Imitação melódica, rítmica e afetivo-musical: a aprendizagem musical de bebês através da imitação e sistema de neurônios-espelho

Melodic, rhythmic and affective-musical imitation: the musical learning of babies through imitation and the mirror neuron system

 

Imitación melódica, rítmica y afectivo-musical: el aprendizaje musical de los bebés a través de la imitación y el sistema de neuronas espejo

 

Jéssica Franciéli Fritzen

Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil

fritzen.jessica@gmail.com

 

Cristina Rolim Wolffenbüttel

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

cristina-wolffenbuttel@uergs.edu.br

 

Recebido em 15 de maio de 2022

Aprovado em 19 de maio de 2022

Publicado em 23 de janeiro de 2024

 

RESUMO

Estudos apontam que a imitação integra a aprendizagem musical das crianças (DELALANDE, 2019; GORDON, 2015; SWANWICK, 2014). A descoberta dos neurônios-espelho comprova que a imitação é uma ação que integra a aprendizagem do ser humano e, portanto, deve ser investigada. A imitação também é uma ação inata do bebê (MELTZOFF; MOORE, 1995). O objetivo deste trabalho foi de investigar como ocorre a aprendizagem musical de bebês através da imitação e sistema de neurônios-espelho com base em pesquisas científicas. Foi utilizada a pesquisa bibliográfica como método (LIMA; MIOTO, 2007) e a análise dos dados se deu a partir da análise do conteúdo (BARDIN, 2009). Este trabalho é justificado pela contribuição do entendimento de como os bebês aprendem música. Como resultados, foi verificado que bebês se desenvolvem musicalmente através de três tipos de imitação que se relacionam entre si: melódica, afetivo-musical e rítmica. A partir deste estudo, concluímos que a imitação ocorre de forma viso-motora auditiva e que durante uma interação musical, o bebê observa e relaciona movimentos e suas sonoridades e transforma percepções sensoriais (visão, tato e audição) em representações motoras (canto, entonação, movimentos, gestos e ritmos).

Palavras-chave: Neurônios-espelho; Imitação; Aprendizagem musical de bebês.

 

ABSTRACT

Studies show that imitation integrates children's musical learning (DELALANDE, 2019; GORDON, 2015; SWANWICK, 2014). The discovery of mirror neurons proves that imitation is an action that integrates human learning and, therefore, should be investigated. Imitation is also an innate action of the baby (MELTZOFF; MOORE, 1995). The objective of this work was to investigate how babies' musical learning occurs through imitation and mirror neuron system based on scientific research. Bibliographic research was used as a method (LIMA; MIOTO, 2007) and data analysis was based on content analysis (BARDIN, 2009). This work is justified by the contribution of the understanding of how babies learn music. As a result, it was verified that babies develop musically through three types of imitation that are related to each other: melodic, affective-musical and rhythmic. From this study, we concluded that imitation occurs in a visual-motor auditory way and that during a musical interaction, the baby observes and relates movements and their sounds and transforms sensory perceptions (vision, touch and hearing) into motor representations (singing, intonation, movements, gestures and rhythms).

Keywords: Mirror neurons; Imitation; Musical learning of babies.

 

RESUMEN

Los estudios demuestran que la imitación integra el aprendizaje musical de los niños (DELALANDE, 2019; GORDON, 2015; SWANWICK, 2014). El descubrimiento de las neuronas espejo demuestra que la imitación es una acción que integra el aprendizaje humano y, por tanto, debe ser investigada. La imitación es también una acción innata del bebé (MELTZOFF; MOORE, 1995). El objetivo de este trabajo fue investigar cómo se da el aprendizaje musical de los bebés a través de la imitación y el sistema de neuronas espejo con base en investigaciones científicas. Se utilizó como método la investigación bibliográfica (LIMA; MIOTO, 2007) y el análisis de datos se basó en el análisis de contenido (BARDIN, 2009). Este trabajo se justifica por el aporte de la comprensión de cómo los bebés aprenden música. Como resultado se verificó que los bebés se desarrollan musicalmente a través de tres tipos de imitación que se relacionan entre sí: melódica, afectivo-musical y rítmica. De este estudio concluimos que la imitación se produce de forma auditiva visomotora y que durante una interacción musical, el bebé observa y relaciona los movimientos y sus sonidos y transforma las percepciones sensoriales (visión, tacto y oído) en representaciones motoras (canto, entonación, movimientos, gestos y ritmos).

Palabras clave: Neuronas espejo; Imitación; Aprendizaje de la música del bebé.

 

Introdução

Estudos sobre como a aprendizagem musical de bebês ocorre junto aos avanços das neurociências têm colaborado para o entendimento do processo de aprendizagem no cérebro do bebê, bem como, contribuem para as práticas pedagógicas de educadores musicais. Em vista disso, apresentaram-se alguns questionamentos: Como o bebê aprende música? Como essa aprendizagem musical é desenvolvida no cérebro do bebê? Teorias de aprendizagem e desenvolvimento musical têm apontado que a imitação faz parte do processo de aprendizagem musical da criança, desde muito pequena (DELALANDE, 2019; GORDON, 2015; SWANWICK, 2014). Pesquisas recentes revelam a existência de um sistema de neurônios, os neurônios-espelho, ativados quando ocorre a observação de uma ação, assim como, quando ocorre uma imitação. 

