Violência Contra Crianças e Adolescentes Amazônidas: O Panorama do Município do Oiapoque - AP

Violence Against Amazonian Children and Adolescents: the landscape of the Municipality of Oiapoque – AP

Violencia contra niños, niñas y adolescentes amazónicos: el panorama del municipio de Oiapoque - AP

 

 

Carlos Alberto Batista Maciel

Federal University of Para, Pará, Brasil

maciel@ufpa.br - https://orcid.org/0000-0002-6528-1099

 

Edval Bernardino Campos

Federal University of Para, Pará, Brasil

edval.campos@hotmail.com - https://orcid.org/0000-0002-8252-4881

 

Recebido em 25 de abril de 2022

Aprovado em 22 de fevereiro de 2023

Publicado em 03 de maio de 2023

 

 

 

RESUMO

Este artigo analisa a violência contra crianças e adolescentes amazônidas ocorrida no município do Oiapoque na fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa. A pesquisa exploratória mapeou os registros de violação de direitos contra o segmento infanto-juvenil no período de doze meses entre 2010 e 2011, nos órgãos de políticas públicas locais. Os dados coletados revelaram que 5,1% da população infanto-juvenil do município foi submetida a violência. Os 416 registros de casos de violência identificados distribuíram-se em: 69 casos de violência física, 105 de abandono, 168 de negligência, 58 de violência sexual, 10 de desproteção social e 16 sem identificação. A maior concentração dos registros (93,4%) ocorreu no Conselho Tutelar do município, o que pode indicar o seu importante papel na garantia dos direitos das crianças e adolescentes em nível local, assim como pode indicar que os demais órgãos do sistema de garantia de direitos estão cumprindo limitadamente suas responsabilidades dentro desse sistema.

Palavras-chave: violência contra crianças e adolescentes amazônidas; município de fronteira; infância na Amazônia.

 

ABSTRACT

This article analyzes the violence against amazonian children and adolescents occurred in the municipality of Oiapoque on the border between Brazil and French Guiana. The exploratory research mapped the cases of violation of rights against the child-juvenile segment in the period of twelve months between 2010 and 2011 in local public policy institutions. The cases collected revealed that 5.1% of the child and adolescent population in the municipality suffered violent situations. The 416 cases of violence identified: 69 cases of physical violence, 105 cases of abandonment, 168 cases of negligence, 58 cases of sexual violence, 10 cases of social deprotetion, and 16 cases of non-identification. The highest concentration of cases (93.4%) occurred at the Municipal Council Guardianship, which may indicate its important role in guaranteeing the rights of children and adolescents at the local level, as well as indicating that the other institutions of the guarantee system has limited action in their responsibilities within that system.

Keywords: violence against amazonian children and adolescents; city in borderland; childhood in the Amazon.

 

RESUMEN

Este artículo analiza la violencia contra niños y adolescentes amazónicos ocurrida en el municipio de Oiapoque en la frontera entre Brasil y Guayana Francesa. La investigación exploratoria mapeó los registros de violación de derechos contra el segmento de niños y jóvenes en el período de doce meses entre 2010 y 2011, en órganos de políticas públicas locales. Los datos recolectados revelaron que el 5,1% de la población infantil y juvenil de la ciudad fue objeto de violencia. Los 416 registros de casos de violencia identificados se distribuyeron en: 69 casos de violencia física, 105 de abandono, 168 de desamparo, 58 de violencia sexual, 10 de desprotección social y 16 sin identificación. La mayor concentración de registros (93,4%) se presentó en el Consejo de Tutela del municipio, lo que puede indicar su importante papel en la garantía de los derechos de los niños, niñas y adolescentes a nivel local, así como indicar que los demás órganos del sistema de garantía de están cumpliendo limitadamente sus responsabilidades dentro de este sistema.

Palabras clave: violencia contra niños, niñas y adolescentes amazónicos; municipio fronterizo; infancia en el amazonas

 

1.   Introdução

O município do Oiapoque, no estado do Amapá, está situado no extremo norte da Amazônia brasileira, na fronteira com a Guiana Francesa. Em decorrência de sua situação geográfica, enfrenta desafios próprios das áreas fronteiriças com pouca ou limitada presença do Estado Brasileiro.

Em relação aos direitos infanto-juvenis, o município do Oiapoque é historicamente descrito como uma cidade em que os direitos humanos sofrem diversas formas de violação. Assume destaque a exploração sexual, cujas maiores vítimas são os segmentos mais vulneráveis, como às crianças e adolescentes.

Com o objetivo de coletar e sistematizar a incidência de diferentes modalidades de violência contra crianças e adolescentes residentes no município do Oiapoque, foi realizada uma pesquisa para mapear os registros de denúncias de violência contra crianças, adolescentes, em organizações do sistema de garantia de direitos infanto-juvenis no contexto sociocultural do Oiapoque.

A pesquisa entrevistou também representantes de organizações governamentais e não governamentais no município para identificar: (i) a compreensão destes sobre a presença e a incidência de crianças e adolescentes vítimas de violência nessas mesmas instituições, (ii) assim como os encaminhamentos adotados para o seu enfrentamento.

A pesquisa contou com o interesse e a interveniência da Secretaria de Inclusão e Mobilização Social - SIMS do Estado do Amapá e o Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, com o objetivo de mapear e conhecer este fenômeno no município e assim permitir a organização de um plano de intervenção estatal para prevenir as situações de risco, de violação ou de ameaça de violação dos direitos infanto-juvenis.

Destaca-se também a existência de expectativas em torno da construção da ponte binacional entre Brasil e a Guiana Francesa, uma vez que a sua inauguração poderá, além de intensificar as relações comerciais entre os dois países, contribuirá com o aumento da circulação entre indivíduos na referida faixa fronteiriça podendo, em tese, potencializar resultados sociais negativos, principalmente sobre os seguimentos sociais mais vulneráveis.

A equipe técnica, responsável pela pesquisa exploratória foi composta por 06(seis) técnicos da SIMS, sendo 03(três) sociólogos, 01(uma) assistente social, 01(uma) pedagoga e 01(uma) psicopedagoga, e com a assessoria técnica de dois consultores do UNICEF. A coleta de dados foi realizada no período de 24 de outubro a 01 de novembro de 2011 em instituições públicas e privadas, com autoridades locais, organizações sociais, lideranças comunitárias, representantes de instituições religiosas, de associações e cooperativas, e com o Prefeito do Município para informar e apresentar os motivos e objetivos da pesquisa.

