Percepção dos professores de Química de universidades federais de Minas Gerais sobre a baixa expressividade da produção de livros no Brasil

Perceptions of Chemistry teachers at federal universities in Minas Gerais on the low expressiveness of book production in Brazil

Percepción de profesores de Química de universidades federales de Minas Gerais sobre la baja expresividad de la producción de libros en Brasil

 

Isabela Christo Gatti

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil.

isagatti.quimica@gmail.com     

           

Andréia Francisco Afonso

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil.

andreia.afonso@ufjf.br

 

Recebido em 27 de junho de 2022

Aprovado em 06 de outubro 2023

Publicado em 20 de fevereiro de 2024

 

 

RESUMO

A baixa expressividade da produção de livros universitários de Química no Brasil foi abordada neste artigo. Dada a representatividade das Universidades Federais de Minas Gerais no país, investigamos a percepção de catorze professores vinculados a cursos de Química dessas instituições acerca do tema central. A pesquisa é qualitativa e utilizou questionários e entrevistas semiestruturadas com os docentes. Realizamos ainda a Análise de Conteúdo, com categorias definidas a posteriori para interpretar os dados. Concluímos que a diferenciação entre obras nacionais e internacionais não depende só da nacionalidade, mas também do tipo de formação científica e pedagógica do autor, e que a baixa expressividade ocorre devido a quatro fatores principais: a valorização da cultura internacional; o desenvolvimento tardio da Química no Brasil; o baixo interesse dos professores pela autoria; e a boa qualidade dos livros traduzidos.

Palavras-chave: Química; Graduação; Livro Universitário.

 

ABSTRACT

The issue of the low expressivity of the production of university chemistry books in Brazil was addressed in this text. Given the representativeness of the Federal Universities of Minas Gerais in the country, was investigated the perception of fourteen university professors of Chemistry linked to these institutions about the central theme. The research is qualitative and use questionnaires and interviews with teachers. Data Content Analysis was performed, with categories defined a posteriori. It was finished that the differentiation between national and international works does not depend only on nationality, but also on the type of scientific and pedagogical training of the author, and that the low expressivity is due to four main factors: the appreciation of international culture; the late development of Chemistry in Brazil; teachers' low interest in authorship; and the good quality of the translated books.

Keywords: Chemistry; Graduation; University book.

 

RESUMEN

En este artículo se abordó la baja expresividad de la producción de libros universitarios de Química en Brasil. Dada la representatividad de las Universidades Federales de Minas Gerais en el país, investigamos la percepción de catorce profesores vinculados a carreras de Química de esas instituciones sobre el tema central. La investigación es cualitativa y utilizó cuestionarios y entrevistas semiestructuradas a docentes. También realizamos Análisis de Contenido, con categorías definidas a posteriori para interpretar los datos. Concluimos que la diferenciación entre obras nacionales e internacionales no depende sólo de la nacionalidad, sino también del tipo de formación científica y pedagógica del autor, y que la baja expresividad se produce debido a cuatro factores principales: la valoración de la cultura internacional; el desarrollo tardío de la Química en Brasil; el escaso interés de los profesores por la autoria; y la buena calidad e los libros traducidos.

Palabras clave: Química; Graduación; Libros universitarios.

 

 

Introdução

            Para falarmos sobre livros universitários de Química no Brasil, consideramos necessária uma breve introdução sobre a cultura, uma vez que essa influencia diretamente o consumo de livros e, portanto, a sua produção. Além disso, “a disseminação social da cultura letrada, um dos marcos civilizatórios da humanidade, teve no livro um ‘instrumento que criou uma sociabilidade comunitária’” (MANOEL, 2020, p. 3).

            O livro não só pode disseminar a cultura letrada como também tudo aquilo que a humanidade produziu de melhor e que deveria ser ensinado às gerações futuras. Essa produção a ser valorizada, segundo Veiga-Neto (2003), pode ser compreendida como uma outra forma de cultura.

Um aspecto relevante desses sentidos atribuídos à cultura é que ela está impregnada de materialidade. Logo, o livro texto universitário (LTU) é um objeto cultural dotados de materialidade, que agrupam conteúdos e métodos de ensino e incorporam, disseminam, consolidam e perenizam a cultura científica adotada em determinado momento (MUNAKATA, 2016).

O ensino universitário tem traços livrescos por tradição (DURHAM, 2003) e, pode-se dizer, por funcionalidade. Os livros produzidos no exterior se tornaram referência e os títulos se multiplicaram ao longo do tempo, sendo comum a utilização das traduções desses livros de uma forma muito consistente pelos estudantes (para o estudo) e pelos docentes (como guias de seus planejamentos). Isso nos permite entender os LTU como exógenos: são produzidos no exterior e introduzidos em nossa cultura científica, traduzidos ou não.

Investigando o uso dos livros universitários de Química (LUQ), Souza, Mate e Porto (2011) verificaram que, no início da formação das universidades, o ensino de Química não dispunha de livros específicos traduzidos para o português, fazendo com que os estudantes direcionassem seus estudos somente pelas anotações de aula, isto é, pela fala do professor.

Após a Reforma Universitária de 1968, o mercado editorial produziu mais traduções de livros do Ensino Superior e, mais à frente em 2007, a expansão do número de vagas proporcionada pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) impulsionou as universidades a comprar mais exemplares desses livros, tornando-os mais acessíveis através do empréstimo nas bibliotecas (GATTI, 2018).

Choppin (2004) nos coloca que um importante papel do livro é ser usado como ferramenta de unificação e uniformização nacional, linguística, cultural e ideológica. Sendo exógenos, isso se torna bastante relevante para os LUQ. Trata-se de modelos importados e traduzidos para serem usados no Brasil, influenciando o modo como pensamos a Química. Vale pontuar que isso não necessariamente se configura como um aspecto negativo e que essa troca aconteceria mesmo que os LUQ usados fossem nacionais.