De uma forma geral, os neurônios-espelho são uma classe de neurônios viso-motores. Foram descobertos na década de 1990 por Rizzolatti e colaboradores, na área F5 do córtex pré-motor de macacos. Em suas pesquisas, os autores descobriram que estes neurônios eram ativados quando o macaco realizava uma ação e, também, quando observava uma ação similar de outro indivíduo, macaco ou humano.

            Rizzolatti e Craighero (2004) apontam que, para a sobrevivência dos seres humanos, é necessário entender as ações dos outros, e que a aprendizagem através da imitação pode ser explicada pelo sistema de neurônios-espelho. Revelam que, contrariamente à maioria das espécies, os humanos aprendem por imitação, faculdade base da cultura humana (RIZZOLATTI; CRAIGHERO, 2004).

Em seus estudos, Nyström (2008) detectou a atividade de neurônios-espelho em bebês a partir de seis meses, através do eletroencefalografia (EEG). Segundo Papousek (2007, p. 260), o sistema de neurônios-espelho “pode fornecer uma base neurobiológica para a imitação do recém-nascido a partir do espelhamento mútuo facial e vocal, na compatibilização da percepção e ação do bebê, assim como no compartilhamento afetivo intersubjetivo precoce”. Já Trevarthen (2001) afirma ser mais provável que recém-nascidos imitam de forma multimodal, dada a imaturidade do córtex frontal. Partindo destes pressupostos, esta pesquisa investigou como ocorre a aprendizagem musical de bebês através da imitação e sistema de neurônios-espelho, com base em pesquisas científicas já realizadas.

 

Aprendizagem musical através da imitação e sistema de neurônios-espelho

Pesquisas em Música demonstram que a imitação é uma ferramenta fundamental para a aprendizagem musical (BALTHAZAR; FREIRE, 2012; FREIRE, 2011, 2015). Balthazar e Freire (2012) argumentam sobre a importância da aprendizagem musical através da imitação; porém, explicam que "apenas recentemente começou a ser mapeado o processo cognitivo que explica esta habilidade dentro do campo da música, ocasionado pela recente descoberta [...] dos neurônios-espelho" (BALTHAZAR; FREIRE, 2012, p. 4).

Quanto à construção da memória musical através da imitação, Freire (2011, 2015) estabeleceu uma relação entre os diferentes tipos de memória que atuam durante os processos de identificação e decodificação musical, utilizando a imitação como ferramenta para o desenvolvimento da memória no contexto da percepção musical, e propôs modelos de imitação compatíveis com o funcionamento de cada memória. Para o autor, "cada tipo de memória pode ser trabalhada por meio de um tipo de imitação, que irá promover uma forma específica de processamento da informação musical" (FREIRE, 2011, p. 17). Como resultados, Freire (2011, 2015) apresenta quatro categorias de imitação relacionadas à memória: (1) imitação longa; (2) imitação curta; (3) imitação operacional e (4) imitação espelho.

Balthazar e Freire (2012) realizaram um experimento com alunos iniciantes no instrumento clarineta, observando dois momentos de aprendizagem através da imitação: interação visual e interação auditiva. A primeira interação se deu a partir de uma imitação e espelhamento visual. A segunda ocorreu a partir de uma imitação auditiva, sem um espelhamento visual. Como resultados, apontaram que a interação visual decorreu da observação e imitação de gestos, das posições e dos movimentos, no qual os sujeitos pesquisados buscaram encontrar posições previamente conhecidas como referência. Na interação auditiva, os sujeitos buscaram "recorrer a alguma forma de centro tonal, também já conhecida por eles, como referência” (BALTHAZAR; FREIRE, 2012, p. 8). Nessa interação observaram que os sujeitos buscaram imitar o timbre e a sonoridade, igualando o timbre ou a afinação ao seu modelo espelho. De acordo com os autores,  "a fusão das interações auditiva e visual, parece ser o mais frequente dentro do contexto da aprendizagem musical" (BALTHAZAR; FREIRE, 2012, p. 8-9), embora relatam a importância de um modelo visual que pode ser observado e espelhado, gerando segurança entre aluno e professor durante a aprendizagem inicial do estudante de instrumento.

 

Neurodesenvolvimento musical do bebê e imitação

            A fundamentação teórica deste trabalho decorreu de estudos voltados à aprendizagem e neurodesenvolvimento musical do bebê, com vistas à compreensão sobre como a criança aprende nos primeiros anos de vida, através da imitação. A mente humana resulta de fatores biológicos e culturais (HURON, 2012). Para Flohr (2010, p. 13), "o cérebro faz conexões durante o período pré-natal e ao longo da vida e, embora algumas conexões sejam geneticamente predeterminadas, outras conexões se desenvolvem a partir de influências ambientais". Assim, o cérebro humano se desenvolve de forma muito intensa durante os primeiros anos de vida. Nessa fase, ocorrem de forma muito densa, conexões sinápticas e a plasticidade cerebral, que se referem "às mudanças moleculares, neurais e estruturais na maioria das áreas cerebrais em resposta a experiências como aprendizado, lesões e até terapias comportamentais" (ANDRADE; ANDRADE, 2013, p. 22).

            Bebês nascem com competências musicais inatas, que são vitais para sua comunicação com o mundo (GORDON, 2015; TREHUB, 2003; TREVARTHEN, 2019). Logo, é considerado que nascemos com algumas conexões e habilidades musicais geneticamente predeterminadas, que podem ser potencializadas através das primeiras experiências musicais do bebê. Essas habilidades musicais tendem a se modificar durante o desenvolvimento da criança, através da exposição musical e da aculturação (GORDON, 2015; TREHUB, 2003).

