POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL EM TEMPOS DE RETROCESSOS DEMOCRÁTICOS: A DESCONSTRUÇÃO DA AGENDA NO GOVERNO DE JAIR BOLSONARO

policies for basic education in brazil in times of democratic setbacks: the deconstruction of the agenda in jair bolsonaro’s government

Políticas para la educación básica en Brasil: en tiempos de retrocesos democráticos: la desconstrucción de la agenda educativa en el gobierno de Jair Bolsonaro

 

Lucia de Fatima Valente

Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil
valentelucia@yahoo.com.br

 

Marcos Antonio Lima Pereira

Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil

marantlima@gmail.com

 

 

Recebido em 03 de maio de 202

Aprovado em 11de outubro de 2022

Publicado em 15  de agosto de  2023

 

 

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar as ações/políticas educacionais implementadas no tempo presente e sua relação com a educação básica. Para tanto, inicialmente faremos um breve retrospecto histórico a partir do marco do Golpe de 2016, que culminou com o processo de impeachment da presidenta Dilma Vana Roussef (2011-2016) e, na sequência, as iniciativas do governo Michel Temer e as ações propostas e implementadas no governo de Jair Messias Bolsonaro. Assim, partimos das seguintes questões: quais projetos educacionais foram implementados para a educação básica a partir de 2019? Qual a relação dessas propostas com o modus operandi do neoliberalismo no contexto atual? Para tal exercício, lançaremos mão da pesquisa bibliográfica, da análise de documentos e reportagens de sítios que têm noticiado os principais fatos envolvendo, sobretudo, o governo de Jair Bolsonaro. Partimos do pressuposto que em relação à educação, esses governos iniciaram um processo de desconstrução das políticas educacionais implementadas a partir da Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Educação Básica; Neoliberalismo; Retrocessos Democráticos.

 

 

ABSTRACT

The present study aims to analyze the educational actions/policies currently implemented. A brief historical review is initially presented starting from the 2016 coup d’état which culminated in the impeachment process of President Dilma Vana Roussef (2011-2016), followed by the initiatives of Michel Temer’s government and the proposed and implemented actions during the government of Jair Messias Bolsonaro.  The following questions are our starting point: which educational projects were implemented for basic education from 2019 onwards? What is the relationship between these proposals and the modus operandi of neoliberalism in the current context? It is a bibliographic research based on analyses of documents and reports from sites on the main facts involving the theme and above all, Jair Bolsonaro’s government. We start from the assumption that in relation to education, these governments started a deconstruction process of educational policies implemented by the current Federal Constitution of 1988.

Keywords: Basic Education; Neoliberalism; Democratic Setbacks.

 

RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo analizar las acciones/políticas educativas que han sido llevadas a cabo en el tiempo presente y su vínculo con la educación básica. En primer lugar, vamos a hacer una breve retrospectiva histórica desde marzo de 2016, cuando ocurrió el Golpe que culminó con el proceso de impeachment de la presidenta Dilma Vana Rousseff (2011-2016); y, luego, las iniciativas del gobierno Michel Temer y las acciones propuestas y llevadas a cabo en el gobierno de Jair Messias Bolsonaro. Así, partimos de dos dichas cuestiones: ¿qué proyectos educacionales han sido puestos en marcha para la educación básica desde 2019? ¿Cómo se vinculan esas propuestas con el modus operandi del neoliberalismo en el contexto actual? Para dicho ejercicio, vamos a echar mano de la investigación bibliográfica, del análisis de documentos y reportajes de sitios donde se han comunicado los principales hechos que involucran, ante todo, el gobierno de Jair Bolsonaro. Partimos de la hipótesis que, en cuanto a la educación, estos gobiernos han iniciado un proceso de desconstrucción de las políticas educativas que fueron establecidas desde la Constitución Federal de 1988.

Palabras claves: Educación básica; neoliberalismo; retrocesos democráticos.

 

 

Introdução

 

Vivenciamos uma conjuntura nacional marcada pela crise na saúde, na política e na economia que alguns autores como AVRITZER; KERCHE; MARONA (2021) têm denominado de tempos de “retrocesso democrático e degradação política”, com o avanço da extrema direita no governo do país. Na educação em especial, há uma gestão marcada pela inação, má gestão, falta de diálogo com os profissionais envolvidos no processo, destruição dos direitos duramente conquistados, das instituições e o desprezo explícito pela comunidade epistêmica, além da falta de priorização e ausência de coordenação nacional na área.

Esse cenário tem sua origem principalmente a partir do golpe de 2016 em que a presidenta legitimamente eleita Dilma Roussef (2011-2016) foi destituída de seu cargo em 31 de agosto de 2016[1]. Vários autores como Lombardi e Lima (2017), Sanfelice (2017) e Saviani (2017) reafirmam que foi um golpe jurídico, empresarial, parlamentar e midiático, pois o que ocorreu no país apresenta todas as características desse processo. De acordo com Lombardi e Lima (2017), foi considerado golpe pois:

 

É a derrubada de um governo constitucionalmente legítimo, podendo ser violento ou não. É golpe porque promove uma ruptura institucional, contrariando a normalidade da lei e submetendo o controle do Estado a alguém que não foi legalmente designado para o cargo. É golpe mesmo quando o impedimento estiver previsto na lei maior de um país, mas as condições formais para tanto não forem respeitadas pelos poderes do Estado – executivo, legislativo ou judiciário – como ocorrido em vários países da América Latina, ontem e hoje. (LOMBARDI; LIMA, 2017, p.1)