Foram contatados e entrevistados os representantes das seguintes instituições municipais: o Presidente e dois Conselheiros do Conselho Tutelar do Município de Oiapoque – CTO; um vereador da Câmara de Vereadores do Município de Oiapoque – CVO; um Pastor da Igreja evangélica Assembleia de Deus existente no município; o Presidente da Associação de Moradores da Vila Brasil/Associação de Trabalhadores Rurais de Oiapoque; a Juíza da Comarca de Oiapoque / 2ª Vara Criminal; a Diretora da Unidade Mista de Saúde; o Promotor de Justiça da 2ª Promotoria de Justiça de Oiapoque; o Coordenador da Coordenadoria Técnica Local da Fundação Nacional do Índio / CTLO/FUNAI e o Diretor do Departamento Social da CTLO; o Presidente da Cooperativa dos Pilotos Aquaviários e de Turismo de Oiapoque; o Presidenta da Cooperativa de Garimpeiros de Oiapoque; a Vice-Presidente da Associação de Mulheres de Oiapoque; o Secretário Municipal de Saúde; o Secretário Municipal de Educação; a Diretora da Escola Estadual Clevelândia do Norte; a Diretora da escola Estadual Joaquim Nabuco; o Diretor da Escola Estadual Joaquim Caetano; o Coordenador e a Assistente social do Centro de Referência Especializado da assistência Social – CREAS; o Delegado Geral do Centro Integrado de Operações de Segurança Pública – CIOSP/OIAPOQUE.

A coleta de campo identificou e mapeou os registros de violações de direitos relacionadas ao segmento infanto-juvenil ocorridas no período de 12 meses (de julho de 2010 a junho de 2011).

Os dados aqui expostos buscaram contribuir para a realização de intervenções públicas que conjuguem os esforços das esferas estadual e municipal, assim como o empenho e a expertise da sociedade civil, na superação dos problemas ali revelados.

 

 

2.   Marcos de Referência

O contraponto da violação é a proteção social, a promoção, a defesa, a garantia e a afirmação dos direitos, que tem o Estado como espaço privilegiado para a materialização de tais conquistas, por meio da implantação e implementação de políticas públicas, além da promoção do processo de articulação, mobilização e integração permanente com os demais setores da sociedade e estruturas de poder, tendo em vista o princípio da incompletude institucional.

O campo dos direitos e a proteção, promoção, defesa, garantia e afirmação dos direitos das crianças e adolescentes, é parte de um projeto civilizatório cuja construção remonta o início do século XX, como um capítulo dos direitos humanos. O ato inaugural dessa jornada ocorreu em Genebra (Suíça) em 1921, com a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças.

A preocupação da comunidade internacional com o tráfico de mulheres e crianças assinalou a incorporação, por parte dos governos constituídos, de novos sujeitos no horizonte de visibilidade dos Estados Nacionais.

Todavia, somente em 1959, com a Declaração dos Direitos da Criança, que a comunidade internacional afirmou essa agenda de compromissos que possibilitou o ingresso da criança na comunidade cívica, como merecedora de cuidados especiais e de proteção integral. Conforme o Princípio 10 do texto proclamado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas,

A criança gozará proteção contra atos que possam suscitar discriminação social, religiosa ou de qualquer outra natureza. A criança gozará de proteção contra quaisquer formas de negligência crueldade e exploração. Não será objeto de tráfico, sob qualquer forma.

No Brasil contemporâneo a iniciativa mais relevante nesta direção está inscrita no art. 227 da Carta Magna em vigor. Desta iniciativa derivou a Lei 8.069/1990, popularizada como o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Do ponto de vista legal estes dois diplomas sancionaram novos e fundamentais paradigmas conceituais e éticos para referenciar as relações da sociedade brasileira com suas crianças e com seus adolescentes.

Do ponto de vista formal, o Brasil diligenciou instrumentos normativos que reconhecem a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e como prioridade absoluta na sua agenda de compromissos. O desafio que se impõe de forma imperativa é a materialização destes valores (direitos) em práticas sociais instituídas no cotidiano das organizações e, sobretudo, no convívio ordinário do cotidiano em que a vida medra suas relações.

É com a convicção de que os direitos da criança e do adolescente são parte insuprimível dos direitos humanos que esta pesquisa examinou, no município em epígrafe, a incidência de violações aos direitos deste segmento social. A prioridade da análise enfocou as violências físicas, psicológica e sexual, o abandono e a negligência e incluiu a desproteção social enquanto responsabilidade primaz do Estado. Desta forma, a análise das informações coletadas adotou como parâmetros os conceitos a seguir destacados:

 

a)    Violência física:

A violência física se manifesta no recurso da força e da agressividade como meio para submeter e subordinar a criança e/ou o adolescente ao capricho, à vontade e ao desejo do adulto.

É o uso da força física de forma intencional, não-acidental, por um agente agressor adulto (ou mais velho que a criança ou o adolescente). Normalmente, esses agentes são os próprios pais ou responsáveis que muitas vezes machucam a criança ou adolescente sem a intenção de fazê-lo. A violência física pode deixar ou não marcas evidentes e nos casos extremos pode causar a morte. (GUIA ESCOLAR, 2004, p. 36).

Como recurso de poder arbitrário, a violência física suprime e subtrai o diálogo e a orientação por não identificar na vítima um sujeito dotado de vontade e de direito. O uso da força tem como objetivo a sujeição e não a educação.

 

b)   Abandono:

O abandono é uma forma mais aguda de negligência. É a materialização do desprezo, é o não reconhecimento da criança e/ou adolescente como parte significativa do mundo, dos objetivos e das prioridades dos pais ou responsáveis.

É uma forma de violência muito semelhante à negligência. Segundo o CLAVES - Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde, ele se caracteriza pela ausência do responsável pela criança ou adolescente na educação e cuidados da criança. O abandono parcial é a ausência temporária dos pais, expondo a criança a situações de risco. O abandono total é o afastamento do grupo familiar, ficando as crianças sem habitação, desamparadas, expostas a várias formas de perigo. (SANTOS, 2004).

