Agenda neoconservadora como disputa para a política educacional: O discurso da “ideologia de gênero” em notícias publicadas na internet (2019-2021)·
Neoconservative agenda as a dispute for educational policy: The discourse of “gender ideology” in news published on the internet (2019-2021)
Agenda neoconservadora como disputa para la política educativa: El discurso de la "ideología de género" en noticias publicadas en internet (2019-2021)
nfurlin@yahoo.com.br
Recebido em 31de março de 2022
Aprovado em 31 de janeiro de 2023
Publicado em 13 de setembro de 2023
RESUMO
Na última década presenciamos o avanço do neoconservadorismo na política em países da América Latina e Europa. No caso do Brasil, os atores religiosos da vertente cristã conservadora aparecem no centro das disputas políticas em torno das questões de gênero e sexualidades para o campo da educação. Assim, o objetivo deste artigo é analisar o discurso da “ideologia de gênero” nas notícias divulgadas na rede de internet, no período de 2019 a 2021, identificando seus sujeitos, sentidos de gênero reiterados e os impactos para a política educacional. As notícias foram levantadas no site de busca Google com o uso de descritores e analisadas como discursos na perspectiva foucaultiana e com base nos referenciais teóricos acerca do neoconservadorismo de Lacerda (2019), Apple (2003), Biroli, Machado e Vaggione (2020). Os resultados apontam que no governo Bolsonaro houve o fortalecimento do sintagma “ideologia de gênero” na arena política, sendo utilizado como ferramenta político-discursiva reacionária na disputa por uma agenda conservadora na política educacional, cujo interesse é conter os avanços em torno das pautas de igualdade de gênero e do reconhecimento das diversidades. Há um deslocamento da política para a esfera da moral, que coloca em risco a democracia.
Palavras-chave: Neoconservadorismo; Ideologia de gênero; Política educacional.
ABSTRACT
In the last decade we have witnessed the advance of neoconservatism in politics in Latin American and European countries. In the case of Brazil, religious actors of the conservative Christian strand appear at the center of political disputes around gender and sexualities in the field of education. Thus, the objective of this article is to analyze the discourse of “gender ideology” in the news published on the internet, from 2019 to 2021, identifying its subjects, reiterated gender meanings and the impacts on educational policy. The news was collected on the Google search site using descriptors and analyzed as discourses in the Foucauldian perspective and based on the theoretical references about neoconservatism by Lacerda (2019), Apple (2003), Biroli, Machado and Vaggione (2020). The results indicate that in the Bolsonaro government there was a strengthening of the phrase “gender ideology” in the political arena, being used as a reactionary political-discursive tool in the dispute for a conservative agenda in educational policy, whose interest is to contain the advances around the agendas. of gender equality and the recognition of diversities. There is a shift from politics to the sphere of morals, which puts democracy at risk.
Keywords: Neoconservatism; Gender ideology; Educational politics.
RESUMEN
En la última década, hemos sido testigos del avance del neoconservadurismo en la política de países de América Latina y Europa. En el caso de Brasil, los actores religiosos de la corriente cristiana conservadora ocupan un lugar central en las disputas políticas en torno a cuestiones de género y sexualidad en el ámbito de la educación. Por lo tanto, el objetivo de este artículo es analizar el discurso de la "ideología de género" en las noticias difundidas en la red de internet, en el período de 2019 a 2021, identificando sus sujetos, sentidos de género reiterados y los impactos en la política educativa. Las noticias se recopilaron en el sitio de búsqueda Google utilizando descriptores y se analizaron como discursos desde una perspectiva foucaultiana y con base en los referentes teóricos del neoconservadurismo de Lacerda (2019), Apple (2003), Biroli, Machado y Vaggione (2020). Los resultados señalan que en el gobierno de Bolsonaro, se fortaleció el sintagma "ideología de género" en la arena política, utilizándolo como una herramienta político-discursiva reaccionaria en la lucha por una agenda conservadora en la política educativa, cuyo interés es frenar los avances en torno a los temas de igualdad de género y el reconocimiento de las diversidades. Hay un desplazamiento de la política hacia el ámbito de la moral, lo que pone en peligro la democracia.
Palabras clave: Neoconservadurismo; Ideología de género; Política educativa.
Introdução
As últimas décadas vêm sendo marcadas pelo avanço de uma política neoconservadora não somente no Brasil como em países da América Latina e Europa. Flávia Biroli, Maria Machado e Juan Vaggione (2020) mencionam que as configurações atuais que se visualizam na política latino-americana permitem não mais falar de conservadorismo, mas de neoconservadorismo, sendo este um fenômeno que não está restrito a atores, agendas e linguagem de caráter religioso. Contudo, os atores religiosos da vertente cristã conservadora aparecem no centro das disputas políticas, trazendo impactos nos debates públicos. Os atores e neoconservadores têm assumido diversos espaços sociais e políticos e reafirmam uma perspectiva moral como base para a regulação da vida social e reprodutiva de toda a população (LACERDA, 2019).
Trata-se de um fenômeno que emerge em uma temporalidade específica que, no contexto latino-americano, é marcado pelos avanços protagonizados pelos movimentos feministas e LGBTQIA+[1]. Isto é, ele emerge como reação “à agenda da igualdade de gênero e da diversidade sexual, pauta incorporada ao sistema internacional da Organização das Nações Unidas (ONU), a partir dos anos de 1990.” (BIROLI, MACHADO; VAGGIONE, 2020, p. 13). A luta central aparece vinculada ao ataque à “ideologia de gênero” que se trata de uma estratégia política para conter as agendas da igualdade de gênero e da diversidade sexual, contribuindo para corroer a democracia. Nesse contexto, estudos e políticas de gênero são transformados no vilão de todos os problemas morais e sociais e algo que precisa ser combatido.
Na última década, o campo educacional brasileiro foi marcado por disputas em torno das políticas com perspectivas de gênero, as quais haviam ganhado espaço na política dos governos progressistas. Tal embate se relaciona com a ampliação considerável de setores religiosos conservadores no Congresso Nacional a partir das eleições de 2010, cujos atores conquistaram também o controle de comissões estratégicas, como a Comissão de Direitos Humanos, criando entraves para os projetos relacionados à defesa e à promoção de direitos de mulheres, negros, LGBTQIA+, entre outros (MISKOLCI; CAMPANA, 2017). Os grupos conservadores articulam forças na promoção de um discurso relacionado ao gênero e à sexualidade, pautado em uma suposta moralidade religiosa das relações sociais e distanciado do conhecimento científico (SEFFNER, 2020), impedindo a continuidade dos avanços em torno das políticas voltadas para à igualdade de gênero e reconhecimento das diversidades.
