Violências que precarizam as infâncias: a negação dos direitos de provisão no cotidiano de meninas e adolescentes institucionalizadas

Violence that makes childhood precarious: the denial of the rights of provision in the daily lives of institutionalized girls and adolescents

Violencia que precariza la infancia: la negación de derechos de provisión en el cotidiano de niñas y adolescentes institucionalizadas

 

Eduardo Felipe Hennerich Pacheco

Secretaria Municipal de Educação de Araucária, Araucária, PR, Brasil

eduardo.pva@hotmail.com

 

Recebido em 25 de abril de 2022

Aprovado em 26 de maio de 2023

Publicado em 06 de setembro de 2023

 

RESUMO

Milhares de crianças e adolescentes sofrem os constrangimentos e limitações da não garantia dos direitos previstos na Convenção Internacional dos Direitos da Criança (ONU, 1989). Apesar de ser o tratado de direitos humanos com maior ratificação entre os países, a infância cotidianamente tem seus direitos negados e violados, fato esse que se agrava em situações em que crianças e adolescentes vivenciam a pobreza infantil. Partindo desses pressupostos, este texto tem por objetivo elucidar como se materializa a negação dos direitos de provisão no cotidiano de meninas e adolescentes em situação de pobreza infantil.O método qualitativo de pesquisa em educação, com aportes da cartografia deleuze-guattariana foram utilizados no percurso investigativo. Os dados em análise foram cartografados a partir da escuta, via entrevistas individuais, de 24 meninas e adolescentes, 13 mães e/ou responsáveis legais e 22 membros da equipe multidisciplinar de uma instituição não governamental e sem fins lucrativos, localizada na cidade da Guatemala, que acolhe, abriga e resgata meninas, de 12 a 18 anos de idade, vítimas de múltiplas violências e em risco de violações de seus direitos. Os resultados apontam para uma interseccionalidade de violências experienciadas nos cotidianos de meninas e adolescentes institucionalizadas, que são causadas e/ou potencializadas, quando seus direitos são negados. Todavia, subalternidade e resistência coabitam; isto é, onde a não garantia dos direitos de provisão e as violências atuam a resistência floresce.

Palavras-chave: Direitos de provisão; Pobreza infantil; Violências.

 

ABSTRACT

Thousands of children and adolescents suffer the constraints and limitations of not guaranteeing the rights provided for in the International Convention on the Rights of the Child (UN, 1989). Despite being the most ratified human rights treaty among countries, children's rights are daily denied and violated, a fact that worsens in situations where children and adolescents experience child poverty. Based on these assumptions, this text aims to elucidate how the denial of provision rights is materialized in the daily lives of girls and adolescents in child poverty. The qualitative method of research in education, with contributions from the Deleuze-Guattarian cartography, were used in the investigative path. The data under analysis were mapped from the listening, via individual interviews, of 24 girls and adolescents, 13 mothers and/or legal guardians and 22 members of the multidisciplinary team of a non-governmental and non-profit institution located in Guatemala City, that welcomes, shelters and rescues girls, from 12 to 18 years old, victims of multiple violence and at risk of violations of their rights. The results point to an intersectionality of violence experienced in the daily lives of institutionalized girls and adolescents, which are caused and/or potentiated when their rights are denied. However, subalternity and resistance cohabit; that is, where the non-guarantee of the rights of provision and violence act, resistance flourishes.

Keywords: Provision rights; Child poverty; Violence.

 

RESUMEN

Miles de niños y adolescentes sufren los condicionantes y limitaciones de no garantizar los derechos previstos en la Convención Internacional sobre los Derechos Del Niño (ONU, 1989). Apesar de ser el tratado de derechos humanos más ratificado entre los países, los derechos de la niñez son negados y violados diariamente, hecho que se agrava en situaciones donde niños y adolescentes viven en pobreza infantil. A partir de estos supuestos, este texto pretende dilucidar cómo la negación de derechos de provisión se materializa en el cotidiano de niñas y adolescentes en situación de pobreza infantil. En el recorrido investigativo se utilizo el método cualitativo de investigación en educación, con aportes de la cartografia deleuze-guattariana. Los datos bajo análisis fueron mapeados a partir de la escucha, vía entrevistas individuales, de 24 niñas y adolescentes, 13 madres y/o tutores legales y 22 miembros del equipo multidisciplinario de una institución no gubernamental y sin fines de lucro, ubicada en la ciudad de Guatemala, que acoge y rescata a niñas, de 12 a 18 años, víctimas de violência múltiple y en riesgo de vulneración de sus derechos. Los resultados apuntan a una interseccionalidad de la violencia vivida en la vida cotidiana de niñas y adolescentes institucionalizadas, que se provoca y/o potencia cuando se les niegan sus derechos. Sin embargo, subalternidad y resistencia cohabitan; es decir, donde actúan la no garantía de provisión de derechos y la violencia, florece la resistencia.

Palabras clave: Derechos de provisión; Pobreza infantil; Violencia.

 

Introdução

O estudo destaca a interseccionalidade das violências sobre crianças e adolescentes que resultam em exploração e manutenção da pobreza infantil. A pobreza infantil, produzida e perpetuada por uma multiplicidade de fatores estruturais, políticos, socioeconômicos, geracionais entre outros, é reforçada e mantida pelos pressupostos do colonialismo, situações essas que violam os direitos da infância.

Nesse sentido, crianças e adolescentes em situação de pobreza infantil sofrem os riscos das violências, enfrentando diariamente as limitações e constrangimentos da violação de direitos que se apresentam de modo multifacetado em seus espaços cotidianos. A pobreza infantil a qual estão subjugados, caracteriza-se pela precarização das condições de vida, que não garantem os direitos de provisão, previstos na Convenção Internacional dos Direitos da Criança - CDC (ONU, 1989). A falta de conscientização dos sujeitos, em termos de conhecimentos, valores e ações capazes de garantir os direitos da infância repercutem sobre as discriminações e processos que (re)produzem as desigualdades e a exclusão, que também está no âmago da questão da pobreza.

Assim, problematizamos os efeitos das violências vivenciadas por crianças e adolescentes em situação de pobreza infantil. A reflexão considera os contextos nos quais os Direitos Humanos são constantemente violados e não garantidos, mediante a visibilidade das falas de crianças e adolescentes em situação de pobreza infantil.