             A partir da plasticidade cerebral e das conexões sinápticas nos primeiros anos de vida, é possível estimular musicalmente o cérebro do bebê através do seu ambiente, da cultura, das experiências e vivências musicais. Neste sentido, Swanwick (2014) aponta que

 

[...] as observações cotidianas nos mostram que as crianças se desenvolvem enquanto crescem e que esse desenvolvimento depende de uma interação entre a herança genética de cada indivíduo e o ambiente – o mundo físico, a casa, a escola, a sociedade. Uma segunda observação do senso comum é que há um elemento de previsibilidade a respeito desse processo de desenvolvimento. Aprendemos a andar antes de podermos correr, a ficar de pé antes de podermos fazer qualquer um dos anteriores, a imitar antes de balbuciarmos enunciados de nossa própria autoria. (SWANWICK, 2014, p. 62-63).

 

            O bebê também nasce com a capacidade inata de imitar expressões faciais, vocais, o espelhamento afetivo dos pais e os movimentos dos dedos (MELTZOFF; MOORE, 1995). Andrade e Andrade (2013) corroboram, explicando que

 

[...] esse esquema supramodal inato permite uma representação que liga as informações visuais, auditivas, motoras e a propriocepção (percepção das próprias partes do corpo), e indica que as áreas cerebrais de integração multimodal[1] já vêm prontas e funcionais de fábrica, ao invés de completamente descoordenadas ou “desintegradas” no nascimento, conforme acreditava Jean Piaget. (ANDRADE; ANDRADE, 2013, p. 24).

 

Ademais, a imitação dos recém-nascidos não é um processo exclusivamente cognitivo, mas, também, um comportamento inato, motivado para manter relações íntimas com seus cuidadores (NAGY, 2006). Essa capacidade de imitar faz parte da construção da cognição social do bebê, pois é através da imitação recíproca que eles exercitam e elaboram, em um primeiro momento, sua compreensão de que os outros são "como eu" (MARSHALL; MELTZOFF, 2014).

 

 

 

 

 

Experimento de imitação realizado com recém-nascidos com duas a três semanas de vida. Imagem retirada do artigo "Imitation of Facial and Manual Gestures by Human Neonates" (1997). Andrew N. Meltzoff & M. Keith Moore. Licença para reprodução da imagem dada pelo Copyright Clearance Center. 

Figura 1 - Bebê imitando gestos faciais de adultos

Fonte: Meltzoff e Moore, 1995, p. 50

 

            A partir desses dados, consideramos que o bebê aprende imitando, e que no cérebro do ser humano existe um sistema específico de neurônios para tal imitação – os neurônios-espelho, o que comprova que a imitação faz parte de um processo de aprendizagem, e, por isso, a pertinência de ser investigado. Além do mais, a imitação pode estar associada a interações multimodais – capazes de processar informações provenientes de várias entradas sensoriais – em todas as áreas do cérebro. Salientamos que a imitação faz parte de um processo de aprendizagem musical, e não é vista como um fim. Antes de assimilar e compreender musicalmente, o bebê precisa mergulhar na sua cultura musical, imitando pequenos padrões tonais e rítmicos, reconhecendo-os e os diferenciando para, então, entrar numa fase de assimilação desses sons (GORDON, 2015).

 

Metodologia

            A pesquisa foi fundamentada na abordagem qualitativa e na pesquisa bibliográfica como método (LIMA; MIOTO, 2007). A primeira fase da investigação compreendeu uma seleção de artigos relacionados à aprendizagem musical de bebês através da imitação e sistema de neurônios espelho. Essa seleção ocorreu por meio de buscas em periódicos científicos, utilizando os seguintes termos: aprendizagem musical, bebês, imitação, sistema de neurônios-espelho. A partir dessa coleta, procedeu-se às cinco fases de leitura propostas por Lima e Mioto (2007): leitura de reconhecimento do material bibliográfico, leitura exploratória, leitura seletiva, leitura reflexiva e leitura interpretativa.

            A análise dos dados teve como base a análise do conteúdo, proposta por Bardin (2009), constituindo-se das seguintes fases: a) pré-análise, b) exploração do material e c) tratamento dos resultados. A análise dos dados resultou em três categorias que se inter-relacionam: a) imitação melódica; b) imitação afetivo-musical e c) imitação rítmica.

 

Resultados e Discussões

            Nos estudos com macacos, Kohler et al. (2002) constataram que os neurônios-espelho são disparados quando uma ação é ouvida, evocando ideias motoras. Afora as descobertas do sistema de neurônios-espelho em primatas, sabe-se que existe um sistema homólogo em seres humanos. Para Overy e Molnar-Szakacs (2009):

 

A descoberta de neurônios-espelho individuais no cérebro dos primatas, que são acionados tanto quando uma ação é executada ou ouvida, e de sistema homólogo em seres humanos, está conduzindo a uma extraordinária mudança de paradigmas em nosso entendimento sobre os mecanismos de percepção-ação, comunicação humana e empatia. (OVERY; MOLNAR-SZAKACS, 2009, p. 489, grifo nosso).

