Paulo Freire: Um outro paradigma de humano e de infância

 

Paulo Freire: Another human and childhood paradigm

Paulo Freire: Otro paradigma humano e infantil

 

 

Miguel Gonzales Arroyo

Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil

artigo1miguelarroyo@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-3702-2057

 

Recebido em 22 de abril de 2022

Aprovado em 28 de novembro de 2022

Publicado em 02 de maio de 2023

 

 

 

Resumo

A Nestas análises, indaga-se: as Outras Infâncias Oprimidas, resistentes às desumanizações como realidade histórica, afirmando-se humanas, não desconstroem o paradigma único hegemônico de humano e de infância? A história da infância não é outra quando são reconhecidas as outras infâncias oprimidas como sujeitos de história? A história da educação, da pedagogia não é obrigada a se redefinir quando outras infâncias oprimidas se afirmam sujeitos de outras pedagogias de oprimidos? São essas as interrogações das infâncias oprimidas que instigam Giorgio Agambem, no seu livro Infância e História; Philippe Ariès, em História Social da Criança e da Família; Del Priore, em História da Criança no Brasil. São também interrogações das outras infâncias oprimidas que instigam Paulo Freire, sobretudo, na Pedagogia do Oprimido. Indagações essas, postas pelas infâncias oprimidas para as políticas educativas, para as teorias pedagógicas e para a invenção das identidades docentes educadoras.

Palavras-chave: Infância. Criança. Infância Oprimida. Paradigma Único. Mito Ôntico.

 

Abstract

The central question of these analyzes - the Other Oppressed Childhoods, resistant to dehumanization as a historical reality, claiming to be human, do they not deconstruct the single hegemonic paradigm of human and childhood? Is the history of childhood not different when the Other oppressed childhoods are recognized as subjects of history? Isn't the history of education, of pedagogy, forced to redefine itself when other oppressed childhoods claim to be subjects of other pedagogies of the oppressed? Questions about oppressed childhoods that instigate Giorgio Agambem in his work Infância História, Philippe Ariès in Social History of Children and Family, Del Priore in History of Children in Brazil. Questions about other oppressed childhoods that instigate Paulo Freire, above all, in Pedagogy of the Oppressed. Questions posed by oppressed childhoods for educational policies, for pedagogical theories and for the invention of teaching-educating identities.

Keywords: Infância. Criança. Infância Oprimida. Paradigma Único. Mito Ôntico.

 

Resumen

La pregunta central de estos análisis - las Otras Infancias Oprimidas, resistentes a la deshumanización como realidad histórica, que se pretenden humanas, ¿no deconstruyen el único paradigma hegemónico de humano e infancia? ¿No es diferente la historia de la infancia cuando las Otras infancias oprimidas son reconocidas como sujetos de la historia? ¿La historia de la educación, de la pedagogía, no está obligada a redefinirse cuando otras infancias oprimidas pretenden ser sujetos de otras pedagogías de los oprimidos? Preguntas sobre infancias oprimidas que instigan a Giorgio Agambem en su obra Infância História, Philippe Ariès en Historia Social del Niño y la Familia, Del Priore en Historia del Niño en Brasil. Preguntas sobre otras infancias oprimidas que instigan a Paulo Freire, sobre todo, en Pedagogía del oprimido. Interrogantes que plantean las infancias oprimidas para las políticas educativas, para las teorías pedagógicas y para la invención de identidades docente-educativas.

Palabras clave: Infancia. Niño. Infancia oprimida. Paradigma Único. Mito óntico.

 

Introdução

            No texto “Paulo Freire: um outro paradigma pedagógico” (ARROYO, 2018; 2021), nos perguntamos se Paulo Freire, com especial ênfase na Pedagogia do Oprimido, não se contrapõe ao paradigma pedagógico da diversidade de humanismos pedagógicos. Se contrapõe, como se tem pensado, são decretados os oprimidos. Um paradigma de humano-in-humano que decreta os Outros, a diferença na condição de não-humanos, com deficiências originárias de humanidade (SANTOS, 2009). No estado de natureza, não de cultura, no mito ôntico metafísico de in-humanidade (QUIJANO, 2009), Paulo Freire se contrapõe a esse paradigma segregador, in-humano, hegemônico, e reconhece os oprimidos humanos sujeitos de Pedagogias de Oprimidos.

            A indagação que nos acompanha agora nesta análise é: como a infância tem sido pensada, classificada na diversidade de paradigmas de humano? Como têm sido decretadas, pensadas as outras infâncias dos coletivos oprimidos? O paradigma de humano único, hegemônico, persiste nas práticas socioeducativas, persiste ao se decretar as outras infâncias na condição de in-existência, de in-humanidade, para educá-las, humanizá-las? As outras infâncias, no olhar de Paulo Freire: oprimidas, sujeitas de outras pedagogias de oprimidos, não exigem um outro paradigma de humano, um outro paradigma de infância?