Nesse processo de visibilidade, foram entrevistadas24 meninas e adolescentes (CA)com idades entre 12 e 18 anos, em situação de institucionalização devido a violências vivenciadas em seus cotidianos, 13 mães e/ou responsáveis legais (MR) e 22 membros da equipe multidisciplinar (EM) atuante em uma instituição localizada na Cidade da Guatemala, que acolhe e atende meninas e adolescentes vítimas de violências, abusos, tráfico e exploração sexual.

Tal investigação foi possível através de um acordo de cooperação firmado entre o Instituto Interamericano da Criança e Adolescente (IIN), pertencente à Organização dos Estados Americanos (OEA), a Fundação Marista de Solidariedade Internacional (FMSI) e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Esse acordo teve por objetivo analisar as contribuições de programas desenvolvidos na órbita estatal e da sociedade civil, em diferentes países da América Latina, na prevenção e erradicação das violências nos espaços cotidianos das infâncias, atuando na garantia e proteção dos direitos de crianças e adolescentes (EYNG, 2019).

Através desta rede colaborativa, foram coletados dados em seis diferentes programas sociais em quatro diferentes países da América-Latina (Brasil, México, Chile e Guatemala). Os critérios de inclusão dos programas participantes foram: 1) vinculação do programa com políticas de garantia e proteção aos direitos de crianças e adolescentes; 2) atendimento de grupos de crianças e adolescentes em situações e/ou riscos de sofrer violências e violações de direitos; 3) ter consolidação e repercussão na comunidade atuante; e 4) possuir um número significativo de participantes com idades entre 10 e 18 anos (EYNG, 2019).

Outros fatores, como viabilidade de esculta dos três grupos de sujeitos (crianças e adolescentes, mães/pais/responsáveis legais e equipe multidisciplinar atuante nas instituições), autorização das instituições e equipe e demais especificidades (que foram se ajustando conforme a pesquisa tinha andamento), foram levadas em conta.

Em relação aos cuidados éticos da pesquisa, seguimos as recomendações de Bogdan e Biklen (1994) e os seguintes princípios foram adotados:

1. As identidades dos sujeitos devem ser protegidas, para que a informação que o investigador recolhe não possa causar-lhes qualquer tipo de transtorno ou prejuízo. O anonimato deve contemplar nãosó o material escrito, mas também os relatos verbais da informação recolhida durante as observações. O investigador não deve revelar a terceiros informações sobre os seus sujeitos e deve ter particular cuidado para que a informação que partilha no local da investigação não venha a ser utilizada de forma política ou pessoal.

2. Os sujeitos devem ser tratados respeitosamente e de modo a obter a sua cooperação na investigação. Ainda que alguns autores defendam o uso da investigação dissimulada, verifica-se consenso relativo a que na maioria das circunstâncias os sujeitos devem ser informados sobre os objetivos da investigação e o seu consentimento obtido. Os investigadores não devem mentir aos sujeitos nem registrar conversas ou imagens com gravadores escondidos.

3. Ao negociar a autorização para efetuar um estudo, o investigador deve ser claro e explícito com todos os intervenientes relativamente aos termos do acordo e deve respeitá-lo até à conclusão do estudo. Se aceitar fazer algo como moeda de troca pela autorização, deve manter a sua palavra. Se concordar em não publicar os seus resultados, deve igualmente manter a palavra dada. Dado que os investigadores levam a sério as promessas que fazem, deve-se ser realista nas negociações.

4. [Ser] autêntico quando escrever os resultados. Ainda que as conclusões a que chega possam, por razões ideológicas, não lhe agradar, e se possam verificar pressões por parte de terceiros para apresentar alguns resultados que os dados não contemplam, a característica mais importante de um investigador deve ser a sua devoção e fidelidade aos dados que obtém. Confeccionar ou distorcer dados constitui o pecado mortal de um cientista (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 77).

Dessa maneira, partindo dessas considerações éticas apontadas por Bogdan e Biklen (1994), desde a elaboração do projeto de pesquisa até a execução do processo empírico que resultou na análise dos dados, a opção foi em realizar uma pesquisa do tipo qualitativa, pois nosso objetivo era desenvolver “[...] uma ciência social comprometida com questões de justiça social, equidade, não violência, paz e direitos humanos universais” (DENZIN; LINCOLN, 2011, p. 11).

Assim, o estudo contou com as seguintes etapas: 1º) Elaboração do projeto de pesquisa que incluiu, revisão bibliográfica e documental pertinente, acerca da temática, elaboração dos instrumentos de pesquisa, definição dos critérios de inclusão dos participantes e instituições educacionais; 2º) submissão do projeto no comitê de ética, que após aprovado emitiu o parecer favorável sob o número de 2.002.0931; 3º) Observação in loco, entrevistas individuais com as crianças e adolescentes, as mães/responsáveis e com a equipe multidisciplinar da instituição; 4º) Sistematização, conforme a análise de conteúdo (BARDIN, 2015), digitalização e transcrição das entrevistas; 5º) Inserção dos dados no software de pesquisa qualitativa Sphinx Léxica, que permitiu a elaboração de tabelas, gráficos e análises; 6º) Revisão e checagem minuciosa dos dados gerados; 7º) Análise dos dados, elaboração do texto presente, em uma perspectiva rizomática deleuze-guattariana (DELEUZE; GUATTARI, 2011).

Violências sobre a infância

A violência é um conceito amplo, complexo e polissêmico. Exatamente por sua complexidade, temos que falar em violências no plural, e não em violência no singular. Apesar de sua complexidade, é consenso entre os(as) estudiosos(as) da temática que as violências se referem às situações de conflitos sociais, abusos e assujeitamentos presentes em toda e qualquer sociedade. De tal modo, é um problema social, estruturante e estrutural, que “[...] é exercida, sobretudo, enquanto processo social” (MINAYO; SOUZA, 1997/1998, p. 520). Estima-se, segundo dados do “Relatório mundial sobre a prevenção da violência”, de 2014, que

 

[...] anualmente mais de 1,3 milhão de mortes em consequência da violência, em todas as suas formas – autodirecionada, interpessoal e coletiva –, o que corresponde a 2,5% da mortalidade global. Para indivíduos entre 15 e 44 anos de idade, a violência é a quarta principal causa de morte em todo o mundo. Além disso, todos os dias dezenas de milhares de indivíduos são vítimas de violência não fatal. Entre eles estão vítimas de agressões que resultam em ferimentos físicos, exigindo tratamento em centros de atendimento emergencial, e pessoas que sofrem outros tipos de abusos físicos, sexuais e psicológicos, mas que podem não comunicar esses fatos a equipes de saúde e a outras autoridades (OMS, 2014).