            Para melhor compreensão da influência dos livros importados no modo como pensamos a Química, recorremos a história da colonização do Brasil por Portugal. Para iniciar o progresso educacional e científico, Portugal começou uma série de investimentos. Dois movimentos merecem destaque nesse trabalho. Um deles é a “importação” de químicos e de livros europeus. O outro é o envio de pessoas em missão de estudos pela Europa, na qual os conhecimentos de Química e de Engenharia de Minas e Metalurgia deveriam ser aperfeiçoados para posteriormente serem introduzidos em Portugal e no Brasil (FARIAS; NEVES; SILVA, 2006).

            A combinação dos dois movimentos é bastante relevante para pensarmos a nossa cultura científica e universitária porque ambos estabeleceram os objetos culturais e as práticas cientificas que perpassam toda a nossa estrutura educacional, dentre eles: os LUQ, os modos de ensinar e de praticar a Química e a linguagem científica.

Destaque-se como ponto negativo em tal currículo o não uso do livro de autores brasileiros (como ainda hoje se verifica) ou portugueses (já existentes). Contudo, a escolha por renomados autores estrangeiros pode ser vista como uma tentativa de oferecer-se o que de melhor então havia em termos de conhecimento químico. (FARIAS; NEVES; SILVA, 2006, p 47)

 

Já no século XX, a expansão do número de Instituições de Ensino Superior aumentou também a oferta de cursos de Química, colaborando com a vinda de químicos estrangeiros para lecionar no Brasil e, certamente, o uso dos livros europeus no Ensino Superior de Química continuou sendo bastante fortalecido (TREVISOL; TREVISOL; VIECELLI, 2009).

Atualmente, o Brasil conta com 62 universidades federais (UF) distribuídas heterogeneamente, com maior concentração no Sudeste (Quadro 1):

 

Quadro 1 - Total de universidades federais no Brasil, por região.

REGIÃO

TOTAL DE UFs/REGIÃO

% NO PAÍS

Centro-oeste

5

7,94

Nordeste

18

28,57

Norte

10

15,87

Sudeste

19

30,16

Sul

11

17,46

TOTAL NO BRASIL

63

100,00

Fonte: Inep 2022.

Onze das UFs do Sudeste estão localizadas no estado de Minas Gerais (MG), correspondendo a 17,7% no país e 57,9% na região (Quadro 2):

Quadro 2 - Total de universidades federais na região Sudeste, por estado.

ESTADO DA REGIÃO SUDESTE

TOTAL DE UNIVERSIDADES FEDERAIS

% NA REGIÃO

Espírito Santo (ES)

1

5,26

Minas Gerais (MG)

11

57,90

Rio de Janeiro (RJ)

4

21,05

São Paulo (SP)

3

15,79

TOTAL NA REGIÃO

19

100,00

Fonte: Inep 2022.

No sudeste, Minas Gerais é um estado que teve todas as suas UF criadas no século XX, o que representa uma parte significativa da história do Ensino Superior de Química no país. Atualmente, todas as onze UFs de MG oferecem o curso de Licenciatura em Química, presencial e/ou à distância.

Diante do que foi exposto acima e da representatividade das UF de MG no cenário nacional, no presente trabalho, investigamos a percepção de professores universitários de Química, vinculados a essas universidades, acerca da baixa produção nacional de LUQ. Trata-se de um recorte de uma pesquisa de doutorado (em andamento) cujo LUQ é o objeto central de investigação.

 

Metodologia

A pesquisa realizada é qualitativa (leite, 2015), baseando-se em pesquisa bibliográfica e em questionários e entrevistas com professores que atuam nos cursos de Química das UF de MG. A questão principal explorada nesse texto é: Por que a produção de LUQ brasileiros é pouco expressiva? Para reponde-la, aplicamos um questionário com os professores mais experientes (20 anos ou mais ensinando Química no Ensino Superior) das UF de MG (primeiro grupo). Considerando que são muito professores de diversas universidades distantes umas das outras, esses questionários foram enviados e retornados por via eletrônica (e-mail).

Para levantar seus endereços de e-mail entramos em contato com os/as chefes de departamento ou coordenadores de curso, pedindo os nomes dos professores do seu departamento com 20 anos ou mais de atuação no ensino universitário de Química. Todos foram bastante solícitos em contribuir para o levantamento e nos poucos casos que não obtivemos respostas, analisamos o currículo lattes de todos os membros do quadro docente do Departamento de Química das universidades para verificar quais professores se enquadrariam no critério. Dez dos 50 professores retornaram o e-mail, aceitando participar da pesquisa.

Concomitantemente, aplicamos o mesmo questionário e realizamos uma entrevista semiestruturada com os professores da Licenciatura em Química na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (integral, noturno e/ou Ensino à Distância), envolvidos com as disciplinas pedagógicas na Faculdade de Educação (FacEd) ou no Departamento de Química (segundo grupo). Tal critério visa priorizar os professores que acompanham aspectos da formação dos estudantes da licenciatura que se diferem daqueles acompanhados pelos professores que ensinam a Química propriamente dita.

Cinco professores se enquadravam no critério de seleção e o convite foi feito por e-mail e reforçado pessoalmente a cada um deles. Um deles não respondeu aos e-mails enviados. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas para posterior Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016).

As categorias foram definidas a posteriori, isto é, a partir da leitura, emergindo das falas dos sujeitos. Dessa forma, foi possível usar as categorias que emergiram das falas do primeiro grupo para analisar as falas do segundo grupo, o que não impediu a criação de novas categorias. Assim, foi possível um movimento entre as falas, fazer comparações e ajustar as categorias para melhor fazer inferências. Segundo Franco (2007),

 

[...] produzir inferências em análise de conteúdo tem um significado bastante explícito e pressupõe a comparação dos dados, obtidos mediante discursos e símbolos, com os pressupostos teóricos de diferentes concepções de mundo, de indivíduo e de sociedade (p. 27).