 

Um paradigma de infância única

 

As políticas socioeducativas e os diversos humanismos pedagógicos se pensam como pensam as infâncias. A Pedagogia como palavra carregou em seu nome a infância, assim recebendo a incumbência de entender e acompanhar os processos prescritos de humanização desde a infância. Mas que infância? Que olhar, que concepção de infância? Única? Diversa? Os diversos humanismos pedagógicos e as políticas socioeducativas não se têm legitimado em um paradigma de infância única? Têm reconhecido ou ignorado a humanidade das infâncias? A existência de outras infâncias oprimidas marginalizadas não tem contestado essas políticas e esse paradigma único, hegemônico, de infância única? Como entender esse paradigma de infância única que ignora as outras infâncias, as segrega como não infâncias humanas, nem humanizáveis?

            Uma interrogação radical para a pedagogia e para as políticas educativas: como entender a construção histórica do paradigma de infância única na história (AGAMBEM, 2005)? Com esse olhar, Giorgio Agambem nos convida a ver a infância – a In-fância na história humana. O lugar social, cultural, humano no pré-humano em que tem sido jogada a In-fância, no paradigma de humano único, do nós racionais-conscientes-pensantes-falantes, tem relegado, como uma constante na história, os Outros, os coletivos de diferentes e suas In-fâncias, na condição de in-fans – não-falantes, não-pensantes, não-humanos. Seria essa a opressão histórica mais antiética, inumana, que oprime as Infâncias Outras, até no olhar hegemônico das políticas? Um paradigma colonizador da infância que serviu de parâmetro para decretar aos Outros a diferença étnico-racial, com deficiências originárias de humanidade, considerados não-humanos (ARROYO, 2018).

            Agambem nos instiga! Instiga a pedagogia a se indagar sobre como a história tem pensado, classificado, segregado, inferiorizado a infância, as outras infâncias sobretudo. Começa pelo significado histórico do termo usado para nomeá-las: In-fans – infância não falante, incapacidade de falar como humanos. Para Agambem, a história da infância acompanha e é inseparável da história da fala, da linguagem humana, ao decretar a capacidade-incapacidade dos seres humanos de falar, de pensar. Falante, não falante, parâmetro de humanidade, da condição de reconhecíveis ou não como humanos.

Reconhecíveis falantes-pensantes ou não-falantes, não-pensantes, parâmetro histórico de reconhecíveis, ou não, como humanos. Falante-não-falante, possibilidades e limites do reconhecimento como humanos na história. O Nós-Falantes-Pensantes auto- decretados como humanos; os outros decretados na infância, in-fans não falantes, não pensantes, não sendo ainda reconhecíveis como humanos.

            O tempo humano da infância não reconhecível como tempo humano porque não falante, não pensante, não sendo ainda humano, foi o lugar da infância dos humanos ainda não-humanos na história.

            No paradigma hegemônico único do humano falante, o pensar, o saber, o falar dos Outros, dos oprimidos, sempre foram abafados, silenciados na história político - pedagógica. Vozes, saberes, culturas abafadas a que os outros oprimidos re-existem desde a infância. Como escutar, interpretar essas vozes resistentes desde a infância? Como escutar, interpretar essas vozes resistentes? Que saberes, valores, culturas, identidades revelam os oprimidos desde a infância?

 

Paradigma de Humano Único, Falante, Pensante, Segregador das Outras Infâncias

Agambem, no livro Infância e História (2005), nos lembra que o decretar a fala única, o pensar único, está ainda no paradigma de classificação dos humanos, da classificação das infâncias. Os Nós, nos poderes, decretam-se pensantes, falantes com racionalidade, e os Outros, a diferença, são decretados na In-fância, não falante, por que não pensante: “penso, logo sou humano” e posso falar... Os Outros, decretados com deficiências de racionalidade, não pensantes, logo não-falantes, In-fâncias: não-humanas.

            A infância será o tempo não-humano, incapaz de falar, porque incapaz de pensar com racionalidade. A infância ainda não está no tempo da razão, do pensar racional para falar de modo racional, para merecer ser reconhecida como humana. Para Agambem (2005), esse seria um comportamento central no paradigma, hegemônico, racional, de humano único, com que se classificam e clarificam os Outros em estado de infância, como se classificam as Outras Infâncias, como não merecendo ser reconhecidas humanas, porque não pensantes, não falantes. Quanto aos Outros, as diferenças como coletivo social são decretadas, segregadas, até como jovens adultos em permanente estado de In-fância, porque continuam incapazes de pensar-falar com racionalidade. Os outros, em etnia, raça, classe e gênero, poderão ser falantes, deixar de ser infans, mas para os padrões de poder, de saber, de ser, se não se atreverem a falar com a racionalidade, continuarão classificados na In-fância, não pensantes, não falantes, não humanos. A Infância na história é mais do que o primeiro tempo do viver, é uma condição radical de diferença de humanidade, com que o Nós pensantes nos poderes decretam os Outros, de crianças a adultos, como não sendo humanos plenos. O decretar nesta condição de infância, de não-falante, não-pensante, não-humano, é como ato político segregador, antiético, In-humano. Esse olhar classificativo Agambem denuncia ao ver a Infância na história.