 

Nesse entendimento, no qual a violência deve ser encarada como um problema social, histórico, político e cultural, as ciências sociais nos auxiliam na compreensão da violência como:

a)fenômeno histórico: passível de exame quantitativo e qualitativo de suas formas, estruturas, ocorrências etc. e que deve ser analisada a partir dos “[...] marcos de relações socioeconômicas, políticas e culturais específicas, cabendo diferenciá-la, no tempo e no espaço, e por tipos de autor, vítima, local e tecnologia” (MINAYO; SOUZA, 1997/1998, p. 522); e

b)estruturas de dominação: classe, raça/etnia, gênero, geração, nacionalidade e demais marcadores identitários surgem “[...] como expressão de contradições entre os que querem manter privilégios e os que se rebelam contra a opressão” (MINAYO; SOUZA, 1997/1998, p. 522). Nesse jogo de poder que resulta em violências, várias frentes atuam para “manter” tais estruturas como por exemplo: a instituições, ideologias, cultura, o Estado, religião etc.

Neste estudo, nosso recorte quer evidenciar as violências que atuam sobre a infância, violências essas que têm profundas raízes nos processos coloniais (RIZZINI; PILOTTI, 2009); ou seja, “[...] é a profunda desigualdade da sociedade contemporânea” produzida/reproduzida e potencializada por processos coloniais2, “[...] que produz a situação da infância. É, portanto, a condição estrutural da infância, no quadro do sistema social, o que importa analisar e mudar” (SARMENTO, 2002, p. 266). Tal violência é compreendida, aqui, como “[...] todo ato ou omissão cometidos por pais, parentes, outras pessoas e instituições, capazes de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima”, e implica, sobretudo, “[...] numa transgressão no poder/dever de proteção do adulto e da sociedade em geral” bem como “numa coisificação da infância. Isto é, numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condições especiais de crescimento e desenvolvimento” (MINAYO, 2001, p. 92) integral.

Como nosso objetivo de pesquisa não é confabular com conceitos elaborados e prontos, visto que o próprio método cartográfico(DELEUZE; GUATTARI, 2011) sugere o pesquisar-pesquisando, queremos compreender o fenômeno da violência na infância a partir das próprias percepções dos sujeitos entrevistados. Para tanto, elaboramos um quadro de tais percepções, no qual categorizamos, por expressões recorrentes, as condições de vida de crianças e adolescentes na contemporaneidade. Podemos observar tais categorias no Quadro 1.

 

Quadro 1 – Percepção das condições de vida de crianças e adolescentes

Interlocutoras(es)

Categorias recorrentes

 

Meninas e adolescentes

Crianças e adolescentes em situação de rua (trabalhando/fugidas de casa/sem lar); Não acesso à educação; Pobreza; Violações, Maus-tratos; Falta de trabalho na família; Abandono; Desconhecimento.

Mães/responsáveis

Maus-tratos/violações; Crianças e adolescentes nas ruas; Trabalho infantil; Falta de estudo; Desobediência.

 

Equipe Multidisciplinar

Cultural; Econômica; Política/Estado; Drogas; Institucionalização; Violações; Não acesso à educação; Trabalho infantil; Meios de comunicação.

   Fonte: dados da pesquisa empírica (2022).

No Quadro 1, foi categorizada por recorrência a percepção que as adolescentes, mães/responsáveis e equipe multidisciplinar tinham, naquele momento, acerca das condições da infância e adolescência na contemporaneidade. Tal organização nos permitiu reconstruir o “[...] pensamento coletivo como produto científico” (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2014, p. 504) e nos revelou que tais categorias são e estão associadas aos “[...] conteúdos das opiniões de sentido semelhante presentes em diferentes depoimentos, de modo a formar com tais conteúdos um depoimento síntese” (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2014, p. 503).

Podemos notar que tais percepções expressam que inúmeros são os fatores de violência incidentes sobre a infância e adolescência. As categorias, que são recorrentes em várias percepções, dizem respeito a situações, que interseccionam fatores culturais (falta de consciência dos pais/mães/responsáveis legais, concepções adultocêntricas que concebem a infância como propriedade), econômicos (falta de recursos) e políticos (corrupção e falta de políticas de proteção à infância).

Esse “triângulo da violência” (GALTUNG, 1990) se materializa de forma direta e visível em suas vidas, principalmente em situações de consumo de drogas, explorações, roubos, mortes, trabalho infantil, não acesso à educação, maus-tratos e violências domésticas, falta de moradia digna e alimentação adequada, abandono parental e demais situações recorrentes da extrema pobreza. De forma “[...] indireta, resultante da desigual distribuição de poder, e tem na repressão e na exploração, ou na injustiça social, as suas expressões concretas” (MOURA, 2010, p. 20).

As percepções, em suas expressões recorrentes, também indicam que as violências vivenciadas pela infância são violências estruturais. Na perspectiva de Minayo (2001, p. 93), a violência estrutural refere-se àquele tipo de violência “[...] que incide sobre a condição de vida das crianças e adolescentes, a partir de decisões histórico-econômicas e sociais, tornando vulnerável seu crescimento e desenvolvimento”. Tal violência, que se apresenta de forma perene e, por isso mesmo, muito naturalizada para os indivíduos, materializa-se, particularmente, em situações em que as crianças e adolescentes se veem em situação de rua, no trabalho infantil e em sua institucionalização.

A situação de rua, o trabalho infantil e a institucionalização, realidades vivenciadas pela infância aqui investigada, é algo recorrente em toda a América Latina, como diferentes estudos e relatórios indicam (Cf. EYNG, 2019; PACHECO; EYNG, 2022; OMS, 2014; UNICEF, 2016; 2019). Para Minayo (2001, p. 94), as causas de ocorrência de tal fenômeno são, principalmente, “[...] a miséria e absoluta falta de condições familiares para sua subsistência” e “[...] os conflitos familiares”. Na interpretação das meninas e adolescentes, estar na rua não representa uma opção de escolha. Ao contrário, evoca as situações, às quais são submetidas, como violências, fuga e falta de oportunidades. Já nas percepções dos familiares, estar na rua é uma escolha das meninas e adolescentes e se torna um fator de violência, porque desrespeita a autoridade dos(as) responsáveis. O respeito assume um antagonismo nas percepções, enquanto, para as crianças e adolescentes entrevistadas, um fator de violência é o fato de não serem respeitadas em suas individualidades e decisões; ou seja, não serem ouvidas e poderem expressar suas opiniões a respeito de suas vidas. Para os familiares, o respeito evoca a autoridade e a obediência que as filhas deveriam ter para com elas(es).