 

Portanto, a categorização levou à compreensão de como as falas se relacionam com a literatura, possibilitando inferir sobre o que é possível, necessário e/ou desejável ser discutido no presente recorte

Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido conforme exigido pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFJF, e suas identidades foram mantidas sob sigilo, sendo atribuídos nomes fictícios aos participantes.

Nesse texto analisaremos, primordialmente, as respostas de ambos os grupos à seguinte pergunta: Atualmente são poucos os livros universitários de química nacionais. Baseado na sua vivência e/ou leitura, por que você acha que isso acontece no Brasil? Para corroborar com a discussão também analisaremos uma pergunta presente apenas nas entrevistas feitas com o segundo grupo de professores: Você acredita que o fato de a maioria dos livros utilizados na graduação serem estrangeiros é relevante para a formação científica e pedagógica dos professores de Química? Por quê?

A seguir, apresentaremos e discutiremos os resultados de dois conjuntos de dados: 1) Questionário com professores de Química das UF de MG, excetuando-se a UFJF; e 2) Entrevista com professores do curso de Licenciatura em Química da UFJF.

 

Resultados e discussão

Os dez professores de UF de MG que responderam ao questionário tinham entre 20 e 53 anos de trabalho com o ensino universitário. Nenhum deles ministra disciplina do eixo pedagógico, voltadas diretamente para a formação de professores. As disciplinas ministradas mencionadas por eles foram: Química Geral (teórica e prática); Química Analítica Qualitativa e Quantitativa (teórica e prática); Química Orgânica (teórica e prática); Físico-Química (teórica e prática); Química Inorgânica (teórica e prática); Química Analítica Instrumental; Química Ambiental; Química da Água; Química Industrial; Química Quântica; Cinética Química; Radioquímica; Química de Organometálicos; Análises Químicas do Ar, Água e Solo; Técnicas Cromatográficas; Química dos Compostos de Coordenação; Química da Vida, Ambiente e Materiais; Química Bio-Inorgânica; Métodos Físicos de Análise; e Redação e Metodologia Científica.

Para uma melhor visualização das respostas, apresentamos o Quadro 3 com um resumo das respostas dos professores às primeiras seis perguntas do questionário:

 

Quadro 3 - Resumo das respostas dos professores das UFs de MG às primeiras seis perguntas do questionário

P

E

D

R

O

L

E

A

N

D

R

O

J

O

R

D

A

N

A

L

A

U

R

O

M

I

G

U

E

L

C

A

M

I

L

A

M

A

R

C

E

L

O

J

O

Ã

O

S

A

M

A

R

A

A

U

G

U

S

T

O

Usava livros para estudar?

sim

sim

sim

não

sim

sim

sim

sim

sim

sim

Livros em maioria estrangeiros ou nacionais?

EST

-

ES

Nacionais franceses

EST

EST

EST

EST; ES (inglês)

EST

EST

Como era o acesso aos livros?

BB; C

BB

BB

BB

BB; sebos

BB

BB

BB; C

BB

BB

Os professores recomendavam o uso de livros para estudar?

sim

sim

sim

não

sim

sim

sim

sim

sim

sim

Os professores usavam livros para preparar as aulas?

sim

-

sim

não soube informar

sim

sim

sim

sim

sim

sim

Os professores usavam livros ao longo das aulas?

sim

-

não

não

não

sim

alguns sim

alguns sim

não

sim

Fonte: elaborado pelas autoras

 

LEGENDA: ES = estrangeiros; EST = traduzidos; BB = biblioteca; C = compra, -: fuga ao tema da pergunta.

 

Analisando o Quadro 3, é possível verificar um amplo uso da biblioteca, do uso e da recomendação dos livros, bem como do uso de livros estrangeiros. Já o uso do livro em sala de aula não era tão amplo ao longo da formação desses professores. Obviamente, o uso da internet para acesso aos livros não é mencionado, o que justifica o constante contato com os livros e com as bibliotecas.

Já o não tão expressivo uso dos livros em sala de aula dialoga com o estudo desenvolvido por Souza, Mate e Porto (2011), que constata que antes da Reforma Universitária de 1968, o ensino de Química era centrado no professor, isto é, em sua fala e seu material. As respostas de Lauro destoam um pouco das demais porque sua formação acadêmica ocorreu na França, porém, vale ressaltar que esse professor assinala a não recomendação de livros para estudar por parte de seus professores, o que nos mostra (ainda que incipientemente) a tradição europeia de centralização no professor comentada por Souza, Mate e Porto (2011).

Em conjunto, as respostas à pergunta: “Atualmente são poucos os livros universitários de Química nacionais. Baseado na sua vivência e/ou leitura, porque você acha que isso acontece no Brasil?” ampliam a perspectiva da compreensão dessa constatação. Para interpretar as respostas dadas a esse questionamos, as categorias que emergiram foram:

 

1) Obsolescência do livro físico:

 

Infelizmente com a facilidade de obtenção de informações, nem sempre precisas e confiáveis, na internet, o livro físico se tornou obsoleto o que é uma pena. (Pedro)

 

2) Altos custos de produção:

 

Os editores e autores necessitam de remuneração para fazer frente a despesas acarretadas na publicação de um livro  (Pedro)

 

3) Pirataria de conteúdo online:

 

Tentativas de distribuição baseadas em e-books se tornaram infrutíferas devido ao elevado grau de “pirataria” (Pedro)

 

4) Falta de apoio das agências de fomento:

 

Quanto aos livros didáticos, a minha geração, pelo menos, sempre se ressentiu do menosprezo e mesmo hostilidade das agências de fomento com relação a escrevê-los. Acredito que esta postura hostil à feitura de livros didáticos tenha contribuído em muito para esta situação (Leandro).