 

 

O paradigma político-pedagógico colonial radicaliza a segregação humana dos Outros

            Nossa história político-cultural-pedagógica não se afirma nesse paradigma de humano e de infância hegemônico, político, único? O nosso humanismo-anti-humanismo colonial, imperial e até republicano e suas políticas socioeducativas radicalizam e persistem em radicalizar o nomear, o classificar os povos originários, os indígenas, os negros escravizados, os trabalhadores, os sub-cidadãos, os Outros, que apresentam a diferença com deficiências originárias de humanidade, de racionalidade, de moralidade, de cultura, decretados na condição de in-fans, de In-fância, pré-humanos, persistindo na In-fância da condição humana. A educação das outras infâncias é moralizadora para minorar essa in-humanidade ôntica.

            Anibal Quijano (2009) nos fala que o poder colonial decretou e persiste em decretar, no capitalismo, os Outros no mito ôntico de In-humanidade, em estado de natureza, não de cultura. A Infância, na história, não foi e não continua sendo decretada nesse mito ôntico de in-humanidade? Decretada como não-pensante, não-falante, não-humana, poderá crescer cronologicamente, mas continuará pensada, interpretada, assim como seus coletivos jovens ou adultos na condição de in-fância, de não-pensante, não-falante, em estado de natureza. Essa é a radicalidade que Agambem reforça, no estudo “Infância e História”. São as questões radicais que a pedagogia, desde a Paideia e nos diversos humanismos pedagógicos, recebeu como encomenda política de entender, acompanhar as infâncias, em seus diversos percursos de desumanização-humanização.

            Com que paradigma de humano a infância foi pensada como infância? Com esse paradigma segregador que decreta a In-fância como não-falante, não-pensante, não-humana. Na lição de Agambem, só entenderemos a pedagogia, as políticas educativas, na função histórica de acompanhar a infância, se entendermos a infância na história, a construção e o paradigma segregador de infância e de humanos na história. A pedagogia sempre se pensou como pensa a infância na história, no paradigma hegemônico de humano único: a infância tempo ainda não-humano, não-pensante, não-falante, até adultos decretados in-humanos, na condição de infância.

 

Reconhecer Outra História de Outras Infâncias

Lembremos que, na história oficial e política dos poderes, não tem havido lugar para a história das Outras infâncias mantidas oprimidas, ignoradas, silenciadas, até na história da pedagogia, e nas políticas oficiais. Cresce o número de pesquisadores e narradores dessa Outra história das Outras Infâncias, como tema gerador de estudos, pesquisa e formação de educadores da infância, sobretudo dessas Outras Infâncias. Como priorizar essa outra história, das outras infâncias na história?

            Um dos pioneiros da Outra História da Infância tem sido Philippe Ariès, na sua obra clássica História Social da Criança e da Família (1981). Assim como Agambem se pergunta pela relação infância-história, e mostra a construção da infância como infância-in-fans, como inferior em humanidade, no paradigma de humano hegemônico, Ariès nos leva à história social da infância, mostrando que o sentimento da infância muda na história social, mas mantém uma constatação: um sentimento social de infância seletivo, diverso para com as diferenças sociais de infância, de família, de classes. O sentimento de infância não é o mesmo no tempo e não é o mesmo no sentir as diversas infâncias.

Ariès nos leva a entender a infância: as outras infâncias, através das mudanças nos sentimentos sociais de infância, como mudam: in-fans sem racionalidade para In-fans sem moralidade. Infância, idade da imperfeição moral. O sentimento da infância, de ignorância, de não-fala, de irracionalidade para imoralidade. As políticas de educação moral da infância vão fazer outras infâncias sem moralidade, sem valores, pessoas de valores sociais. Não é difícil reconhecer que a mídia e a sociedade impõem esse sentimento de imoralidade das Outras Infâncias, e exigem como função primeira da educação popular, educação em valores, nas Infâncias Outras, decretadas deficientes em valores, em moralidade. Políticas de Educação moralizante das Outras Infâncias, educação em valores dos sem valores são funções das escolas públicas, e função agora esperada da educação militar das Outras Infâncias e Adolescências.

            Ariès comenta que esse sentimento moralizante da infância veio do exterior da família. Não é a família, não são as mães que classificam suas infâncias como sendo sem moralidade, sem valores, mas esse sentimento de inferioridade moral da infância veio “de uma fonte exterior à família, veio dos eclesiásticos, dos homens da lei, dos moralistas. Esses moralistas haviam se tornado sensíveis ao fenômeno outrora negligenciado da infância... Era preciso, ao mesmo tempo, preservar e disciplinar” (p. 164). Uma classificação moralizante das outras infâncias decretadas deficientes em moralidade, até criminosas, extermináveis.

O sentimento social classificativo da infância foi, e persiste em ser, um sentimento político de hierarquização política, classificatório dos coletivos e de infâncias morais ou imorais, com valores ou com deficiências originárias de valores de moralidade, de humanidade. Infâncias de coletivos sociais de bons ou maus costumes, uma classificação segregadora de etnias, raças e de suas infâncias.

Um padrão moralista persiste nas políticas educativas de classificar os coletivos sociais, étnico-raciais e suas infâncias com deficiências de valores. Ariès, ao destacar esse sentimento moral da infância, acrescenta mais um componente ao paradigma hegemônico do Nós-humanos:  o paradigma de humano moral ou imoral, o Nós-humanos, éticos e os Outros, a diferença desde a infância, In-humano, sem valores, sem moralidade.

