Repercussões da Pedagogia de Projetos na prática pedagógica dos anos finais do Ensino Fundamental

Repercussions of Pedagogy Projects in the pedagogical practice of the final years of Elementary School

Repercusiones de la Pedagogía de Proyectos en la práctica pedagógica en los últimos años de la Educación Primaria

 

 

Sandro de Castro Pitano

Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil.

scpitano@gmail.com    

 

Julsemina Zilli Polesello

Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil.

julseminazp@yahoo.com.br

 

Recebido em 22 de junho de 2022

Aprovado em 07 de novembro de 2023

Publicado em 09 de fevereiro de 2024

 

 

RESUMO

Este artigo apresenta os resultados de um estudo de caso sobre o processo da implementação da Pedagogia de Projetos nos anos finais do Ensino Fundamental em uma rede municipal de educação. Por meio de questionários e entrevistas semiestruturadas, buscou compreender como a proposta repercutiu na prática pedagógica das professoras, analisando a organização dos espaços e tempos, a interdisciplinaridade, as ações desenvolvidas em meio à Pandemia (Covid-19) e a influência da formação continuada, segundo os próprios sujeitos. Descreve o contexto no qual foi gestado o processo, desde a fase de diagnóstico pela gestão municipal, perpassando pelos diferentes aspectos envolvidos no processo de implementação da Pedagogia de Projetos. As considerações finais enfatizam limites e possibilidades na implementação da proposta, a relevância da dimensão temporal, o papel da formação continuada, a interdisciplinaridade, os impactos provocados pela Pandemia da Covid-19 e as repercussões da Pedagogia de Projetos no processo de ensino e aprendizagem e o protagonismo das professoras em relação às políticas educacionais.

Palavras-chave: Pedagogia de Projetos; Prática pedagógica; Ensino Fundamental.

 

ABSTRACT

This article presents the results of a case study on the implementation process of Project Pedagogy in the final years of Elementary School in a municipal education network. Through questionnaires and semi-structured interviews, it sought to understand how the proposal had an impact on the pedagogical practice of teachers, analyzing the organization of spaces and times, interdisciplinarity, the actions developed in the midst of the Pandemic (Covid-19) and the influence of continuing education, according to the subjects themselves. It describes the context in which the process was created, from the diagnosis phase by the municipal management, passing through the different aspects involved in the implementation process of the Pedagogy of Projects. The final considerations emphasize limits and possibilities in the implementation of the proposal, the relevance of the temporal dimension, the role of continuing education, interdisciplinarity, the impacts caused by the Covid-19 Pandemic, and the repercussions of Project Pedagogy in the teaching and learning process and the role of teachers in relation to educational policies.

Keywords: Pedagogy of projects; Pedagogical practice; Elementary School.

 

RESUMEN

Este artículo presenta los resultados de un estudio de caso sobre el proceso de implementación de la Pedagogía de Proyectos en los últimos años de la Educación Primaria en una red educativa municipal. A través de cuestionarios y entrevistas semiestructuradas, buscamos comprender cómo la propuesta incidió en la práctica pedagógica de los docentes, analizando la organización de espacios y tiempos, la interdisciplinariedad, las acciones desarrolladas en medio de la Pandemia (Covid-19) y la influencia de la formación continua, según los propios sujetos. Describe el contexto en que se generó el proceso, desde la fase de diagnóstico por parte de la gestión municipal, pasando por los diferentes aspectos involucrados en el proceso de implementación de la Pedagogía de Proyectos. Las consideraciones finales enfatizan los límites y posibilidades en la implementación de la propuesta, la relevancia de la dimensión temporal, el papel de la formación continua, la interdisciplinariedad, los impactos provocados por la Pandemia Covid-19 y las repercusiones de la Pedagogía de Proyectos en el proceso de enseñanza y aprendizaje y el protagonismo de los docentes en relación a las políticas educativas.

Palabras clave: Pedagogía de Proyectos; Práctica pedagógica; Enseñanza fundamental.

 

Introdução

Este artigo resulta de uma pesquisa que procurou caracterizar e analisar o processo da implementação da Pedagogia de Projetos na Rede Municipal de Ensino de Nova Prata-RS, município situado na Serra Gaúcha, com população estimada (IBGE, 2020) de 27.648 habitantes. Visando compreender como a proposta repercutiu na prática pedagógica junto aos anos finais do Ensino Fundamental, o estudo investigou a organização dos espaços e tempos, a interdisciplinaridade, as ações desenvolvidas em meio à Pandemia (Covid-19) e a influência da formação continuada, a partir do olhar dos professores e professoras que a vivenciaram.

A pesquisa caracterizou-se como um estudo de caso analítico e descritivo de natureza qualitativa (GIL, 1994), pois compreende um evento cientificamente relevante por concretizar interesses institucionais – uma rede de ensino em sua totalidade, e não opções individuais de docentes pela adoção de projetos em suas práticas pedagógicas. No caso em questão, procedeu-se de acordo com o definido por Guba & Lincoln (1994), buscando relatar os fatos tais como se sucederam, descrevendo-os com a maior fidelidade possível, proporcionando o conhecimento aprofundado acerca do fenómeno. Embora o caso abarque toda uma rede municipal de ensino e envolva múltiplas dimensões da educação escolar, a investigação focou apenas no Ensino Fundamental, anos finais, e a percepções de parte das professoras envolvidas no processo, adotando diferentes procedimentos para a construção de dados.

Para identificar os desafios que emergiram no processo de implementação da proposta, utilizou-se um questionário junto às professoras que atuavam no início de 2019 e permaneciam atuando no momento da aplicação do instrumento, em 2020, que era composto por um universo de 51 profissionais. O questionário foi elaborado no Google Forms® e o link enviado com auxílio da coordenação pedagógica de cada escola através do WhatsApp® institucional, sendo respondido por 21 professores (19 mulheres e dois homens). Estruturou-se por uma sequência de questões objetivas sobre faixa etária, formação em nível médio, superior, especialização e tempo de atuação, que buscavam traçar um perfil geral dos participantes. Algumas questões com respostas abertas foram incorporadas, versando sobre aspectos como conhecimento prévio sobre a Pedagogia de Projetos, organização dos horários para planejamento interdisciplinar, formação continuada no espaço escolar, aspectos positivos e negativos da proposta, bem como mudanças (ou permanências) nas práticas pedagógicas com a sua implementação. Concordando com Laville e Dionne (1999, p.186), questões com respostas abertas são relevantes devido a sua amplitude, possibilitando aos envolvidos manifestarem-se, livremente, de acordo com suas referências sobre o assunto. 