 

Eu acho que é uma questão de cultura, de valorização (dá muito trabalho e poucos méritos profissionais) e de apoio (o tempo e o apoio financeiros são difíceis de se obterem), ou seja, não há incentivo. Assim, é mais compensado fazer a tradução dos livros didáticos clássicos para o ensino superior. (Miguel)

 

Eu acho que acontece por falta de incentivos financeiros. (Samara)

 

5) Pressão para publicar artigos:

 

Toda a ênfase caía sobre uma grande pressão para publicar artigos científicos de pesquisa original. É claro que isto era e é de suma importância, sobretudo na época em que se implantava a pós-graduação (refiro-me à década de 70), mas hoje vejo claramente que foi uma atitude míope das agências achar que a produção de livros didáticos prejudicaria o desenvolvimento das pesquisas científicas. (Leandro)

 

6) Dificuldade de produzir um livro inédito:

 

Em primeiro lugar, produzir um texto atrativo e inédito na área de Química não é uma tarefa fácil, pois exige disciplina, determinação e esforço intelectual. (Jordana)

 

7) Pouco interesse das editoras:

 

A publicação e a distribuição de livros têm custos altos e como as editoras visam lucro, em geral, não apostam em escritores iniciantes. As grandes editoras optam por publicar traduções de livros já consagrados internacionalmente. (Jordana)

 

8) Não há necessidade:

 

Por causa do número importante de livro de Química escrito por autor estrangeiro e a ocorrência de tradução destes livros na língua portuguesa (Lauro)

 

(...) No entanto, especificamente na área de ciências exatas, a língua universal é o inglês e é mais proveitoso familiarizar com o vocabulário técnico em inglês. Não há, na minha opinião, justificativa para escrever livros de Química de nível superior em português, mesmo para os autores brasileiros. (Augusto)

 

9) Falta de treinamento para produção de livros didáticos:

 

Não somos ensinados a escrever livros, mas sim artigos científicos. (Camila)

 

10) Desenvolvimento tardio da Química no Brasil:

 

A Química, principalmente a Pós-graduação e a Pesquisa, só veio a se desenvolver nos últimos anos. (Marcelo)

 

 

11) Sobrecarga docente:

 

Sobrecarga do docente, várias atividades na graduação e pós-graduação, falta de incentivos, maior importância das publicações internacionais (João)

 

A gama de motivos que justificam a pouca expressividade dos LUQs brasileiros é bastante diversa de modo que, ainda que não haja plena concordância entre os professores, é possível perceber como esses motivos se conjugam para desenhar o cenário que temos atualmente a respeito da produção desses livros. Quando perguntados sobre o uso do livro, todos os dez professores afirmaram que os utilizam como referência no preparo das aulas, sendo em sua maioria os livros textos e/ou científicos impressos, mas abarcam também os xerox, os e-books e/ou os artigos em versão eletrônica.

É possível entender que, ainda que o desenvolvimento tecnológico proporcione uma mudança no suporte do conhecimento, o livro permanece presente como principal referência no preparo das aulas. Contudo, os professores reconhecem a necessidade de complementar seu conteúdo com artigos atualizados e também de usar outras plataformas de acesso.

Quanto ao critério de escolha dos livros, as respostas dos professores dialogam diretamente com Gatti (2018): conselho dos profissionais mais experientes da área, renome do autor, renome da editora, ano da edição, aprofundamento do conteúdo, didática, atualização científica, rigor científico, clareza do texto, disponibilidade das obras, custo da obra, aplicabilidade do conteúdo, disponibilidade em português ou inglês, presença de esquemas, ilustrações, exercícios resolvidos e para serem resolvidos. Dessa forma, a escolha de um LUQ para uso e indicação é bastante complexa, devendo o livro ideal apresentar todos esses aspectos, de maior ou menor relevância a depender da intenção e/ou necessidade dos professores e alunos diante do conteúdo a ser trabalhado nas disciplinas.

A recomendação do uso de livros para estudar é unânime entre os professores. Eles também mencionam os periódicos em conjunto com os livros para que o conteúdo esteja sempre atualizado. Também é mencionado o incentivo à busca por mais livros, mediante a resolução de exercícios de outras obras que não aquela utilizada como principal na disciplina. Dado que o tempo em sala de aula é limitado, ter acesso a outra abordagem e/ou a uma mais profunda do tema também é uma justificativa presente para a recomendação do estudo com os livros.

Outros pontos importantes associados a essa recomendação e uso foram: o desenvolvimento da leitura de textos científicos, o aprimoramento da interpretação de texto e a aprendizagem da comunicação científica. Além disso, a confiabilidade do conteúdo ancora essa recomendação por parte dos professores, como pode ser observado nas falas abaixo:

 

Estes passaram pelo crivo de vários revisores e as informações contidas nestes livros possuem um elevado grau de confiabilidade. (Pedro)

 

Os livros são importantes, mas trazem um conhecimento que já existe há uns

5 ou mais anos. (Leandro)

 

O uso indiscriminado ou pouco refletido da internet se mostra uma preocupação dos professores para com a aprendizagem científica dos alunos:

 

Há na internet muita informação de qualidade, mas infelizmente também há informação com baixa qualidade e que desinformar ao invés de informar. (Pedro)

 

[...] o aluno de hoje prefere procurar na internet e confia em qualquer informação encontrada sem verificar a proveniência e a veracidade. Por isso, acredito que a melhor fonte de informação seja a consulta de um livro cientifico. (Lauro)

 

Infelizmente, os alunos de Química da geração atual não têm mais o hábito do estudo em livro, preferindo os resumos, muitas vezes incompletos, disponíveis na internet. (Augusto)

 

A preocupação reside não só na falta de confiabilidade e precisão conceitual em muito do que está disponível online, mas também com a postura dos estudantes na busca pelo conhecimento. O hábito de leitura também é mencionado associado a essa questão, o que evidencia uma diferença na cultura da leitura universitária quando a tecnologia passa a ser mais acessível (CHARTIER, 2011). Assim, as relações com o objeto livro e o estilo de leitura mudam ao longo do tempo, transformando o modo de leitura na trajetória do sujeito à medida que ele passa de estudante a docente.