Os estudos de Rogério Junqueira (2017), Luís F. Miguel (2016) e Richard Miskolci e Maximiliano Campana (2017) apontam que a gênese do que se chamou “ideologia de gênero” emergiu no interior da ala conservadora da Igreja Católica. Uma “invenção” que surge junto ao Conselho Pontifício para a Família e em Conferências Episcopais, na década de 1990, com o protagonismo de representantes da organização Opus Dei, cujo grupo exerceu poder no papado de João Paulo II. A construção desse discurso defende a naturalização da diferença e da família tradicional, fortalecendo as normas de gênero da heterossexualidade obrigatória, da heteronormatividade e das convenções sociais da cultura patriarcal (FURLIN, 2021).
Miskolci e Campana (2017) mencionam que as investidas contra gênero começam a aparecer nos Documentos do Vaticano a partir de 1997, sobretudo, nos escritos do então Cardeal Josep Aloisius Ratzinger[2], como uma contraofensiva político-discursiva ao feminismo e à sua luta em favor do reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos, bem como aos avanços protagonizados pela IV Conferência Mundial da Mulher da ONU, realizada em Pequim, no ano de 1995, cujo documento final adotou a perspectiva de gênero como conceito transversal para todas as políticas governamentais, em vista da superação das desigualdades de gênero e das discriminações sociais.
O termo “ideologia de gênero” apareceu pela primeira vez em um documento da Conferência Episcopal do Peru, em 1998 e, posteriormente, em um documento da Cúria Romana, publicado em 2002, intitulado Família, Matrimônio e Uniões de fato. Em 2003, o Conselho Pontifício para a Família publicou o Lexicon, que se tornou uma espécie de dicionário com 103 verbetes, com temas relativos à sexualidade, gênero e bioética, abordados em uma perspectiva moralizante e naturalizada. O Lexicon se constituiu um documento base, cujos argumentos passaram a ser usados pelos bispos para promover a “dignidade do matrimônio”, orientando a conduta que os católicos deveriam adotar em relação às questões de gênero e sexualidade (JUNQUEIRA, 2017). Segundo Junqueira, os artigos do Lexicon reverberam discursos sexistas e homofóbicos promovidos por grupos pró-vida e comunidades terapêuticas de cura gay. São discursos filosoficamente atrelados à doutrina professada pela Opus Dei e à teologia do corpo, formulada por Karol Wojtyla.
O Lexicon defende a “família natural”, constituída de pai, mãe e filhos, como único modelo e a educação sexual como primado da família, sublinhando os limites da educação sexual no âmbito escolar. Construiu um discurso contra os avanços das conferências da ONU, em relação às políticas que ampliam os direitos sexuais das mulheres e da comunidade LGBTQIA+ (JUNQUEIRA, 2017).
Na América Latina a retórica da “ideologia de gênero” ficou conhecida com a publicação do Documento de Aparecida, em 2007, que resultou da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribe Nesse documento, a “ideologia de gênero” aparece como responsável pelo enfraquecimento da “família”, por preconizar que cada um pode escolher a sua orientação sexual, sem observar as diferenças da natureza humana. Há uma distorção do conceito de gênero utilizado pelas ciências humanas e uma defesa do modelo tradicional de família (JUNQUEIRA, 2017). Essas ideias se fortalecem com a publicação do livro La ideologia del género. O el género como herramienta de poder, em 2010, do argentino Jorge Scala, um advogado católico do grupo pró-vida. A obra descreve que “a perspectiva de gênero é, na verdade, uma ideologia e, provavelmente a mais radical da história, posto que ao impor-se, destruiria o ser humano em seu núcleo mais íntimo e, simultaneamente, acabaria com a sociedade.” (SCALA, 2010, p. 7).
O discurso da “ideologia de gênero” foi se deslocando do contexto religioso para o campo midiático e da ação política, delineando documentos estatais e discursos de atores políticos, com aparência de laicidade (JUNQUEIRA, 2017). Na arena política brasileira, a cruzada contra a “ideologia de gênero” foi assumida por atores conservadores de instituições católicas, organizações evangélicas neopentecostais e membros do que se chamou movimento Escola sem Partido (MISKOLCI; CAMPANA, 2017). Essa organização atacou não somente uma suposta “doutrinação política e ideológica” que, na visão do grupo, havia adentrado nas instituições escolares, como procurou criminalizar iniciativas educacionais que discutiam temas acerca das desigualdades de gênero, diversidade sexual, combate ao preconceito, ao sexismo e à LGBTfobia.” (CIAVATTA, 2017).
A noção ideologia de gênero se tornou articuladora de um campo discursivo de ação, que serviu para produzir pânico moral na opinião pública e agregar forças políticas contra os avanços democráticos nas políticas educacionais (MISKOLCI; CAMPANA, 2017). Esse discurso se consolida no Brasil a partir de 2011, com a oposição das forças políticas e sociais conservadoras diante do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e do material didático do Programa “Brasil sem Homofobia”[3], que seria distribuído nas escolas para combater a homofobia.
Contudo o discurso da “ideologia de Gênero” ganhou projeção nacional no processo de tramitação e aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) em 2014[4], pressionando a retirada dos termos “orientação sexual” e “igualdade de gênero” do PNE por ser compreendida como implantação da “ideologia de gênero”. Essa polêmica se tornou pública e serviu para desinformar a população acerca das questões de gênero e diversidade (REIS; EGGERT, 2017)
Essa disputa política se expandiu para dentro das câmaras estaduais e municipais, durante o processo de definição de seus respectivos planos de educação. As propostas educacionais, que objetivavam combater a discriminação, valorizar o pluralismo, a laicidade, o reconhecimento das diferenças e garantir uma formação cidadã, passaram a ser denunciadas como ameaça à liberdade de expressão e aos valores morais e religiosos. Em torno dessa disputa o movimento antigênero foi se fortalecendo, atacando currículos escolares, a liberdade docente e defendendo a primazia da família na educação moral dos filhos.
No discurso neoconservador o gênero passou a ser compreendido como um inimigo a ser combatido por ameaçar a destruição da família tradicional, confundir a identidade de gênero das crianças e adolescentes, legalizar a pedofilia e decretar o fim da “ordem natural” (JUNQUEIRA, 2017). Trata-se de uma visão que nega os dados oficiais e estudos científicos sobre a existência das desigualdades de gênero, da discriminação e a violência contra as mulheres e pessoas LGBTQIA+ (REIS; EGGERT, 2017).