 

Dessa forma, o golpe de 2016 impactou sobremaneira a democracia do país, provocou a quebra da institucionalidade democrática e desestabilizou as bases do estado democrático de direito garantido pela Constituição Federal de 1988. Para Saviani (2017, p. 213) o “Golpe jurídico-midiático-parlamentar que aconteceu no Brasil recentemente andou na contramão da democracia e provocou a quebra da institucionalidade democrática liquidando o estado democrático de direito”. Esse golpe deixou como legado a eleição de Bolsonaro que, com sua prática, acentua o neoliberalismo em uma perspectiva neofascista, ultracapitalista e conservadora. Partimos do pressuposto que em relação à educação, esse governo iniciou um processo de desconstrução das políticas educacionais implementadas a partir da Constituição Federal de 1988.

Assim, partimos das seguintes questões: quais projetos educacionais são implementados para a educação básica a partir de 2019? Qual a relação dessas propostas com o modus operandi do neoliberalismo no contexto atual? Para responder tais indagações, o presente texto está organizado em 3 seções, além da introdução e das considerações finais. A primeira disserta sobre o neoliberalismo e suas caraterísticas no tempo presente; a segunda aborda o governo Temer e o início do retrocesso na educação; e a terceira seção apresenta o governo de Jair Bolsonaro e a desconstrução da educação.

 

O neoliberalismo e suas características no tempo presente.

 

            Com o fracasso das políticas de regulação keynesiana, tomam corpo às ideias de Friedman, que prega uma nova mudança a favor do capitalismo concorrencial, entre os anos 1960 e 1970, que se propagaram rapidamente. Essa visão, cujos defensores elogiavam o retorno do mercado e denunciavam o peso excessivo que o Estado tinha na economia, teve o consentimento “se não da população, ao menos das ‘elites’ que tinham o monopólio da palavra pública, e permitiu que aqueles que ainda ousavam opor-se fossem estigmatizados como ‘arcaicos’” (DARDOT; LAVAL, 2016, p.206).

            Com base nesse diagnóstico, o grupo de neoliberais, apoiados no que propuseram um grupo de economistas, cientistas políticos e filósofos em 1947, propôs as seguintes alternativas:

 

1)    um Estado forte para quebrar o poder dos sindicatos e movimentos operários, para controlar os dinheiros públicos e cortar drasticamente os encargos sociais e os investimentos na economia;

2)    um Estado cuja meta principal deveria ser a estabilidade monetária, contendo os gastos sociais e restaurando a taxa de desemprego necessária para formar um exército industrial de reserva que quebrasse o poderio dos sindicatos;

3)    um Estado que realizasse uma reforma fiscal para incentivar os investimentos privados e, portanto, que reduzisse os impostos sobre o capital e as fortunas, aumentando os impostos sobre a renda individual e, portanto, sobre o trabalho, o consumo e o comércio; e

4)    um Estado que se afastasse da regulação da economia, deixando que o próprio mercado, com sua racionalidade própria, operasse a desregulação. (CHAUI, 2021, p. 37).

 

Na concepção de Filho e Morais (2018, p. 96), o neoliberalismo “é mais que uma ideologia ou um conjunto claramente definido de políticas tais como privatização, liberalização financeira e das importações ou ataque coordenado ao Estado de bem-estar social.” Para esses autores, o neoliberalismo é concebido como um sistema de acumulação dominante. E nessa linha de definição o neoliberalismo apresenta quatro características:

 

[...] financeirização da produção, da ideologia e do Estado; a integração internacional da produção (“globalização”); um papel proeminente do capital externo na integração global da produção e na estabilização do balanço de pagamentos; e uma combinação de políticas macroeconômicas baseada em políticas fiscais e monetárias contracionistas e em metas de inflação, na qual a manipulação das taxas de juros se torna a principal ferramenta de política econômica. (FILHO; MORAIS, 2018, p. 97).

 

            Desse novo discurso surge, então, um dos questionamentos fundamentais: como foi possível estabelecer o consentimento popular para as mudanças propostas pelo neoliberalismo? É importante lembrar que está se propondo um novo modelo econômico e político que substitui o de bem-estar social. Nesse modelo o Estado entra como garantidor de áreas sociais (saúde, educação, assistência social), estabelecendo condições mínimas de sobrevivência, enquanto a proposta do neoliberalismo se apoia justamente na mercadorização e na financeirização de tudo. Nesse sentido, os idealizadores do neoliberalismo propõem que

 

[...] a mão invisível do mercado constituía o melhor recurso de mobilização de mesmo os mais vis instintos humanos, como a gula, a ambição e o desejo de riqueza e poder em benefício de todos [...] opunha-se profundamente às teorias do Estado intervencionista, como as de John Maynard Keynes, que alcançaram a proeminência nos anos de 1930 em resposta à grande depressão. Os neoliberais se mostravam ainda mais fortemente contrários à teoria do planejamento estatal centralizado [...] (HARVEY, 2014, p. 30).

         

Isso significou uma mudança substancial na forma como Estado deveria atuar na elaboração e aplicação de políticas públicas, já que no “keynesianismo” havia a proposição de que os governos em momentos de crise deveriam aumentar a despesa pública com o objetivo de fomentar o crescimento e, em contrapartida, nos momentos de maior estabilidade e crescimento, reduzir essas mesmas despesas.