 

Portanto, é observado que os neurônios-espelho são acionados tanto em estímulos visuais quanto em estímulos auditivos, podendo atuar, também, conjuntamente. Esses estudos nos trazem contribuições e reflexões para a aprendizagem musical. Outrossim, os neurônios-espelho estão presentes no desenvolvimento da percepção-ação, da comunicação humana e da empatia (OVERY; MOLNAR-SZAKACS, 2009). A partir desta revisão bibliográfica, apontamos que o bebê aprende música através de três tipos de imitação que se inter-relacionam: melódica, afetivo-musical e rítmica, como é apresentado no diagrama a seguir:

 

Figura 2 - Diagrama dos três tipos de imitação musical dos bebês

Fonte: elaborado pelas autoras (2024)

 

A imitação melódica está diretamente relacionada ao desenvolvimento melódico, do canto, da entonação, do balbucio musical, das vocalizações e da comunicação humana. A imitação afetivo-musical relaciona-se ao desenvolvimento do repertório musical do bebê, constituído a partir da aculturação musical, audição e imitação de suas experiências musicais afetivas, assim como ao desenvolvimento da empatia. Por fim, a imitação rítmica é caracterizada pelo desenvolvimento rítmico, de gestos e movimentos corporais, da execução de instrumentos musicais e/ou objetos sonoros e do desenvolvimento da percepção-ação.

Malloch (1999-2000, p. 30) aponta que as “reações de recém-nascidos à voz humana e suas imitações de expressões faciais, vocalizações e movimentos das mãos, mostram que sua consciência dos sinais humanos, embora lentos e rudimentares, já são abrangentes, multimodais e coerentes no nascimento”. A interação musical é dada tal um espelho, no qual o bebê percebe o som proposto pelo cuidador e o imita. Segundo Addessi (2015, p. 202-203), "a sintonia de afeto é o momento de maior troca entre os dois parceiros, nos quais os ritmos, formas e intensidade dos gestos, da voz e do olhar, são compartilhados, como um espelho". Podemos notar que estes três tipos de imitação inter-relacionam-se e, muitas vezes, dependem uma da outra para a ocorrência do desenvolvimento musical. Malloch (1999-2000) concluiu que o movimento – gestual, vocal e emocional – é o que permite a musicalidade comunicativa entre bebê e cuidador.

Trevarthen e Aitken (2019a, p. 29) apontam “que os bebês e suas mães regulam mutuamente os interesses e os sentimentos, através de vias rítmicas complexas, trocando sinais multimodais e imitações de expressão vocal, facial e gestual”. Overy e Molnar-Szakacs (2009) explicam como se dá o desenvolvimento da percepção-ação, da comunicação e da empatia no cérebro e como estão relacionados com os neurônios-espelho. Para os autores,

 

[...] o que é excitante sobre a descoberta dos neurônios-espelho, é a existência de um sistema homólogo no cérebro humano, e a ideia que o cérebro não funciona como uma máquina isolada de estímulo-resposta a percepção-ação. Primeiramente, o funcionamento do cérebro é intimamente conectado com o corpo, e em segundo lugar, o cérebro evoluiu para interagir e entender outros cérebros. Propriedades dos neurônios-espelho nos permitem considerar que comunicação social, e mais especificamente comunicação musical sobre uma nova visão — menos em termos de altura/timbre/padrões rítmicos — e mais em termos de ações sequenciadas, metas/objetivos, previsão e representações compartilhadas. (OVERY; MOLNAR-SZAKACS, 2009, p. 492).

 

Nos três tipos de imitação musical relacionadas ao sistema de neurônios-espelho, o bebê também estará se desenvolvendo a) de forma social, pois imitará e/ou observará outro indivíduo; b) de forma audiovisual ou apenas auditiva, pois ouvirá e/ou enxergará o que será espelhado auditivamente e por fim, c) de forma motora, pois sua imitação exerce uma ação motora, seja se movimentando, tocando, expressando através do corpo ou cantando – o que, também, é uma ação motora, por envolver os músculos da laringe e da boca.

Assim, é considerado que o bebê aprende música imitando, e que a imitação musical ocorre através de uma interação comunicativa musical e afetiva entre o bebê e um adulto (MAFFIOLETTI, 2017; PAPOUSEK, 2007; PARIZZI, 2006; TREHUB, 2003). A comunicação pode ser entendida em seu sentido mais amplo como uma transmissão ou compartilhamento de informações de qualquer tipo por meio de comportamento verbal ou não verbal, como explica Papousek (2007):

 

Para o recém-nascido, comunicação significa, antes de tudo, interagir com um dos pais ou outro cuidador, que intuitivamente retarda, simplifica, exagera, repete e varia a expressão facial, a prosódia da fala e outros comportamentos de uma forma que complementa as limitações e capacidades sensoriais, perceptivas, integrativas e motoras do recém-nascido e facilita percepção e familiarização com o comportamento dos pais. (PAPOUSEK, 2007, p. 259).

 

            Além da comunicação verbal, o ser humano pode desenvolver a comunicação musical, através de diálogos sonoros, canto, entonação, balbucio musical, gestos e movimentos (GORDON, 2015). Molnar-Szakacs e Overy (2006) acreditam que as pessoas podem compreender todos os sinais comunicativos, sejam visuais, auditivos, linguísticos ou musicais, nos termos de sua compreensão da ação motora que fundamentam este sinal, além da intenção subjacente à ação motora (MOLNAR-SZAKACS; OVERY, 2006).

            A imitação está presente na musicalidade comunicativa proposta por Malloch (1999-2000) e Trevarthen (2019), graças às interações afetivas musicais entre bebês e adultos. Pesquisas sobre a musicalidade comunicativa revelam que durante "as interações dos bebês em diálogos afetuosos com seus pais ou com outras pessoas, [...] [os bebês] não só imitam as sonoridades, mas participam dos padrões rítmicos coordenados que acompanham as vocalizações" (MAFFIOLETTI, 2017, p. 138). Sobre musicalidade comunicativa, entende-se que a interação precoce pré-verbal é elucidada com detalhes por métodos que avaliam objetivamente a prosódia e a melodia das vocalizações e dos sons musicais dirigidos à criança, além de sua orientação e preferência pelas sonoridades que produz (TREVARTHEN; AITKEN, 2019b).