O abandono é um ato de violência extrema pela indiferença, pela insignificância que o abandonado representa à vida do adulto responsável. Parafraseando o poeta Manoel Bandeira, ser abandonado é “morrer de corpo e alma”, é ser destituído de referenciais e identidade, é não ser reconhecido como pertencente a uma comunidade afetiva e social da qual o que abandona pertence. O abandonado constitui-se e se institui como o ser inexistente para o sujeito que abandona.

 

c)    Negligência:

A negligência é uma forma de descaso, de desleixo, de desatenção que numa escala de prioridades relega a criança e/ou o adolescente a um plano secundário. A atitude negligente é aquela que assegurando voz e vez aos adultos e seus interesses, mantém invisíveis e silenciados os interesses, desejos e direitos de crianças e adolescentes.

É uma forma de violência caracterizada por ato de omissão do responsável pela criança ou adolescente em prover as necessidades básicas para seu desenvolvimento sadio. Pode significar omissão, em termos de cuidados diários básicos como alimentação, cuidados médicos, vacinas, roupas adequadas, higiene, educação e/ou falta de apoio psicológico e emocional. Normalmente, a falta de cuidados gerais está associada com a falta de apoio emocional e carinho que leva a criança a acreditar que não tem importância para os pais ou que eles não gostam dela (GUIA ESCOLAR, 2004, p. 35). 

            Segundo Guerra (2008), a negligência:

[...] representa uma omissão em termos de prover as necessidades físicas e emocionais de uma criança ou adolescente. Configura-se quando os pais (ou responsáveis) falham em termos de alimentar, de vestir adequadamente seus filhos, etc., e quando tal falha é o resultado das condições de vida além de seu controle (p.33).

A negligência se expressa por meio de comportamentos indiferentes as particularidades da infância, que contemporaneamente são reconhecidas como direitos. Tais indiferenças “naturalizam” o lugar social sem status, sem consideração. O ato negligente é potencialmente, o lugar de abrigo dos embriões de todas as formas de violência.

 

d)   Violência Sexual e Violência Psicológica:

A violência sexual é a coisificação da vítima. Quando praticada contra crianças e adolescentes significa um profundo desprezo aos valores morais que presidem as relações sociais contemporâneas.

Consiste não só numa violação à liberdade sexual do outro, mas também numa violação dos direitos humanos da criança e do adolescente. É praticada sem o consentimento da pessoa vitimizada. Quando cometida contra a criança, constitui crime ainda mais grave. Pode ser classificada como intrafamiliar, extrafamiliar, e exploração comercial sexual. (GUIA ESCOLAR, 2004, p. 35).

A violência sexual contra crianças e adolescentes se materializa em relações contemporâneas desequilibradas pautadas em uma base de distinções que se manifestam em formas de desigualdade física e emocional. O fator de agravamento consiste no comportamento oportunístico do violador / agressor que, em diferentes situações, é identificado pela vítima como um potencial protetor.

A violência psicológica, por sua vez:

É um conjunto de atitudes, palavras e ações para envergonhar, censurar e pressionar a criança de modo permanente. Ela ocorre quando xingamos, rejeitamos, isolamos, aterrorizamos, exigimos demais das crianças e dos adolescentes, ou mesmo, os utilizamos para atender a necessidades dos adultos. Apesar de ser extremamente frequente, essa modalidade de violência é uma das mais difíceis de serem identificadas e podem trazer graves danos ao desenvolvimento emocional, físico, sexual e social da criança.  (GUIA ESCOLAR, 2004, p. 36).

A violência psicológica submete a criança e o adolescente a constrangimentos de diferentes ordens. No interior da família esta violência tende a ser largamente “naturalizada”, concorrendo para o isolamento da vítima do seu núcleo de sociabilidade primária. Quando exteriorizada para “o mundo da rua” pode produzir comportamentos paradoxalmente agudos, responsáveis pelo desenvolvimento de personalidades medrosas, covardes, inseguras, ou no oposto extremo, criar pessoas agressivas, refratárias a convivência social saudável. A violência psicológica é uma forma de tortura.

 

e)    Desproteção Social:

A desproteção social significa a “falta de amparo público adequado e a inoperância dos direitos básicos de cidadania, que incluem garantias à vida, e ao bem estar”. (ABRANCHES, 1989, p.16).

É impossível assegurar o exercício dos direitos sem a proteção do Estado. A análise das violações contra crianças e adolescentes não podem ficar circunscritas ao ambiente da família e as responsabilidades absolutas da sociedade. O exame criterioso sobre os deveres do Estado – expressos ou não nas ações dos governantes – é matéria de interesse público intransferível.

A desproteção social se manifesta, pois, quando o poder público não disponibiliza para a sociedade e, em particular para as crianças e adolescentes, políticas capazes de atender adequadamente as demandas relacionadas aos direitos fundamentais. De forma objetiva é possível identificar a desproteção social na inadequada e/ou na insuficiente oferta de serviços públicos na educação, na saúde, no lazer, na alimentação e outros.

A desproteção social é um fator de injustiça social que reitera e intensifica os efeitos da desigualdade social sobre os indivíduos. Neste sentido, a desproteção social é uma forma de violação dos direitos humanos.

 

 

3.   Oiapoque, um Município na Fronteira

O município de Oiapoque está localizado a aproximadamente 590 Km da Capital do Estado do Amapá, limita-se ao Norte com a Guiana Francesa, ao Sul com os municípios de Calçoene, Serra do Navio e Pedra Branca do Amapari, ao Leste com o Oceano Atlântico e ao Oeste com o Município de Laranjal do Jarí. A população do município, segundo registros oficiais em 2010, é de 20.509 habitantes, dos quais 8.374 são crianças e adolescentes, que representam 40,8% da população total. As crianças de 0 a 11 anos totalizam 5.550 habitantes, e os adolescentes de 12 a 17 anos 2.824 habitantes, representando 27,1% e 13,8% da população total, respectivamente. (IBGE, 2011).

Tabela 01: Total de Habitantes, Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque.

Item

Total

Percentual

Total de Habitantes

20.509

100,0

Total de Crianças e Adolescentes

8.374

40,8

Total de Crianças

5.550

27,1

Total de Adolescentes

2.824

13,8

Fonte: IBGE, 2011.