De forma geral, um Estado que atua na inspiração neoliberal tem como ações e estratégias na área social[2], políticas de viés compensatórias e em programas focalizados que têm como objetivo atender o indivíduo que não conseguir alcançar determinado patamar de progresso social. Para HÖFLING ( 2001, p. 39), o Estado neoliberal desenvolve ações que “não têm poder – e frequentemente não se propõem a – de alterar as relações estabelecidas na sociedade” Isso se explica pelo fato de que, para esta doutrina econômica, a intervenção do Estado no sentido de alterar a ordem natural das coisas “[...] constituiria uma ameaça aos interesses e liberdades individuais, inibindo a livre iniciativa, a concorrência privada, e podendo bloquear os mecanismos que o próprio mercado é capaz de gerar com vistas a restabelecer o seu equilíbrio” (HÖFLING, 2001, p. 37). Na ideologia neoliberal o mercado funciona como o equalizador das relações que acontecem entre os indivíduos, bem como as oportunidades que o mercado disponibiliza são estruturadas e distribuídas.

            De toda forma, para Puello-Socarrás (2013), o neoliberalismo não está comprometido com um programa específico de políticas econômicas. E ele vai mais longe ao declarar que:

 

 El neoliberalismo implica, ante todo, um Proyecto económico-político de classe (capitalista) el cual se há venido expressando a través de uma estratégia de acumulación (llamada común y colonialmente de “Desarrollo”). Solo posteriormente el neoliberalismo se materializa em programas de políticas, tal y como lo evidencia el Consenso de Washington e sus variantes, los cuales representam, precisamente, su dimensión táctica (PUELLO-SOCARRÁS, 2013, p. 18).

 

Nesse sentido, o neoliberalismo, em suas várias nuances, tem intensificado a sua atuação em uma ampla gama de políticas públicas (econômicas, sociais etc.). Isso significa que a sua atuação tem como objetivo capturar todos os campos em que o mercado pode atuar. Tal captura vai desde a assistência social, prestação de serviços públicos até a tomada de inciativa na elaboração de políticas públicas de interesse do mercado. Por isso, para Anderson (1995, p. 23) “Economicamente o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado [...] Política e ideologicamente; todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam [...]”.

Enfim, com base nesses pressupostos de dominação, o neoliberalismo, ao aportar no Brasil no início da década de 1990, lançou os seus fundamentos para tornar o Estado “mais ágil” e propício para os investimentos nacionais e, principalmente, internacionais. Por isso, ao atuar e propor mudanças, sejam elas ideológicas ou políticas, o neoliberalismo tem a retórica de que é imprescindível “reduzir o tamanho do Estado”. Entretanto, em sua fase de estabilização, o neoliberalismo se vale da intervenção estatal com o objetivo de gerenciar o sistema de acumulação. Assim, uma das primeiras ações a serem tomadas está relacionada com a reforma do Estado e nessa esteira de reforma serão lançadas as bases ideológicas de atuação desse novo Estado, sobretudo no que diz respeito à educação. E é sob essa ótica neoliberalizante que se pautarão os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.

 

O governo de Michel Temer e o início do retrocesso na educação

 

Com a assunção do então vice-presidente Michel Temer, teve início a proposta de governo elaborada pela Fundação Ulysses Guimarães e pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB[3]) intitulada “Uma Ponte para o Futuro” ou, como diriam alguns estudiosos do campo da educação, “uma pinguela para o passado”. Um documento que se apresentava com o intuito de “preservar a economia brasileira e tornar viável o seu desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de executar políticas sociais que combatam efetivamente a pobreza e criem oportunidades para todos” e, ainda acrescenta que “Todas as iniciativas aqui expostas constituem uma necessidade, e quase um consenso, no país” (FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES, 2015, p. 2).

No entanto, de maneira bem explícita, e em nome do “funcionamento virtuoso do Estado”, o documento evidencia a proposição de uma política de desenvolvimento com foco na iniciativa privada, com amplas parcerias para complementar a oferta de serviços públicos sob a justificativa de que o grande culpado pela crise é o Estado social, que sequer foi implementado no Brasil. Para tanto, propõe a desvinculação das receitas garantidas pela CF de 1988, o que fere de morte os direitos sociais, principalmente a educação que tem vinculação constitucional de financiamento. Defendem, ainda, o fim da indexação dos benefícios previdenciários e sociais ao salário mínimo, sob o argumento de que deve ser o Parlamento o órgão decisório dos reajustes anuais, em conformidade com o crescimento econômico e orçamento. No entanto, Mustafa (2018) faz a seguinte ressalva:

[...] tanto a vinculação constitucional das receitas no campo dos direitos sociais quanto a indexação de benefícios sociais ao salário mínimo foram fundamentais para que se pudesse sanar minimamente as iniquidades sociais perpetradas historicamente neste País, promovendo, por exemplo, a queda da pobreza entre os idosos e a equiparação dos benefícios entre trabalhadores do campo e da cidade (MUSTAFA, 2018, p. 103).

 

Confirmando o seu apoio irrestrito ao ideário neoliberal, o programa “Uma ponte para o futuro”, adotado em sua integralidade pelo governo Temer, não deixava dúvidas sobre como, a partir de 2016, a economia seria conduzida. O programa afirmava de forma tácita:

 

e) realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles. Apoio real para que o nosso setor produtivo integre-se às cadeias globais de valor, auxiliando no aumento da produtividade e alinhando nossas normas aos novos padrões normativos que estão se formando no comércio internacional (FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES, 2015, p. 18).