            O paradigma hegemônico de humano e de infância se torna mais segregador, acrescentando esse sentimento de infância moralizante, reforçando a condição de não-pensante, não falante. Uma interrogação vem de Ariès, de sua análise da história do sentimento de infância: não há como entender a história da infância e das políticas educativas sem pesquisar o sentimento social da infância, ou seja, quais os sentimentos diversos e seletivos, e de que infâncias?

 

 

 

Que idades da vida são/não-são reconhecidos tempos humanos?

            Ariès nos lembra que as idades da vida têm sido uma forma de ver a infância, de ver o humano. A primeira idade da vida do humano é a infância - in-fans- não falante - avançando em idades da vida, até a velhice, a senectude. A centralidade das idades da vida, no paradigma de humano, revela a centralidade do sentimento social, político e cultural da vida e do humano. Ariès (1981) comenta:

Hoje em dia não possuímos mais o sentimento da vida. A vida torna, então, um drama, que nos tira do tédio do quotidiano. Para o homem de outrora, ao contrário, a vida era a continuidade inevitável, cíclica, às vezes, humorística ou melancólica das idades, uma continuidade inscrita na ordem geral e abstrata das coisas, mais do que na experiência real, pois poucos homens tinham o privilégio de percorrer todas essas idades naquelas épocas de grande mortalidade. (p. 39) 

Que sentimento da vida vivenciam estas infâncias, sabendo-se em vidas ameaçadas? Para essas outras infâncias, a vida não é vivenciada cedo como um drama, que persistirá ao longo de suas vidas? Ariès nos lembra que as idades da vida não correspondem apenas a etapas biológicas, mas às funções sociais (p.39); as idades da vida são quebradas pela realidade não só biológica, mas social e política da morte, do extermínio, até de infâncias. Um tema gerador de estudo, de pesquisa e de formação de educadores da infância é: como são vividas as idades da vida, os tempos humanos na diversidade de Infâncias? Às escolas públicas, sobretudo, chegam milhares de infâncias em vidas mal vividas, desumanizadas. As infâncias oprimidas não têm direito a viver a especificidade humana de cada idade, são condenadas a um sobreviver precário, durante todas as idades de sua vida. Que sentimento da vida apreendem, vivenciam infâncias em vidas ameaçadas, que se sabem, se desenham sabendo quem as ameaça e por quê? (ARROYO, 2019, p. 77)

Para essas Outras infâncias, a vida se torna muito cedo um viver político (ARROYO, 2022). Quando a vida se politiza, pela bio-necropolítica, o sentimento, as vivências de infância se politizam. Não é esse o sentimento social radical vivido pelas outras infâncias? A história oficial, até pedagógica da infância, tem ficado fechada em uma narrativa de infância única? Tem reconhecido a diversidade de viver as idades da vida, dos tempos humanos e in-humanos? Dessas infâncias em um precário e ameaçado viver político se exigem outras políticas da infância, das outras infâncias. Outra educação de outras educadoras da infância.

            Lembremos que autores como Agambem e Ariès nos alertam para a necessidade de entender as Outras Infâncias na história do paradigma hegemônico de humano falante, pensante e na história do sentimento social de infância. Entre nós não têm faltado iniciativas ricas de estudos e pesquisas sobre o viver e o sobreviver ameaçados das outras infâncias, uma exigência nos cursos de formação de educadoras e educadores da infância, dessas outras infâncias: pesquisar, nessa outra história, que dimensões, vivências, desumanizações, resistências humanizantes expõem as outras infâncias; que outros saberes, valores, identidades de infância vivenciam e afirmam? Quais são as outras pedagogias de infâncias oprimidas?

 

Outra história de outras infâncias?

            Mary del Priore, na obra História da Criança no Brasil (1991), nos puxa para olhar para as outras infâncias, para a outra história de outras infâncias: negras, filhas de escravizadas, nas rodas de expostos, a infância operária, o menor, as infâncias decretadas menores, na lei... menores em humanidade. Esse olhar sobre as outras infâncias não sugere um outro paradigma de infância e de humano?

            Mary Del Priore nos lembra que a história da criança- sobretudo dessas outras crianças – faz-se à sombra da história dos adultos. Podemos acrescentar – faz-se à sombra das infâncias-não-Outras, as infâncias do Nós, síntese do humano e da infância única hegemônica. Essa história da criança no Brasil nos lembra que a criança - dessas outras infâncias - são o grande ausente da história, as destinatárias das políticas, mas elas são por paradoxo o seu motor. A infância e a criança das políticas socioeducativas é o adulto em gestação, essa é a esperança, a crença das políticas socioeducativas das outras infâncias, educar na infância o outro adulto em gestação. O paradigma do ser humano hegemônico precisou adotar a infância Outra, como a negação do paradigma hegemônico de humano. Decretar a infância com deficiência de humanidade, para exaltar o Nós síntese da humanidade. O paradigma de infância única precisou destacar as Outras infâncias como menores em humanidade para exaltar as Infâncias do Nós como a síntese da infância plena, humana.