 Associada ao questionário, foi desenvolvida uma entrevista semiestruturada com cinco professoras que atuavam, cada uma delas, em uma das cinco escolas de Ensino Fundamental completo do município. Cada entrevista teve uma duração média de 40 minutos, que se mostrou suficiente para aprofundar os aspectos abordados. A seleção das participantes considerou cinco critérios conjugados: disponibilidade para ser entrevistada; ser ocupante de cargo de provimento efetivo; estar atuando em sala de aula na mesma escola desde 2019; estar atuando em diferentes disciplinas; possuir distintos tempos de experiência docente. As questões abordadas foram guiadas por um roteiro prévio, iniciando por questões objetivas e envolvendo, na sequência, informações sobre as formações continuadas, as estratégias adotadas para colocar a proposta em prática, as articulações com colegas, as mudanças nas próprias práticas, dentre outros. Na análise dos dados que constituiu o corpus da pesquisa, as professoras foram identificadas como P1, P2, P3, P4 e P5.

Na sequência, será caracterizado o contexto no qual foi gestado o processo de implementação da Pedagogia de Projetos no município de Nova Prata. Serão apresentados os motivos que fundamentaram a adoção da proposta pela rede de ensino, bem como os demais aspectos pertinentes à sua compreensão.

 

A Pedagogia de Projetos: contexto e processo de implementação

A Pedagogia de Projetos tem, como característica, a melhoria dos processos educativos a partir da solução de problemas ou situações emergentes do cotidiano. Hernández (1998, p. 67) explicita seus pressupostos, afirmando que “o pensamento tem sua origem em uma situação problemática que se deve resolver mediante uma série de atos voluntários. Essa ideia de solucionar um problema pode servir de fio condutor entre as diferentes concepções de projeto”. Implica a permanente reconstrução do fazer pedagógico, uma postura de abertura, disponibilidade, consciência para a mudança, atenção com o processo em desenvolvimento dos envolvidos. Ao mesmo tempo, possibilita que o aluno seja ativo na construção do seu conhecimento, associando teoria e prática com ênfase na aprendizagem significativa.

A qualidade da escola não se mede pela quantidade de informações, mas pela qualidade das relações e conexões que permite estabelecer, além da possibilidade de aplicação, de forma significativa, dos conhecimentos construídos em meio ao processo educativo. Concordando com Hernández (1998, p. 68), entende-se que a metodologia de projetos “não é uma sucessão de atos desconexos, mas uma atividade coerentemente ordenada na qual um passo prepara a necessidade do seguinte, e cada um deles se acrescenta ao que já se fez e o transcende”, de forma complementar e cumulativa.

A proposta da Pedagogia de Projetos Interdisciplinares é uma possibilidade de tornar a aprendizagem mais significativa e mais próxima da realidade dos envolvidos no processo. Como afirma fazenda (1991, p. 109), “no projeto interdisciplinar não se ensina, nem se aprende:  vive-se, exerce-se” na perspectiva do envolvimento com o projeto em si e com as instituições nele envolvidas. Quando propõe que os estudos devem partir de experiências reais, torna o conhecimento aplicável e contribui para que os alunos e professores tenham consciência de si e do mundo, permitindo a atuação de forma mais consciente, características fundamentais para o mundo contemporâneo.

A implementação da Pedagogia de Projetos pela Rede Municipal de Nova Prata teve início ainda em 2018. Após a conclusão daquele ano letivo, a Secretária Municipal de Educação solicitou à coordenação pedagógica municipal um diagnóstico da sua realidade educacional. O levantamento iniciou pela análise de indicadores constantes do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) obtidos pelas escolas nos últimos anos. O índice busca medir a qualidade do ensino a partir de dois componentes: taxa de aprovação dos alunos, obtida através do Censo Escolar anual, e a média do desempenho nas avaliações aplicadas, a cada dois anos, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

De acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica- IDEB dos anos finais, no período de 2007 a 2019, os indicadores dessa etapa sempre estiveram abaixo dos obtidos nos anos iniciais, aspecto que influenciou o conjunto de mudanças na educação municipal. A análise detalhada desses e outros indicadores (índices de aprovação, reprovação e distorção idade/série) pela SME e pelas próprias escolas possibilitou a reflexão e a revisitação da realidade educacional, corroborando com a necessidade de traçar novas estratégias de trabalho. A implementação da Pedagogia de Projetos surgiu como proposta potencial para qualificar a educação e operar as mudanças demandadas.

Em relação ao IDEB, cabe destacar que os índices não devem ser reduzidos apenas a uma política de controle da educação voltada para resultados, mas que cumpram sua função de permitir o acompanhamento e o direcionamento dos processos, qualificando-os permanentemente. Como salienta Dias Sobrinho (2003, p. 49), “sabemos que a avaliação frequentemente tem servido aos propósitos de controle, fiscalização, seleção, hierarquização e exclusão”. Uma avaliação com essas características resume-se apenas às habilidades e aos descritores cobrados nos testes padronizados, reduzindo a autonomia das escolas. Assim concebido, o currículo é utilizado como mecanismo de regulação e controle da educação pelo Estado.

Como o trabalho com Projetos considera que as experiências devem emergir de situações reais, fazer sentido para o aluno e que nenhum saber é, por si só, suficiente para responder a um problema, a interlocução entre as diferentes áreas do conhecimento é fundamental. Ela possibilita a construção de novos conhecimentos e desenvolvimento da autonomia, pois os saberes não se restringem aos aspectos pedagógicos. Considerando esses preceitos e a necessidade da construção de relações entre os saberes, o enfoque foi atribuído a uma proposta com ênfase na interdisciplinaridade.

A interlocução de saberes possibilita que as conexões estabelecidas promovam a construção do conhecimento com significado, tornando-se, alunos e professores, eternos aprendizes. A interdisciplinaridade na presente abordagem corresponde ao conceito proposto por Japiassu e Souza Filho (2001, p.105-106):

 

Correspondendo a uma nova etapa do desenvolvimento do conhecimento científico e de sua divisão epistemológica, e exigindo que as disciplinas científicas, em seu processo constante e desejável de inter-penetração, fecundem-se cada vez mais reciprocamente, a interdisciplinaridade é um método de pesquisa e de ensino suscetível de fazer com que duas ou mais disciplinas interajam entre si. O objetivo utópico do método interdisciplinar, diante do desenvolvimento da especialização sem limite das ciências, é a unidade do saber. Unidade problemática, sem dúvida, mas que parece constituir a meta ideal de todo saber que pretende corresponder às exigências fundamentais do progresso humano.