 

            Além disso, deixava bem clara a sua simpatia com a privatização dos serviços públicos sem nenhuma restrição, o que significa abrir todas as áreas de logística, infraestrutura e a parceria para a complementação de oferta de serviços púbicos. Para os defensores do mercado, somente ele tem a capacidade de equalizar e de oferecer de forma competente os serviços que anteriormente eram disponibilizados pelo Estado. Assim afirma o Programa “Ponte para um futuro”, no item que trata sobre privatização, concessões e parcerias:

 

d) executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de serviços públicos e retorno a regime anterior de concessões na área de petróleo, dando-se à Petrobras o direito de preferência (FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES, 2015, p. 18).

 

            Cumprindo de forma imediata o Programa, o governo Temer aprovou a EC 95/2016[4]. A referida Emenda Constitucional simbolizou um retrocesso no investimento e financiamento na educação, já que um dos seus resultados práticos é o congelamento por vinte anos dos gastos primários do governo, exceto as despesas com o mercado. Esse novo regime fiscal estabeleceu que:

 

[...] as despesas primárias, a partir de 2018, só poderão ser reajustadas, no máximo, pela inflação do ano anterior, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e, para o ano de 2017, as despesas primárias do exercício de 2016 seriam corrigidas em 7,2%. Entretanto, ficam fora das despesas primárias as despesas com o pagamento de juros, encargos e amortização da dívida; ou seja, para essas despesas não há nenhuma limitação, podendo, é claro, ultrapassar o limite imposto pelo IPCA para as despesas primárias. (AMARAL, 2017, p. 6).

 

Piolli (2018) afirma que ações implementadas pelo governo Temer tinham o objetivo de reafirmar o discurso da falta de recursos para aplicar na educação e a consequência prática é a aceleração de reformas educativas voltadas unicamente para o mercado, e o solapamento de políticas públicas educacionais já estruturadas e aprovadas com a participação da sociedade civil como, por exemplo, o Plano Nacional de Educação (2014-2024).

Assim, os principais             desdobramentos das políticas implementadas no Governo de Michel Temer (2016-2018), sem dúvida, o de maior impacto foi a Emenda Constitucional 95/2016, que estabelece o Teto de Gastos Públicos e reduz paulatinamente o montante de recursos destinados ao financiamento da educação básica pública. Na esteira dessas mudanças, vários programas de apoio às redes públicas de ensino foram abandonados e desarticulados por falta de financiamento do Ministério da Educação. Ademais, evidenciou-se o protagonismo do empresariado nas ações educacionais representado, principalmente, pelo “Movimento Todos pela Educação” e o “Movimento pela Base” e, ainda, as fundações privadas que assumiram a formação de professores no país. Também houve um forte avanço das terceirizações da gestão das escolas e sistemas de ensino e a disseminação do pensamento educacional privado para o sistema de ensino público.

Ainda nesse contexto, explicitava-se, principalmente na esfera parlamentar, o avanço do conservadorismo com ameaças aos princípios da educação presentes na CF de 1988, como laicidade da escola pública, a liberdade de ensino, a pluralidade de ideias e concepções pedagógicas, assim como o banimento da criticidade proposta pelo Projeto “Escola sem Partido” e sua “Lei da Mordaça”.  Um retrocesso democrático se efetivou com o desmonte e descaracterização do Fórum Nacional de Educação e a destituição de Conselheiros do Conselho Nacional de Educação, legitimamente eleitos pelos seus pares para comporem esse órgão tão importante para a democracia.

No tocante ao currículo, foi homologada a Base Nacional Comum Curricular que apresenta o mínimo que deve ser trabalhado e é, sobremaneira, esvaziada de conteúdo e criticidade. Na mesma lógica, e por imposição, via Medida Provisória[5], foi aprovada a Reforma do Ensino Médio, com o currículo empobrecido que evidencia o apartheid socioeducacional. Na visão de Lino e Arruda (2018):

 

Os estudos apontam que “o desmonte da educação pública - marcado pelo forte controle da gestão e do currículo e pela redução de investimentos - atende a um projeto de país e de educação descomprometido com a superação das enormes desigualdades, que se ampliaram após o golpe [...] e submisso aos interesses do grande capital nacional e internacional que destina o país a um papel subalterno na divisão internacional do trabalho. (LINO; ARRUDA, 2018, p. 233)

 

Em síntese, a gestão da educação no governo Temer foi marcada pelo conservadorismo e retrocesso, com forte presença do empresariado, que definiu as bases para o currículo nacional, por meio da BNCC e a contrarreforma do ensino médio, ambas esvaziadas de conteúdo e criticidade. Ademais, a Emenda Constitucional 95/2016 decretou a morte do Plano Nacional de Educação (2014-2024), regulamentado pela Lei 13.005/2014 que, a partir da redução paulatina de investimento e no financiamento do setor, comprometerá a oferta e a qualidade da educação no país. Nesse sentido, para Dourado (2019), a chegada de Michel Temer ao poder em 2016 teve como característica básica a relação e articulação próxima com as demandas do capital. E isso se efetivou pela apropriação do fundo público, em detrimento das garantias sociais estabelecidas na Constituição Federal de 1988. E o modo como o governo Temer agiu para agradar ao mercado com as suas demandas foi “Por meio de emendas à Constituição e reformas, o Executivo e Legislativo, com o apoio de setores dominantes, vai se desvelando um projeto societário excludente, expressão das demandas das classes dirigentes, em sintonia ao movimento global de reestruturação capitalista [...]” (DOURADO, 2019, p. 10).