O entendimento de violências via meios de comunicação reflete na percepção da equipe multidisciplinar, sobretudo na alienação e no impacto que os meios digitais e seus recursos (smartphone, internet, redes sociais etc.) exercem nas vidas das crianças e adolescentes. Sobre essa problemática, Ulla Carlsson e Cecilia Von Feilitzen (1999) organizaram um interessante estudo sobre “A criança e a violência na mídia”. Tal estudo, apesar de datado, analisa o impacto que a mídia exerce na banalização da violência e na criação de estereótipos, notadamente no que se refere a marcações identitárias étnico-raciais, de gênero e de classe. Além disso, sabe-se que as redes sociais influenciam para um consumo de produtos que a infância em situação de pobreza dificilmente terá acesso, fator que dá visibilidade a outra faceta do capitalismo e de suas inúmeras máquinas abstratas (DELEUZE; GUATTARI, 1996), que, nesse nível, “[...] não atua mais sobre o corpo diretamente, mas sobre o desejo”; isto é, o capitalismo passa a atuar e produzir “[...] desejo e o vende sob a forma de modo de vida” (VIESENTEINER, 2009, p. 291).

Sobre a questão/problema do mercado de produtos/consumo/desejos para a infância, Sarmento (2002, p. 272) comenta que tal mecanismo é constituído, principalmente, de

 

[...] (jogos, roupas, ténis e sapatos, vídeos, produtos informáticos, livros, serviços dos mais diversos, parques temáticos, rotas de turismo infanto-juvenil, guloseimas etc.) para além dos efeitos que produz na uniformização de gostos e estilos de comportamento e de vida, gera, pelos custos que a obtenção desses produtos implica nas famílias e pela apetência gerada pelo marketing e publicidade, novas estratificações, sendo as crianças pobres remetidas para a condição de exclusão perante os seus pares, por menor acesso ao consumo. As desigualdades tendem, deste modo, a ser constituídas nas relações de pares, pela perversidade do fetichismo da mercadoria e pela inculcação dos valores do mercado nas gerações mais jovens.

 

Dando atenção à problemática da mídia, retomamos as questões de raça e de gênero. Não raras vezes, deparamo-nos com a racialização dos corpos não brancos em situação de subempregos nas novelas/séries/filmes ou como criminosos(as) nos telejornais. Já no quesito gênero, é fato que “[...] as mulheres são, predominantemente, invisíveis nos noticiários políticos”, e quando possuem visibilidade, “[...] na mídia noticiosa é concentrada em algumas poucas mulheres e produzida por filtros que reafirmam, de múltiplas maneiras, as separações tradicionais que associam as mulheres à esfera doméstica e íntima, à emotividade e ao corpo” (BIROLI, 2010, p. 46). Tais estereótipos raciais e de gênero, que permeiam os meios de comunicação e afetam as narrativas identitárias da infância, “[...] devem ser entendidos como produtos de uma dinâmica social complexa, que envolve a determinação de papéis diferenciados, e hierarquicamente distintos, para homens e mulheres” (BIROLI, 2010, p. 47), brancos e não brancos.

Além disso, a mídia desempenha um papel primordial nesse processo de erotização de corpos infantis. Jane Felipe (2006) discute essa problemática a partir do conceito de pedofilização e como ele expõe a rapinagem exercida sobre as identidades e corpos infantis. Para a autora, é necessário

 

[...] pontuar as contradições existentes na sociedade atual, que busca criar leis e sistemas de proteção à infância e adolescência contra a violência/abuso sexual, mas ao mesmo tempo legitima determinadas práticas sociais contemporâneas, seja através da mídia-publicidade, novelas, programas humorísticos –, seja por intermédio de músicas, filmes etc., onde os corpos infanto-juvenis são acionados de forma extremamente sedutora (FELIPE, 2006, p. 216).

 

A exposição elaborada por Felipe (2006) evoca para a discussão a gama de artefatos culturais, que incentivam a erotização dos corpos infantis, em especial os corpos femininos e/ou feminizados, que os tornam produtos “desejáveis”, movimento que influencia na construção identitária das crianças e adolescentes e potencializam as violências/abusos por elas sofridas.

O não acesso à educação, outra negação de direito recorrente nas falas, além de reforçar a histórica negação desse direito, mostra-se como estratégia de mudança de realidade. Ou seja, é consciente em suas falas que uma possibilidade de traçar linhas de fuga, que rompam as estruturas que as posicionam em subalternidade, é via educação. O acesso desigual que privilegia o masculino, presente em diversas falas das meninas e adolescentes, também denuncia que a não garantia de direitos e as violências são estritamente atravessadas pelas marcações de gênero.

A multiplicidade de percepções sobre as condições da vida de crianças e adolescentes na atualidade demonstra que esse fenômeno social só pode ser compreendido de forma interseccional, pois, como nos recorda Sarmento (2002, p. 268),

[...] conhecer as crianças impõe, por suposto, conhecer a infância. Isto vale por dizer que os itinerários individuais, privados e singulares de cada criança só fazem completo sentido se perspectivados à luz das condições estruturais que constrangem e condicionam cada existência humana. Essas condições, relativamente a cada categoria geracional, constituem o pano de fundo sobre o qual intervém cada um dos atores, ou, dito de modo mais rigoroso, exprimem o conjunto de constrangimentos estruturais que cada membro da sociedade continuamente sofre, interpreta, reproduz e refaz na sua interação com os outros.

 

Dessa maneira, concentrar-nos-emos a seguir na incidência de violências sobre as crianças e adolescentes deste estudo.

 

Violências que incidem na garantia dos direitos de provisãode crianças e adolescentes

Os direitos de provisão compreendem os direitos relativos ao acesso à saúde, alimentação adequada, informação, segurança social, moradia digna e vestuário e ao acesso e permanência à educação, que seja gratuita, de qualidade e tenha relevância social.