Enquanto os professores universitários só tinham acesso aos livros físicos, os estudantes do século XXI têm acesso às mais diversas fontes de conhecimento através da internet, criando uma magnífica oportunidade de ampliação, mas também constituindo um problema, ao passo que nem todo conhecimento de rápido acesso é acurado ou aprofundado. No entanto, não há como retroceder a um não uso da internet, nem por parte dos alunos e nem por parte dos professores. Há indícios de que antes da internet, a leitura acadêmica se aproximava mais de um modo intensivo e, após seu surgimento, torna-se cada vez mais extensivo.

Sobre a utilização do livro em sala de aula junto aos estudantes, apenas dois professores afirmam que sim, enquanto os demais afirmam que não fazem esse uso. Independentemente dessa escolha prática, todos afirmam consultar os livros para preparar as aulas, selecionar o conteúdo e os exercícios, bem como algumas imagens, gráficos e/ou tabelas. Nota-se, portanto, que os LUQs ocupam, principalmente uma função referencial e, consequentemente instrumental, no Ensino Superior de Química (CHOPPIN, 2004).

Quando perguntados sobre a percepção do uso dos estudantes, os professores notam, ao longo de suas carreiras, uma tendência à diminuição desse uso devido ao amplo uso da internet para buscar o que necessitam:

 

[...]  tenho percebido que há uma tendência de os alunos substituírem os livros por informações retiradas da internet para a realização de seus estudos acadêmicos. (Pedro)

 

Acredito que os alunos de hoje não utilizam muito os livros didáticos. Tenha esta impressão, pois nos relatórios as referências citadas são em sua maioria sites encontrados na internet. Inclusive de livros (Camila)

 

Os estudantes não têm paciência, querem rapidez na aprendizagem, o celular e as ferramentas de busca facilitam o trabalho dos estudantes. (João)

 

A minoria utiliza. Eles agem desta forma, por comodismo, por acreditar que acham respostas prontas na internet. (Samara)

 

Novamente se destaca uma grande diferença geracional no modo de acesso ao conhecimento e, obviamente, isso afeta o modo de utilização do livro pelos universitários. Essa concepção fica evidenciada na fala abaixo, na qual a geração atual de estudantes é interpretada como “ansiosa” e “imediatista”:

 

Não há como generalizar, mas minha percepção é que os alunos não utilizam o livro para estudar. A geração atual é ansiosa e imediatista, portanto, não tem a necessária paciência para estudar várias páginas de um livro técnico para encontrar a resposta de um único problema. (Augusto)

 

Também é possível identificar pontos de dificuldade dos professores em incentivar o uso dos livros junto a uma confiança do aluno ao conteúdo do material fornecido pelo professor (slides ou resumos):

 

Apesar de passar uma bibliografia adequada no início do semestre, o aluno, de maneira geral, se contenta com do material fornecido pelo professor e não sente a necessidade de completar ou elucidar as informações através de livros. Talvez por causa de falta de tempo ou interesse. (Lauro)

 

[...] a maioria prefere não ir aos livros, ficando apenas com os conteúdos da aula que lhes forneço. Não fornecer esses conteúdos não os fez ir ao livro e, infelizmente, resultou em piora no desempenho deles. (Miguel)

 

Acho que poucos utilizam pois preferem os “resumos” das aulas ministradas pelos professores. Ler um livro demanda mais tempo. Falta também o hábito de ler. (Marcelo)

 

Apenas uma das entrevistadas afirma que seus alunos utilizam os livros devido ao seu incentivo: “Meus alunos utilizam livros para estudar, pois os incentivo a fazê-lo e cobro em prova” (Jordana).

Na era digital os modos de ler, escrever e buscar conhecimento foram drasticamente alterados devido à imensidão de informações disponíveis, porém, como ressalta Gatti (2918), isso não indica necessariamente, que os estudantes estão lendo menos os LUQs.

Essa explosão de informação não afeta somente o modo de aprender, mas toda a estrutura social mundial. Enquanto antes os estudantes precisavam buscar nas páginas dos livros pelo que precisavam, hoje o suporte digital possibilita o uso de uma ferramenta de busca, usando um termo ou frase, que torna essa procura bastante ágil. Contudo, o problema não reside na nova ferramenta, até mesmo porque os professores também as usam, mas sim na relação com conhecimento, que vai ser mediada pela tecnologia.

Sobre conhecer e usar LUQs brasileiros, apenas dois professores afirmam que não os utilizam, enquanto os demais dizem o contrário. Alguns deles exaltam a qualidade dos livros nacionais, a exemplo das seguintes respostas: “Temos excelentes livros nas diferentes subáreas da Química”. (Jordana). “Já o utilizei e são tão bons quanto os estrangeiros. Foram escritos por professores que dominam o conhecimento na área”. (Marcelo)

Outros reforçam que os melhores deles são bastante específicos e, por isso, utilizam em disciplinas e casos nos quais eles se encaixam melhor no conteúdo abordado:

 

Ocorre que os livros de Química Analítica nacionais são muito antigos, não tem uma apresentação atrativa e são desatualizados. Há bons livros nacionais que não são de QA básica e estes eu tenho adotado nas disciplinas específicas  (Miguel)

 

Sim, mas com conteúdo muito restrito numa determinada parte da Química. Utilizo os livros do prof Henrique Toma de Química Inorgânica. São cuidadosamente escritos, de boa qualidade. (João)

 

Um ponto importante abordado é a questão da “inferioridade cultural” dos pesquisadores brasileiros no que tange os livros científicos:

 

O brasileiro é muito competente e possui ótimos pesquisadores nas mais diversas áreas do conhecimento. Temos que parar de se julgar um povo inferior. O brasileiro precisa se livrar da premissa conhecida como “Síndrome de Vira-Latas” alcunhada por Nelson Rodrigues nos anos 70 (Pedro)

 

Dado que a tradição livresca europeia se estabeleceu no nosso ensino universitário (SANTOS; GALLETTI, 2023), o ensino de Química brasileiro desenvolveu uma relação muito próxima com os livros exógenos. Assim, é natural que se mantenham na postura de leitores e não escritores de LUQs. Contudo, cabe questionar as razões pelas quais o brasileiro não engaja nessa escrita e quanto essas razões se relacionam com a autoestima intelectual do nosso povo.