 

É na busca pela “unidade do saber” que a proposta da Pedagogia de Projetos reforça o trabalho interdisciplinar, pois, além de ter sentido, significado e partir de experiências do cotidiano, possibilita estabelecer relações entre os diferentes conhecimentos para que estes se constituam em novas aprendizagens.

É preciso destacar a formação continuada como um dos pilares para que a interdisciplinaridade consolide-se nas práticas, necessitando englobar tanto a coordenação pedagógica, responsável por conduzir as formações no espaço escolar, como os professores, principais executores da proposta. O passo seguinte foi a articulação com profissionais da instituição formadora, uma universidade comunitária da região da Serra Gaúcha. As formações foram organizadas de modo que pudessem contribuir com as reflexões sobre os processos educativos, orientando e proporcionando o suporte necessário para a implementação da proposta.

 A formação continuada para os professores foi conduzida pela coordenação pedagógica das escolas e acompanhada pela área técnica da SME, que também estava em processo de capacitação. A formação continuada da coordenação pedagógica, desenvolvida de maneira concomitante a dos professores, deu-se de forma intensa durante todo o ano letivo de 2019, associando estudos às práticas observadas no interior dos educandários. Foi organizada considerando a relevância da atuação desse profissional na articulação entre as políticas da SME e a sua efetivação no contexto escolar. Por sua vez, a formação dos professores foi estruturada de acordo com as peculiaridades das escolas, priorizando o desenvolvimento no interior de cada instituição.  

Além das formações, a implementação demandou adequações na estrutura existente, como o estabelecimento de dias específicos no calendário letivo para promover o encontro entre os professores da mesma escola. Também foram realizados ajustes na forma de cumprimento das horas de atividades previstas na legislação vigente. Desse modo, a carga horária de horas atividades que até então era cumprida totalmente à distância, passou a acontecer uma semana por mês de forma presencial. Os professores passaram a cumprir 2h e 24 min em local, data e horário definidos pela escola, vespertino e noturno, de forma a garantir um espaço para reflexões, estudos e planejamento necessários para o desenvolvimento de projetos.       

A implementação da Pedagogia de Projetos ocorreu no decorrer de 2019, culminando com a mostra de trabalhos realizada por todas as escolas no final daquele ano letivo. O processo que teria continuidade no ano de 2020, bem como toda a organização habitual, foram afetados por um fator de abrangência mundial: a pandemia da Covid-19, que impactou de forma brusca todos os setores da sociedade, incluindo a educação escolar. Seguindo protocolos dos órgãos competentes, as escolas foram fechadas e os responsáveis pelo processo educativo precisaram buscar novas alternativas para o ensino-aprendizagem, assim como manter o vínculo com os alunos.

As expectativas da consolidação de um trabalho pensado e construído coletivamente tornaram-se uma incógnita, pois até o retorno parcial dos alunos e ainda em forma de revezamento no final de outubro de 2020, no último trimestre daquele ano letivo, pouco (ou quase nada) da Pedagogia de Projetos foi colocado em prática. Nesse tempo, todos os esforços foram empreendidos na tentativa de manter o vínculo dos alunos com a escola, resgatar os que estavam totalmente afastados, objetivando sanar lacunas provocadas pelo novo modo de ensinar e aprender naquele contexto.

Mesmo considerando os desafios do período pandêmico, a investigação teve continuidade. Porém, os questionamentos sofreram alterações e acréscimos pontuais. Além de verificar as repercussões na prática pedagógica, buscou-se compreender como os projetos foram (e se foram) desenvolvidos em meio à Pandemia, aspectos que serão abordados na sequência.

 

A pedagogia de Projetos na prática pedagógica segundo as professoras

Para identificar a percepção das professoras sobre os diferentes aspectos do processo implementado, foram utilizados questionário e entrevistas como instrumentos de construção de dados. Na sistematização das informações obtidas, os resultados foram tabulados e analisados detalhadamente, objetivando agregar elementos próximos de acordo com cada classe de perguntas.

Iniciando pelo questionário, a faixa etária da maioria das que responderam ao instrumento situa-se entre 31 a 40 anos (47,5%), seguida pela de 41 a 50 anos (23,5%), com predominância do gênero feminino (90%). Na formação em nível médio, destaca-se o magistério (62%), sendo que todos (100%) possuem graduação completa e 90% pós-graduação, a maioria em cursos de especialização (85%). O tempo médio de docência situa-se entre 11 e 20 anos, sendo que apenas dois teriam menos de cinco anos e quatro possuíam mais de 21 anos de experiência. Quanto ao conhecimento da Pedagogia de Projetos antes da sua implementação, 20 dos 21 participantes declararam que já tinham conhecimento quando ela foi apresentada em 2019 (95,2%). Destes, 33,5%, afirmam que adotavam, como prática diária, o trabalho com projetos; 52,4% tinham conhecimento, mas utilizavam eventualmente em situações específicas e 9,3% tinham o conhecimento, mas os projetos não faziam parte da sua prática pedagógica. Apenas uma professora (4,8%) respondeu que não conhecia a Pedagogia de Projetos.

As informações obtidas através do questionário sinalizam um viés possibilista da Pedagogia de Projetos, cuja complexidade viabiliza a superação do trabalho pedagógico tradicional, privilegiando uma prática potencializadora da aprendizagem junto aos alunos. Embora reconhecendo que os projetos favorecem a aprendizagem dos alunos, motivando-os a pesquisar e a questionar, percebe-se que a preocupação com o conteúdo curricular se sobressai. Talvez pela cultura escolar das professoras que, na sua própria formação, assim se constituíram e continuam acreditando que essa é a única forma de garantir conhecimento. Parece haver a necessidade de provar, para si mesmos e para a comunidade escolar, que o currículo estabelecido foi cumprido, mesmo que, para isso, seja necessário abrir mão da qualidade da aprendizagem.

As dimensões espaciais e temporais permearam os argumentos dos professores e relacionam-se aos diferentes tempos envolvidos no processo educativo. Os vários tempos, em especial, caracterizam-se duplamente, como facilitadores e/ou dificultadores do desenvolvimento de projetos. Destaca-se o tempo organizado no contraturno escolar, pensado e estruturado para possibilitar o planejamento interdisciplinar e promover a formação continuada, os quais influenciam na qualidade do processo. As respostas remetem às múltiplas dificuldades causadas pela falta de tempo para a implementação da Pedagogia de Projetos, relacionadas a diferentes aspectos da prática pedagógica.