A agenda antigênero se tornou o mote da campanha política de Jair Bolsonaro à presidência da república, que não somente o elegeu como contribuiu para ampliar a presença de evangélicos neoconservadores no Congresso Nacional. O resultado das eleições fortaleceu a articulação das bancadas conservadoras, nomeada pela mídia de “bancadas do boi, da bíblia e da bala”. Assim, os grupos ruralistas, religiosos, do agronegócio e fascistas ampliaram a representação no parlamento, ganhando força política para interferir em temas sociais, culturais e educacionais, cujos efeitos podem ser nefastos em diferentes setores da sociedade (LIMA; HYPOLITO, 2019). No campo educacional visualiza-se um cenário de retrocessos em relação às políticas públicas que visavam à construção de uma cultura pautada na igualdade de gênero, na superação da violência contra as mulheres e no respeito às diversidades sexuais.
Considerando esse novo cenário político, pergunta-se como a agenda antigênero do governo atual aparece nos discursos de atores políticos, divulgados nos sites de notícias? Qual é a frequência dessas notícias? Quem são os principais protagonistas e que posição política ocupam? Que sentidos de gênero são reproduzidos? Que impactos trazem para o campo da educação e que projeto de sociedade defendem? Assim, o objetivo do presente artigo é analisar como o discurso político da ideologia de gênero aparece nas notícias divulgadas na rede de internet, identificando seus autores, os sentidos de gênero que são reiterados, as subjetividades que podem existir e os impactos para a política educacional.
Desvendar tais processos é importante no sentido de contribuir com a desconstrução de discursos infundados do ponto de vista da ciência e problematizar projetos que não contribuem com o enfrentamento da desigualdade, da discriminação e da violência de gênero, cujas questões são parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas, do qual o Brasil é signatário.
Pressupostos teóricos e metodológicos
Este artigo é baseado em um estudo qualitativo, de cunho exploratório e analítico, cujos dados foram coletados por meio de notícias acerca do discurso contra a “ideologia de gênero, divulgados na rede de internet, nos anos 2019 a 2021[5], que equivalem aos três primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro. Embora esse discurso se consolide a partir do processo de tramitação e aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), o recorte descrito se deve porque, em 2018, ele foi tomado como agenda de governo na campanha presidencial de Bolsonaro e em 2019 a 2021 ganhou espaço na arena política, em razão da ampliação das forças políticas conservadoras no Congresso Nacional que apoiam o governo.
As notícias acerca da “ideologia de gênero” foram levantadas por meio do site de busca Google, inserindo o descritor ideologia de gênero na combinação com outros termos, como: Bolsonaro, Damares, deputados, escola, currículo, Senado, governo e STF. Selecionamos o filtro “notícias” e no link “ferramenta” personalizamos o intervalo de tempo, por ano, semanalmente e/ou diariamente, excluindo as notícias repetidas, publicadas em sites distintos. As notícias encontradas foram salvas em arquivos separados por ano, sendo enumeradas com o registro do título, data de publicação e link do site. Posteriormente, codificamos a frequência de palavras-chave e criamos algumas categorias para agrupar os conteúdos das notícias, como: sentidos atribuídos a gênero; atores das posições contra o que se chamou “ideologia de gênero” e seus vínculos políticos; atores que defendem o debate de gênero nas escolas; ações ou proposições políticas que envolvem o tema gênero por regiões e ações movidas pelo STF acerca da ideologia de gênero.
Os conteúdos das notícias acerca da “ideologia de gênero” foram analisados como discursos no sentido de Michel de Foucault (1999). Para o autor, os discursos circulam em diferentes modalidades, como conversas cotidianas, normas, decretos entre outras. Em geral, tomam forma de “verdade”, quando se inserem no paradigma dominante. Os discursos exercem poder e produzem significados e efeitos sociais e subjetivos.
É preciso ressaltar que, no sentido foucaultiano a análise do discurso é o estudo de uma prática discursiva. Metodologicamente, não se procuram nos discursos os silêncios ou os não ditos, mas deve tratá-lo no jogo de sua instância. Trata-se, então, de analisá-lo tendo sempre em vista que é por uma certa economia dos discursos de verdade de que há a possibilidade de exercício do poder. Isso porque, aquele que enuncia um discurso é o que traz em si uma instituição e manifesta, por si uma ordem anterior e na qual está imerso (FOUCAULT, 1987).
Os sujeitos que discursam fazem parte de um campo discursivo, uma vez que o próprio discurso é o espaço do posições-de-sujeito e de funções-de -sujeitos diferenciados. Isso faz com que se relacione o discurso com o campo próprio em que esse sujeito é desdobrado, uma vez que “as palavras e os seus sentidos se estabelecem sempre discursivamente” (VEIGA-NETO, 2007). Assim, mais que subjetivo, o discurso produz subjetivação.
Essas considerações teórico-metodológicas nos permitem compreender que os autores dos discursos contra a “ideologia de Gênero” já foram subjetivados por determinados discursos de “verdade”, que constituíram sua visão de mundo. Desse modo, este estudo assume como lentes teóricas para a análise interpretativa dos conteúdos dos discursos os estudos de gênero e aspectos a respeito dos estudos acerca do neoconservadorismo.
Assim, é importante ressaltar que Lacerda (2019), Apple (2003), Biroli, Machado e Vaggione (2020) situam o neoconservadorismo como um movimento político que surgiu nos EUA, fazendo referência à coalizão neoconservadora que elegeu Ronald Reagan como presidente dos EUA em 1980.
Lacerda (2019, p. 58) define o neoconservadorismo como
um movimento político que forjou um ideário privatista (defende o predomínio do poder privado da família e das corporações) antilbertários (a favor da interferência pública em aspectos da vida pessoal), neoliberal (contra a intervenção do estado para a redução das desigualdades), conservador (articula-se em relação ao Estado do bem-estar, ao movimento feminista e LGBT) e de direita (se opõe a movimentos reivindicatórios que buscam a igualdade de direitos).
A racionalidade política neoconservadora se expressa pela forte regulação da moralidade sexual. “Essa racionalidade promove uma forma de cultura política e de subjetivação que prioriza a mobilização do direito de proteger e garantir uma moral sexual baseada na defesa da família (heterossexual) e legitimada por seu potencial reprodutivo.” (BIROLI; MACHADO; VAGGIONE, 2020, p. 25).
Enfim, essas concepções teóricas são importantes para compreender o lugar de fala dos sujeitos que proferem discursos de “verdade sobre gênero” e desvendar os projetos de educação e modelos de família e de sexualidade permitidos que estão inscritos em tais discursos.