Sobre a vontade de escrever um LUQ, os professores responderam da seguinte forma (Quadro 4):

 

Quadro 4 - Categorias das respostas.

RESPOSTA

MOTIVOS

DIFICULDADES

Não (6)

- Falta de preparo para a tarefa

 - Convicção de que a escrita de outros tipos de livros científicos deve ser priorizada

- Falta de necessidade, pois já existem bons livros

- Conseguir não fazer uma cópia dos livros existentes

- Acreditar ser difícil encontrar algo para acrescentar

- Falta de criatividade

- Falta de tempo

Sim (2)

- Contribuição para a Química e para o desenvolvimento do país.

- Sobrecarga de trabalho

- Desvalorização do trabalho do autor

- Pirataria

Talvez (2)

- Compilar notas de aula em um livro

- Ter poucas traduções de livros que abordam o tema desejado

- Falta de tempo

- Dificuldade com as ilustrações

Fonte: elaborado pelas autoras.

 

É perceptível uma grande desmotivação para escrever LUQs, sendo o mais expressivo deles a falta de tempo devido à sobrecarga de trabalho e a crença de que há pouco para ser acrescentado. Essas falas expressam a falta de tradição brasileira na escrita desses livros, levando os professores mais experientes a acreditarem que dificilmente podem contribuir nessa área.

Já os quatro professores que participaram do questionário e da entrevista semiestruturada, e que atuam na UFJF, têm entre 5 e 11 anos de ensino universitário. Todos lecionam apenas disciplinas do eixo pedagógico, dois deles vinculados ao Instituto de Ciências Exatas (ICE) e dois vinculados à FacEd. As disciplinas ministradas mencionadas por eles são: Saberes Químicos Escolares; Metodologia do Ensino de Química; Ensino de Química na Escola Básica I e II; Estágios I, II, III e IV; Instrumentação para o Ensino de Química; Experimentação no Ensino de Química; Planejamento e Avaliação no Ensino de Química; e História da Química.

Para uma melhor visualização apresentamos o Quadro 5 com um resumo das respostas dos professores às primeiras seis perguntas do questionário:

 

Quadro 5 - Resumo das respostas dos professores da Licenciatura em Química da UFJF às primeiras seis perguntas do questionário.

 

CAIO

HILDA

DIOGO

Usava livros para estudar?

Sim

Sim

sim

Livros em maioria estrangeiros ou nacionais?

ES; EST

NAC

EST

Como era o acesso aos livros?

BB; C

BB

BB; C

Os professores recomendavam o uso de livros para estudar?

Sim

alguns sim

sim

Os professores usavam livros para preparar as aulas?

alguns mais

que outros

alguns sim,

alguns não

sim

Os professores usavam livros ao longo das aulas?

não

sim (do departamento

de matemática)

poucos casos

Fonte: elaborado pelas autoras.EGENDA: ES = estrangeiros; NAC= nacionais; EST = traduzidos; BB = biblioteca; C = compra.

 

O Quadro 5 mostra, novamente, um amplo uso da biblioteca, bem como do uso de livros estrangeiros traduzidos. Jade e Laís, sendo professoras um pouco mais jovens que Clara e César, relatam o uso da xerox (fotocópia) de livros completos ou capítulos de livros como alternativa ao uso do livro em códex. Novamente não foi mencionado o uso da internet. Nesse grupo, o uso do livro em sala de aula também não era tão amplo ao longo da formação acadêmica e a algumas hipóteses importantes para esse pouco uso foram apresentadas.

 

Eu acho que eles já tinham a aula decorada. [...] eu não via sair um exemplo novo ou alguma ligação com o cotidiano, embora na década de 90 esses próprios livros eram bem áridos. Bem conteudistas [...] achavam que dar aula era passar o conteúdo no quadro e explicar o exercício e eles faziam isso. Não vejo que eles viam a necessidade. (Laís)

 

Eu acho que o não utilizar com os alunos é porque nós não tínhamos mesmo condição. Como esses livros eram importados, eram muito caros. Eu acredito que nem 10% da turma tinha o livro, então não tinha muito como usar na sala de aula. Até a xerox era caro  (Clara)

 

A primeira hipótese fala da abordagem conteudista e pouco contextualizada presente nos livros e também na prática docente o longo da formação da professora. Dentro dessa perspectiva faz sentido que os LUQs não fossem utilizados em sala de aula junto com os estudantes. Essa prática vem mudando ao longo dos anos de modo que novas práticas de ensino – mais dialogadas, contextualizadas e interdisciplinares – vêm sendo inseridas na universidade, e tal mudança demanda um novo material didático.

A segunda traz a questão financeira, tanto no que tange aos investimentos do país nas universidades quanto no que diz respeito ao aluno, que não tem/tinha poder aquisitivo para comprar LUQs e utilizar em aula.

Ao responder à pergunta “Atualmente são poucos os livros universitários de Química nacionais. Baseado na sua vivência e/ou leitura, porque você acha que isso acontece no Brasil?” as respostas dos entrevistados possibilitaram extrais diferentes unidades de registro que foram organizadas nas categorias, conforme apresenta o Quadro 6:

 

Quadro 6 - Unidades de registros extraídas das respostas dos professores da licenciatura em Química da UFJF.