O município foi historicamente marcado por uma disputa internacional entre Portugal e França, e posteriormente, por Brasil e França, resolvida definitivamente no ano de 1900 com o Laudo de Berna em que se elegeu o rio Oiapoque como limite fronteiriço entre os dois países.

O Oiapoque surgiu como distrito do Município de Amapá por meio da Lei Municipal n.° 15 de 1903.79
 Quarenta e dois anos mais tarde, em 1945, por meio do Decreto-Lei n.° 7.578 de 23 de maio de 1945, foi criado o Município de Oiapoque com sede na Vila do Espírito Santo. O município é constituído pela sede administrativa do município, o Distrito Militar Clevelândia do Norte, o Distrito de Vila Velha do Cassiporé, pelos núcleos populacionais de Taperebá e Vila Brasil e as terras indígenas Uaçá, Galibi e Juminá (SOUZA, 1995).

A criação do município de Oiapoque fez parte de uma estratégica política de ocupação territorial adotada pelo Brasil para a defesa e o controle de áreas fronteiriças, sobretudo de controle das riquezas mineralógicas e naturais do local.

Economicamente a região é marcada desde sua colonização pelo extrativismo mineral, vegetal e pelo comércio com o território francês. A pesca e a agricultura compõem um dos pilares da economia, ressaltando a participação socioeconômica dos indígenas de Oiapoque, pois a produção destes abastece boa parte do mercado da cidade.

Atualmente o Produto Interno Bruto – PIB do município tem sua base no setor de serviços, com um significativo crescimento no setor agropecuário em 2008. O setor industrial é incipiente na economia local (IBGE Cidades@, 2011).

Um dado relevante para o entendimento da economia do município refere-se às áreas de proteção ambiental e de terras indígenas, pois este abriga o Parque Nacional do Cabo Orange - PNCO e o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque - PNMT, ambos Unidades de Conservação de Proteção Integral, além de abrigar três das cinco terras indígenas (Galibi, Juminã e Uaçá) do Estado do Amapá, demarcadas pelo Governo Federal.

A área de proteção ambiental e as terras indígenas exercem uma pressão específica no município em função da restrição de uso do território, impedindo a inserção e expansão de algumas atividades econômicas.

A realidade social do município de Oiapoque pode ser caracterizada como um cenário de fragilidades, com a forte incidência de problemas sociais. Isto se deve em parte, a própria formação da sociedade oiapoquense, com características de uma cidade de passagem de pessoas, que não possuem vínculos de pertencimento com o município e sobretudo, comprometimento com o crescimento do local.

No que tange aos serviços públicos ofertados em Oiapoque, no ano de 2011, existem 3 escolas estaduais e 14 escolas municipais, que atendem as três modalidades de ensino (educação infantil, fundamental e médio).

O acesso a água tratada é limitado, uma vez que o fornecimento de água tratada realizado pelo Companhia de Água e Esgoto do Amapá (CAESA) atende somente 30% da população no meio urbano, e 20% no meio rural. O sistema de saneamento é precário, predominando na cidade as fossas sépticas ou sistema de água fervida. A coleta de lixo no município também é deficiente, além de não haver tratamento adequado do material coletado, que é depositado em um lixão a céu aberto.

O município é conhecido no imaginário popular como lugar de passagem de aventureiros que vem principalmente da região norte e nordeste do Brasil, vislumbrando uma ascensão social por meio do trabalho remunerado em euro no “Lado Francês”[1]. Por ser um lugar de passagem com pouca presença do Estado, torna-se um lugar propício ao surgimento de atividades como o tráfico de drogas, o câmbio ilegal, a exploração sexual, dentre outros.

 

 

4.   Violência Contra Crianças e Adolescentes: o retrato do Oiapoque

Durante a atividade de campo no município de Oiapoque foram contatadas quatorze organizações (governamentais e não-governamentais) que integram a rede protetiva de garantia de direitos de crianças e adolescentes (conforme preconiza o modelo de Sistema de Garantia de Direitos definidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).

Das organizações visitadas, somente 05 apresentaram registros de casos de violação de direitos contra crianças e adolescentes, são elas: Conselho Tutelar (398 registros); o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS (14 registros); a Escola Estadual Joaquim Nabuco (01 registro); a 2ª Vara Civil da Comarca de Oiapoque (04 registros); o Centro Integrado Operacional de Segurança Pública – CIOSP (09 registros); contabilizando um total de 426 casos de violação de direitos, conforme o tabela 02.

 

Instituições

Casos

Registrados

Percentual

(%)

Conselho Tutelar

398

93,4

CREAS

14

3,4

Escola Joaquim Nabuco

01

0,2

Vara Civil

04

0,9

CIOSPI

09

2,1

Total

426

100,0

Tabela 02: Registro de Casos de Violência Contra Crianças e Adolescentes no    Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

 

 

 

 

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

A análise sobre os dados coletados revela que as instituições locais, em sua maioria, não possuem registros sobre os relatos dos casos expostos pelos dirigentes e/ou responsáveis institucionais entrevistados no Município. De fato, a ausência destes registros impede tanto o conhecimento amplo das dimensões quantitativas e qualitativas da realidade de violação de direitos das crianças e adolescentes no município de Oiapoque, quanto a possibilidade de formulação e efetivação de políticas públicas condizentes com as reais demandas municipais.

Outro dado relevante refere-se ao fato de que inexiste, mesmo nas instituições com a presença de registros de violências contra crianças e adolescentes, uma padronização para os registros presentes. Essa situação evidenciou-se nas diferentes formas de preenchimento dos instrumentos usados para o registro dos casos de violações, com informações pouco precisas tanto em relação às vítimas e as características das violências praticadas, quanto acerca daqueles que praticaram as agressões.

Os dados coletados evidenciaram também que o Conselho Tutelar – CT foi a principal instituição do Sistema de Garantia de Direitos das crianças e dos adolescentes – SGD, em que foram identificados os registros de ocorrências de violências contra crianças e adolescentes no município pesquisado. Conforme demonstrado na Tabela 2, a comparação entre o número dos casos de violência registrados no Conselho Tutelar e os registros nas demais instituições, permite chegar à uma constatação preocupante: todas as instituições juntas representam somente 6,6% dos casos registrados de violência contra crianças e adolescentes na realidade local, ao passo que o CT aparece com 93,4% dos casos registrados.