            Del Priore (1991) deixa exposto que o paradigma de humano e de infância única hegemônica sempre foi um paradigma político abissal, sacrificial. A diferença decretada - o Outro do humano, as infâncias Outras decretadas - Outro do paradigma de infância única, para destacar o ideal hegemônico de humano do Nós e o ideal hegemônico de infância do Nós. As narrativas hegemônicas da história da infância e as políticas de educação das outras infâncias acentuaram o caráter sacrificial do paradigma de humano e de infância, decretando os Outros, os coletivos diferentes em etnia, raça, gênero, classe e suas infâncias, decretando-os com deficiências originárias de humanidade, sem racionalidade, sem moralidade. As políticas educativas redentoras, inclusivistas das Outras infâncias, não persistem em reproduzir esse caráter sacrificial do paradigma hegemônico de humano e de infância?

            Del Priore nos lembra que a história da Infância se fez à sombra da história dos adultos, como a história dos Outros, da diferença, se fez à sombra do Nós, sínteses do humano único. Os Outros e suas infâncias decretados de índole defeituosa na inferioridade humana para exaltar o Nós, os adultos e as infâncias do Nós. A história dessas Outras infâncias também se fez à sombra da história das Outras infâncias do Nós, humanos. A visão tão negativa dessas infâncias Outras se reforça na visão negativa tão persistente de seus coletivos étnico-raciais, sociais, de classe. Decretar as infâncias Outras violentas, indisciplinadas, ameaçadoras reforça a suposta In-humanidade, irracionalidade, imoralidade de suas famílias, de seus coletivos sociais étnico-raciais. Condenar essas infâncias Outras reforça uma dialética perversa para condenar seus adultos, suas mães, suas famílias; reforça a história de condenar os Outros, a diferença. Infâncias Outras sem valores, filhos de famílias Outras. Essa dialética perversa segregadora dessas outras infâncias não tem legitimado as políticas, a história de sua educação? Uma dialética abissal, sacrificial das Outras infâncias â espera de serem educadas, humanizadas pelas políticas redentoras do Nós no poder? É a dialética de tantas políticas socioeducativas das Outras infâncias.

Outras infâncias decretadas à margem do paradigma único de humano e de infância?

Del Priore (1991) e tantos historiadores das Outras infâncias vêm desocultando uma história outra: que vivências de Outro ser crianças são desocultadas? Que interrogações outras radicais vêm dessas outras infâncias desocultadas para a pedagogia, a docência, para as políticas e para a história da educação? Outra história de outras infâncias oprimidas desumanizadas, mas re-existentes, afirmando-se humanos sujeitos de pedagogias de infâncias, sujeitos de outra história, de outra humanização. Que vivências e que pedagogias outras as outras infâncias afirmam na história? Que outras políticas exigem? Que outro paradigma de humano e de infância afirmam? Del Priore nos lembra dessas outras infâncias e da outra história da infância e do humano.

            A infância indígena: primeira infância do Brasil

            Que infâncias primeiras foram e persistem decretadas à margem do paradigma de humano e de infância em nossa história? O olhar de segregador dessas infâncias não persiste em marginalizar as infâncias oprimidas? Del Priore começa a narrar a História da Criança no Brasil reconhecendo as infâncias indígenas como as primeiras infâncias a serem reconhecidas ao narrar a história da criança no Brasil. Como a infância indígena foi e é pensada e tratada? Como um papel em branco? Como cera virgem onde se pode inscrever a versão de infância do colonizador? Infância não sendo, não tendo nada escrito como o sujeito humano? Como seus coletivos decretados com deficiências ônticas de humanidade, de moralidade. Logo, educar a alma indígena. Torná-la humana. Moralizá-la nos rudimentos dos valores morais do colonizador. A infância indígena como os adultos a serem libertados das in-culturas, desde a infância submetida à destruição de suas culturas, submetida a violentos culturicídios pela empreitada educadora colonizadora. Culturicídios que persistem na educação atual dessas crianças.

            Esse olhar colonizador da infância indígena persiste em nossa história, no olhar das outras infâncias, persiste nas políticas educativas. A infância indígena é a primeira infância resistente aprendendo com os seus coletivos, com o movimento indígena; sua voz de resistência por suas terras, suas culturas, por suas identidades, por sua humanidade. Infância indígena resistente e persistente desde o início da história da criança no Brasil.

 

            A infância negra persistente, resistente!

            O livro clássico História da Criança no Brasil (DEL PRIORE, 1991) destaca a infância negra, os filhos e as filhas da mulher negra escravizada. Como tem sido pensada essa infância? Um pensar inferiorizante da infância negra persistente? A infância negra, os filhos da escrava pensados como a reprodução interna da população do trabalho escravo; infâncias negras nascidas para realimentar o trabalho escravo. Infâncias nascidas de mãe negra escrava para engrossar a condição de escravos; infâncias libertadas do ventre escravo, mas sob o poder e a autoridade dos senhores que continuavam a submeter essas infâncias à condição de escravidão, aproveitando-se do trabalho do menor “livre”. Que estratégias de sobrevivência tiveram que aprender essas infâncias negras “libertas”; que imagem de infância negra Del Priore destaca na nossa história da infância? A imagem da infância negra escrava e liberta foi e persiste em ser a imagem do adulto negro escravo liberto: um humano menor.