CATEGORIAS

TRECHO DA RESPOSTA

Falta de apoio das agências de fomento (FAA);

Valorização da cultura internacional (VCI); Tradição cultural brasileira (TCB);

Falta de treinamento para produção de livros didáticos

 

 

Eu acho que no Brasil não existe o fomento para que os grupos de pesquisa possam produzir o seu próprio material. Por exemplo, você não vê edital. Eu, pelo menos, desconheço. Existe algum edital para escrita de livros? [...] Existe ainda, eu acho, essa prevalência, essa inclinação para essa literatura estrangeira, como uma literatura mais atualizada na área. A ideia, às vezes, de ser mais atualizada, mais rica, mas eu também questiono muito isso, por que o quanto que a gente consegue renovar dos nossos acervos nas bibliotecas? [...] E eu acho também que não é uma tradição nossa essa relação nossa com o livro, de a gente se enxergar enquanto possível autor, de a gente sistematizar esse nosso conhecimento. A gente pratica muito na academia essa literatura acadêmica dos artigos. É isso que a gente pratica quando a gente é formado para a pesquisa, quando a gente é formado para trabalhar em ensino superior. A gente não exercita a produção de material didático no ensino superior. (Jade)

 

Altos custos de produção;

Dificuldade de produzir um livro inédito;

TCB

 

Bem, eu acho que escrever livro didático, livro para utilizar em aulas não é fácil. A venda é limitada, não tem público também. Acho que as editoras não publicariam, é um livro que é caro. Não é muito vendável. É difícil fazer e o processo de revisão é exaustivo. [...] Eu acho que o livro é uma construção. Ele leva muito tempo, muito empenho do autor e um investimento financeiro. Então eu acho que o livro tem isso tudo. Tanto que é muito difícil você ter um novo autor, você tem os clássicos que são reeditados, mas você não tem novo autor que surgiu assim com um novo livro. (Laís)

 

VCI

 

Eu acho que vem bastante do comodismo, um pouco de inibição dos colegas. Se você pega um livro de Físico-Química, você já tem o Atkins que todo mundo respeita e gosta. Você pensa, "eu vou fazer um outro livro", não vai sair melhor do que o Atkins, o Atkins me atende, eu vou permanecer com ele. Eu creio que entra o comodismo e até a inibição de eu vou escrever um livro porque eu estou querendo me comparar ao Atkins, dizer que eu sou melhor que ele, então eu acho que vem um pouco da autoestima. [...] Eu creio que a forma de raciocínio do hemisfério norte, e acho que nós já somos mais sensitivos, a gente primeiro tenta entender para depois calcular. Eles calculam primeiro para depois compreender. Eu acho que se tivéssemos mais livros escritos por brasileiros a gente ganharia muito. (Clara)

 

FAA;

Não há necessidade;

VCI;

TCB;

Pouco interesse das editoras

 

Talvez não haja muito incentivo na carreira para a publicação de livros. O foco é sempre para aqueles que estão envolvidos com a pesquisa em artigo. Ele é até menos valorizado que os artigos nos programas de pós-graduação. [...] Talvez por entender que a versão traduzida seja boa, eficiente. Provavelmente, porque ele também usou essa versão quando ele foi estudante, então ele está reproduzindo. Talvez por não ter interesse das editoras também, porque é mais fácil traduzir, penso que até em termos de leis autorais, em termos de custos. Acho que por não ter essa tradição de produção. Acho que são vários aspectos aí. (César)

 

Fonte: elaborado pelas autoras.

 

É interessante perceber que a questão da inexpressiva produção de LUQs brasileiros é bastante complexa e mobiliza diversos aspectos da docência universitária, muito possivelmente combinados de diferentes formas para cada docente dado seu contexto e sua percepção pessoal. Vale comentar sobre a renovação dos acervos mencionada por Jade, que é um aspecto prático do consumo de livros pelas universidades. Afinal, é importante ponderar sobre em qual extensão as universidades conseguem, financeiramente, aderir a novas obras. Gatti (2018) aponta que a adesão foi feita de forma mais ampla, com a compra de livros para as bibliotecas universitárias, em 2007, com o Reuni.

A menção à vendibilidade combinada com a exaustão do processo de escrita mencionada por Laís, juntamente com a valorização da produção de artigos, citada por César, nos permite refletir sobre o espaço da produção de LUQs dentro de uma carreira acadêmica.

Outro ponto interessante foi levantado por Clara, quando ela menciona o modo de raciocínio dos norte-americanos e dos latinos e que, sendo diferentes, seria muito benéfico ter LUQs escritos por brasileiros para serem lidos por brasileiros. Foge do escopo da pesquisa realizada, aprofundar nas questões de modos de raciocínio e sua correlação com nacionalidade, e como isso influencia a produção de LUQs e o processo de ensino e de aprendizagem nas universidades. Contudo, é um ponto de pesquisa bastante relevante a ser explorado.

Sobre a percepção do uso dos alunos, os professores desse grupo reconhecem o não uso dos livros para suas disciplinas, pois essas pertencem ao eixo pedagógico e eles mesmos não utilizam um único conjunto de livros para preparar suas aulas ou indicar aos alunos. As disciplinas conjugam artigos, textos complementares, mídias e livros didáticos da educação básica, sendo poucos voltados para ensinar os conteúdos dessas disciplinas e, portanto, utilizados apenas pontualmente.

Todavia, existe uma discrepância entre as respostas desses professores e as respostas do grupo anterior, que não lecionam disciplinas do eixo pedagógico:

 

Eu acho que eles utilizam muito o livro para estudar para as provas. Não é um estudar "eu vou estudar porque eu quero saber, deter o conhecimento". Eu sinto muito isso, que vai chegando a época da semana de provas e eles ficam todos vindo para a aula, com um monte de livros (Jade,)

 

Eu acho que eles utilizam os livros da disciplina de Química. [...] eu acho que o livro na disciplina de Química é uma grande referência. Você estuda essa disciplina por esse livro, parece que há uma garantia de que você vai aprender, ou pelo menos de que você vai aprender como o professor quer se você estudar no livro indicado por ele. Eu acho que os meus alunos usam esses livros (Laís)

 

Nas duas disciplinas que eu te falei de conteúdo específico [...] eu acho que eles usam sim. Deveriam usar mais, mas usam. [...] Eu acho que quem usa é porque quer entender melhor, quer sedimentar o conhecimento. (Clara)

 

Eu realmente tenho dificuldade para dizer isso, mas de novo arriscaria dizer que talvez mais para as disciplinas de conhecimento específico de Química, talvez, de física e matemática. (César)

 

Ao passo que os professores das disciplinas científicas acreditam/percebem que os alunos fazem pouco uso do livro, os professores das disciplinas pedagógicas os veem com os livros em suas aulas, ficando claro que existe – ainda que superficial, incipiente, ou insuficiente do ponto de vista dos professores – contato dos alunos com os LUQs ao longo dos semestres letivos.