No cotidiano das meninas e adolescentes que fizeram parte da pesquisa empírica e de seus familiares, a negação desse direito se traduz na ausência de atendimento adequado a um sistema de saúde, gratuito e de qualidade, que inclui, mas não se limita, ao acesso a medicamentos, vacinas e “[...] cuidados preventivos de saúde e do tratamento médico, psicológico e funcional das crianças” (ONU, 1989) e uma conscientização das capacidades coletivas e individuais do cuidar e do autocuidado. Para Bastos et al. (2008), a dimensão do acesso à saúde relaciona-se

[...] com o bem-estar da criança ao nível físico e psicológico e por isso indispensável enquanto elemento de aferição das suas condições de vida. A saúde das crianças de meios mais desfavorecidos apresenta geralmente debilidades, resultantes das condições de gestação, da alimentação, do desenvolvimento cognitivo e do acompanhamento médico. As interações estabelecidas com as restantes dimensões não são lineares e podem atenuar ou acentuar as carências nesta área (BASTOS et al., 2008, p. 13).

A falta de um acompanhamento adequado de saúde, que as crianças e adolescentes vivenciam, além de evidenciarem que “[...] as oportunidades de vida de crianças pobres e excluídas são frequentemente moldadas por iniquidades” (UNICEF, 2016, p. 1), também impede que as violências sexuais sofridas pela infância sejam observadas, como, por exemplo, na situação da CA 4, que, quando questionada acerca dos motivos que a levaram a institucionalização, relatou3:

 

[...] los policías me trajeran aquí, el ministerio público dice que teñun hogar con una casa segura para me proteger. Yo veni por un motivo, yo fue violada por mi tío, hermano de abuelo, tío-abuelo, por este motivo yo vengo a este hogar, yo estaba en casa e como nunca apunta mi panza nunca se enteraran mis papas, e mi tío mando alguien me violar también, no se porque será, e uno día que estaba con dolor e mi papa pienso que era algo mal e fue a lo hospital, llegando al hospital me dijeron que estaba embarazada (CA 4).

 

A fala impactante da CA 4 acerca do desconhecimento dos abusos sofridos e da gravidez, tanto em nível individual como familiar, poderia não ser a realidade da vida de centenas de milhares de crianças e adolescentes se elas tivessem garantido o direito à saúde. No caso da gestação na adolescência, em decorrência ou não de abusos sofridos, realidade vivenciada por várias meninas e adolescentes institucionalizadas, e que tem diversas consequências na vida de crianças e adolescentes, como uma vasta literatura evidencia (ROMARO; CAPITÃO, 2007), o direito à saúde deve ser garantido na forma de “[...] um processo contínuo de aprendizado” possibilitando, assim, “[...] que a adolescente consiga enfrentar situações e participar mais ativamente da tomada de decisão frente à maternidade, ela precisa ser preparada e empoderada, sendo essencial a presença de uma rede de apoio” (SANTOS et al., 2015, p. 737).

Outro direito de provisão negado à infância em situação de pobreza, e, talvez, o que revela a face mais cruel do capitalismo, refere-se ao direito à nutrição; ou seja, a carência de uma alimentação adequada bem como de conhecimentos básicos sobre nutrição. Isso se associa, também, à falta de acesso à água potável e ao saneamento básico em suas casas e comunidades, realidades crescentes e que afetam milhões de indivíduos em todo o mundo, inclusive as crianças e adolescentes aqui entrevistadas.

Segundo dados do Fundo Das Nações Unidas Para a Infância - Unicef (2019, p. 6), em seu relatório sobre a “Situação Mundial da Infância 2019”, que trata, especificamente, acerca das “crianças, alimentação e nutrição”, “[...] pelo menos 1 em cada 3 crianças menores de 5 anos não está crescendo bem devido à má nutrição em suas formas mais visíveis: desnutrição crônica, desnutrição aguda e excesso de peso” e “[...] 1 em cada 2 crianças menores de 5 anos sofre de fome oculta devido à deficiência de vitaminas e outros nutrientes essenciais”. Na Guatemala, esses números são, ainda, mais preocupantes, pois “[...] a desnutrição crônica atinge metade das crianças menores de 5 anos, novamente, em sua maioria indígenas”(ROMERO; ORANTES, 2018, p. 23).

São inúmeras as consequências na vida das crianças e adolescentes a ausência de uma nutrição eficiente, visto que

[...] as práticas alimentares na infância devem ser capazes de fornecer quantidade de alimentos suficiente e com qualidade nutricional e sanitária, a fim de atender às necessidades nutricionais das crianças e garantir o desenvolvimento do seu máximo potencial(CARVALHO et al., 2015, p. 212).

Quando esse direito é garantido, isto é, quando crianças e adolescentes possuem uma alimentação adequada, a longo prazo,a garantia de tal direito “[...] contribui para o estabelecimento de hábitos alimentares saudáveis” colaborando, significativamente, para “[...] seu desenvolvimento normal” (CARVALHO et al., 2015, p. 212) e saudável com maiores capacidades intelectual, produtiva, criativa, cultural e social.

Por outro lado, crianças e adolescentes que apresentam consumo alimentar inadequado e/ou escasso “[...] desde a infância tendem ao desenvolvimento precoce de sobrepeso e obesidade, além de outras doenças crônicas associadas” (CARVALHO et al., 2015, p. 212).

Em relação à falta e/ou inadequação de uma nutrição adequada na vida de crianças e adolescentes, a Unicef (2019) destaca que são três as vertentes, as quais incidem sobre os cotidianos infantis. Podemos observar essas vertentes na Figura 1.

Figura 1 – Consequências de uma nutrição inadequada na vida de crianças e adolescente

   Fonte: adaptado de Unicef (2019, p. 10).

Como observado na Figura 1, as consequências de uma não adequada alimentação, quando não são fatais para as crianças e adolescentes, incidem diretamente em seu desenvolvimento e capacidades. Além disso, “[...] peso baixo demais ao nascer e [...] crianças malnutridas por longos períodos de tempo na fase inicial da infância têm um grande risco de comprometimento do desempenho cognitivo, incluindo leitura” (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017, p. 1185) e demais transtornos de aprendizagens.