Infâncias negras libertadas, abandonadas, sobrevivendo na condição colonial, imperial e republicana de um injusto e inumano sobreviver escravizante, persistem no olhar, nos maus tratos incessantes de inumanidade que marcam a história da infância negra. Hoje milhares de crianças vivem na pobreza extrema, abandonadas nas periferias urbanas cuja maioria é negra. Vivências de desumanizações históricas e de resistências humanizadoras que exigem ser narradas na história da Infância Outra no Brasil. Infância negra como ator político, testemunha resistente de outra história da infância, aprendendo a resistir com os seus coletivos, suas mães, educadas com o movimento negro educador (GOMES, 2017). Afirmantes desde a infância de suas tradições, seus valores, seus saberes, suas culturas, sua história de humanização, de sua etnia-raça.

 

Corpos infantis de trabalho: exercícios tensos de ser crianças

O livro História da Criança no Brasil (DEL PRIORE, 1991) destaca a infância operária. Traz a história do comitê popular já em 1917 contra a exploração dos meninos nas fábricas, denunciando os menores mortos, feridos, mutilados, menores dos dois sexos, obrigados a trabalhar nas máquinas, em constantes acidentes de trabalho. Uma outra história dessas outras infâncias ocultadas na história de corpos infantis acidentados na precariedade de condições de trabalho, de jornadas excessivas até trabalho noturno, de baixa remuneração. Uma história dessa Outra Infância que persiste e exige ser contada e denunciada.

Os corpos infantis de trabalho, uma marca persistente no passado e no presente da história das Outras Infâncias: vivências de trabalho, das crianças indígenas, negras, das crianças quilombolas em tempos da escravidão, nos tempos republicanos e nos tempos democráticos, nos campos, nas periferias. Haverá espaço na agenda pedagógica? (ARROYO, VILELA E SILVA, 2015). Vidas infantis marcadas pelo trabalho, pela exploração do trabalho; vidas de trabalho resistentes, que humanidades afirmam? Uma história de trabalhos infantis, de exercícios tensos de ser criança, que exige ser narrada como história resistente das Outras Infâncias.

 

Corpos infantis precarizados: exercícios tensos de ser criança

            Os corpos infantis precarizados interrogam a história de segregações das Outras Infâncias. Taiguara[1], na sua música Hoje, nos convida a olhar os corpos e suas marcas para entender a história dessas Outras Infâncias: “Hoje: trago em meu corpo as marcas do tempo. Meu desespero, a vida num momento, a fossa, a fome, a flor, o fim do mundo”. Corpos-infância que trazem as marcas de Infâncias Outras, as marcas de um tempo vivido em cada momento, as marcas da fome, da pobreza, da segregação, das desumanizações. Também trazem em seus corpos-infância as marcas de suas resistências afirmativas, de sua Outra Humanidade.

            Corpos-infância sintetizam a história das Outras Infâncias de corpos precarizados, infantis; que interrogações vêm desses corpos? Como as infâncias vitimadas se sabem em corpos precarizados? Resistem? Que humanidades revelam? Corpos-infâncias na exploração sexual? Corpos-infância re-existentes? De sem-terrinha, de indígenas, de quilombolas? Corpos-infância de trabalho. Exercícios tensos de olhar esses corpos com outro paradigma de infância e de humanidade, com outras políticas socioeducativas.

 

Infâncias decretadas “menores” em humanidade, resistentes, afirmando suas Humanidades

O decretar, nomear as Outras Infâncias como “menores” tem sido uma política cruel, persistente de decretar sua desumanização com deficiências originárias de humanidade: “menores” em humanidade. Os poderes decretam, nas suas políticas, no vocabulário jurídico, as Outras Infâncias como “menores”. Que infâncias decretadas “menores” em infância? Crianças marginalizadas, abandonadas, recolhidas em casas de correção para menores infratores, “menores” sujeitos à responsabilidade penal. Decretar essas outras infâncias como menores ultrapassa a dicotomia inferioridade-maioridade humana e opera reforçando o padrão de humanidade, racionalidade, moralidade do Nós e não-humanidade, irracionalidade, imoralidade dos outros e de suas infâncias: “menores” em humanidade.

            “Menores” em moralidade, inconscientes do bem e do mal. As políticas socioeducativas e jurídicas reforçam esse decretar: tratar as outras infâncias e adolescentes como “menores” em humanidade, tirá-los do mal, educá-los, moralizá-los para o bem. Uma criminalização dessas infâncias que legitima tantas políticas socioeducativas e jurídicas até no presente: o rebaixamento da idade penal dessas outras infâncias; sua entrega ao controle militar, a educação em escolas cívico-militares; a reclusão de adolescentes infratores; a reprovação sumária de milhares de alunos nas escolas, como indisciplinados, violentos, ameaçadores, “menores” em racionalidade, moralidade, humanidade.