Estes dados sobre a concentração vultuosa dos registros de violência contra crianças e adolescentes no CT, podem indicar duas situações correlacionadas. Por um lado, pode revelar a predominância de uma incompreensão do papel de cada uma das instituições que compõem o SGD local e por outro, pode expor uma ausência de articulação política e programática necessária entre as mesmas instituições integrantes do próprio SGD no município.

 

4.1  Os Tipos de Violência Contra Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque

Em relação aos diferentes tipos de violência contra crianças e adolescentes no município do Oiapoque, os dados coletados foram agrupados em seis grupos: violência física; casos de abandono; casos de negligência; violência sexual e psicológica; casos de desproteção social, casos não especificados, conforme pode ser identificado na Tabela 3.

Tabela 03: Tipos de violência Contra Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Tipos de Violência

Quantidade

Percentual

Violência física

69

16,2

Abandono

105

24,7

Negligência

168

39,4

Violência Sexual e Psicológica

58

13,6

Desproteção social

10

2,3

Não Especificados

16

3,8

Total

426

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

 

a)    Quanto a Violência Física contra Crianças e Adolescentes

No quadro geral dos tipos de violações identificadas na pesquisa de campo, a violência física, com 69 registros, representou 16,2% do total de casos de violência contra crianças e adolescentes coletados. Das instituições que possuíam registros oficiais de violências, o CREAS é o único que não possui nenhum registro de violência física. No CIOSP foram identificados apenas 03 registros de casos de violência física; já o CT é responsável por 64 dos registros, conforme demonstra a Tabela 04.

Tabela 04: Registro de Casos de Violência Física Contra Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Instituição

Quant.

de vítimas

Percentual

CIOSP

03

4,3

2ª Vara Civil

01

1,5

Escola Joaquim Nabuco

01

1,5

Conselho Tutelar

64

92,7

CREAS

-

-

Total

69

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

A Tabela 05 expõe a faixa etária das vítimas de violência física. Pode-se identificar que parece haver uma relação inversamente proporcional em relação a faixa etária das vítimas nos casos registrados. As vítimas na primeira faixa etária (0 a 6 anos) estão mais sujeitas a violência (30 casos) do que outras faixas etárias (de 7 a 12 anos e de 13 a 18 anos) que apresentam uma queda de ocorrências.

A princípio esta situação pode indicar que a condição de maior fragilidade física e de dependência material e emocional existente nesta faixa etária (0 a 6 anos) tende a gerar uma maior fragilização deste segmento, sujeitando-o a abusos de ordem física dos adultos, as vezes mascaradas pelo discurso da autoridade destes sobre as crianças e da intenção de “educar” por meio do uso do recurso da agressão física.

 

Tabela 05: Faixa Etária das vítimas de Violência Física Contra Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Idade

Quant.

de vítimas

Percentual

0 a 6 anos

30

43,6

7 a 12 anos

20

28,9

13 a 18 anos

19

27,5

Não registrado

-

-

Total

69

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

O Tabela 06 sobre a relação da vítima com o agressor revela que, do total de 69 casos de violência física contra crianças e adolescentes, em 40 destes o(a) agressor(a) possui uma relação de parentesco ou de responsabilidade legal com a vítima. Desta forma, aqueles que em tese deveriam promover proteção e amparo as crianças e adolescentes, segundo os dados coletados, em sua maioria são os que estão sendo os sujeitos da ação de violência física contra este segmento social.

Tabela 06: Relação do Agressor com a Vítima de Violência Física Contra Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Agressor(a)

Quant.

de vítimas

Percentual

Amigo(a)

03

4,3

Avô(ó)

01

1,5

Conjuge

01

1,5

Filho(a)

-

-

Homem desconhecido

01

1,5

Instituição de atendimento

-

-

Irmã(o)

03

4,3

Madrasta

02

2,9

Mãe

19

27,5

Padrasto

01

1,5

Pai

11

15,9

Polícia

-

-

Responsável legal

02

2,9

Tio

-

-

Vizinho

02

2,9

Não informado

23

33,3

Total

69

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

O dado referente a quantidade de mães, pais, madrasta e padrasto representa 33 casos da totalidade das situações de violência física registradas. É possível sugerir que esta significativa incidência se assenta na afirmação do forte paradigma da “pedagogia da palmada” como “estratégia educativa” que se reproduz no ambiente familiar.

Outro dado relevante no Tabela 06 diz respeito ao total de 23 casos de violência física em que não foi informada a relação social do agressor com a criança ou adolescente agredido. A ausência desta informação indica que os registros existentes podem estar sendo feitos seguindo diferentes protocolos, ou ainda, que inexiste um protocolo que oriente o preenchimento destes mesmos registros. Tanto na primeira situação relatada quanto na segunda, os registros tendem a ficar submetidos a ação subjetiva do indivíduo que recebe e registra a denúncia de violência física.

Esta situação requisita uma ação que investigue as causas dos registros elaborados de forma incompleta, como também uma ação que capacite e prepare as instituições e operadores institucionais para o recebimento e o registro adequado desses mesmos casos.

 

b)   Quanto ao Abandono de Crianças e Adolescentes

Os registros de abandono identificados na pesquisa de campo totalizaram 105, o que representa 24,7% do total das 426 violações coletadas (ver Tabela 3). Somente três instituições tinham registros de casos de abandono. Depois do Conselho Tutelar com 93 registros, a segunda maior concentração de registros de casos de abandono foi identificada no Centro de Referência Especializada de Assistência Social – CREAS com 09 casos, e por último a 2ª Vara Civil, conforme especificado na Tabela 07.

Tabela 07: Registro de Casos de Abandono de Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Instituição

Quant.

de vítimas

Percentual

CIOSP

-

-

2ª Vara Civil

03

2,8

Escola Joaquim Nabuco

-

-

Conselho Tutelar

93

88,6

CREAS

09

8,6

Total

105

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

A Tabela 08 evidencia uma particularidade distinta da Tabela 05. Enquanto os dados da tabela sobre a faixa etária das vítimas de violência física evidenciaram uma maior concentração de registros na faixa de 0 a 6 anos, a tabela sobre a faixa etária das vítimas de abandono expõe a concentração deste tipo de violação na faixa de 13 a 18 anos.