O primeiro aspecto apontado é a insuficiência de tempo ocasionada pelo acúmulo de funções. É comum o professor do Ensino Fundamental, anos finais, trabalhar em mais de uma instituição, ocupando até três turnos diários, constituindo-se o tempo como um limitador para abarcar as demandas do processo educativo.

No segundo, a falta de tempo aparece como um entrave para a efetivação do planejamento coletivo, princípio elementar do trabalho com projetos. A dificuldade não se limita ao tempo para planejamento interdisciplinar, considerando que o planejamento não se esgota no horário estabelecido para esse fim. As demandas diárias de uma escola também não promovem as trocas necessárias para dar conta das novas situações que emergem no desenvolvimento dos projetos. 

O terceiro aspecto relevante em relação ao tempo é o reconhecimento pelas professoras de que a prática de projetos demanda mais tempo do que a convencional, de “dar os conteúdos”. Requer o acompanhamento permanente para impactar nas diferentes dimensões do trabalho docente (planejamento, execução, avaliação), remetendo para a redefinição do processo, que passa a ser preenchido com atividades efetivamente pedagógicas.

A análise possibilita reconhecer o quanto a dimensão temporal é relevante para a prática de projetos, sendo imprescindível para o planejamento coletivo e perpassa a necessidade de pesquisar. Também é necessário para as reflexões, estruturação das aulas em sua conformidade didática e execução da proposta em sala de aula com os alunos. A demanda de mais tempo para a execução das propostas choca-se com a falta dele, ocasionada pela sobrecarga que os professores vivenciam, seja por trabalhar em mais de uma escola, seja pela necessidade de conciliar vida profissional e vida pessoal.

Para Freire (2006, p. 46), quando se pensa a prática educativa na escola é impossível não considerar a questão do tempo, na forma como esse tempo é utilizado na construção do conhecimento, reflexão que ultrapassa a mera relação educador-educando. As reflexões acerca do tempo na escola demonstram que ele é fundamental, tanto para os educadores, que necessitam estruturar-se e desenvolver, qualificadamente, o trabalho pedagógico, como para os educandos, que precisam interagir e apropriarem-se das experiências proporcionadas.

Dando sequência à construção de dados, foram realizadas as entrevistas que iniciaram com apresentações pessoais e esclarecimentos sobre a pesquisa, enfatizando seus objetivos principais. As cinco entrevistadas (todas mulheres) apresentaram-se dizendo o nome, faixa etária, formação em nível médio e superior (graduação e pós-graduação), a escola em que trabalhavam em 2019 e que continuavam atuando no momento da entrevista. Também detalharam outros aspectos como tempo de atuação como professora, na disciplina específica e experiências anteriores à rede municipal. As respostas possibilitaram traçar um perfil, confirmando, juntamente com o questionário, características de uma profissão com predominância do gênero feminino, principalmente no Ensino Fundamental. Em relação à idade, duas professoras encontram-se na faixa etária dos 31 aos 40 anos e três dos 41 aos 50 anos. Quanto à formação, quatro possuem o Magistério como Ensino Médio e apenas uma, outro curso não relacionado à educação, o que demonstra que o Magistério é uma formação consolidada no município e na região.

Tratando-se de experiência docente, duas professoras possuem experiências anteriores à sua atuação na rede municipal. As outras três têm o mesmo tempo de atuação na disciplina e na rede municipal, ou seja, não possuem experiência docente anterior a sua no município. O tempo de atuação na rede municipal varia de cinco a 15 anos e, na disciplina, entre nove e 15 anos.  

Questionadas sobre as primeiras percepções em relação à Pedagogia de Projetos, apresentada no início do ano letivo de 2019, as entrevistadas demonstraram um posicionamento passivo diante da proposta:

 

Bom, na verdade, nós, lá na Escola, já trabalhávamos com projetos. E por exemplo, sempre fui uma... uma “profe” que trabalhei com projetos. Me pareceu assim que tinha uma obrigação no ar né, que não era se tu “queria” fazer de tua livre e espontânea vontade, era algo que tinha que ser feito. (P1)

 

Na verdade, assim tudo que, no início, é apresentado para gente, o que é novo, sempre assusta um pouco, né. E, assim, conforme as dúvidas foram surgindo, todas as coisas que a gente gostaria de saber, a gente foi, a gente foi se tranquilizando um pouco mais. (P2).

 

Constata-se que a proposta foi concebida pelas professoras como algo a ser feito, uma mudança no processo vigente, constituindo-se como obrigação, conforme relata P1; ou mais um processo burocrático, de acordo com P4. Reconhecem que toda proposta assusta, pois vem permeada de incertezas. São falas que deixam evidente o desconforto provocado pela mudança, sobretudo, pelo caráter impositivo atribuído pela maioria.

A resistência é um dos aspectos naturais no processo de mudança, que, no caso. pode estar relacionada à rara ou nenhuma participação das professoras nessa escolha, mesmo que a proposta não fosse totalmente desconhecida para muitas. Novas práticas nem sempre são bem aceitas por parte dos professores, como afirmam Gallon, Rocha Filho e Machado (2017, p. 166): “Esta parece ser uma tendência, pois é mais simples repetir atividades memorizadas do que repensá-las de acordo com o contexto atualizado, ou introduzir nelas a participação de outros docentes”.

Quando as professoras foram questionadas sobre os encontros mensais, estruturados a partir da adequação do cumprimento das horas de atividades, bem como a sua importância para o trabalho interdisciplinar no desenvolvimento de projetos, assim se manifestaram:

Eu me lembro que houve uma indignação no início da proposta que a Secretaria de Educação queria que os professores estivessem na escola, se reunissem, era uma noite por semana (mês). Pra ser sincera, eu não vejo, não vi isso com tantos bons olhos assim, porque o que que acontecia, muitos recados, recados de direção (enfatizou até com as mãos) e, no final daquelas 2 horas e pouco, tinha vezes que não se sobrava (sic) muito tempo para “sentar” com o professor que a gente ia desenvolver o projeto. (P1)

 

Bom, como o projeto é interdisciplinar, é interessante que todas as disciplinas se reúnam para conversar, né. E, no dia a dia, na corrida da escola, a gente não tem esse tempo. Eu vejo esse momento muito (com ênfase) produtivo porque todas as disciplinas estão aí reunidas. Cada um contribui de sua forma, e o projeto anda, né. Sim, era suficiente. (P4)