Enfim, segundo Frigotto (2020, p. 5), o pior legado de Temer foi ter contribuído com a eleição de um bloco de extrema direita para governar o país, “[...] que se pauta pela tríade da estupidez, insensatez e insanidade humana, uma situação em que o presente e o futuro de gerações estão interditados”. Assim, mesmo com toda convulsão social, cortes de direitos, privatização em franca ascensão, em 2018 foi eleito para presidente o candidato Jair Messias Bolsonaro. E, como sinaliza Cohn (2020, p. 153), “A partir de 2019 o jogo endurece. Inicia-se um processo de destruição truculenta do arcabouço social da rede de proteção social [...]”.  Ou seja, todos os cenários de solapamento das políticas públicas educacionais se agravaram consideravelmente com a posse do presidente Jair Bolsonaro. Portanto, a perspectiva que se desenrola é a de verticalização do ideário neoliberal em todas as instâncias do executivo brasileiro.  É o que será discutido na sequência.

 

O governo de Jair Messias Bolsonaro e a desconstrução da educação

 

Em 2019 o presidente Jair Messias Bolsonaro assumiu o poder. Eleito pela coligação formada pelos partidos PSL[6] e PRTB[7], já trazia no slogan da campanha um direcionamento ultraconservador em que dizia “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Foi com esse lema que o então candidato à presidência da República atraiu vários segmentos da sociedade brasileira que clamavam por uma “limpeza” da corrupção em Brasília, além de difundir a mensagem de que a família e os valores cristãos estariam acima de tudo e de todos. Na mesma direção, Musse (2021, p. 503), afirma que “A coalizão eleitoral que elegeu Jair M. Bolsonaro foi composta pelos segmentos mais poderosos da política e da economia brasileiras”. Para esse mesmo autor, a aliança que elegeu Jair Bolsonaro estava assentada em dois pontos de um programa comum: “a) excluir ou tornar inoperante a ação da classe trabalhadora, seus partidos e sindicatos; e b) implantar um novo choque, em registro hard, de neoliberalismo” (MUSSE, 2021, p. 503).

            A chegada de Bolsonaro ao poder tornou todo o processo iniciado pelo governo Temer mais complexo e enrijeceu, de forma mais acirrada, a agenda neoliberal e ultraconservadora. Nesse sentido, Dourado (2019), analisando as primeiras sinalizações e políticas do governo Bolsonaro, afirma que

 

[...] caminham para o aprofundamento das políticas de ajustes neoliberais, incluindo a retomada e aprofundamento da proposta de reforma previdenciária, intensificação do processo de privatização do público, retrocessos nas agendas das políticas públicas e, no campo educacional, por redirecionamento conservador das políticas para a área, pela secundarização do PNE e por expressivos cortes nos orçamentos, com especial destaque para as instituições de educação superior federais e para a educação básica pública, entre outras. (DOURADO, 2019, p. 11).

 

            Assim, a política de desmonte da educação usando o estrangulamento iniciado por Temer com a Emenda Constitucional 95/2016 continua em 2019. Para Carvalho e Santos (2020), todo esse processo de sucateamento e a ênfase em processos que levam em consideração os conceitos de responsabilização e meritocracia, e que desaguam na onda de privatização defendida pelos neoliberais, não são novidades. O que é novo é a velocidade com que todos esses processos têm sido anunciados e implantados. E, como apontado por Harvey (2014), a sociedade é convencida da necessidade e importância do movimento privatista por meio do “senso comum”. Tal movimento é disseminado por meio da propaganda patrocinada pelos empresários e, na maioria das vezes, pelo próprio governo, que tem o objetivo de implantar a narrativa do livre mercado.

De acordo com Abrúcio (2021),

 

O bolsonarismo pode ser caracterizado em sua forma mais sucinta como um ideário cujo maior inimigo é a ordem política montada desde a redemocratização. O presidente Bolsonaro não é só um admirador da ditadura. Seu governo orienta-se, principalmente, pela busca da destruição do modelo político e social inaugurado pela Constituição de 1988. A política educacional é um exemplo paradigmático dessa lógica bolsonarista. Sua proposta para a educação tem como objetivo destruir a agenda, o modelo institucional e a comunidade epistêmica construídos na última década. (ABRÚCIO, 2021, p. 355).

 

Nesse sentido, nos dois primeiros anos de mandato foi intensificada a agenda neoliberal e ultraconservadora, marcada pela amplificação do autoritarismo, o desrespeito às instituições democráticas e abolição de direitos duramente conquistados. De forma sintética, nas palavras de Paulani (2021, p.1), com o advento da pandemia da Covid - 2019, podemos afirmar que esse mandato tem sido caracterizado pelo que a autora denomina de três destruições e o Estado demolido: “Neoliberalismo, fascismo cultural e pandemia sem controle, em síntese, trágica, devastam o país”.