A fome e a miséria estão presentes na América Latina desde sua ocidentalização. Como já temos sinalizado em diferentes partes do trabalho, as desigualdades são condições de manutenção e funcionamento do sistema moderno/colonial/capitalista. A materialização dessa não garantia de direitos, nos cotidianos das meninas-adolescentes e suas famílias entrevistadas nesta pesquisa, aparece em diferentes momentos da pesquisa e, por vezes, justifica a institucionalização e o trabalho infantil, como podemos observar em falas como:

 

[...] estoy teniendo protección, enfermería, comida, morada, tengo también guardería para dejar mi bebe, escuela para aprender a ler (CA 4, grifo nosso).

 

[...] hay niños que viven mal porque no tienen teto, no tienen comida, o las veces los papás no consiguen trabajo y no pueden darles lo que ellos quieren (CA 19, grifo nosso).

 

[...] La escuela para nuestro futuro para tener un trabajo para tener un nivel de vida mejor y nuestra comida porque tenemos hambre (CA 24, grifo nosso).

 

[...] Ellas se sienten, bueno por un momento pensé van estar bien, eres lo que ellas me dicen, les tratan bien, lesdan comida, les varia su comida están contenta con eso [...] (MR 5,grifo nosso).

 

[...] hay muchas chicas que están felices porque estando aqui tiene un techo, tiene un baño para poder bañarse, tiene comida [...] (EM 10, grifo nosso).

 

[...] la mayoría no quieren estar aquí, ellas saben, an sufrido violências la afuera y van a regresar con las personas que le agredió.  Y más que todo necesitan sentir la libertad. Agradecimiento por lo que se les brinda aquí, ropa, alimentación, un lugar para dormir, ser escuchadas y no ignoradas (EM 17, grifo nosso).

 

Tais falas, aliadas às estatísticas apresentadas pelos relatórios anuais da Unicef, além de reforçarem a constante violação do direito à alimentação que crianças e adolescentes enfrentam em seus cotidianos, revelam o não cumprimento dos acordos internacionais dos quais os países são signatários e a incapacidade para criarem políticas públicas e mecanismos de melhor redistribuição de renda, que garantam o acesso aos direitos fundamentais da infância.

Outro direito que, constantemente, é negado, em especial a grupos subalternizados e vulneráveis, é o direito à informação. O direito à informação, desde as veiculadas pelas mídias eletrônicas (rádio, televisão e/ouinternet) até as informações a respeito de seus direitos, aos seus processos judiciais e demais informações que “[...] visem promover o seu bem-estar social, espiritual e moral, assim como a sua saúde física e mental” (ONU, 1989), figura-se como um direito essencial na constituição de uma sociedade mais justa e democrática habitada por indivíduos emancipados.

A falta de informação, também, aparece na fala da equipe multidisciplinar da instituição como um dos fatores de risco para a violência de crianças e adolescentes. Indicações como

 

[...] la falta de educación, tanto la educación formal como a nivel de información, talleres de sexualidad y reproducción tanto de las niñas y adolescentes como con las familias; también comprendo que las familias no entienden que necesitan a las niñas y adolescentes su privacidad, que es parte de su derecho de lo que tienes que tener [...]. Y también eso está implícito un círculo de este tipo de violencias porque muchas veces la mamá también ha sido víctima de esa problemática y no visualiza como un delito y ella cree que como ella pasó también la niña no pasa nada con ella, que también que se pueda hacer. Y otro elemento que es el temor (por represalia de las personas que comete el delito), una cultura del silencio, una cultura de no denuncia con ese tipo de delitos. Y es visto que algunas personas no lo hacen porque la justicia es lenta, y la gente se aburre (EM2, grifo nosso).

 

[...] la mayoría de las gentes no conocen las leyes, no están informadas y creo que eso es un factor de riesgo porque a no saber, a no conocer, a no tener esa información entra en mucha negligencia, aquí muchos casos que vienen es de no saber de algunas acciones, claro entramos en violencias sexualmente, pero básicamente la desinformación [...] (EM3, grifo nosso).

 

O direito à informação, também, é recorrente nos apontamentos das crianças e adolescentes e dos familiares e/ou responsáveis legais, e aparecem entre os direitos mais importantes em suas vidas. Esse fato evidencia a não garantia de tal direito, principalmente em contextos de pobreza e extrema pobreza infantil, nos quais o desconhecimento e a falta de informações acerca dos mecanismos de proteção, e aos demais direitos, não são acionados em diversas situações pelo seu desconhecimento. Ao apresentar os direitos presentes na CDC (ONU, 1989), e solicitado que apontassem por ordem de importância em suas vidas, a informação figurou-se como um imprescindível direito a ser considerado e garantido para a infância. Podemos observar essa frequência na Tabela 1.

Tabela 1 – Frequência do direito à informação

Participante

Respostas por grupo de participantes

Frequência em que o direito à informação é recorrente

Crianças e Adolescentes

188

5

Mães/Responsáveis

102

4

Equipe Multidisciplinar

127

4

Fonte: dados da pesquisa empírica (2022).

 

O direito à informação sempre esteve no ponto limítrofe de garantia e violação, em especial na vida de crianças e adolescentes, sendo que o senso comum tende a excluí-las de tomadas de decisões referentes às suas vidas, histórias e perspectivas de futuro, o que as condena a uma posição de incompetência, desrazão, incapacidade e impossibilidade de decidir aquilo que lhe é melhor. Posição essa que os processos coloniais também posicionaram e continuam a posicionar indígenas, negros(as) e mulheres. De fato, o que ocorre são tomadas de decisões, que deixam os principais envolvidos, ou seja, a infância, sem voz nem vez.

Outro direito fundamental ao pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes é o direito à segurança social. Ele propicia “[...] à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento” (ONU, 1989) integral. Na realidade de nossas interlocutoras, isso se traduz na falta de auxílios governamentais, que poderiam, por exemplo, assegurar a frequência nas escolas, diminuindo o abandono escolar devido ao trabalho infantil, uma vez que cabe ao Estado proteger a infância “[...] contra a exploração econômica ou a sujeição a trabalhos perigosos ou capazes de comprometer a sua educação, prejudicar a sua saúde ou o seu desenvolvimento” (ONU, 1989). Dos 13 familiares e/ou responsáveis entrevistados(as), apenas uma mãe respondeu que recebia ajuda econômica da associação “Casa del Alfarero”4, mesmo essa ajuda “no es siempre” (Mãe 9).