Segundo Gordon (2015), a criança imita musicalmente de forma mais consciente por volta dos dois anos, quando começa a perceber a diferença do eu e do outro, a emergir do seu egocentrismo musical e a se expressar musicalmente pela imitação. Nesse período, a criança começa a perceber diferenças e semelhanças do seu canto ou ritmo, comparando-os com o dos outros (GORDON, 2015). Quanto à imitação da melodia e do ritmo de canções conhecidas, Parizzi (2006) explica que ocorrerá a partir dos dois anos de idade. A seguir, apresentamos os três tipos de imitação e suas relações com o sistema de neurônios-espelho:

 

Imitação melódica

            Antes de tratar da imitação melódica, é importante refletir sobre as relações entre o desenvolvimento da fala e o desenvolvimento do canto do bebê. O canto e a fala estão, comumente, interligados no desenvolvimento inicial, pois ambos utilizam o desenvolvimento vocal e auditivo (PARIZZI, 2006). Além disso, têm em comum uma organização hierárquica de sequências sonoras e algumas regras pré-estabelecidas, como frases de perguntas e respostas. Porém, "a música se diferencia da fala quando se trata de significado. Embora a música e a linguagem mostrem dualidade de padrões [...], as peças musicais resultantes não são significativas na mesma maneira que as declarações verbais são” (TREHUB, 2003, p. 669).

            Há particularidades que se aproximam no desenvolvimento da fala e do canto, como por exemplo, uma frase verbal com uma melodia ascendente. O bebê pode não compreender o que está sendo dito, mas compreenderá a intenção do locutor pela frase melódica e expressiva. Ainda, o modo como canto e fala são estimulados pode se diferenciar. Gordon (2015) explica que falar com o bebê proporciona um modelo para sua voz falada, e cantar é a forma de ensiná-lo a utilizar sua voz de canto e entonação.

Para Ilari (2002, p. 87), "o canto destinado aos bebês também tem características particulares e especiais, como o uso de um registro vocal mais agudo, andamentos mais lentos e uma expressividade mais acentuada, do que no caso de canções dirigidas aos adultos''. Sobre a comunicação entre bebê e adulto, a autora constatou que os contornos melódicos dirigidos aos bebês são carregados de mensagens afetivas, tanto nas canções de ninar quanto nas frases da fala materna. Intervalos musicais que sobem e descem, característicos das canções de brincar e da fala materna podem, também, captar a atenção do bebê. Os contornos melódicos com notas sustentadas e, depois, descendentes, presentes nas canções de ninar e na fala materna, podem ser usadas para acalmar o bebê (ILARI, 2002).

Bebês também preferem intervalos consonantes aos dissonantes, e são fascinados em ver e ouvir o cantor, mantendo sua concentração por um longo período de tempo (TREHUB, 2003). Addessi (2012) discutiu sobre as interações vocais durante a troca de fraldas e ressaltou a importância da repetição/variação e imitação vocal entre cuidador e bebê. As repetições vocais da mãe representam uma espécie de “espelho” sonoro para a criança, reforçando o seu “eu” musical, o que é detalhado, ao afirmar que

 

Entre dois meses e seis meses, a criança encontra-se na fase de pleno balbuciar: esse fenômeno parece ser causado pela exploração da voz (reação circular) da criança, mas também pela imitação de sons ouvidos dos adultos ou de outras crianças. Esse processo de exploração/imitação, em primeiro lugar aleatório, começa a crescer mais e mais em um contexto de relacionamento com a mãe e, por meio da mãe, em relação a ela. (ADDESSI, 2015, p. 199-200).

 

Gratier e Devouche (apud GRATIER, 2017) investigaram os contornos prosódicos de vocalizações e verbalizações realizadas por mães e bebês de 2 a 3 meses, durante interações sociais, e concluíram que os contornos imitados pela mãe e pelo bebê não são os mesmos. Bebês imitam, predominante, contornos em formato de sino, e, em menor escala, contornos em formato de U e sinodais. Ainda sugerem que os bebês de 2 a 3 meses controlam bem seu aparelho vocal.

Ao estudar o canto espontâneo, Parizzi (2006) constatou que a partir dos dois anos a criança começa a imitar canções do seu meio ambiente. Primeiramente, a criança imita as partes mais evidentes de algumas palavras repetidas ao longo da canção. Também imita os padrões rítmicos e melódicos de canções da sua própria cultura, mantendo a tendência de imitar os contornos melódicos, e não as alturas exatas. Nessa fase, a criança é capaz de transcender os modelos musicais que lhes são oferecidos. Dowling (apud PARIZZI, 2006, p. 43) aponta que, assim como na aquisição da linguagem, “a criança não copia os modelos simplesmente, mas desenvolve formas de representação mental cada vez mais sofisticadas em resposta à música de sua cultura”.

Essa representação mental pode estar relacionada ao sistema de neurônios-espelho. Westerman e Miranda (2002) desenvolveram um modelo neural de integração de comandos motores com seus sons percebidos, inspirado na produção vocal de uma criança em fase de balbucio. Os autores concluíram que os neurônios-espelho são ativados no acoplamento das ações motoras e suas consequências perceptivas, no qual um som ouvido evoca uma resposta no mapa motor e esta resposta é a necessária para reproduzir o som.