A disputa por uma agenda conservadora para a educação nas notícias da internet
Com a eleição de Jair Bolsonaro como presidente da república em 2018 e a ampliação significativa de deputados evangélicos e neoconservadores no Congresso Nacional[6], a agenda do combate ao que chamaram “ideologia de gênero” nas escolas, ganhou força. O estudo de Laís Candeia (2021) mostrou que somente nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro foram propostos treze Projetos Legislativos (PLs) antigênero na Câmara dos Deputados do Brasil[7]. Isso evidencia o empenho desse governo para implementar a agenda conservadora na educação e de exercer controle sobre conteúdos curriculares que não ameacem os valores conservadores em relação à ordem sexual heteronormativa e ao modelo de família tradicional.
Apple (2003) argumenta que a disputa pelo controle dos conteúdos no campo educacional é um dos projetos do neoconservadorismo. Assim, para a racionalidade política neoconservadora, gênero e diversidade sexual são temas que precisam ser regulados de modo que não podem ser enunciados nos documentos das políticas públicas educacionais. Isso justifica o empenho discursivo que visa distorcer os sentidos dos estudos e das políticas de gênero, desqualificando o seu potencial transformador, que torna o gênero um “inimigo imaginário comum” a ser combatido (JUNQUEIRA, 2017, p. 26).
O aumento dos PLs contra o que chamam “ideologia de gênero” evidencia que o discurso antigênero não somente ocupou o cenário da política, mas foi sendo disseminado e reiterado em diferentes cenários da vida pública, inclusive nas mídias sociais, produzindo um efeito de “verdade”, no sentido foucaultiano.
Essa reiteração pode ser evidenciada nos resultados de nosso estudo, que buscou mapear as notícias veiculadas na internet sobre a “ideologia de gênero” nos primeiros três anos do governo Bolsonaro (2019 a 2021) que tem aumentado consideravelmente conforme se observa no gráfico que segue:
Gráfico 1 – Notícias sobre “ideologia de gênero” (2019-2021)
Fonte: Pesquisa de campo – a autora
No período descrito acima, encontramos um total de 204 notícias sobre “ideologia de gênero”[8], sendo 36 no ano de 2019, 60 em 2020 e 108 em 2021. Em geral essas notícias estão relacionadas com o que ocorre no cenário de políticas que envolvem as ações do governo. Por exemplo, uma delas trazia o anúncio de Jair Bolsonaro em criar com urgência um projeto de lei para proibir o que chamava de “ideologia de gênero”, como reação ao Supremo Tribunal Federal (STF), que havia considerado inconstitucional a lei do município de Nova Gama (GO), por proibir o debate de gênero nas escolas (FERREIRA, 2020).
Mesmo diante da atuação resistente do STF que considerou inconstitucionais leis de outros municípios, como Foz do Iguaçu (PR) e Ipatinga (MG), o Governo Bolsonaro tem mantido a disputa insistente pela agenda conservadora acerca do controle de temas de gênero e sexualidades na educação. Essa postura se evidencia a ampliação significativa do número de notícias acerca da “ideologia de gênero” que circulou na internet em 2021[9], como se observa no Gráfico 1. Podemos compreender a ampliação da difusão de notícias acerca do discurso da “ideologia de gênero”, nas ações do atual governo, no sentido de Miskolci e Campana (2017), como forma de articular um campo discursivo de ação, que produz e mantém o pânico moral na opinião pública e agregando forças políticas contra os avanços democráticos nas políticas educacionais. Ou, segundo a visão de Butler (2007), a reiteração de tal discurso tem poder de produzir materialidade de uma suposta “verdade” nos processos sociais que, nesse caso, busca regular regimes sexuais e modelos de famílias considerados legítimos.
Na Figura 1, evidenciamos as 18 palavras mais recorrentes nas 212 notícias, mapeadas no período de 2019 a 2021, destas se destacam: “ideologia”, “gênero”, “escola” e “educação”, como as mais citadas.
Figura 1 - Nuvem com as 18 palavras mais recorrentes nas notícias (2019-2021)
Fonte: elaboração da autora com base na pesquisa de campo e o uso do programa Nvivo.
A recorrência dessas palavras reafirma como o discurso da “ideologia de gênero” e a produção do pânico moral estão fortemente vinculados ao campo educacional, lugar onde se disputa o que deve ser conteúdo curricular. Esse controle sobre qual conhecimento deve ser ensinado, exercido por grupos que integram as forças neoconservadoras, de acordo com Apple (2003), é pautado pela visão de um Estado forte para as políticas que se relacionam às liberdades individuais e à perpetuação de valores tradicionais relativos à família cristã. Assim, é próprio das forças neoconservadoras buscar barrar os avanços progressistas e promover uma agenda contra as pautas da igualdade de gênero e da diversidade sexual (APPLE, 2003).
No intuito de evidenciar a recorrência das palavras nas notícias mapeadas, elaboramos um gráfico que mostra o número de incidência das 11 palavras que mais apareceram.
Gráfico 2 - As 11 palavras mais recorrentes nas notícias (2019-2021)
Fonte: elaboração da autora com base na pesquisa de campo.
Como se observa, a palavra gênero é a mais citada, indicando a disputa por esse termo, que ora aparece no discurso de sujeitos políticos e pesquisadores/as que defendem o debate de gênero nas escolas, em vista da promoção dos direitos humanos, da construção de uma cultura igualitária e do respeito às diversidades; ora aparece no discurso de políticos e de integrantes de um governo de extrema direita, em que o gênero é associado a uma ideologia que precisa ser combatida por ameaçar os valores sobre determinada ordem sexual e modelo tradicional de família.
As outras palavras mais citadas no contexto das notícias fazem parte do jogo dessa disputa entre sujeitos que defendem o debate de gênero na escola e os que se posicionam contra, conforme se observa no Gráfico 3.
Gráfico 3- Posição de sujeitos em relação aos discursos da “ideologia de gênero”
Fonte: elaboração da autora com base na pesquisa de campo
No Gráfico 3 codificamos nas notícias, fragmentos dos discursos de sujeitos que se posicionavam contra a “ideologia de gênero” e daqueles que defendiam a importância do debate de gênero[10]. Desse modo, em uma mesma notícia, algumas vezes encontramos os dois tipos de posicionamentos, o que evidencia como o termo gênero tem se tornado uma disputa política em tempo de ascensão do neoconservadorismo na política.