 

Sim, assim ... esse horário que aconteceu ele foi, para nós, ele foi muito bom porque era assim que a gente se encontrava para tratar assuntos do projeto. Então, eu gostava e achei, assim, que, a partir daí, que a gente começou a construir o projeto, os projetos em si, pensar em atividades diferentes, numa metodologia, né, e colocando em pauta os objetivos, né. Eu achei que foi bastante válido. Eu gostava, era um momento, assim, que a gente se encontrava e era, era valioso. (P5)

 

As transcrições revelam que a maioria considerou o horário de planejamento mensal fundamental para o desenvolvimento de projetos, um momento oportuno para, a partir do encontro com os colegas, consolidar o trabalho interdisciplinar. Fica evidente, também, que a dinâmica das escolas no turno regular de trabalho não possibilita a interação entre os professores, pois estariam atendendo os alunos.

Mesmo reconhecendo que esses encontros, em turno extra, eram necessários para o trabalho interdisciplinar, percebe-se haver resistência toda vez que se propõe alterar as estruturas vigentes. Foi o que aconteceu com o horário de planejamento coletivo mensal, quando os professores deixaram de atuar sozinhos, fora do ambiente escolar, para planejar com os colegas no espaço da escola. O planejamento coletivo requer um maior comprometimento, pois tudo que é construído, decidido em grupo, vai além dos aspectos individuais da própria disciplina.

As entrevistadas ainda explicitam as peculiaridades de cada escola na organização dos coletivos de formação, o que interfere na qualidade desses tempos no cotidiano de trabalho. Uma professora considera que os espaços destinados ao planejamento tiveram seu objetivo desviado pelos aspectos corriqueiros de uma escola, não cumprindo sua função. Para as demais, foram momentos muito produtivos, de qualidade e fundamentais para o desenvolvimento da proposta. Como assevera Silva (2004), na formação continuada de professores, é primordial avaliar a implementação das práticas e priorizar o trabalho pedagógico, impedindo que os aspectos administrativos assumam centralidade e o pedagógico fique relegado a segundo plano. Portanto, precisam ser organizadas através de uma proposta reflexiva para não se reduzirem apenas às rotinas escolares.

O espaço coletivo, promotor de reflexões, possibilita a articulação entre os professores das diferentes áreas, contribuindo para superar a cultura da fragmentação e promovendo as construções necessárias para as novas práticas. Uma tarefa difícil, como afirma Pimenta (1997, p. 09), “primeiro, porque não há fórmulas prontas a serem reproduzidas”, sendo necessário “criar soluções adequadas a cada realidade”, e porque “mudar práticas pedagógicas não se resume a uma tarefa técnica de implementação de novos modelos a substituir programas, métodos de ensino e formas de avaliação costumeiras”. A mudança das práticas demanda o reconhecimento, pelos próprios sujeitos, dos limites e deficiências do seu trabalho.

As professoras foram indagadas sobre como as temáticas para o desenvolvimento de projetos foram definidas, destacando-se as seguintes considerações:

 

Decidiu-se, de comum acordo, qual era o melhor assunto de acordo com as características da turma a ser desenvolvida nela. Então, teve a professora de Português que fez uma sondagem na turma com algumas questões relevantes e, em cima dessas respostas, se montou um assunto geral que seria trabalhado em cada turma. (P1)

 

Na verdade, a gente teve que procurar um tema que fosse de agrado, que fosse prazeroso de trabalhar com eles, né. Então, alguns temas foram propostos pelos alunos, pelo interesse deles, e outros, também, relacionados, também, com os conteúdos que a turma iria trabalhar no ano. Assim, relacionado a um conteúdo, né, que seria trabalhado. (P3)

 

A gente percebeu que muitos alunos nunca tinham saído de Nova Prata. Muitos alunos não tinham essa vivência de viajar. Então, a gente achou, né, a Coordenadora, porque não proporcionar para eles uma viagem através de livros, através de pesquisas, de conhecimentos, já que eles não têm essas oportunidades? E foi daí que surgiu essa ideia, e que todo mundo abraçou a causa e foi um projeto maravilhoso. (P4)

 

Foram unânimes em afirmar que as temáticas dos projetos desenvolvidos em cada turma emergiram de sondagem dos interesses e necessidades dos alunos. Também reconhecem que esse fator foi fundamental para o envolvimento e a participação deles na construção dos seus conhecimentos. 

Em relação às mudanças na sua prática pedagógica e dificuldades encontradas no processo da implementação da Pedagogia de Projetos em 2019, as entrevistadas assim se posicionaram:

 

Olha, dificuldades nós tivemos várias. Porém, no final, a gente sempre se ajudou e chegou a desenvolver bem o projeto. [...] conversando, todo mundo junto, a gente arrumou soluções e deu certo. (P1)

 

Na verdade, nós temos que nos desdobrar em mil porque o conteúdo, a gente tem que dar conta do desenvolvimento do projeto e do nosso conteúdo, né. E sempre tentando direcionar o conteúdo para, para ele se juntar ao projeto né. Aquela coisa de enganchar o conteúdo no projeto. É bem trabalhoso para o Professor, com certeza né, mas é bem gratificante. (P2)

 

As manifestações ratificam que os processos educativos são permeados por múltiplas dificuldades e que um grande empecilho na implementação da Pedagogia de Projetos está relacionado ao desenvolvimento das habilidades específicas de cada disciplina. A dificuldade dá-se, principalmente, pela concepção de que conteúdos e projetos são coisas distintas, não percebendo a interação de ambos e impondo a necessidade de optar por um ou por outro na prática pedagógica.

Emergem, também, dificuldades como falta de estrutura física e o reconhecimento de que é difícil desacomodar, sair da rotina para pesquisar, buscar novas estratégias de trabalho, pois demanda comprometimento e mais tempo. Todavia, apontam que as dificuldades do processo são possíveis de serem superadas quando há esforço e trabalho coletivo para atingir os objetivos comuns.