Este contexto, de não garantia de segurança social, produz, nas famílias em situação de pobreza, frustações, incertezas e impotências, problemáticas que servem aos propósitos da maquinaria de um capital, que tudo quer administrar, inclusive a dignidade ou não da vida humana. Deleuze e Guattari (1996, p. 94) exemplificam bem essa problemática quando indicam que o capital

[...] tem por correlato toda uma microgestão de pequenos medos, toda uma insegurança molecular permanente, a tal ponto que a fórmula dos ministérios do interior poderia ser: uma macropolítica da sociedade para e por uma micropolítica da insegurança.

Nesse processo de gestão de “[...] uma micropolítica da insegurança” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 94), outro direito ausente na vida da infância em situação de pobreza é o direito à habitação digna. Crianças e adolescentes pobres nascem, crescem e quando sobreviventes passam, muitas vezes, toda a sua existência em “moradias” precárias, superlotadas, insalubres, com pouca ou nenhuma iluminação e ventilação. Essas condições, além de refletirem na saúde e no pleno desenvolvimento e potencial de crianças e adolescentes, “[...] abrem portas para inúmeras violências físicas, psicológicas e sexuais, e quando não é na própria casa que ocorrem é na busca de subempregos que acontecem” (PACHECO; EYNG, 2020, p. 115). Além disso, sabe-se que as

[...] condições de habitação estão intrinsecamente associadas ao nível de bem-estar e estreitamente relacionadas com as restantes dimensões definidas pelas múltiplas interações estabelecidas. Mais uma vez, a pobreza está ligada à habitação, quer por via do nível de rendimento, quer das próprias condições de habitabilidade. De fato, a escassez de recursos obriga que as famílias pobres se concentrem em bairros de realojamento ou de habitação social, em casas velhas ou mesmo, nas situações mais extremas, em barracas (BASTOS et al., 2008, p. 13).

E não menos importante, o último direito de provisão que é negado à infância pobre é o direito à educação. Crianças e adolescentes em situação de pobreza infantil têm o direito à educação constantemente negado e/ou violado. O acesso à educação trata-se, por si só, “[...] de um fator determinante do bem-estar das crianças”, e isso porque “[...] a escola preenche uma parcela significativa da vida e do dia a dia das crianças, quer pelas atividades desenvolvidas de per si, quer pelas representações sociais que lhe estão associadas” (BASTOS et al., 2008, p. 12).

Inúmeros são os fatores que contribuem para essa situação. Segundo o Departamento de Estatística da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2018, p. 1), “[...] em 2016, 263 milhões de crianças, adolescentes e jovens estavam fora da escola, representando quase um quinto da população global dessa faixa etária”. Em termos gerais, esses dados revelam que uma em cada cinco crianças e adolescentes tem seu direito de acesso à educação negado. Além disso, as taxas mais altas de falta de acesso, evasão e retenção escolar “[...] tendem a estar entre os países mais pobres do mundo” (UNESCO, 2018, p. 10).

As relações de gênero, também, emergem na privação do acesso, permanência e êxito escolar da infância em situação de pobreza. O relatório observa que “[...] as meninas de todas as faixas etárias das escolas têm maior probabilidade de serem excluídas da educação do que os meninos” (UNESCO, 2018, p. 9). Esse fato, também, aparece na fala da CA 1, que, ao descrever a sua percepção das condições das crianças e adolescentes, comenta:

 

Siento que hay mucho peligro, mucha violencia porque hace falta estúdio, a las personas pobres [...] a veces tienen hijos y más hijos y más hijos y no tienen toda la economia para mándalos a estudiar y a veces eligen solo hombres porque piensan que son más listos [...] y, por lo tanto, las niñas no logran estudiar y passan a dedicarse a la violencia, a robar, a matar, a secuestrar (CA 1, 15 anos).

 

Infelizmente, como demonstrado pela fala da CA 1, nossas interlocutoras, também, fazem parte da estatística elaborada pela UNESCO (2018). Inúmeros são os motivos que confluem para que o acesso à educação seja negado a elas. No Quadro 2, foram sistematizados, a partir de suas falas, os motivos para o abandono escolar. Temos consciência de que esses motivos interseccionam, e que a privação dos outros direitos, também, está no cerne dessa problemática.

 

Quadro 2 – Motivos do abandono escolar das meninas e adolescentes entrevistadas

MOTIVOS PARA O ABANDONO ESCOLAR

Problemas pessoais/familiares – Violência/maus-tratos, gravidez por consequência de abusos sofridos, mudança de região/morada/país, fuga de casa.

Não gostava de estudar e/ou da escola – Pouca motivação e apoio para os estudos, dificuldades de aprendizagens, escolas poucos inclusivas com a diversidade e a diferença, currículos e avaliações excludentes, falta de perspectiva de um futuro melhor, retenção escolar.

Não ter dinheiro – Longas distâncias percorridas para chegar à escola, falta de transporte escolar gratuito, ausência de recursos para compra de materiais e uniformes escolares.

Fonte: dados da pesquisa empírica (2022).

Das 24 meninas e adolescentes entrevistadas, 16 afirmaram ter abandonado, em algum momento de sua trajetória educacional, a escola. Estar fora da escola, para essas meninas e adolescentes, significa, por diversas vezes, estar nas ruas comercializando produtos ou seus corpos para contribuírem com a renda familiar5. Quando não estão nas ruas, é no âmbito doméstico que o trabalho se realiza (artesanato, limpeza e manutenção das moradias, cuidado de irmãos e irmãs mais novos etc.).

Outra situação que a não garantia do acesso a uma educação pública, gratuita e de qualidade ocasiona é a impossibilidade de conhecer e reivindicar o acesso aos demais direitos. Não conhecendo seus direitos, a infância está à mercê de diversas investidas contra seus corpos e suas vidas. Essa situação se torna ainda mais delicada quando pensamos nas bases epistemológicas, androcêntricas, classicistas, eurocêntricas e racistas, que fundam a sociedade ocidental hodierna e que têm suas bases estruturadas em processos coloniais.

Nesse processo, as instituições educacionais não estão isentas de seu papel na reprodução de práticas de exclusão, invisibilização e, por fim, eliminação de crianças e adolescentes em situação de pobreza. Por diversas vezes, “[...] a escola reproduz a dinâmica de poder vivida entre os sujeitos na sociedade mais ampla, alguns estudos preocupam-se em mostrar que a escola também produz – e de certas formas muito particulares e específicas – tais desigualdades sociais” (LOURO, 2012, p. 230).