O classificar as Outras Infâncias como menores em humanidade, moralidade, racionalidade persiste em ser constituinte de como o Nós nos poderes, na mídia, nas políticas insiste em classificar, segregar as outras infâncias pobres, das favelas, das periferias e até das escolas públicas como “menores”. Suas indisciplinas não têm sido na nossa história sinais de resistência? Sinais de consciência de saber-se inferiorizados, desumanizados? Que consciência afirmam em suas resistências ao saberem-se decretados na menoridade humana? Uma Outra história, das Outras Infâncias resistentes, afirmantes de Outra História da Educação, de outras matrizes de humanização desde a infância.

 

Infâncias oprimidas: sujeitos de outras pedagogias de oprimidos

            Voltemos a Paulo Freire, à Pedagogia do Oprimido, para olhar e entender essas Infâncias Outras. Como os oprimidos se revelam, se afirmam? Como sujeitos de pedagogias das matrizes mais radicais de formação humana? Que pedagogia de oprimidos? Que matrizes de formação humana, de afirmar-se humanas revelam, desde as vivências de infância oprimidas? Como entender essas infâncias oprimidas sujeitos de outras matrizes, de outras pedagogias de oprimidos? Como fortalecer essas pedagogias, matrizes diversas de humanização que vivenciam como infâncias oprimidas? Que outra dialética de desumanização-resistências-humanização, afirmam? Que outros paradigmas de infância de humano essas infâncias oprimidas reafirmam?

            Na História da Criança no Brasil (DEL PRIORE, 1991), vimos as desumanizações das Outras Infâncias, indígenas, negras, do trabalho, de corpos precarizados, de menores em humanidade, violentadas, abandonadas, vivenciando e resistindo às violências de etnia, raça, gênero, classe; resistindo às violências da fome, da mortandade infantil, violências da pobreza extrema, de sem-teto. Vivências de infâncias resistentes a serem as condenadas da terra, condenadas das cidades. Como olhar essas infâncias?

Na dedicatória de Paulo Freire na Pedagogia do Oprimido (1987), poderíamos incluir essas infâncias oprimidas: esfarrapadas do mundo que sofrem, mas, sobretudo, lutam! Aplicar às infâncias oprimidas o modo como Paulo Freire descobre que os oprimidos se sabem desumanizados, conscientes, resistentes, afirmando sua Outra Humanidade.

            Aplicar às infâncias oprimidas o reconhecimento de serem sujeitos de consciência e de resistências pela Outra viabilidade, a de sua humanização. Quem melhor preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá melhor que eles, desde a infância, os efeitos da opressão? Quem mais que eles para compreender a necessidade da libertação e a necessidade de lutas por ela? (FREIRE, 1987, p.31). É a dialética desumanização-resistência por libertação, humanização que Paulo Freire descobre nos oprimidos e nas Outras Infâncias oprimidas.

 

As Infâncias Oprimidas resistem e interrogam os Humanismos Pedagógicos

            No texto de Paulo Freire: “Um outro paradigma pedagógico?” (ARROYO, 2021), lembramos que o autor prioriza ver e reconhecer os Outros como sujeitos de voz, de saberes, de valores, de culturas, resistindo a ignorá-los, a não reconhecer sua existência, suas presenças na política, na cultura, na história, até na pedagogia. Interrogações de Paulo Freire reconhecendo que os oprimidos existem interrogam a política, a pedagogia, o paradigma hegemônico de humano único que os segrega, mas exige ouvir as interrogações que vêm das outras infâncias oprimidas, de modo a não reprimir sua voz, não ignorar suas presenças na política, na cultura, na história, na pedagogia.

Reconhecer, com Paulo Freire, que se há uma história de infâncias oprimidas, é porque há e persiste em haver uma história de opressores, de estruturas opressoras das outras infâncias e de seus coletivos sociais étnico-raciais, de gênero, de classe. Que lições aprender com Paulo Freire? Reconhecer que as infâncias oprimidas têm sido e persistem em ser uma realidade histórica. Não as ocultar. As opressões continuam, os coletivos oprimidos continuam e aumentam, os processos, as estruturas de opressões se aperfeiçoam em refinamentos. A persistência das opressões das Outras Infâncias não aumentou e se aperfeiçoou em refinamentos? As crianças adolescentes dos coletivos oprimidos decretadas criminosas, extermináveis, violentas, entregues à educação militar, à justiça penal, pelo rebaixamento da idade penal. Tempos de destruição do Estado de Direitos, até dos direitos da infância, desde o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

            Tempos de justiça-justiceira, que criminaliza jovens adolescentes, as Outras Infâncias. Tempos de criminalização, repressão até das Outras Infâncias. Tempos de aumento das opressões sociais sobre os coletivos populares: pobreza, desemprego, sub trabalho informal, fome, pessoas em situação de rua, destruição do programa Bolsa Família... Como o aumento das opressões aumenta a condição de infâncias oprimidas? Quando os coletivos sociais, as famílias sem trabalho, sem renda, sem-teto, sem-terra, sem saúde, sem vida justa e humana aumentam, as infâncias oprimidas também aumentam.