No que se refere à educação, teve o claro propósito de desconstrução da agenda e dos avanços conquistados pela sociedade brasileira na área após a CF de 1988, como educação básica de qualidade como direito de todos e dever do estado; educação infantil como primeira etapa da educação básica; ampliação da obrigatoriedade de 4 a 17 anos; financiamento público para a escola pública e o setor privado sem fins lucrativos em caso de falta de vaga e em caráter transitório; fortalecimento de mecanismos automáticos de transferências de recursos como PNAE, PNATE e complemento ao Fundeb; consolidação dos sistemas municipais de ensino com Conselhos; avanços na equalização das condições de oferta com a política de fundos; dois planos nacionais de educação; PNE 2014-2024, com metas de ampliação; criação do sistema nacional de avaliação e o Custo Aluno Qualidade inicial (CAQi ) e o Custo Aluno Qualidade (CAQ); e a aprovação de 10% do PIB (PINTO, 2021).

 Além disso, no seu “programa” para educação, de forma declarada, anunciava o ideário bolsonarista de controle ideológico das instituições, dos profissionais e dos currículos, assim como a defesa de propostas de militarização de escolas e de homeschooling. Em 40 meses de gestão, quatro ministros da Educação foram nomeados para o cargo: Ricardo Vélez Rodríguez que ficou apenas 4 meses (janeiro a abril 2019); Abraham Weintraub, com um ano e dois meses de atuação (abril de 2019 a junho de 2020); Milton Ribeiro, com um ano e oito meses (julho de 2020 a março de 2022); e, provisoriamente, Victor Godoy ocupa o cargo de ministro. Essas mudanças constantes mostram, desde o início do mandato de Bolsonaro, a falta de política pública educacional com o foco na escola pública. Na avaliação de Abrúcio (2021)

 

Grande parte dessa descontinuidade se deveu a lutas ideológicas internas ao próprio governo, como os conflitos entre olavistas (seguidores do filósofo de extrema direita Olavo de Carvalho), gestores vinculados a militares e outros membros da máquina pública. Entretanto, a instabilidade explica-se mais pela dificuldade de conciliar as duas coisas: o aceno para os valores morais e ideológicos presentes no plano de governo de Bolsonaro e a necessidade de fazer políticas públicas que resolvessem os problemas reais e mais imediatos da política educacional (ABRUCIO, 2021, p. 366)

 

            Ainda na gestão do então ministro Abraham Weintraub, o Ministério da Educação lançou o denominado “Plano Estratégico Institucional” que tinha como finalidade apresentar o Planejamento Estratégico do Ministério da Educação para o período de 2020 a 2023. Segundo o referido documento

 

O Planejamento Estratégico do MEC resultou em um plano contributivo, por meio de debates orientados para a construção ou adequação da estratégia de atuação, promovendo, inicialmente, discussões sobre a situação atual do órgão, a fim de diagnosticar lacunas e oportunidades de melhoria dos resultados institucionais e impactos gerados para a sociedade por meio das ações existentes. (BRASIL, 2020, p. 5).

 

            Apesar de sugerir que esse planejamento tenha se originado de alguma discussão e debates, é nítido que todo o seu arcabouço trata de um documento feito por encomenda sem nenhum embasamento que leve à efetividade de políticas públicas sérias para a educação. Tal conclusão é expressa no próprio documento ao afirmar que “O processo de elaboração do Planejamento Estratégico do Ministério da Educação teve início em outubro de 2019, mediante reunião entre a Secretaria Executiva e a empresa contratada, quando foi apresentada a metodologia e o planejamento do processo” (BRASIL, 2020, p. 8). Ademais, para selecionar os projetos que fariam parte do portfólio, foram considerados como um dos critérios a visibilidade política, apesar de que não é de se admirar a falta de discussão do atual governo com os vários segmentos da sociedade civil e a sua preocupação com a propaganda política rasa, quando não se trata em muitos casos de fake news.

            O portfólio do Planejamento Estratégico é composto por 48 projetos que têm em sua organização o objetivo do projeto, principais entregas, unidade responsável e prazo. Destacaremos os projetos que parecem desconectados com a realidade, e que demonstram terem sido elaborados apenas para compor um documento sem nenhum sentido prático. O primeiro é o projeto “Conta prá mim”, que tem como objetivo “Formação de professores e pais acerca de práticas de alfabetização, entrega de kits de literacia familiar a famílias economicamente vulneráveis, campanhas de orientação e sensibilização de famílias acerca de práticas de literacia familiar” (BRASIL, 2020, p. 39). Trata-se, portanto, de um projeto a ser planejado e pensado pelas escolas, em sentido mais restrito, levando em consideração a realidade local.

            Outros dois projetos como as mesmas características do anterior são “Programa Tempo de Aprender” e “Apoio às Olimpíadas do Conhecimento e Prêmios”. O primeiro tem como objetivo a “Formação continuada de profissionais da alfabetização, apoio pedagógico para a alfabetização, aprimoramento das avaliações da alfabetização e valorização dos profissionais da alfabetização” (BRASIL, 2020, p. 39), e o segundo “Promover ações de valorização dos profissionais do magistério por meio da participação em olimpíadas em diferentes áreas de conhecimento e em prêmios [...]” (BRASIL, 2020, p. 40). Ou seja, tais projetos indicam a falta de uma visão ampla, séria e planejada sobre a educação brasileira de um dos órgãos fundamentais para a promoção da educação pública.