Os neurônios-espelho audiovisuais podem estar diretamente vinculados à evolução da comunicação humana, pois estão relacionados aos gestos, sons e entonação (KOHLER et al., 2002). Também, os neurônios-espelho audiovisuais foram encontrados na área de Broca, notoriamente ligada à fala. Segundo Silva (2017), a área de Broca, além de ser responsável pelo desenvolvimento da fala, é propulsora do desenvolvimento do canto. Essa afirmação guia a compreensão sobre como os neurônios-espelho podem estar vinculados ao desenvolvimento do canto e de padrões melódicos no bebê. Em relação a isso, Andrade e Andrade (2013, p. 24) argumentam que "a imitação nos bebês parece estar associada a sistemas inatos de integração multimodal dos córtices parietal inferior e pré-frontal inferior, e crucialmente envolvida na imitação vocal e no aprendizado da linguagem".

            Molnar-Szakacs e Overy (2006) explicam que os estudos de neuroimagem suportam a hipótese de que existe um substrato neural comum para música, linguagem e funções motoras, observado através de distúrbios da linguagem, como dislexia e afasia, relacionado ao sistema de neurônios-espelho. Crianças com afasia podem se beneficiar da Terapia de Entonação Melódica (MIT-Melodic Intonation Therapy), que utiliza a imitação de intervalos melódicos do canto na fala, no qual transferem informações sensoriais para um plano motor (MOLNAR-SZAKACS; OVERY, 2006). Os estudos revelam que área de Broca e hemisfério direito suportam um processamento de sintaxe entre a linguagem e a música. Para Molnar-Szakacs e Overy (2006), o sistema de neurônios-espelho tem o papel de mediar transformações sensório-motoras subjacentes à imitação.

Ferrari et al. (2003) apresentam duas classes de neurônios-espelho relacionados à boca, que se diferenciam pela função: ingestiva e comunicativa. Os neurônios-espelho ingestivos disparam quando observam ações como morder ou chupar. Já os neurônios-espelho relacionados à comunicação, disparam na observação dos movimentos dos lábios.

 

Imitação afetivo-musical

            Estudos de Molnar-Szakacs e Overy (2006; 2009) apresentam importantes reflexões, a partir da expressividade musical, da representação de significados e respostas afetivas à música, envolvendo o sistema de neurônios-espelho. A expressividade emocional está presente no canto dirigido ao bebê (ILARI, 2002; PAPOUSEK, 2007). Estudos apontam que, além de os bebês preferirem os cantos expressivos, têm predileção por audições ao vivo (MARSCHALL; MELTZOFF, 2014; TREHUB, 2003), e são capazes de manter o foco e a atenção por um período de tempo, reduzindo os movimentos corporais (TREHUB, 2003).

            A vocalização humana carregada de expressividade pode enviar um sinal de intenção e estado emocional do executor, fazendo com que o ouvinte interprete e sinta simples emoções como tristeza, felicidade ou estresse (MOLNAR-SZAKACS; OVERY, 2006). O mesmo ocorre com melodias e frases musicais. Como descrito na imitação melódica, possivelmente o bebê não compreenderá de forma verbal o que está sendo dito, mas entenderá a intenção, a partir da melodia da frase que pode expressar alegria ou raiva, por exemplo. Assim, as respostas dos bebês se dão a partir da interação de seus pais e/ou cuidadores, que ajustam de forma intuitiva um repertório comunicativo multimodal ao nível da percepção do bebê, e, concomitantemente, espelha e ecoa seu comportamento afetivo positivo (PAPOUSEK, 2007). Essas interações cotidianas fornecem a aprendizagem, que é espelhada e compreendida pelo bebê a partir das respostas de outras pessoas (PAPOUSEK, 2007).

            Molnar-Szakacs e Overy (2006, p. 238) acreditam que "uma das características definidoras da música é a sua capacidade para induzir uma resposta emocional em seus ouvintes e uma das principais razões pelas quais as pessoas dão ao ouvir música é a experiência ou a modulação de seus estados emocionais". Explicam, ainda, como essas respostas emocionais induzidas através da música ocorrem no cérebro e se relacionam ao sistema de neurônios-espelho:

 

A ínsula anterior forma um conduto entre o sistema de neurônios-espelho e o sistema límbico, permitindo que estas informações sejam avaliadas em relação ao próprio estado autônomo e emocional contribuindo para uma complexa resposta afetiva mediada pelo sistema límbico. Possíveis mecanismos de feedback podem influenciar o subsequente sinal musical imediatamente e a longos prazos. O recrutamento compartilhado do mecanismo neural em ambos enviar e receber as mensagens musicais permite co-representação e compartilhamento da experiência musical. (MOLNAR-SZAKACS; OVERY, 2006, p. 237, tradução nossa).

 

            A partir disso, é considerado que durante a interação musical entre bebê e adulto existe uma expressividade intencional que comunica estados afetivos e emocionais através da música. Adultos comunicam-se musicalmente de forma intuitiva com seus bebês, cantando de forma mais aguda, expressiva e com andamento mais lento (PAPOUSEK, 2007). Também, bebês têm uma capacidade intrínseca para se comunicarem (PAPOUSEK, 2007; TREVARTHEN, 2019). Segundo Iacobini (2009), os neurônios-espelho são capazes de codificar a intenção de uma ação. Trevarthen e Aitken (2019a) trazem o conceito de intersubjetividade entre o bebê e o adulto, e explicam que a imitação realizada pelos recém-nascidos tem mais funções interpessoais que aquisições motoras e expressivas. Os autores acrescentam que "a motivação do bebê para comunicação e os cuidados parentais intuitivos que a estimulam, foram assimilados à aptidão humana específica para aprendizagem cultural e da língua" (TREVARTHEN; AITKEN, 2019a, p. 27).