Uma especulação plausível sobre esta situação pode ser a reprodução de uma “naturalização da maioridade social” da faixa etária em que a adolescência fica situada. Este comportamento de naturalização por parte dos adultos pode reconhecer no adolescente que requisita sua independência, um indutor do descaso e do abandono em relação a responsabilidade social de cuidado e de proteção necessária no processo de maturação social.

Outra especulação que pode explicar esta situação de violação em particular, com base nos dados coletados no município de Oiapoque, é que estes adolescentes tendem a ficar mais sujeitados ao abandono em decorrência de diversos fatores próprios da condição da adolescência. A maior compleição física aliada a ampliação da independência emocional pode concorrer, juntas, para a diminuição da subjugação pela violência física por parte dos adultos, especialmente em situações de conflitos geracionais.

Tabela 08: Faixa Etária das Vítimas de Abandono de Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Idade

Quant.

de vítimas

Percentual

0 a 6 anos

30

28,6

7 a 12 anos

26

24,8

13 a 18 anos

49

46,6

Não registrado

-

-

Total

105

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

Embora a significativa incidência de registros de casos de abandono no município do Oiapoque, uma especificidade chama a atenção em relação a incidência de casos na relação com o sujeito que efetiva o abandono, conforme a Tabela 09.

Tabela 09: Relação Social com a Vítima de Abandono de Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Sujeito do Abandono

Quant.

de vítimas

Percentual

Amigo(a)

-

-

Avô(ó)

-

-

Conjuge

-

-

Filho(a)

-

-

Homem desconhecido

-

-

Instituição de atendimento

-

-

Irmã(o)

-

-

Madrasta

-

-

Mãe

-

-

Padrasto

-

-

Pai

-

-

Polícia

-

-

Responsável legal

-

-

Tio

-

-

Vizinho

-

-

Não informado

105

100,0

Total

105

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

Nos 105 registros de casos de abandono de crianças e adolescentes no município do Oiapoque não foi possível identificar a relação social com o causador do abandono. Desta forma, do ponto de vista do registro formal, inexiste a possibilidade de distinguir os responsáveis pelo abandono das crianças e adolescentes nos registros arrolados nas instituições pesquisadas.

Esta situação pode expressar um comportamento social preocupante. A “responsabilidade” pela gestão da família tende a ficar indistinta em decorrência da diluição desta por todos os seus membros. O que é de responsabilidade de todos, por correspondência, pode rapidamente se tornar responsabilidade de ninguém.

Esta realidade requisita uma investigação minuciosa sobre as causas e/ou motivações que podem estar impedindo, ou dificultando o registro do responsável pelo abandono. Esta inquirição deve se realizar junto às instituições e aos operadores institucionais que atendem crianças e adolescentes na realidade local, para subsidiar um programa de capacitação que qualifique estes agentes institucionais em sua ação protetiva.

 

c)    Quanto a Negligência Contra Crianças e Adolescentes

O total de 168 registros de casos de negligência contra crianças e adolescentes no município do Oiapoque, representam 39,4% das violações coletadas durante a atividade de campo (ver Tabela 3). Como pode ser identificada na Tabela 10 a totalidade destes registros se encontra no Conselho Tutelar do município.

Tabela 10: Registro de Casos de Negligência com Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Instituição

Quant.

de vítimas

Percentual

CIOSP

-

-

2ª vara civil

-

-

Escola Joaquim Nabuco

-

-

Conselho Tutelar

168

100,0

CREAS

-

-

Total

168

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

Em relação a faixa etária das vítimas de negligência a grande maioria dos registros, 110 casos, refere-se a faixa etária de 0 a 6 anos de idade, conforme os dados expressos na Tabela 11. Esta significativa incidência pode ter como fator indutor o mesmo aduzido no item da violência física, em que este segmento infantil, em função de sua maior fragilidade física e emocional, se encontra em uma condição de maior dependência objetiva e psicológica dos cuidados dos adultos responsáveis por sua manutenção.

Tabela 11: Faixa Etária das Vítimas de Negligência com Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Idade

Quant. de vítimas

Percentual

0 a 6 anos

110

65,5

7 a 12 anos

35

20,8

13 a 18 anos

23

13,7

Não registrado

-

-

Total

168

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

Na pesquisa de campo, a ação de descaso, ou descuido do adulto com a criança, próprio das situações de negligência, identificou que os indivíduos apontados nos registros concentraram-se fortemente sobre a mãe com 105 casos, depois o pai com 21 casos, padrasto com 02 registros e avó(ô) com 01 registro, conforme pode ser identificado na Tabela 12.

Tabela 12: Relação Social com a Vítima de Negligência com Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Negligente

Quant.

de vítimas

Percentual

Amigo(a)

-

-

Avô(ó)

01

0,6

Conjuge

-

-

Filho(a)

-

-

Homem desconhecido

-

-

Instituição de atendimento

-

-

Irmã(o)

-

-

Madrasta

-

-

Mãe

105

62,5

Padrasto

02

1,2

Pai

21

12,5

Polícia

-

-

Responsável legal

13

7,7

Tio

-

-

Vizinho

-

-

Não informado

26

15,5

Total

168

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

Estes dados podem indicar uma forte conotação do reforço do modelo de família em que recai sobre a mulher a responsabilidade exclusiva de cuidar do filho. Esta ilação, se verdadeira, expõe a força de uma cultura com forte matriz de preconceito contra a mulher que, se por um lado a responsabiliza exclusivamente pelo cuidado do filho, desresponsabiliza o homem pela ação de cuidado e proteção. Obviamente, esta situação se acentua em circunstâncias de separação do casal.

 

d)   Quanto a Violência Sexual e Violência Psicológica Contra Crianças e Adolescentes

Acerca dos dados sobre violência sexual e violência psicológica contra crianças e adolescentes no município do Oiapoque, a pesquisa de campo identificou um total de 58 casos registrados, sendo 52 no Conselho Tutelar, 05 no CREAS e 01 no CIOSP, conforme a Tabela 13. O total de casos registrados representam 13,6% das violações coletadas (ver Tabela 3).

Tabela 13: Registro de Casos de Violência Sexual e Psicológica de Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Instituição

Quant.