Nas notícias mapeadas em 2019 encontramos 35 posicionamentos de sujeitos contra a chamada “ideologia de gênero”, indicando 79,54% do total[11]. Essa alta porcentagem, em parte resulta do protagonismo da pastora evangélica Damares Alves, Ministra do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), em seus diferentes enunciados acerca da “ideologia de gênero”, sobretudo no primeiro ano do governo Bolsonaro, conforme mostraremos no Gráfico 4, sobre os sujeitos que se posicionam contra gênero. Em 2020, observamos que de um total de 70 posicionamentos encontrados, 38 eram contra a chamada ideologia de gênero. Embora esse número aumentou um pouco em relação ao ano anterior, representa uma porcentagem menor, ou seja, 54,28%, uma vez que nesse ano se encontrou nas notícias mais posicionamentos de sujeitos que defendiam o debate de gênero, como ferramenta para a promoção dos direitos humanos contemplados na Constituição. Foi justamente no ano de 2020, como já mencionamos, que houve o protagonismo do STF em ações que decretaram a inconstitucionalidade de leis municipais que proibiam o debate de gênero nas escolas. E isso aparece concretamente no Gráfico 5, em que se evidencia quem são os sujeitos que se posicionam “a favor” do debate de gênero[12]. Já no ano 2021, encontramos nas notícias 126 posicionamentos, sendo 80 (69,49%) contra o debate de gênero nas escolas e 46 (36,51%) que defendem o debate de gênero. Essa ampliação de notícias que apontam discursos e estratégias de sujeitos para impor uma agenda conservadora para a educação corrobora com os estudos de Apple (2003), de que o controle dos conteúdos no campo educacional é um dos projetos do neoconservadorismo.
Assim, no Gráfico 4 evidenciamos os principais sujeitos que, segundo as notícias mapeadas, têm se posicionado contra gênero[13], seja em eventos públicos, seja em entrevistas seja no debate acerca da elaboração e aprovação de projetos de leis. Em 2019 se destaca a atuação da Ministra Damares e de políticos eleitos que exercem o poder em diferentes esferas da política[14], filiados em partidos, como PSL, PL, PSD, PSC, PSDB, PROS, PTB e que representam forças neoconservadoras. Em 2020, os principais sujeitos dos discursos públicos contra gênero, nas notícias mapeadas, foram políticos eleitos e o presidente Bolsonaro. Já, em 2021, constata-se o protagonismo de políticos, sobretudo, dos que atuam no legislativo, lugar de onde se produzem as leis e onde ocorrem as principais disputas pela regulação das políticas públicas. O gráfico também aponta outros sujeitos que publicamente têm se manifestado contra o debate de gênero na educação, isto é, lideranças de igrejas. Nessa categoria, agrupamos principalmente pastores evangélicos e padres católicos de grupos religiosos fundamentalistas e conservadores, que segundo o gráfico a seguir, têm ampliado essa retórica, que tem sido importante para a produção do pânico moral, no sentido descrito por Miskolci e Campana (2017).
Gráfico 4 - Sujeitos que se posicionam contra o debate de gênero na educação.
Fonte: elaboração da autora com base na pesquisa de campo
Conforme se observa no Gráfico 4, em 2021, o presidente Jair Messias Bolsonaro e a Ministra Damares Alves já não aparecem mais como os principais protagonistas do posicionamento contra gênero. Esse discurso ganha maior visibilidade na voz de políticos que integram a base neoconservadora do governo. Esses atores conservadores têm distorcido o sentido científico e político da categoria de gênero, que havia sido constituída como uma ferramenta analítica para explicar a construção social das masculinidades e feminilidades, problematizar as desigualdades sociais na produção do conhecimento e transversalizar as políticas públicas, em vista da construção de uma cultura igualitária, conforme apontam os estudos de Scott (1995), Louro (2014), dentre outros. O conceito de gênero foi transformando em uma estratégia político-reacionária contra os avanços das pautas igualitárias dos movimentos feministas, cuja agenda ganhou apoio de parcela da população, por meio da produção de um pânico moral generalizado (JUNQUEIRA, 2017).
O Gráfico 4, aponta que uma das protagonistas do discurso antigênero, que aparece nas notícias mapeadas foi a Ministra Damares. Como representante das forças conservadoras evangélicas, ela assume o Ministério em 2019, afirmando que sua gestão, baseada em princípios “cristãos”, daria início a uma nova era, em que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”. Com isso ela dava ênfase a uma política pautada no binarismo de gênero e da não inclusão da população LGBTQIA+. O conteúdo dos discursos públicos de Damares, mapeado em diferentes notícias, acerca do que se chamou “ideologia de gênero”, distancia-se da concepção científica e apela para a reprodução do pânico moral na população. Ela classifica o que chama de “ideologia de gênero”, como: “maus tratos para as crianças”; “risco para as crianças do Brasil”; “ameaça à família tradicional brasileira”; “teoria que causa o sofrimento de parte dos jovens que se automutilam ou tentam tirar a própria vida”; “não é diversidade sexual”; “escolheram o Brasil como laboratório dessa teoria, mas estamos mandando um recado, que acabou a brincadeira, nossas crianças não são cobaias”.[15]
O discurso público do Presidente Bolsonaro tem reiterado esses mesmos sentidos, produzindo uma suposta “verdade”, que tem base na sua posição evangélico-conservadora. Segundo o então presidente, “ideologia de gênero é coisa do capeta”; "as crianças não querem a ideologia do gênero”; “a ideologia de gênero provoca o desgaste de valores familiares”; “a ideologia de gênero é o lixo aprendido em sala de aula”; “é destruição da infância e dos valores cristãos”. Nota-se que são discursos vazios sem qualquer sentido científico, usado como uma ferramenta reacionária contra as políticas voltadas para à igualdade de gênero e à promoção dos direitos da população LGBTQIA+. Isto é, são discursos de uma visão conservadora e moralizadora, que negam dados oficiais e científicos acerca das desigualdades, discriminação e violência de gênero (REIS; EGGERT, 2017).
Da mesma forma, os políticos da ala evangélica e apoiadores de Bolsonaro atacam o debate de gênero na educação, cuja ação discursiva se torna uma espécie de gatilho que mobiliza forças reacionárias do conservadorismo e aciona o pânico moral na opinião pública acerca da integridade das crianças e adolescentes e do enfraquecimento da família tradicional. Em geral, as notícias evidenciam que o discurso neoconservador da “ideologia de gênero” é acionado nos debates legislativos como um inimigo a ser combatido, por ser considerado responsável pela destruição da família tradicional, por confundir a identidade de jovens e adolescentes, erotizar precocemente crianças, cujas compreensões também têm sido mencionadas nos estudos de Junqueira (2017). Por exemplo, o Deputado Estadual Ismael dos Santos (PSD-SC), considera que a “ideologia de gênero” leva à “desconstrução do conceito tradicional de família e à erotização precoce”. Encontramos, ainda, uma matéria publicada no site A terra é redonda, em 27 de outubro de 2019, em que a educação sexual é associada ao incentivo da pedofilia infantil. Trata-se de uma afirmação da vereadora Mirna Justo (PSDB), do município Lençóis Paulista, que associa a “ideologia de gênero” a um movimento que estaria “incutindo na cabeça das crianças” a “pedofilia como algo normal”[16].