Relações de saber-poder, currículos incapazes de contemplar a diversidade e a diferença da sociedade, conhecimentos distantes da realidade dos(as) educandos(as) e demais problemáticas, revelam que, por diversas vezes, os espaços educacionais não são lugares democráticos, de acolhimento, proteção e cultivo de práticas emancipatórias.

 

Considerações finais

Historicamente, crianças e adolescentes têm sido um dos grupos mais excluídos e subalternizados da sociedade, em especial infâncias femininas, não brancas, pobres e aquelas que não se enquadram nas definições normativas, as quais impõem uma forma de ser à criança e ao adolescente (PACHECO, 2021). Tendo suas vozes constantemente silenciadas, um número incontável de infâncias experienciam o medo e a tragédia de viverem às margens da sociedade. Esse lugar limítrofe impede suas existências de se manifestarem. E isso porque, por diversas vezes, quando falamos de racismo, pobreza, e violências de gênero, dificilmente, analisamos essas violências pelas perspectivas das crianças e adolescentes e acabamos por desconsiderar/omitir as especificidades dessas experiências por elas vivenciadas.

Em uma tentativa de visibilizar tais especificidades, o presente texto foi construído a partir de narrativas de meninas e adolescentes, que tiveram seus direitos de provisão negados, seus corpos violados, suas infâncias perdidas, suas histórias omitidas e suas vozes silenciadas. Mas, apesar de terem suas trajetórias interrompidas, traçam linhas de fuga, desterritorializam-se, reinventam-se e, cotidianamente, reescrevem suas histórias de sobrevivência e reterritorializam-se (DELEUZE; GUATTARI, 2011) em um mundo marcado por estruturas excludentes.

Dessa maneira, é inegável a contribuição da CDC (ONU, 1989) para que os sujeitos da infância, as crianças e adolescentes, fossem contemplados, também, como sujeitos de direito. Os pilares que fundamentam os direitos presentes na CDC (provisão, proteção e participação), apesar de estarem longe de sua efetivação nos cotidianos infanto-juvenis, nos alertam para pensarmos as especificidades que as crianças e adolescentes vivenciam em suas trajetórias e perspectivas de vida, especialmente, quando consideramos a pobreza infantil, a qual deve passar “[...] a situar-se no tempo, considerando a estrutura social e institucional vigente, não podendo ser traduzida apenas em função de um nível de rendimento disponível mais baixo” (TOWNSEND, 1993, p. 35), mas sim considerada de forma multidimensional, que, além dos aspectos econômicos, considere a privação dos demais direitos fundamentais para a garantia de um pleno e integral desenvolvimento.

Também, um olhar multidimensional da pobreza infantil deve levar em conta os demais traços identitários dessa infância, pois, como nossa pesquisa empírica demonstrou, meninas não brancas (maioria na América Latina) estão mais suceptíveis a estarem na pobreza e terem seus direitos negados. Assim, considerando gênero, sexualidade, etnia, religião, deficiências e demais características identitárias subjetivas, é possível criar políticas públicas específicas e que se materializem nos cotidianos da infância, contemplando, de forma equitativa, cada criança e adolescente, e garantindo seus direitos de proteção, provisão e participação, visto que os processos coloniais promoveram, e continuamente promovem, um esvaziamento das subjetividades nos indivíduos colonizados.

Nesse sentido, as pistas cartográficas apresentadas no texto, assim como o próprio método sugere, não têm a intenção de esgotar por definitivo as análises e o assunto. Todavia, o terreno delineado traz elementos que permitem elucidar como se materializa a negação do direito de provisão no cotidiano de meninas e adolescentes em situação de pobreza infantil6.

 

Referências

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Notas

________________

1Todos(as) os(as) participantes foram informados(as) do estudo e concordaram em participar assinando os Termos de Consentimento e Assentimento Livre e Esclarecido. Todo o processo de pesquisa foi documentado, submetido e aprovado pelo Comitê de Ética, via Plataforma Brasil – conforme a atenção aos requisitos éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 2012 do sistema Comitês de Ética em Pesquisa (CEP)/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) –, sob o número 65770517.6.0000.0020, e aprovado em 05 de abril de 2017, sob o número 2.002.093.

 

2É necessário, aqui, situar que há diferentes interpretações e várias maneiras de pensar o colonial. Podemos pensar o colonialismo como entendido, sobretudo na relação com a América Latina, como um processo de conquista e colonização. Um processo histórico, político e territorialmente situado e que, para a América Latina, começou com a chegada e tomada do território americano por parte do genovês Cristóvão Colombo em 1452. Tal evento articulou a palavra, o discurso jurídico e a violência simbólica, inaugurando, então, um processo histórico-social, político e cultural de colonialismo, que vai estender-se pelo menos por três séculos até as independências americanas dos centros metrópoles coloniais. E, em uma compreensão (compartilhada tanto pelos intelectuais pós-coloniais como pelos decoloniais), que entende o colonialismo como uma configuração de mundo e de identidades, que se alicerçou em uma violência simbólica, produzida no momento em que dois universos culturais se enfrentam, o do homem/branco/europeu/moderno/capitalista e o do indivíduo que naquele território habitava, e que se alastra até a contemporaneidade, subalternizando corpos, vidas e identidades via racismo, misoginia, homofobia, transfobia e demais preconceitos que ancoram-se nos marcadores identitários.

3As falas das entrevistas foram preservadas em seu idioma original,fato esse que expõe a preocupação em manter as subjetividades e o reconhecimento de que o conhecimento, não é refém de uma única língua (como os mitos coloniais e os interesses do capital econômico quer que pensemos) e permite que as vozes das “[...] participantes [sejam] ouvida[s] durante o processo da pesquisa” (CRESWELL, 2014, p. 37).

4Associação não governamental, de cunho religioso, que atua junto à população que vive em extrema pobreza na Guatemala (cf. https://alfarero.org.gt/quienessomos/).

5O Atlas Nacional de la Situación de la Niñez y Adolescencia en Guatemala: Análisis de indicadores clave sobre la infancia revela que, em 2018, 14,3% das crianças e adolescentes do país nem trabalhavam e nem estudavam, 6,2% apenas trabalhavam e 2,1% da infância guatemalteca trabalham e estudam (UNICEF, 2021).

6O presente trabalho contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, como financiadores do Programa Institucional de Apoio à Fixação de Jovens Doutores.

 

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