            Outros três projetos merecem destaque, não pela qualidade, e muito menos pelo alcance deles na educação. O primeiro deles é “Educação em Prática” que, de forma vaga estabelece como objetivo o acesso de alunos do 6º ao 9º anos do ensino fundamental e da 1ª a 3ª séries do ensino médio em atividades educacionais relacionadas com a BNCC. O segundo projeto, intitulado “Elaboração do Programa de Melhoria à Qualidade do Ensino Fundamental”, é ainda mais vago pois simplesmente estabelece como diretriz o apoio de ações de melhoria na “educação[8]” fundamental. E, finalmente, o projeto denominado “Forma Brasil Gestão”, que se propõe a formar gestores para a oferta de uma educação de qualidade.

            Aliás, nesse mesmo portfólio aparece o delineamento com a agenda assumida pelo governo Bolsonaro, que está relacionado com a implementação do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares[9] (Pecim) que, segundo o MEC tem o objetivo de “[...] contribuir para a melhoria da qualidade da Educação Básica, por meio de um modelo de excelência de gestão, proposto pelo MEC, baseado nos Colégios Militares [...] das escolas públicas em vulnerabilidade social que aderirem ao modelo” (BRASIL, 2020, p. 42). Como apontam Carvalho e Santos (2020, p. 13), as escolas cívico-militares “[...] visam fomentar, acompanhar e avaliar a ampliação de escolas e modelos de gestão compartilhada entre as Secretarias de Educação, o Exército, as polícias militares (PM) e o Corpo de Bombeiros”. Segundo o governo, essas escolas têm a finalidade de melhorar a qualidade do ensino fundamental e médio, tendo como pressuposto o argumento de combater a violência dentro dos ambientes escolares. Em síntese, tais projetos corroboram com o pressuposto da falta de uma política pública educacional por parte do MEC, ou com o que poderíamos chamar de “visão distópica da realidade”.

            Outro campo de atuação do governo Bolsonaro é a educação domiciliar. Ao analisar essa agenda educacional, Taffarel e Neves (2019) argumentam que na base dessa discussão do governo, cujo objetivo é dar “liberdade aos pais”, estão as grandes empresas e os grupos editoriais que, obviamente estão de olho no mercado que será criado com a aprovação do homeschooling[10]. E as mesmas autoras afirmam que esse “[...] é um projeto obscurantista que visa retirar do Estado sua responsabilidade com a garantia do direito à educação e mais um instrumento de privatização da educação com acirramento das práticas neoliberais” (TAFFAREL; NEVES, 2019, p. 325).

            Em relação ao financiamento da educação, para o atual governo existem muitos recursos disponibilizados e o que falta é a efetiva utilização desses recursos no sentido de apresentar resultados positivos para a sociedade. Tal discurso é próprio dos governos neoliberais que, ao restringir o aporte financeiro para as redes e a execução das políticas públicas, culpabilizam os estudantes, os professores e os gestores das escolas, pelo fracasso do sistema. É o que o presidente Jair Bolsonaro pregava no seu programa de governo e colocou em prática assim que tomou posse.

 

Na Educação, assim como na Saúde, os números levam à conclusão que as crianças e os jovens brasileiros deveriam ter um desempenho escolar muito melhor, tendo em vista o montante de recursos gastos. Os valores, tanto em termos relativos como em termos absolutos, são incompatíveis com nosso péssimo desempenho educacional. (PROPOSTA DE PLANO DE GOVERNO, 2018, on-line).

 

            Entretanto, na contramão do que afirma o atual governo, o Anuário Brasileiro da Educação Básica (2021) afirma que

 

[...] o valor absoluto por aluno na Educação Básica brasileira ainda é consideravelmente inferior ao observado nos melhores sistemas educacionais do mundo. O gasto anual por aluno da rede pública na média dos países da OCDE, na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, é 2,3 vezes maior do que o gasto médio por aluno da rede pública no Brasil, nessas etapas. A diferença é de quase cinco mil dólares por ano. (ANUÁRIO BRASILEIRO DA EDUCAÇÃO BÁSICA, 2021, p. 120).

 

            E, de forma efetiva, em 2020 observa-se o menor valor em termos reais de investimento em educação sob o governo Bolsonaro. Nesse período estavam empenhados no orçamento do MEC R$ 137,7 bilhões de reais, mas apenas 116,6 bilhões foram efetivamente executados. (ANUÁRIO BRASILEIRO DA EDUCAÇÃO BÁSICA, 2021). Isso significa que mesmo em plena pandemia, o governo Federal reduziu as suas despesas em educação, o que atinge em cheio os mais vulneráveis.

            Tais estratégias mostram que há um projeto de sucateamento da educação que Freitas (2018) indica como um primeiro passo para a entrega da educação pública aos privatistas. Além disso, o objetivo de grupos como os que apoiam o governo Bolsonaro “[...] é a retirada da educação do âmbito do ‘direito social’ e sua inserção como ‘serviço’ no interior do livre mercado, coerentemente com sua concepção de sociedade e de Estado” (FREITAS, 2018, p. 42). Ademais, Taffarel e Naves (2019, p. 310) postulam que “Em sendo um serviço, a lógica do governo Bolsonaro é que os serviços devem ser prestados pelo setor privado, o que implica a diminuição ou retirada da participação do Estado como prestador de serviço”.