Como se observa, os sentidos atribuídos à “ideologia de gênero” são compartilhados nos discursos dos sujeitos que integram o que denominamos neoconservadorismo. Assim, a noção “ideologia de gênero” se constituiu um campo discursivo de ação, que não somente desqualifica os estudos de gênero, produzindo pânico moral, mas agrega também forças políticas, como uma espécie de “cola simbólica”, que se posicionam contra os avanços democráticos nas políticas educacionais (MISKOLCI; CAMPANA, 2017). Trata-se de uma racionalidade discursiva em que a defesa da família tradicional e da moral sexual heteronormativa ganha centralidade e, segundo Lacerda (2019), Apple (2003) e Brown (2006), uma das características do neoconservadorismo é o destaque direcionado às questões sexuais e reprodutivas, principalmente com o intuito de perpetuar os valores da família tradicional cristã e manter intocado o poder patriarcal.
Desse modo, podemos afirmar que os sujeitos, visibilizados no Gráfico 4 assumem uma posição neoconservadora, no sentido dos estudos de Lacerda (2019), Apple (2003) e Biroli, Machado e Vaggione (2020). Assim, o próprio discurso, na concepção de Foucault (1999), torna-se o espaço de posições-de-sujeito e de funções-de-sujeitos diferenciados, e sua posição social e visão político-ideológica de mundo orientam as palavras e os seus sentidos produzidos, de modo a reproduzir uma “verdade” condizente à própria subjetividade e com o projeto de sociedade que defendem. Em Butler (2007), os efeitos da reiteração de tais discursos performatizam a materialidade acerca dos regimes sexuais e modelos de famílias, considerados legítimos por determinado grupo que tem o poder de controle sobre os corpos dos indivíduos em uma dada sociedade.
Ao defender uma determinada “verdade” sobre regimes sexuais e modelo de família, os sujeitos neoconservadores não somente atuam no controle dos conhecimentos das políticas curriculares, como promovem um discurso acerca de gênero e sexualidade, fundado em uma suposta moralidade religiosa das relações sociais e distanciado do conhecimento científico (SEFFNER, 2020), conforme identificamos nas notícias mapeadas. Isto é, sentem-se no “direito de proteger e garantir uma moral sexual baseada na defesa da família (heterossexual) e legitimada por seu potencial reprodutivo.” (BIROLI; MACHADO; VAGGIONE, 2020, p. 25).
Como já mencionamos, as políticas de gênero têm sido, nos últimos anos, parte de uma disputa política como também se visibiliza nas notícias mapeadas, as quais informam acerca dos principais embates da vida social que, neste caso, se trava no campo educacional, foco desta análise. Nesse jogo de disputa, as notícias visibilizam, ainda, sujeitos individuais e coletivos que assumem um posicionamento social, político-ideológico progressista ou afinados com o ordenamento jurídico de defesa dos direitos humanos. Tais sujeitos têm se manifestado a favor do debate de gênero nas escolas, de modo que consideramos importante evidenciá-los neste artigo.
Assim, no Gráfico 5 codificamos os principais sujeitos ou atores sociais que defendem o debate de gênero na educação, tanto para a garantia de direitos humanos constitucionais quanto para a construção de uma sociedade democrática, pautada na igualdade de gênero e respeito das diversidades[17]. No jogo das disputas políticas, ressaltamos a importância de notícias que informam trazendo, na voz de intelectuais especialistas, o debate acadêmico sobre o sentido dos estudos de gênero no combate da homofobia, discriminação e desigualdades.
Gráfico 5 – Sujeitos se posicionam pelo debate de gênero na educação
Fonte: elaboração da autora com base na pesquisa de campo.
Verifica-se que no primeiro ano do governo Bolsonaro, as notícias mapeadas apontam que a maior porcentagem, ou seja, 85,7% dos posicionamentos que defenderam o debate de gênero na Educação foram de políticos que atuam no congresso em prol de ideologias progressistas e de alguns liberais filiados em partidos, como PT, Psol, PDT, PRP, PSB, PODEMOS[18]. Essa constatação tem sentido quando comparamos com o estudo de Candeia (2021), segundo o qual somente em 2019 tramitaram no congresso nove projetos acerca da “ideologia de gênero”. Considerando que entre os anos de 2014 e 2018 foram tramitados 11 projetos, esse número apenas em um ano, acaba sendo impactante e visibiliza que aliados de Bolsonaro, já no primeiro ano de seu governo, estavam articulados na tentativa da implementação de uma agenda conservadora para a educação, pautada no controle do conhecimento para salvaguardar a ordem sexual e familiar tradicional (CANDEIA, 2021). Tais projetos, levados ao plenário e submetidos à discussão tiveram, certamente, a oposição de políticos progressistas, de modo que parte dessa disputa na arena política circulou nos sites de notícias, o que legitima essa evidência do maior posicionamento de sujeitos políticos em 2019.
No ano 2020, as notícias visibilizam um destaque considerável para a atuação do STF. Essa incidência retrata todo o embate em torno das ações que foram movidas no STF, contra leis municipais que proibiam a abordagem de gênero em escolas. Em três meses, o STF concluiu o julgamento de quatro Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs): no dia 24 de abril a ADPF 457, reconhecendo a inconstitucionalidade de lei do município de Nova Gama (GO); no dia 8 de maio, a ADPF 526 , que tratava de legislação antigênero do município de Foz do Iguaçu (PR); no dia de 28 de maio a ADPF 467, acerca da legislação antigênero e diversidade sexual de Ipatinga (MG); no dia 26 de junho, a ADPF 460 do município de Cascavel, que vedava a adoção de políticas educacionais com o termo gênero e orientação sexual (ALVES, 2020)[19]. Em uma dessas ocasiões, o argumento do voto de Gilmar Mendes considerou que a tentativa de censura ao debate de gênero na educação indicava o reforço de posturas de preconceitos e discriminações, quando esses precisariam ser combatidos. Segundo esse Ministro, “a ausência de debate sobre questões envolvendo sexo e gênero não equivale à suposta neutralidade sobre o assunto. Na verdade, reflete uma posição política e ideológica bem delimitada, que opta por reforçar os preconceitos e a discriminação existentes na sociedade” (ALVES, 2020). Verifica-se, ainda, que em 2020, em segundo lugar, aparecem posicionamentos de políticos com viés ideológico progressistas, ou seja 26,92% do total, cuja reação à agenda conservadora do governo Bolsonaro tem sido divulgada na imprensa.
