os discursos que se criam em torno deste assunto, possuem lacunas que podem ser reconhecidas no espaço da formação dos professores e que o “[...] problema não reside na oferta de uma disciplina específica para se discutir possibilidades de introdução das TDIC no processo de ensino e de aprendizagem” (p.7) mas de

[...] discussões mais complexas que partam da relação entre as tecnologias antigas e novas e os conteúdos necessários à formação docente em uma sociedade cujos alunos (e professores) convivem rodeados por mídias digitais que transformam suas relações sociais, culturais, econômicas e educacionais (ARRUDA; MILL, 2021, p. 7).

De facto, “[...] entre os países da OCDE, há iniciativas já com elevado grau de maturidade e de experimentação no terreno, no sentido de se pensar em uma formação na educação pública obrigatória que tenha a tecnologia como eixo integrado” (ARRUDA; MILL, 2021, p. 8).

É nessa linha que a utilização do questionário MITec poderá ser considerada, na medida em que oferece a possibilidade aos gestores e pesquisadores de aprofundar a compreensão sobre a forma como os futuros professores estão a ser preparados para uma ação pedagógica envolvendo o recurso ao potencial que as tecnologias digitais poderão trazer, em termos de inovação, ao processo de ensino-aprendizagem. Partindo da reflexão individual dos estudantes, futuros professores, sobre as suas próprias competências para utilizá-las no seu dia a dia, bem como sobre a sua capacidade de gerar uma efetiva integração dessas na sala de aula, mas sobretudo porque

[...] as competências tecnológicas dos professores do século XXI são recorrentemente reconhecidas como sendo o cerne da modernização das práticas de sala de aula, mas muito treinamento profissional é ainda insuficiente, em especial, relacionadas com a inovação e docência (ARRUDA; MILL, 2021, p. 8).

Na prática, o contributo essencial seria o de contrariar o que Arruda e Mill (2021) concluem sobre o facto de a maioria das iniciativas para o desenvolvimento de competências digitais na formação de professores estarem sobretudo focadas nas habilidades inerentes aos usos técnicos e tecnológicos de hardwares e softwares. Mais do que os currículos oferecem uma disciplina específica que busca trabalhar os aspectos técnicos das TDIC, será decisiva a natureza e a qualidade do trabalho didático que for feito com os estudantes futuros professores implicando e discutindo o potencial indutor de inovação e mudança que as tecnologias digitais podem aportar à aprendizagem.

 

 

Considerações finais

Entender a atitude dos futuros professores em relação às TDIC, tanto para fins pessoais, como para fins profissionais, compreender como se sentem preparados para a sua utilização, em particular, no processo de ensino-aprendizagem e que competências efetivamente consideram possuir, tendo como base modelos de referência disponibilizados e reconhecidos internacionalmente, bem como está sendo desenvolvida a sua preparação para assumirem essa responsabilidade, pode proporcionar um excelente indicador para que gestores e pesquisadores educacionais possam ter parâmetros ao pensar a integração das tecnologias digitais em sala de aula, nomeadamente ao nível das instituições responsáveis pela formação inicial.

Este conhecimento se faz necessário uma vez que é evidente na literatura a pouca eficiência que uma disciplina específica disponibilizada no currículo pode trazer para o desenvolvimento das competências necessárias para a integração das tecnologias no processo educativo. No sentido oposto é destacada a importância da integração das tecnologias ao currículo escolar de todos os níveis, apontando caminhos que levam à sua utilização de forma crítica, construtiva, autônoma, natural, transversal e integradas aos conteúdos e aos métodos de ensino das diferentes áreas científicas. Algo que deve ser trabalhado em um processo didático, metodológico e prático de forma transversal nas disciplinas que visam desenvolver as competências pedagógicas nos alunos em um mundo tecnologicamente desenvolvido.

Neste sentido, os futuros professores precisam desenvolver uma atitude positiva em relação às tecnologias, estabelecendo uma relação de empatia, ou seja, é preciso vontade de utilizá-las e, ao ultrapassar esta etapa, torna-se necessário desenvolver as competências digitais básicas que são necessárias para o aprendizado ao longo da vida e que servirão para lidar com as situações do dia a dia, seja nas tarefas administrativas, de estudos, nas pesquisas, para os planejamentos acadêmicos, bem como nas ocupações pessoais, incluindo atividades culturais e de lazer.

No âmbito da integração das tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem, torna-se necessário que os futuros professores, consigam realmente desenvolver os conhecimentos tecnológicos e pedagógicos do conteúdo, que permitiram que eles adquiram as habilidades necessárias para construir propostas didáticas e metodologias tendo as tecnologias como suporte para a promoção do processo de ensino-aprendizagem.

O modelo de questionário proposto (MITec), tendo sido validado por especialistas com larga experiência acadêmica e científica na área da formação inicial de professores, e tendo apresentado um excelente coeficiente de confiabilidade e consistência interna, poderá ser um excelente recurso a utilizar em contextos em que o problema de saber como preparar os futuros professores para o uso pedagógico das tecnologias digitais se coloque.

De referir que durante o período de aplicação do questionário a um grupo de estudantes futuros professores não se observou nenhum relato que indicasse algum tipo de problema em relação ao entendimento das afirmativas que se apresentavam ou na estrutura lógica pela qual foram organizadas e apresentadas aos inquiridos.  Por outro lado, e embora não seja objeto do presente estudo, importa referir que a análise de dados referente à aplicação do instrumento em Portugal permitiu observar uma diferença entre as três dimensões consideradas, isto é, a dimensão referente às competências digitais com valor médio de 4,25, seguido pela dimensão atitude face as TDIC, com 4,20 e a dimensão relativa à competência pedagógica, com 3,42.

De certa forma, são valores que estão em conformidade com a literatura apresentada, o que corrobora a necessidade de se investigar, na formação inicial de professores, como estão sendo desenvolvidas as competências para a integração das tecnologias digitais de forma pedagógica no processo de ensino-aprendizagem. Neste sentido, entende-se que o instrumento de coleta de dados ora apresentado possui potencial para gerar informações úteis para gestores e pesquisadores educacionais entenderem o perfil de seus acadêmicos e, desta forma, possuir dados que poderão subsidiar a tomada de decisões futuras.

De referir, por último, que se reconhece a necessidade de outras validações em outros contextos em que seja falada a língua portuguesa, sugerindo-se, como trabalhos futuros, a aplicação do questionário na formação inicial de professores com uma amostra mais significativa de inquiridos.

 

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