Quando questionadas sobre o envolvimento e a aprendizagem dos alunos no desenvolvimento de projetos, as professoras assim se manifestaram:

 

Se a gente for fazer a sondagem que a gente fez, o ano passado, no início do ano, foi feita uma sondagem com os alunos sobre os conteúdos, o que que tinha marcado eles durante o ano anterior, eles, o que eles mais lembravam eram das coisas que a gente tinha trabalhado interdisciplinar, o que a gente tinha montado para aquela feira, o que a gente tinha trabalhado em sala de aula. São aulas diferentes, são. Vai ser aulas desconstruídas, mas marca eles... com certeza. (P2)

 

Todo mundo ficou encantado com o envolvimento dos alunos. Era assim, uma coisa muito visível, que, às vezes, a gente pensa assim “ah, um conteúdo", mas eles aprenderam muito mais que um conteúdo. Eles aprenderam muito, eles pesquisaram, eles se interessaram, só deu certo, foi tudo de bom, o envolvimento dos alunos, o interesse deles. Com certeza, foi muito produtivo, eu acho que, assim, em termos de aprendizagem, eles nunca mais vão esquecer. (P4)

 

De sentir orgulho do que os alunos construíram. Porque foi maravilhoso, foi assim de encher os olhos né. E assim foi tudo partindo deles, claro a profe está aí para tirar dúvidas, para auxiliar. Mas a participação deles foi fundamental, foi uma experiência bem boa, esse envolvimento deles é fantástico, né. (P5)

           

Percebe-se unanimidade sobre o ganho na aprendizagem dos alunos quando os conhecimentos são construídos a partir de projetos. A exploração através da pesquisa, da interação também favorece a aprendizagem, pois o aluno deixa de ser um receptor passivo de informações e passa a ser um sujeito ativo no processo educativo.

Sobre o desenvolvimento de projetos durante o período da Pandemia do Covid-19 e de realização de atividades não presenciais, as professoras apontam a ocorrência de severas limitações, até mesmo impossibilidades da sua realização:

 

Nesse ano de 2019, foi um projeto bem fácil de trabalhar, houve um engajamento de toda a direção, foi bem tranquilo trabalhar com esse projeto. Em 2020, já não foi a mesma coisa. Tinha se começado e já tinha tido um esboço de projeto para a escola, até tinha se colocado o nome no projeto e tudo; e as primeiras ideias já feitas. Com essa parada, a maioria dos projetos morreram (sic). (P1)

 

Na prática, o projeto não aconteceu né, assim, não aconteceu efetivamente porque, na verdade, era tudo novo. Tivemos que aprender a lidar com várias ferramentas, por exemplo, o Meet, ferramentas como o computador, a plataforma classroom que a gente aprendeu com os alunos também. Então, o projeto ficou meio de lado pra gente dar uma atenção mais direcionada para o desenvolvimento dos principais conteúdos que a gente achava importante. (P2)

 

Os relatos evidenciam que a realização das atividades não presenciais no período da pandemia dificultaram a continuidade do processo, que foi iniciado em 2019. As demandas de uma forma de trabalho totalmente desconhecida até aquele momento exigiram adequações rápidas à nova realidade. O processo sofreu interrupção por diferentes motivos, destacando-se a distância dos alunos, a falta de recursos em suas casas, a interrupção do planejamento coletivo, a priorização do acolhimento aos alunos e a adaptação às novas tecnologias, até então, pouco utilizadas por alunos e professores.

Antes de encerrar a entrevista, foi solicitado às professoras que fizessem suas considerações gerais sobre a implementação da Pedagogia de Projetos:

 

Eu acho bem importante, porque o projeto acaba fazendo a diferença no momento que você tem colegas que trabalham muito no tradicional, que não inovam muito na educação. Então, eu acredito que os projetos são muito bons, dá um trabalho muito grande (com ênfase, mas com satisfação estampada no rosto), mas, no final, saem coisas muito lindas. Mas eu vou te dizer, assim, trabalhar o projeto e não trabalhar com projeto, sempre com projeto. É sempre melhor porque o projeto vai para realidade e é da realidade que nós precisamos. (...). Então, é muito bom. (P1)

 

Eu acho que é um trabalho bem gratificante, né. Tira a gente da zona de conforto, com certeza. Isso mexe com a gente, mexe com a direção, com todo mundo, mas eu acho que vem a ter um resultado bom, principalmente para aprendizado dos alunos. Têm coisas lá que eles aprenderam que eles não vão esquecer nunca mais. Então, acho que a gente instiga o aluno a partir da curiosidade dele, que muitas vezes a gente “tá” ali e a gente “poda” ele dentro da sala de aula. De tanto podado, às vezes, que somente nessa hora que a gente “escuta ele”, de saber as curiosidades dele, para desenvolver o projeto, que é o momento que ele é escutado no que que ele tem curiosidade de aprender. (P2)

 

Eu acho válido o engajamento dos alunos, o engajamento dos professores, né. É bem importante porque a escola não é só conteúdos, eu acho bem importante, né. Eu acho um trabalho bem rico, em que toda a escola se, se movimenta, né, se engaja por um determinado tema, um determinado assunto. Foge um pouquinho dos conteúdos que a gente “tá” trabalhando todos os dias, né. E, se é um assunto que vem da vontade, do interesse deles, eles gostam, eles se empenham bastante. Dá trabalho, mas é válido (com um grande sorriso/satisfação). (P3)

 

Mas um projeto, uma linha assim para a gente seguir, é interessante, sim, ter e a gente procura, quando se reúne, falar sobre esses assuntos, trocar ideia. Dentro das necessidades dos alunos, não adianta colocar um assunto lá que a gente sabe que eles não vão demonstrar interesse nenhum. E lá, no final, quando teve a mostra, a gente viu, realmente, que tudo valeu a pena. Que foi um envolvimento total deles. Que eles amaram fazer. Isso foi muito legal. O resultado final é bem válido, bem prazeroso. (P4)

 

Eu acho que o projeto é bem interessante porque não ficam coisas soltas, né. Quando a gente tem um projeto, a gente tem um norte lá, uma coisa que tem que seguir. Então, o aluno eu acho que ele fica, ele não fica perdido, sabe.  Não são coisas soltas. São coisas que vão se unindo, todo mundo fala a mesma coisa, todo mundo fala o mesmo assunto e isso se torna muito interessante para o aluno. Eu acho que agregou bastante, assim, valores. Então, teve todo um envolvimento da comunidade, dos alunos, da questão do meio ambiente. Coisas que, até então, a gente não conseguia trabalhar dentro da disciplina. Eles gostam, pois, de certa forma, o aluno fica mais livre, ele tem a liberdade de fazer as atividades, sai da rotina, da mesmice. (P5)

 

            As entrevistadas reconhecem muitos aspectos positivos no trabalho com projetos. Destacaram a mudança no processo educativo que resultou em maior envolvimento e participação dos alunos e a conexão dos conteúdos com a realidade. Tudo isso teria instigado a curiosidade que, muitas vezes, segundo as professoras, é cerceada quando o trabalho acontece de forma tradicional. Também apontaram, como positiva, a união dos professores e o engajamento de todos (direção, professores, alunos, comunidade) em torno de um objetivo comum, fortalecendo o trabalho colaborativo. Os projetos permitem estabelecer um fio condutor e agregam valores que, muitas vezes, são esquecidos no trabalho do dia a dia. Todos os aspectos elencados fortalecem e qualificam o processo educativo.