Assim como outros sujeitos, o posicionamento crítico de intelectuais do campo dos estudos de gênero e sexualidades sempre apareceu estampado nas notícias mapeadas que foram veiculadas na internet, contudo, ganharam maior visibilidade no ano de 2021. Isso mostra que os intelectuais começaram a dar maior visibilidade ao sentido acadêmico dos conceitos e sua posição pela necessidade desse debate e de políticas educacionais pontuais para combater violências, preconceitos e discriminação de gênero. Como se visualiza no Gráfico 05, em 2021 o posicionamento a favor do debate de gênero cresce, não somente entre os intelectuais, mas também no poder legislativo, na voz de sujeitos que integram partidos progressistas e têm tomado posição diante das ofensivas antigênero. Ambos, intelectuais e políticos de viés ideológico mais progressista, nesse ano representam 86,20% do total dos posicionamentos.
Indubitavelmente que a posição de políticos comprometidos com os ideais democráticos e inclusivos; do STF, em defesa dos direitos constitucionais; da ONU, que intervém mostrando que o posicionamentos antigênero ameaça os direitos humanos; e dos intelectuais que buscam desconstruir sentidos produzidos pela retórica conservadora que transforma gênero em uma ferramenta discursiva e reacionária, contra os avanços democráticos, tem sido fundamental para enfraquecer a agenda neoconservadora e conter a força dos discursos que transformam gênero em uma ideologia e arma política para impor padrões ou valores tradicionais, que fortalecem processos de exclusão, discriminação, desinformação e violação dos direitos humanos.
Vale ressaltar que a expressão "ideologia de gênero" não é reconhecida no universo acadêmico, mas usada exclusivamente por grupos conservadores e religiosos ou “empreendedores da moral”[20], como uma ferramenta discursiva contra o debate sobre diversidade sexual e identidade de gênero, no intuito de enfraquecer um projeto de sociedade pautada na igualdade de gênero e em valores democráticos (FURLIN, 2021).
As investidas do conservadorismo contra o debate de gênero no campo educacional impactam de forma negativa ao direito de uma formação de qualidade e integral, baseada em princípios de liberdade de aprender e no pluralismo de ideias, cuja responsabilidade é do Estado como preconiza a Constituição Federal em seu art. 206, que: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino” (BRASIL, 1988, s/p). Essa suposta neutralidade em relação aos temas de gênero e sexualidade na educação, como aparece no discurso dos agentes neoconservadores, tem um viés político porque fortalece processos de desigualdades, preconceitos, discriminação social, ameaçando a garantia dos direitos humanos e o regime democrático do país.
À guisa de conclusão
Neste estudo buscamos analisar como o discurso político da ideologia de gênero tem aparecido em notícias divulgadas na rede de internet nos anos 2019 a 2021, evidenciando os principais sujeitos, sentidos de gênero que são reiterados e impactos desse discurso para a educação.
É importante ressaltar que os discursos jornalísticos, no formato de notícias, não somente informam a população acerca da realidade e dos interesses do jogo no poder político, como também interpelam a opinião pública acerca de sentidos e interesses que podem estar em disputa e, nesse caso, na narrativa que se chamou “ideologia de gênero”. Nesse sentido, as produções discursivas jornalísticas assumem essas duas funções: a de informar a sociedade e a de interpelar a opinião pública para sentidos em disputas.
Assim, por meio dos dados analisados neste artigo, é possível identificar que a enunciação do sintagma[21] “ideologia de gênero” não somente foi recorrente como se ampliou nesses três anos de governo Bolsonaro. Isso retrata um cenário em que as forças políticas conservadoras, que hoje atuam tanto no executivo quanto no legislativo, têm mobilizado discursos, estratégias e ações visando implementar uma agenda conservadora, sobretudo, no campo das políticas educacionais e, ao mesmo tempo, reiterando sentidos distorcidos da categoria de gênero para fortalecer o pânico moral na população e encontrar apoio da opinião pública.
Evidencia-se que a narrativa da “ideologia de gênero” se fortaleceu na arena política com a eleição de Bolsonaro e tem sido utilizada como ferramenta político-discursiva reacionária para conter ainda mais os avanços em torno das pautas de igualdade de gênero e em prol do reconhecimento das diversidades. A “ideologia de gênero” considerada um inimigo imaginário a ser combatido em nome de uma suposta moralidade social, que atende aos interesses dos grupos conservadores, reverberou no cenário da política, com a ampliação significativa da atuação de agentes políticos oriundos de grupos religiosos fundamentalistas no congresso.
Tal cenário promove o deslocamento da política para a esfera da moral, impondo valores das religiões para o conjunto da sociedade. Chantal Mouffe (2015) tem argumentado que o deslocamento da política para a esfera da moral coloca em risco a democracia. A autora considera que o político é o lugar do conflito, do antagonismo das diferentes visões; já na esfera da moralidade, somente existe o que se julga “certo ou errado”, “o bem e o mal” e isso ameaça o princípio democrático da pluralidade. Assim, em nome do “bem”, o debate de gênero na educação é atacado como o “mal” a ser combatido, por se alegar que vem “destruir a família tradicional”, “erotizar as crianças”, e “confundir a identidade dos adolescentes”. Essa ação discursiva moralizadora exclui e discrimina indivíduos e grupos cujas condutas são dissonantes da norma heterossexual da cultura patriarcal, afetando os direitos humanos, a pluralidade e a convivência democrática. Nessa lógica, a ordem familiar heterossexual é considerada a única desejada pela divindade e os demais arranjos familiares não podem existir e sequer ser enunciados nas políticas educacionais, uma vez que ameaçam a moralidade cristã da heterossexualidade e integridade da família tradicional.
Desse modo, foi possível verificar as disputas por sentidos de gênero. De um lado, tem-se um discurso moralizador que produz pânico moral, protagonizado por representantes do executivo e políticos neoconservadores que integram a base aliada do governo. De outro, a defesa do debate de gênero como garantia dos direitos humanos, nos enunciados de intelectuais especialistas em estudos de gênero e sexualidades, políticos com viés ideológico progressista, representantes da ONU e o STF que, sem este último, os retrocessos poderiam ser maiores, como foi evidenciado nas notícias mapeadas para este estudo.
Os resultados da pesquisa mostram que as notícias apresentam discursos que partem de posicionamentos e sentidos distintos, que são colocados em disputa. Segundo Foucault (1999, 1987), os sujeitos que discursam são parte de campo discursivo, em que o próprio discurso é o espaço de posição do sujeito e de suas ações. Aquele que enuncia um discurso é o que traz em si uma instituição e manifesta, por si uma ordem anterior e na qual está imerso. No discurso há um embate por poder, no qual se traduzem as disputas que permeiam um sistema de dominação que, nesse caso, aparecem na perspectiva de uma suposta ordem moral para a sociedade, que tem em vista a regulação da vida social e reprodutiva de toda a população (LACERDA 2019).