Vidas totais de infâncias oprimidas: que exigências políticas éticas pedagógicas existem? Que outro paradigma pedagógico de infância há? Como o paradigma pedagógico hegemônico tem pensado as outras infâncias? Esse as tem ignorado, afirmando uma infância única, feliz infância, esperança, flor nos jardins da infância? Tem ocultado as Outras Infâncias, as desumanizações com que as estruturas de poder as oprimem? Com Paulo Freire, a pedagogia é obrigada a reconhecer que as Outras Infâncias oprimidas existem e re-existem às desumanizações históricas que as oprimem. Re-existir ao paradigma pedagógico- político, de humano, de infância única, em que se sabe segregada. Interrogações radicais para a pedagogia, para o paradigma hegemônico de infância única, para as políticas e para as educadoras dessas Outras Infâncias.

 

Outras Infâncias oprimidas afirmantes de outro paradigma de humano e de infância

            Nestas análises, nos acompanhou a hipótese de que, como as infâncias, as Outras têm sido pensadas. A história da infância, da pedagogia e da docência tem sido pensada. Agamben, Ariès, Del Priore nos ajudam a entender que a tarefa histórica de humanizar os humanos, desde a infância, tem exigido dos humanismos pedagógicos se pautar por um paradigma de humano e de infância a formar. Mas que paradigma de humano e de infância? Um paradigma único, hegemônico, definido pelos padrões de poder, religiosos, de saber? A lição central de rever a história do humano e da infância é esta:  entenderemos a história da infância, de sua educação, de sua humanização, se entendermos o paradigma de humano e de infância a formar e de infâncias decretadas humanizáveis ou in-humanizáveis. (ARROYO, 2015.)

            Paulo Freire nos leva mais fundo e mais longe: criítica e radicaliza o paradigma único, hegemônico, de humano. Reconhece as opressões como realidade histórica persistente, destaca que coletivos, que humanos são desumanizados, mas reconhece que os oprimidos - de crianças a adultos – têm cor, têm etnia, têm raça, têm gênero, têm classe. Paulo Freire avança no olhar dos oprimidos, dos esfarrapados do mundo; reconhece-os sofrendo opressões, mas subvertendo, lutando por sua libertação para afirmar sua Outra Humanidade.

            Paulo Freire reconhece nos oprimidos - de criança a adultos - sujeitos de outras pedagogias de oprimidos, sujeitos resistentes às opressões, afirmantes de um outro paradigma pedagógico, de um outro paradigma de humano e de infância. Sujeitos de outra dialética desumanização-resistência-humanização. (ARROYO, 2022.)

            Que outro paradigma de humano e de infância afirmam? Que outra dialética desumanização-resistência-humanização? Como entender os processos pedagógicos, as matrizes de humanização que essas outras infâncias e seus coletivos sociais, étnico-raciais e de gênero afirmam? Paulo Freire destaca: reconhecendo as vivências cruéis de desumanizações como persistente matriz de desumanização. O educador insiste em destacar as vivências das desumanizações, como as matrizes reais, radicais de desumanização na história dos oprimidos desde a infância.

            Que outra dialética, afirmante de outro paradigma de humano e de infância?

·         É necessário lutar desde a infância de seus coletivos oprimidos contra as injustiças da sociedade opressora; lutar pela sua libertação: matriz pedagógico-política de humanização que as Outras Infâncias põem em ação.

           É necessário haver outras pedagogias de outras infâncias afirmantes de Outra história do humano, de Outra história das Infâncias, Outra história da educação a exigir outras artes, outras identidades educadoras. Reconhecer com Paulo Freire um Outro paradigma de humano e de infância.

Referências:

AGAMBEM, Giorgio. Infância e História: destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005.

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. São Paulo: Zahar, 1981.

ARROYO, Miguel G. Vidas Re-Existentes Repondo sua Outra Humanidade na História. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2022.

ARROYO, Miguel. G. Paulo Freire: Um outro Paradigma Pedagógico? In: CHACON, Daniel. Pedagogia da Resistêokncia. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2021.

ARROYO, Miguel G. Imagens quebradas. 9ª.Ed. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2019.

ARROYO, Miguel G. Vidas Ameaçadas. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2019.

ARROYO, Miguel G. Descolonizar o Paradigma Colonizador de Infância. In: SANTOS; Soraia (et.al.). Pedagogias Descolonizadoras e Infâncias. Maceió: EDUFAL, 2018.

ARROYO, Miguel G.; VILELLA, Maria dos Anjos; SILVA, Maurício R. Trabalho Infância: Exercícios tensos de ser criança, haverá espaço na agenda pedagógica? Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2015.

ARROYO, Miguel G. O humano é viável? É educável? Revista Pedagógica, Chapecó, v.17, n. 35, mai-ago, 2015.

ARROYO, Miguel G.; SILVA, Maurício R. Corpo Infância. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2013.

DEL PRIORE, Mary. (org.) História da Criança no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 1991.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

GOMES, Nilma L. O Movimento Negro Educado. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2017.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder e Classificação Social. In: SANTOS, Boaventura S.; MENESES, Maria Paula (orgs) Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009.

SANTOS, Boaventura S.; MENESES, Maria Paula (orgs) Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009.

 

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Notas

[1] Ref. Taiguara Chalar da Silva (1945-1996) – cantor e compositor uruguaio-brasileiro. O álbum Hoje foi o quinto em sua carreira, lançado em 1969 pela Odeon, em formato Long Play (LP), popularmente conhecido no Brasil como disco de Vinil.