De vítimas

Percentual

CIOSP

01

1,7

2ª Vara Civil

-

-

Escola Joaquim Nabuco

-

-

Conselho Tutelar

52

89,7

CREAS

05

8,6

Total

58

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

Em relação a faixa etária das vítimas desses tipos de violação, a maior parte está concentrada na faixa de 13 a 18 anos com um total de 32 casos. Nas faixas de 0 a 6 anos e 7 a 12 anos, os casos registrados coletados totalizam 13 em cada um destas faixas, conforme identificado na Tabela 14.

 

Tabela 14: Faixa Etária das Vítimas de Violência Sexual e Psicológica de Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Idade

Quant.

de vítimas

Percentual

0 a 6 anos

13

22,4

7 a 12 anos

13

22,4

13 a 18 anos

32

55,2

Não registrado

-

-

Total

58

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

A respeito da identificação do violentador nos registros de casos coletados, o dado mais contundente refere-se a ausência de informação sobre este. Dos 58 registros, 38 foram classificados como não informados, o que representa 65,5% dos casos (ver Tabela 15).

Esta situação requisita as mesmas observações apontadas nos casos de negligência e abandono, em que foram igualmente expressivos os registros de casos sem informação do causador da violação. É preciso investigar com maior acuidade as causas que estão contribuindo para a ausência deste dado ou o registro incompleto desta informação em particular.

Outro dado relevante em relação ao Violentador é que, nos demais casos coletados, identificou-se um total de 14 referências a violentadores oriundos de familiares e responsáveis pelos cuidados das crianças e adolescentes. De fato, esta informação impõe a necessidade de uma ação específica de política social com as famílias do município para atuar no sentido da prevenção dessas situações, e no sentido de enfrentamento e nos cuidados das situações de ocorrências já concretizadas por parte do SGD.

Tabela 15: Relação Social com a Vítima de Violência Sexual e Psicológica de Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

 Violentador

Quant.

de vítimas

Percentual

Mãe

01

1,7

Pai

04

7,0

Amigo(a)

-

-

Avô(ó)

-

-

Conjuge

01

1,7

Homem desconhecido

01

1,7

Filho(a)

-

-

Instituição de atendimento

02

3,4

Irmã(o)

02

3,4

Madrasta

02

3,4

Padrasto

04

7,0

Polícia

-

-

Responsável legal

-

-

Tio

-

-

Vizinho

03

5,2

Não informado

38

65,5

Total

58

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

 

e)    Quanto a Desproteção Social de Crianças e Adolescentes

Durante a pesquisa de campo foram coletados 10 registros de casos de desproteção social, que representam 2,3% da totalidade de violações registradas contra crianças e adolescentes no município do Oiapoque, conforme pode ser visto na Tabela 03. A origem destes registros centrou-se especificamente sobre o Conselho Tutelar do município, conforme a Tabela 16.

Tabela 16: Registro de Casos de Desproteção Social Contra Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Instituição

Quant.

de vítimas

Percentual

CIOSP

-

-

2ª Vara Civil

-

-

Escola Joaquim Nabuco

-

-

Conselho Tutelar

10

100,0

CREAS

-

-

Total

10

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

Em relação a faixa etária das vítimas nos registros de desproteção social, foi identificado a maior concentração na faixa da adolescência (13 a 17 ano), com 07 casos e 03 casos na faixa de 0 a 3 anos (ver Tabela 17).

Tabela 17: Faixa Etária das Vítimas de Desproteção Social Contra Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Idade

Quant.

de vítimas

Percentual

0 a 6 anos

03

30,0

7 a12 anos

-

-

13 a18 anos

07

70,0

Não registrado

-

-

Total

10

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

A identificação do responsável pela desproteção social apresentou 01 caso com a mãe, 01 caso com a política e 08 casos como não informado (ver Tabela 18). Destes dados se pode aduzir algumas observações. A primeira refere-se a inclinação cultural de responsabilização unívoca da mulher sobre a proteção social dos filhos. Este argumento foi abordado no quesito abandono, em que foi desenvolvida uma ilação a respeito do preconceito de gênero.

A segunda observação refere-se a um aspecto mais global sobre a proteção social. É possível que a predominância de 08 registros em que não foi informado o responsável pela desproteção decorra da dificuldade de identificação do papel do próprio Estado na efetivação e na gestão das ações de caráter protetivo junto ao cidadão brasileiro.

Esta dificuldade associa-se funcionalmente ao avanço de uma cultura de raiz liberal em que o indivíduo é reconhecido como o causador e responsável exclusivo por seus infortúnios. A resultante desta conjugação é a sedimentação de uma cultura meritocrática que penetra na sociabilidade das instituições e também retira do horizonte a compreensão política do Estado, em suas diferentes esferas, enquanto gestor da proteção social devida a cada um dos(as) cidadãos(ãs) brasileiros(as).

Tabela 18: Relação Social com a Vítima de Desproteção Social Contra Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Responsável

Quant.

de vítimas

Percentual

Amigo(a)

-

-

Avô(ó)

-

-

Cônjuge

-

-

Filho(a)

-

-

Homem desconhecido

-

-

Instituição de atendimento

-

-

Irmã(o)

-

-

Madrasta

-

-

Mãe

01

10,0

Padrasto

-

-

Pai

-

-

Polícia

01

10,0

Responsável legal

-

-

Tio

-

-

Vizinho

-

-

Não informado

08

80,0

Total

10

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

 

f)     Quanto a Imprecisão dos Tipos de Violência

Ao todo 16 casos registrados, sendo 11 no Conselho Tutelar e 05 no CIOSP não possuíam o detalhamento da violência sofrida pelas crianças e adolescentes. Estes 16 registros representam 3,8% do total de violações coletadas no município do Oiapoque.

Esta ausência de detalhamento dos registros não permitiu reconhecer o tipo de violência sofrida, mas possibilitou a identificação da faixa etária das vítimas, sendo 09 da faixa de 0 a 6 anos e 07 na faixa de 13 a 18 anos, conforme pode ser identificado na Tabela 19.

Tabela 19: Registro de Casos de Violência não Especificados Contra Crianças e Adolescentes no Município do Oiapoque – julho/2010 a junho/2011.