            A música expressiva pode induzir subjetividades e expressões emocionais fisiológicas (MOLNAR-SZAKACS; OVERY, 2006), como diferentes posturas, gestos e expressões faciais presentes na comunicação social. Os autores acreditam que gestos musicais podem ter efeitos similares na comunicação de emoções, e que o giro frontal inferior posterior e a ínsula anterior são comumente ativadas durante uma experiência musical, evocando estados emocionais. O giro frontal inferior posterior é um importante componente do sistema de neurônios-espelho. Logo, os neurônios-espelho podem simular um estado emocional no ouvinte, a partir da capacidade para vincular percepções e representações comportamentais oriundas de estímulos musicais (MOLNAR-SZAKACS; OVERY, 2006).

            A experiência musical afetiva do bebê pode ser induzida pelos neurônios-espelho como representação e espelhamento de emoções, a contar de gestos, posturas, entonação, frases rítmicas e expressões faciais. Outrossim, o bebê é capaz de provocar, incentivar e iniciar uma conversa através da imitação. Segundo Trevarthen e Aitken (2019a), os recém-nascidos nem sempre respondem em prontidão à ação, mas observam os gestos do seu interlocutor e são capazes de iniciar uma interação, provocando e imitando o gesto anterior do adulto à espera de uma resposta.

            Os neurônios-espelho estão associados ao desenvolvimento da empatia, à capacidade de se colocar no lugar do outro, que é dada pelo espelhamento dos estados emocionais e pode ser explicada sobre como os bebês compreendem os estados emocionais dos adultos que interagem musicalmente com eles. Essas interações afetivas pela imitação contribuem para o desenvolvimento de um repertório músico-cultural dos bebês. Segundo Trevarthen e Gratier (2019, p. 91), “a musicalidade expressiva da protoconversação representa um veículo universal para compartilhamento de experiências culturais” dos bebês. Jogos e brincadeiras de espelhamento são os favoritos dos bebês, pois produzem reações positivas e, muitas vezes, de forma inconsciente, constroem suas relações sociais e culturais copiando posturas, expressões e maneirismos de seus parceiros sociais (MARSHALL; MELTZOFF, 2014). Entende-se que essas cópias podem ser dadas, também, no meio musical, em que o bebê imita e copia características musicais presentes na cultura em que vive. Trehub (2003, p.672) pontua que "bebês são muito responsivos aos estímulos sociais, [...] especialmente quando refletem estados emocionais positivos. Para os bebês, o poder da música pode surgir de sua natureza social e sua ligação com emoções positivas". Portanto, podemos considerar que o contexto em que o bebê está envolvido pode fazer diferença no desenvolvimento de sua musicalidade, gostos e preferências musicais.

 

Imitação rítmica

            Neurônios-espelhos são neurônios audiovisuais motores. A música é uma atividade motora, seja tocando, cantando ou dançando. Molnar-Szakacs e Overy (2006) explicam como a aprendizagem e experiência musical através da imitação envolve o sistema de neurônios-espelho como um sistema de representação das ações musicais por meio da percepção-ação:

 

Do baterista ao cantor e da cítara virtuose, a produção musical envolve uma boa coordenação de ações motoras que produzem vibrações sonoras. A experiência musical envolve, portanto, a percepção intencional e organização de sequências de ações motoras que causam informações auditivas sincronizadas. Assim, de acordo com o mecanismo de simulação implementado pelo sistema de neurônios-espelho de humanos, uma similar ou equivalente rede é acionada quando alguém ouve, canta e toca; desde uma larga escala de diferentes notas até movimentos minúsculos, até sutis movimentos de diferentes timbres. Isto permite uma co-representação da experiência musical, emergindo para além do compartilhamento e recrutamento sincrônico para um similar mecanismo neural que envia e percebe a mensagem musical. Esta representação musical compartilhada tem um potencial de comunicação semelhante à comunicação e ações da linguagem. (MOLNAR-SZAKACS; OVERY, 2006, p. 236, tradução nossa).

           

            Segundo Trevarthen (2019), desde o nascimento, os bebês apresentam movimentos coordenados e rítmicos ao ouvir música. Também são capazes de imitar padrões rítmicos, sons corporais e pequenas células rítmicas em instrumentos musicais ou objetos. Swanwick (apud PARIZZI, 2006) acredita que, a partir de um ano e meio, a criança passa a adequar seus movimentos corporais ao pulso da música, e que essa imitação física de gestos e de caráter pode ser considerada como uma de suas primeiras respostas imitativas. Marshall e Meltzoff (2014) apontam que, ao imitarem, os bebês identificam qual parte do seu próprio corpo corresponde à parte da outra pessoa, assim como identificam os movimentos realizados. A imitação é uma atividade social que envolve a sincronização de ações físicas, motoras, afetivas, rítmicas e de tempo, como explicam Overy e Molnar-Szakac (2009):

 

A música claramente não é apenas um estímulo auditivo passivo, é uma atividade social envolvente e multissensorial. Todos os sons musicais são criados por movimentos do corpo humano (cantando, batendo palmas, batendo, soprando, puxando) e por sua vez, parecem incentivar outros corpos a se mover (batendo palmas, batendo, marchando, dançando). Produção musical geralmente ocorre em grupos (duplas, rodas, conjuntos) e envolve a sincronização de ações físicas com extraordinária exatidão do tempo e flexibilização. Tais interações físicas, sociais e sincronizadas interações envolvem imitação, aprendizado, compartilhamento, entendimento e previsão e podem incentivar o contato visual, o sorriso, o riso e a construção de relacionamentos, além de permitir liderança, competição e expressão individual - poderosas experiências de aprendizagem social. (OVERY; MOLNAR-SZAKACS, 2009, p. 489).