            Para Dourado (2019), o atual governo vai na contramão dos direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal de 1988 e impõe uma série de medidas que buscam sufocar os estados, distrito federal e os municípios. Essas ações podem ser vistas

 

[...] na ação centralizada da União na contramão da função redistributiva e supletiva, mediante assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, explicitada pelos cortes efetivados pela União dos recursos a serem repassados para a educação básica; discussões, sob a égide fiscal, da necessidade de ruptura com a vinculação constitucional de recursos para a educação (proposta que já se apresentava no projeto Uma ponte para o Futuro); a secundarização do PNE, de suas diretrizes, metas e estratégias, a redução dos recursos para a educação e os efeitos da políticas em curso complementadas pelos efeitos da EC nº 95/2016. (DOURADO, 2019, p. 15).

 

            Portanto, com todo o cenário descortinado, é possível identificar um governo totalmente alheio aos direitos sociais conquistados na CF/88. No que diz respeito ao direito à educação, a omissão se escancara, ao transferir para o mercado não somente os serviços educacionais mas, sobretudo, a definição das políticas públicas educacionais. É o próprio mercado legislando e estabelecendo diretrizes em um campo em que os seus agentes atuam. Para além dessas questões, é possível vislumbrar no atual governo uma completa falta de direção e convergência das ações, uma vez que existe a disputa entre três círculos que orbitam o presidente Bolsonaro: os neoliberais, os militares e os neoconservadores.

 

Considerações Finais

 

Ante o exposto até aqui, vislumbra-se um recrudescimento das condições sociais, políticas e econômicas do Brasil, a partir de 2016 com a chegada de Michel Temer ao poder. Isso significa que as condições inauguradas, sobretudo nos governos de FHC quando o ideário neoliberal aportou no Brasil, tornaram-se obsessão pós-golpe deflagrado contra a presidente Dilma Rousseff. Os encaminhamentos e decisões de Temer foram fundamentais para levar o país novamente para o mapa da fome, destruição de conquistas duramente conseguidas na CF/88, limitação de gastos com a EC 95/2016, conhecida como “PEC da morte” e que culminou em um verdadeiro sucateamento do estado de bem-estar social. E, nesse arcabouço de destruição, a educação foi atingida em cheio, não só com a limitação de recursos mas, sobretudo, com a sua mercadorização e financeirização.

Mesmo com todo o cenário de desmonte das políticas sociais, em 2018 foi eleito o então candidato à presidência da República, Jair Messias Bolsonaro. Entra em cena não apenas o desprezo pelas condições mínimas de sobrevivência da população, mas o próprio desprezo pela vida. As atitudes tomadas por Jair Bolsonaro, desde a sua posse, estão pautadas em uma cruzada contra o marxismo cultural, expurgo das ideias de Paulo Freire. Enquanto isso, há um verdadeiro desmonte contra as políticas sociais iniciadas no governo Temer e, em especial, as políticas educacionais. Após quatro ministros da educação na gestão do MEC no governo Bolsonaro, a percepção é de completa terra arrasada em uma área fundamental para a população brasileira, principalmente os mais vulneráveis.

Enfim, nos últimos seis anos estamos vivendo no Brasil uma verdadeira demolição da educação. Pouca coisa restará após o fim do governo de Jair Bolsonaro. São tempos sombrios que requerem vigilância constante da sociedade civil organizada, e a proposição de alternativas que apontem para um novo caminho que leve em consideração os aspectos políticos, econômicos e sociais que foram devastados nesse período.

 

Referências:

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Notas

 



1Em 17 de abril de 2016, a Câmara dos Deputados aprovou o afastamento provisório de Dilma com 367 votos favoráveis contra 137 votos contra o início do processo do impeachment. O golpe final foi dado em votação pelo Senado quando a presidenta Dilma foi destituída do cargo por 61 votos a favor do seu impeachment contra 20 votos pela derrubada do processo. Assim, em 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff foi destituída do cargo.

 

[2]As políticas sociais – e a educação – se situam no interior de um tipo particular de Estado. São formas de interferência do Estado, visando a manutenção das relações sociais de determinada formação social. Portanto, assumem “feições” diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepções de Estado. É impossível pensar Estado fora de um projeto político e de uma teoria social para a sociedade como um todo. (HÖFLING, 2001, p. 32).

 

[3]Na convenção do partido em 19 de dezembro de 2017, foi alterado o nome da legenda para Movimento Democrático Brasileiro – MDB.

 

[4]Com o objetivo de instituir um Novo Regime Fiscal (NRF) no país, o governo Temer enviou para o Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional de número 241 para a Câmara dos Deputados e 55 para o Senado Federal que, após discussões e votações, se transformaram na EC 95, aprovada em 15 de dezembro de 2016.

 

[5]Medida Provisória 746/2016, convertida na Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017.

 

[6]Partido Social Liberal.

 

[7]Partido Renovador Trabalhista Brasileiro.

 

[8] No documento oficial aparece “educação fundamental” quando o correto seria “ensino fundamental”. (BRASIL, 2020, p. 42).

 

[9] Programa regulamentado pelo Decreto nº 10.004 de 05/09/2019.

 

[10]“A denominada homeschooling ou educação no lar, ou mesmo educação doméstica, é um movimento por meio do qual pais de família, alegando insatisfação com a educação escolar ofertada nos estabelecimentos públicos ou privados, pleiteiam transmissão dos conhecimentos a ser dada em casa” (CURY, 2019, p. 2).

 

 

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