            Elas também revelaram dificuldades nesse processo. Dentre elas, uma grande preocupação com os conteúdos disciplinares. Os motivos podem estar associados a fatores como pressões externas, concepções construídas pelos professores ao longo da sua formação acadêmica e trajetória profissional, bem como a dificuldade com o trabalho interdisciplinar. Esses são fatores que as levam, muitas vezes, a optar pelo tradicional desenvolvimento do conteúdo curricular e não pelos projetos interdisciplinares, embora, como lembra Fazenda (2011, p. 31), um professor interdisciplinar traga em si um “gosto especial por conhecer e pesquisar”, possuindo um comprometimento diferenciado para com seus alunos.

Outro ponto recorrente, evidenciado nas análises, relaciona-se ao tempo, em seus múltiplos aspectos, como um elemento fundamental para a implementação da Pedagogia de Projetos, cuja carência configura-se como um grave empecilho.  O primeiro aspecto é relacionado ao acúmulo de funções:

 

O impacto de você trabalhar em duas escolas, que o professor se desdobra, às vezes, em duas, três escolas, é a dificuldade de adequar o horário, né. Então, na verdade, a gente tinha manhã, eu, por exemplo, eu tinha manhã, tarde e noite e a dificuldade era tu ficar direto até aquele horário que a gente tinha, né. (P2).

 

Apesar de ser assim um momento, como era no contraturno, muitas vezes, a gente já estava cansada da questão de estar na escola já há 8 horas, por exemplo. Eu vinha de uma carga horária do turno da manhã e do turno da tarde. (P5).

 

Comumente, professores de Ensino Fundamental, anos finais, trabalham em mais de uma instituição, em dois ou até três turnos, constituindo-se o tempo como um limitador para abarcar as demandas desse processo educativo. Mesmo reconhecendo a importância do planejamento coletivo, a falta de tempo é colocada como um entrave para a sua efetivação. E essa dificuldade não se limita ao tempo para planejamento interdisciplinar, mas também a dificuldade em conciliar o tempo de trabalho com a vida pessoal (do lar, da maternidade) que se constitui em dupla jornada:

 

Mas, pra gente, era difícil, porque, em função disso, porque a gente passava o dia e a noite fora também. Saía de manhã e chegava só à noite. Mais que uma escola. Tem os filhos que estudam, também, então a complicação da vida rotineira da pessoa mesmo. (P2)

 

Por isso, a necessidade de os próprios professores criarem estratégias para contornar a falta de tempo que o planejamento coletivo demanda:

 

Acho que a dificuldade mesmo era a gente conseguir “sentar”, botar as ideias em dia, sim, colocar tudo que a gente tinha, trocar as ideias com os colegas. Às vezes, na hora do recreio, a gente sentava aqueles minutinhos que a gente tinha ali, a gente falava sobre o projeto ou tinha um planejamento, ia lá na sala e puxava o professor. “Bá, tu vai fazer isso o que eu vou fazer?. No WhatsApp®, também a gente se puxava. Então, às vezes, a dificuldade era essa falta de tempo. (P2)

 

De acordo com as professoras, outro aspecto que dificultou o desenvolvimento dos projetos foi o tempo estanque, delimitado pelos horários (períodos), de acordo com a carga horária semanal. Essa forma histórica de organização escolar provoca rupturas nos processos, dificultando a fluidez para a realização da proposta.

Elas reconhecem que se faz necessário mudar a prática, o que não acontece de forma instantânea, nem por imposição do órgão gestor ou por força de documentos orientadores. Precisa ser uma construção coletiva, sustentada em estudos, reflexões e reconstruções permanentes das práticas à medida que os projetos vão se constituindo. São reflexões e movimentos necessários para superar as dificuldades de trabalhar os conteúdos das disciplinas de forma interdisciplinar e romper com a fragmentação do conhecimento.

Após todas as análises realizadas, é chegado o momento das considerações finais sobre o caso pesquisado, apresentadas a seguir.

 

Considerações finais

A investigação sobre o processo de implementação da Pedagogia de Projetos na Rede Municipal de Educação de Nova Prata-RS gerou um amplo e frutífero volume de resultados. Nos limites deste artigo, optou-se por enfatizar aqueles considerados mais relevantes, relacionados diretamente ao trabalho docente no cotidiano escolar. Os principais elementos conclusivos dizem respeito aos limites e possibilidades percebidas na implementação da proposta, com a emergência da dimensão temporal; o papel da formação continuada de professores no processo de mudança; a interdisciplinaridade no trabalho com projetos; os impactos provocados pela Pandemia da Covid-19; as repercussões da Pedagogia de Projetos no processo de ensino e aprendizagem e o protagonismo das professoras na formulação e na execução de políticas educacionais.

A análise da realidade educacional, ação desencadeadora do processo investigado, partiu da gestão municipal, responsável por conduzir as políticas educacionais. Nesse movimento, foram utilizados índices que se constituíram e consolidaram como parâmetro de ranqueamento das instituições e da qualidade da educação ofertada por elas, mas que não podem ser considerados como os únicos indicativos de qualidade. A realidade é bem mais complexa do que um conjunto de indicadores, é capaz de mensurar e evidenciar. Relações com a comunidade, condições sociais e políticas dos sujeitos envolvidos e toda uma teia complexa de processos constituídos naquele contexto, também precisam ser considerados. No caso investigado, coube às professoras olhar para a sua escola a partir dos próprios indicadores. Embora inseridos na concretude de cada instituição e familiarizados com os demais aspectos da sua realidade, as reflexões ficaram restritas aos espaços de discussão interna, pouco interferindo na constituição da política educacional que estava sendo gestada.