 

Assim, entendemos que durante uma comunicação musical, o bebê consegue sincronizar seu movimento no tempo da música, a partir de uma imitação viso-motora auditiva e representar essas ações musicais moduladas pelo sistema de neurônios-espelho. Para Molnar-Szakacs e Overy (2006, p. 236), “a conexão entre música e funções motoras são evidentes em todos aspectos da atividade musical – nós dançamos com a música, movemos nossos corpos para tocar instrumentos, movemos nossas bocas e laringe para cantar”. As experiências musicais dos bebês envolvem mais que uma percepção intencional, uma organização do raciocínio musical estruturado com uma organização de sequências de ações motoras que causam informações e representações auditivas sincronizadas, moduladas pela atividade do sistema de neurônios-espelho (MOLNAR-SZAKACS; OVERY, 2006).

 

Considerações Finais

            Com base na pesquisa, responde-se aos questionamentos propostos: Como o bebê aprende música? Como essa aprendizagem musical é desenvolvida no cérebro do bebê? Consideramos que o bebê aprende música imitando de forma multimodal e que existe no cérebro humano um sistema específico para essa ação – sistema de neurônios-espelho, o que confirma que a imitação é uma ação de aprendizagem do ser humano. A partir desta revisão bibliográfica, constatamos a carência de pesquisas – especialmente no Brasil - sobre esta temática. Este tipo de pesquisa contribui para o entendimento, aprofundamento e esclarecimento sobre o neurodesenvolvimento musical do bebê, bem como para a compreensão acerca da imitação do bebê, se esta acontece unicamente de forma multimodal, através do sistema de neurônios-espelho, ou se ocorre de ambas as maneiras. Entende-se, a com base nesta pesquisa, a importância do empreendimento de investigações dentro desta temática, articulando a educação musical e as neurociências.

Como resultados deste estudo, consideramos que o bebê aprende música através de três tipos de imitação que se inter-relacionam durante o aprendizado musical: imitação melódica, afetivo-musical e rítmica. A partir destes tipos de imitação, o bebê se desenvolve para além da sua musicalidade, de forma interativa social, auditiva e motora. Tendo em vista que a imitação se dá através do sistema de neurônios-espelho, é apontado que ela ocorre de forma viso-motora auditiva, mediada por uma comunicação musical entre bebê e adulto. Sendo assim, o bebê observa e relaciona movimentos e suas sonoridades e transforma percepções sensoriais (visão, tato e audição) em representações motoras (canto, entonação, movimentos, gestos e ritmos).

            Observou-se, quanto à imitação melódica, relações entre o desenvolvimento da fala e do canto do bebê. Mas, desenvolvimento da fala e do canto diferem, sendo o último estimulado pela comunicação melódica, diálogos sonoros, canto e entonação. Bebês não imitam, necessariamente, o mesmo contorno melódico, mas são capazes de imitar, variar e transcender os modelos melódicos propostos, desenvolvendo sua musicalidade melódica, que ocorre pela imitação, variação, repetição de diferentes alturas, timbres, durações e intensidades durante uma comunicação com o bebê.

Na segunda categoria, evidenciou-se que o sistema de neurônios-espelho envia sinais de intenções emocionais pela música. Expressividade musical, representação de significados e respostas afetivo-musicais integram o desenvolvimento da imitação afetivo-musical. As interações afetivas musicais através da imitação, contribuem para a construção do repertório músico-cultural do bebê. Essa imitação ocorre a partir da audição e imitação do repertório musical, espelhado e vivenciado pelos vínculos afetivos do bebê. O ambiente em que o bebê está inserido poderá fazer diferença no seu desenvolvimento musical, no qual suas preferências musicais serão moldadas por esse contexto músico-cultural.

Na categoria da imitação rítmica evidenciou-se que a música é movimento, e o bebê é capaz de imitar movimentos corporais e sincronizar no tempo musical. A imitação rítmica permite que o bebê represente ações musicais e organize o raciocínio musical estruturado em sequências motoras. Envolve o sistema de neurônios-espelho como um sistema de representações das ações musicais do bebê, a partir da percepção-ação. O desenvolvimento da imitação rítmica se dá a partir da observação e imitação de padrões rítmicos executados vocalmente, corporalmente e com a utilização de instrumentos e objetos sonoros.

 Sabendo que a construção musical ocorre pela imitação, destaca-se a importância de bons modelos musicais para os bebês, pois serão suas referências musicais e espelhar-se-ão nestes modelos. Cantar e tocar ao vivo geram conexões significativas e emocionais durante a aprendizagem do bebê. A partir desse estudo, unindo educação musical, psicologia social e neurociências, sugere-se a promoção de situações de aprendizagem musical envolvendo imitações melódicas, rítmicas e afetivas para o desenvolvimento musical do bebê.


 

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