Idade

Quant. D

e vítimas

Percentual

0 a 6 anos

09

56,3

7 a12 anos

-

-

13 a18 anos

07

43,7

Não registrado

-

-

Total

16

100,0

Fonte: Pesquisa de campo (Out. de 2011).

 

 

5.   Considerações Finais

Os dados de violência contra crianças e adolescentes no município do Oiapoque, apresentados, expõem uma realidade inquietante. Inicialmente, o total de 426 registros coletados evidenciam, no período de um ano, uma incidência de 5,1% da população infanto-juvenil no município que foi submetida a uma das formas de violência arroladas neste mapeamento.

Este significativo índice, obtido com a sistematização dos registros de violências contra crianças e adolescentes existentes nas organizações governamentais no município, requisita a necessidade da realização de intervenções efetivas por parte do SGD no enfrentamento destas formas de violência contra crianças e adolescentes.

A magnitude destes dados, por um lado prenuncia o nível de complexidade deste fenômeno no plano local e por outro implica que sejam planejadas e efetivadas ações intersetoriais que agreguem e articulem as diferentes esferas públicas no Amapá.

Ainda em relação ao aspecto quantitativo sobre o fenômeno da violência contra crianças e adolescentes no município do Oiapoque, a coleta de dados expôs indícios reveladores de que existe uma forte presença da subnotificação de casos de violência que não são denunciados e registrados.

É evidência marcante da subnotificação no município do Oiapoque, o fato dos informantes das organizações governamentais e não governamentais que não dispunham de registros, exporem, em sua maioria, que conheciam ou tinham conhecimento de casos de violência contra crianças e adolescentes.  Este mesmo fato foi identificado nos discursos dos representantes de organizações não governamentais quando perguntados a respeito da violência no município.

A presença da subnotificação pode estar associada a conjugação de diferentes fatores como: a “naturalização da violência” como cultura no processo de educação e a indiferença comportamental com as manifestações deste fenômeno; o despreparo técnico dos operadores institucionais frente as denúncias de violência; e outros.

Em relação aos registros coletados sobre os diversos casos de violência em que não foram informados os violadores, é possível inferir que houve ou um descuido no registro das informações denunciadas, ou ainda, que inexistia um domínio adequado dos procedimentos técnicos necessários para encaminhar as referidas denúncias.

Outro aspecto evidenciado na sistematização dos dados coletados foi a presença de registros imprecisos sobre o tipo de violência sofrida pelas crianças e adolescentes no município do Oiapoque. Esta situação pode estar diretamente associada aos mesmos argumentos apresentados anteriormente sobre o a dimensão técnica do registro de denúncias propriamente dito.

 A respeito da expressiva concentração dos registros coletados no Conselho Tutelar do município duas considerações são necessárias. A primeira refere-se ao papel do CT na realidade local, uma vez que os 93,4% dos registros tende a indicar que esta instância está assumindo um papel importante na garantia dos direitos das crianças e adolescentes no plano local.

Esta grande concentração pode indicar, pelo menos simbolicamente, que o CT municipal adquiriu uma representação positiva para os munícipes do Oiapoque no que tange a fiscalização dos casos de violação dos direitos infanto-juvenis.

A segunda consideração refere-se especificamente sobre a fragilidade do próprio Sistema de Garantia de Direitos das crianças e adolescentes no plano local. Enquanto o CT parece ter adquirido um reconhecimento municipal expressivo, as demais instituições do SGD, a partir dos dados coletados, parecem não estar participando ativamente do próprio sistema. Esta conjectura evidencia-se tanto pela ausência de registros nas organizações responsáveis pela prevenção, por exemplo: escolas e unidades de saúde, quanto pela ausência de registros, ou pouca presença de registros, nas organizações específicas da defesa e da responsabilização no SGD.

Outro aspecto decorrente das informações sistematizadas refere-se a necessidade da continuidade de estudos para o aprofundamento da investigação em relação aos fatores favorecedores da incidência da violência contra crianças e adolescentes no município do Oiapoque. A despeito da relevância dos dados até então coletados, é necessário constatar que muitas questões precisam ser respondidas para uma compreensão mais detalhada deste fenômeno no plano local.

Considerando as informações aqui apresentadas é importante ressaltar que deve ser avaliado e encontrado, do ponto de vista institucional, um meio para potencializar as ações que deverão ser implementadas posteriormente.

Isto requer ao mesmo tempo um trabalho intrainstitucional na Secretaria de Inclusão e Mobilização Social – SIMS para o compartilhamento destes resultados com os setores e as equipes técnicas responsáveis pelo acompanhamento da implantação do SGD no município do Oiapoque, e também uma ação devolutiva junto aos poderes instituídos e a sociedade do município do Oiapoque.

A relevância destas informações, do ponto de vista ético, deve favorecer a realização de um debate público junto ao município do Oiapoque para o publicização desta realidade e ao mesmo tempo, promover a constituição de intervenções públicas qualificadas no enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes no plano local.

 

 

Referências

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AZEVEDO, M. A & GUERRA, Viviane. (Org.). Crianças Vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo: Iglu ed., 2000.

BRASIL. Lei 8.069/90. Estatuto da Criança e do Adolescente, de 07 de julho e 1990.

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ONU. Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente, Resolução no 1.386 da ONU, em 20 de novembro de 1959. ONU, 1959.

GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Violência de Pais Contra Filhos: a tragedia revisitada – 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2008.

SANTOS, Benedito Rodrigues dos, et al. Guia Escolar: Métodos para Identificação de Sinais de Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes – 2ª Ed. Brasília: Secretaria Especial do Direitos Humanos e Ministério da Educação, 2004.

SANTOS, Benedito Rodrigues dos, et al. O Enfrentamento da Exploração Sexual Infanto-Juvenil: uma análise de situação. Goiânia – GO: cânone Editorial, 2007.

SENADO FEDERAL. Direitos Humanos: instrumentos internacionais. 2ª Ed. Brasília: Senado Federal / Subsecretaria de Edições Técnicas, 1997.

SOUZA, Manoel Dorandins Costa de. A Evolução Política, Demográfica e Socioeconômica do Amapá - mimeo. Universidade Federal do Amapá. Macapá/AP, 1995.

 

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Notas



[1] “Lado Francês”: termo usualmente utilizado pelos cidadãos oiapoquenses para designar o território Ultramarino Francês.