Os dados obtidos por meio da pesquisa ratificaram a compreensão de que movimentos de mudanças não devem se constituir apenas como um imperativo para cumprir protocolos oficiais. Eles precisam ser construídos a partir de reflexões coletivas e profundas sobre as práticas para impactar na realidade, cujas características e demandas serão melhor compreendidas em relação ao que poderiam evidenciar quaisquer índices. Tal constatação reforça a necessidade de reverter a condição de coadjuvantes a que as professoras, geralmente, têm sido submetidas nos processos educativos. Afinal, exercem um papel indispensável e central na consolidação de políticas que versam sobre a qualidade da educação.

Como se constatou, as mudanças propostas não foram, inicialmente, bem aceitas pelas professoras. Elas compreendiam que mudar, naquelas condições, era uma imposição da gestão, uma “obrigação”, e não um desejo deles, mesmo porque mudar implica desacomodar, sair da “zona de conforto”, como relatam as próprias professoras.

Claramente, a participação não está consolidada como uma cultura no meio educacional, reduzindo os professores a meros expectadores e executores de propostas prontas, quando deveriam assumir a posição de protagonistas. Será que existem formas de conquistar a participação e o protagonismo dos profissionais ou eles são sempre exigidos de forma artificial? Como esperar a adesão a novas propostas se não há participação nas decisões, cabendo apenas executar o que outras instâncias decidirem?

 A construção de ações coletivas é imprescindível para fortalecer e entrelaçar os diferentes aspectos da proposta e papéis desempenhados, possibilitando sair da “zona de conforto”.  Organizar espaços e tempos de reflexão sobre as práticas para chegar a essa compreensão é fundamental. Espaços que se constituem como formação continuada, envolvendo momentos de estudo, aperfeiçoamento profissional, reflexão, planejamento e construção coletiva de práticas interdisciplinares, indispensáveis para a execução e a consolidação de uma proposta abrangente como a Pedagogia de Projetos.

Os múltiplos aspectos do tempo emergiram como indispensáveis para a implementação da Pedagogia de Projetos: tempo necessário para a pesquisa, para as reflexões, para a formação continuada, para o planejamento coletivo e para execução da proposta. Tempo compreendido, também, como uma dimensão elementar para o exercício da docência, não raro ausente, insuficiente para a execução qualificada das atribuições profissionais.

Há o consenso das envolvidas de que o desenvolvimento de projetos demanda muito mais tempo do que o despendido para uma aula convencional. E como os tempos da escola permanecem os mesmos, com carga horária específica para cada disciplina e professores com horários fixos, a gestão tem papel importante na reestruturação ou flexibilização dos tempos. A organização do horário para planejamento no contraturno revelou um movimento da gestão para adequar os tempos da escola e fomentar o trabalho interdisciplinar preconizado na prática com projetos.

A necessidade de um tempo maior para a execução da proposta, na prática, choca-se com a falta de tempo, provocada pela sobrecarga de trabalho de uma profissão cada vez mais desvalorizada, exercida, na sua grande maioria, por mulheres. O contexto pesquisado reflete essa realidade em que 100% das entrevistadas foram mulheres. Há uma sobreposição extenuante de tempos nas vidas dessas profissionais! Não raro, elas enfrentam uma dupla jornada de trabalho, constituindo-se o tempo, nesses casos, como um limitador para abarcar todas as demandas do processo educativo com projetos. Um tempo que também se constitui como ausência, insuficiência para a categoria docente, que extravasa sua jornada diária e impõe uma ocupação profissional desgastante. Ou seja, tempo como falta e como excesso.

As professoras foram unânimes em reconhecer que a Pedagogia de Projetos, além de dispender mais tempo, dá “muito trabalho”, mas os resultados obtidos na aprendizagem dos alunos são satisfatórios. Destacaram ter percebido maior interesse, envolvimento, participação, facilitando a aplicação dos conhecimentos construídos em situações do contexto. Mesmo reconhecendo esses aspectos positivos, ficou evidente que, nas práticas, ainda impera a dificuldade na execução da proposta pela excessiva preocupação com os conteúdos. Percebe-se fragilidades na compreensão da interdisciplinaridade e que os conteúdos assumem profunda relevância nos processos educativos, possivelmente, como resultado de uma formação que sempre os considerou como centralidade da educação. Essa contradição entre a percepção e a prática remete à necessidade de desconstruir concepções historicamente arraigadas, especialmente em relação ao currículo.

A atuação interdisciplinar, de acordo com a maioria das participantes, facilita o desenvolvimento das habilidades propostas para a disciplina. Mas ressaltam a importância da formação continuada e do planejamento coletivo como pressupostos para favorecer a interdisciplinaridade e sanar as dificuldades que emergem no processo. Reconhecem que atuar de forma interdisciplinar possibilita aos alunos a construção de conceitos para além das disciplinas e que se fortalecem nas múltiplas trocas. Ademais, destacam que a definição das temáticas dos projetos a partir das necessidades ou desejos de cada grupo de alunos tornou-se o fio condutor do trabalho interdisciplinar, ampliando horizontes e provocando rupturas com uma curricularidade tradicional.

 A formação continuada, estruturada através de espaços coletivos e organizados no contraturno escolar, foi um dos pilares para a execução da proposta, especialmente para a articulação a interdisciplinar. Mas, para isso, requer pessoas capacitadas para conduzirem as reflexões, evitando que os espaços de formação sejam minimizados ou até substituídos pelas demandas diárias de uma escola, definidas pelos professores, como reunião de “recados”. Algumas reflexões suscitadas: substituir um espaço/tempo precioso de reflexões sobre os processos educativos, para construções coletivas, por recados não será uma forma de “boicotar” a mudança? De permanecer na “zona de conforto”, uma vez que mudar dá trabalho? A formação continuada pode estimular a (re)construção de conceitos e provocar rupturas com a tradição hegemônica, permitindo aflorar novas concepções sobre os desafios da docência.

A repercussão da proposta nas práticas pedagógicas foi evidenciada especialmente no período anterior à pandemia, sobretudo, nos seguintes aspectos:  instigou a buscarem novas alternativas de trabalho coletivo, desacomodando-os nas suas práticas; instituiu e fortaleceu os espaços de reflexões sobre as práticas e de formação continuada; as práticas pedagógicas efetivadas resultaram em alunos mais envolvidos, participativos e ganhos significativos em relação à aprendizagem. Portanto, embora carente de protagonismo, houve um movimento posterior de ações estruturadas pelos professores para qualificar a educação ofertada na rede. Porém, é difícil definir o grau desse impacto e o nível de consolidação diante de um período tão curto e profundamente atingido pelos múltiplos efeitos da Covid-19.

 

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