Sobre a relevância da nacionalidade dos LUQs para a formação científica e pedagógica dos professores de Química, esses professores também trazem o dilema nacionalidade versus formação do autor:

Eu acho que se a gente tivesse livros nacionais de Química Inorgânica, de Analítica, seria bem interessante, porque a gente poderia mostrar de uma maneira como a gente pensa, trazer exemplos de pesquisas, dos nossos contextos, da aplicação daquilo nos nossos contextos. Seria bem bacana. Talvez trazer até uma linguagem com expressões próprias, nossas, para também causar a identificação. [...] Eu acho que a gente poderia, sim, deveria, sim, pensar nessas literaturas acadêmicas, o fomento delas dentro do Brasil. [...] Eu acho que tem que mudar essa cultura na academia, porque esses livros vão partir das academias. (Jade)

 

Eu nunca pensei nisso. Se o fato de ser estrangeiro... [...] dos contatos mais anteriores que eu tive com os livros de Química eu acho que não fazia tanta diferença, porque o problema maior nosso estava na tradução. Mas eles traziam só conceitos e conteúdos. Agora que eles estão trazendo, talvez, exemplos do cotidiano questões relevantes sociais, talvez vá fazer diferença, porque o exemplo do cotidiano é outro. É outro cotidiano. [...] Eu arriscaria dizer que como eles estão mais com uma tendência a fazer mais boxes informativos, mais questões sociais que talvez influencie. Talvez exemplos nacionais fossem mais interessantes. (Laís)

 

Seria bem melhor que nós tivéssemos livros escritos por brasileiros, porque pelo menos é de se esperar que eles respeitassem essas sequências pedagógicas, a nossa forma de pensamento. Mas, no fundo, o livro depende muito do autor. [...] porque se for um autor brasileiro formado totalmente no tecnicismo, ele vai repetir aquilo naquele livro. O fato de ele ser brasileiro não vai fazer com que ele faça um livro mais investigativo, um livro mais questionador, um livro que te instigue mais, que te respeite mais. Não basta a nacionalidade do autor para isso. (Clara)

 

De fato, como também foi pontuado por alguns professores das federais de MG, a nacionalidade do autor em si não garante que o LUQ produzido vá ser diferente dos livros exógenos que temos disponíveis. A formação dos autores contribuirá enormemente para o modelo no qual esse livro será escrito e transporá, não só sua concepção de ciência e seu conhecimento científico, mas também sua concepção pedagógica, afinal, “cada pessoa tem seu próprio processo de pensamento, seu próprio modo de formar conceitos e conectá-los” (FICHTE apud CHARTIER, 2014, p. 141).

Dessa forma, é relevante pensar não só em “como” produzir os LUQs, mas também em “quem” os produzirão. Outra questão que se desenha nas respostas dos professores é: em que extensão esse hipotético LUQ produzido no Brasil poderia contribuir para a formação dos futuros químicos e professores de Química?

Eu não sei se faria uma diferença muito grande, porque, de certa forma, o livro deveria responder ao currículo. Na prática a gente vê o contrário, que o currículo corresponde ao livro. [...] O livro poderia ousar um pouco e trazer abordagens diferentes, contextuais, por exemplo. [...] Se esses livros, sejam brasileiros, nacionais ou não, se eles trouxessem perspectivas um pouco diferentes, talvez pudesse contribuir. Agora, se ele for só nacional, de novo, uma reprodução dos outros, aí eu penso que é indiferente se ele foi traduzido, inclusive por questões contextuais. (César)

 

Os principais itens que podem diferenciar os livros nacionais dos exógenos mencionados por eles são: a abordagem do contexto local associado ao conteúdo a ser trabalhado e a linguagem mais compreensível que não carregue consigo problemas derivados do processo de tradução. O fortalecimento da cultura científica brasileira e da autoestima do autor brasileiro não são aspectos centrais em nenhuma das respostas, possivelmente porque a primeira preocupação ao pensar nesse movimento seja a implicação prática e direta na formação dos alunos da graduação, que é a primeira instância ao se pensar em mudança de material didático.

 

Conclusões

Constatamos que a perenização da cultura universitária acerca do consumo de LUQ internacionais e a baixa expressividade da produção e do consumo de LUQ brasileiros ocorrem devido a quatro fatores principais: a valorização da cultura internacional; o desenvolvimento tardio da Química no Brasil; o baixo interesse dos professores pela autoria; e a boa qualidade dos livros traduzidos.

            Ao ponderarem sobre a possibilidade de autoria de um LUQ, os professores recorrentemente levantam as seguintes questões impeditivas: baixa disponibilidade de tempo; o grande esforço pessoal; e a não valorização dessa produção, seja pelas agências de fomento, pelo incentivo na carreira ou pelo retorno financeiro. Embora sejam pontos extremamente relevantes, cabe ressaltar que a autoria pode operar como uma valorização da função ideológica e cultural do LUQ, bem como fortalecer a produção científica brasileira.

            No atual momento histórico-científico brasileiro talvez a produção de LUQ não seja uma prioridade. Contudo, cabe refletir sobre como, quando e em quais moldes essa autoria pode ser estimulada entre os professores universitários para que a cultura brasileira (da escrita, da leitura, científica, pedagógica, social, econômica, política) seja cada vez mais presente nos LUQ e que, assim, ao longo do tempo se torne cada vez menos difícil encontrar um novo autor.

 

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