Considerando o atual cenário, em que o Estado é tomado por forças políticas de grupos constituídos em uma visão de mundo pautada por valores conservadores, esses transformam a sua “verdade” como a normativa e tentam conter o poder de outros discursos, ou seja, as formulações teórico-acadêmicas acerca de gênero e sexualidades, que são mais inclusivas e democráticas, porque essas representam uma ameaça aos ideais conservadores, que é a manutenção da ordem familiar tradicional e da moral sexual heteronormativa. Assim, os posicionamentos de sujeitos conservadores operam como uma ação discursiva contra as pautas feministas e da comunidade LGBTQIA+, transformando o gênero em uma “ideologia”. Trata-se de uma estratégia político-discursiva que atua como um dispositivo de poder, produzindo pânico moral na opinião pública, com o interesse de assegurar a reprodução da ordem tradicional por meio de uma agenda neoconservadora para a educação, que produza subjetividades e corpos conformados com esta ordem imperativa. E aqueles que escapam do normativo são considerados seres abjetos, no sentido de Butler (2007), de modo que tais corpos não podem existir nem nos enunciados discursivos, porque tendem a ser considerados aberrações, que não estão no plano da “natureza criada pela divindade”.
O mapeamento das notícias evidencia que apesar das ações do STF, que considerou inconstitucional a ofensiva antigênero na educação, permanece a insistência discursiva em prol de uma agenda neoconservadora para o campo da política educacional. Contudo, é preciso dizer que essa agenda de nada contribui com o enfrentamento da desigualdade, da discriminação e da violência de gênero, conforme propõe os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas, de cuja agenda o Brasil é signatário. Desse modo, reiteramos que com o ataque às questões de gênero, baseado em sentidos moralistas, os setores conservadores não somente desqualificam o caráter científico do conceito em questão, mas transformam o que chamam “ideologia de gênero” em uma arma político-reacionária para reproduzir ou reinstaurar padrões tradicionais, que alimentam processos de exclusão, discriminação, desinformação e de violação dos direitos humanos.
Indubitavelmente, a reiteração dessa retórica, que impede o debate de gênero nas escolas, impõe limites para uma formação crítica e cidadã, com base em valores democráticos, como a defesa dos direitos humanos e a construção de uma cultura igualitária. Nesse cenário, acreditamos que, na posição de cientistas sociais e educadores/as, nossas pesquisas precisam denunciar a sustentação equivocada do enunciado da “ideologia de gênero”, que ameaça não somente o caráter político e transformador da educação pública e democrática, como, também, fomenta um pânico moral generalizado na população, enfraquecendo o projeto de uma sociedade pautada na convivência plural, pacífica e igualitária. Assim, pesquisas que apontem as contradições do sintagma da “ideologia de gênero” e desconstroem sentidos infundados, do ponto de vista da ciência, ainda são necessárias para problematizar projetos de sociedade e de educação que não contribuem com o enfrentamento da desigualdade, da discriminação e da violência de gênero.
Referências
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· Agradecimento especial à bolsista do UNIEDU/FUMDES, Sayonara Recalcatti, por sua colaboração séria e rigorosa no levantamento dos dados que viabilizou esta pesquisa.
[1] Compreendendo a diversidade de siglas que envolvem gênero e sexualidades, optamos por utilizar LGBTQIA+, no sentido de considerar todas as expressões acerca das identidades de gênero e sexualidades.
[2] Papa Bento XVI.
[3] Nomeado de “Kit gay” por Jair Bolsonaro
[4] Lei nº 13.005
[5] Os dados foram levantados no segundo semestre de 2020 e no ano de 2021. Assim, as notícias do ano de 2019 e primeiro semestre de 2020, podem não estar 100% precisas, pois nem sempre é possível encontrar as antigas por ficarem mais ocultas. Já, a partir do segundo semestre de 2020 e no ano 2021, acompanhamos os sites de notícias diariamente e ou semanalmente, de modo que esses dados estão mais precisos. Contudo, no geral os dados permitem visibilizar o que ocorreu no cenário político.
[6] Além dos 52 deputados federais eleitos pelo PSL, partido que elegeu Bolsonaro, o governo conta com o apoio de membros de outros partidos que compõe o que a mídia chamou de Bancada BBB (Bíblia, Boi, Bala).
[7] Esse tipo de projeto começou a ser apresentados em 2014, ano em que o discurso da “ideologia de gênero” se consolidou no cenário político em razão das tensões geradas em torno da aprovação do PNE. Assim, até 2018, ano da eleição de Bolsonaro, segundo Candeia (2021) havia sido apresentado 11 PLs, um número menor do que nos dois primeiros dois anos de seu governo.
[8] Usamos o verbo “encontramos” no sentido que pode haver outras notícias que não foram encontradas, mesmo que tenhamos assumido rigor metodológico na busca. Contudo, o número evidenciado nos permite dar certa objetividade em torno da circulação do discurso da “ideologia de gênero”.
[9] Reiteramos que essa ampliação, que mostra a disputa pela agenda da “Ideologia de gênero” em um governo conservador, também pode estar relacionada ao fato de que neste ano realizamos um acompanhamento semanal e, por vezes, diário das notícias publicadas sobre a temática.
[10] Aqui, desconsideramos as notícias que traziam relatos, conceitos e informações gerais em torno da disputa da “ideologia de gênero na educação, narrados por jornalistas, sem a citação de fragmentos dos discursos de autores a favor ou contra gênero.
[11] Os posicionamentos foram contados em cada notícia, embora um mesmo sujeito tenha aparecido em muitas notícias, em contextos distintos.
[13] No Gráfico 4, identificamos individualmente a Ministra Damares e o presidente Bolsonaro, pela maior ocorrência desses nomes nas investidas contra gênero, nas notícias. Agrupamos como coletivo discursos de diferentes políticos e líderes de igrejas. Não incluímos, no gráfico, outros sujeitos que apareceram uma ou duas vezes, como por exemplo: Grupo de pais do Rio de Janeiro e ex-Ministros da educação, de modo que o total de posicionamentos contra gênero registrados no Gráfico 3 não tem equivalência com o número de posições de sujeitos individuais ou coletivos do Gráfico 4, já que optamos por destacar os mais recorrentes.
[14] Aqui nos referimos aos senadores, deputados federais e estaduais, governadores e vereadores das maiores cidades brasileiras, como exemplo de São Paulo.
[15] Discurso reiterado em diferentes notícias que podem facilmente ser encontradas na rede da internet, assim como os discursos acerca da Ideologia de gênero do Presidente Bolsonaro.
[16] Seu discurso na integra: “Por um lado nós estamos nessa luta contra a pedofilia e por outro lado nós temos visto que isso tem sido incutido na cabeça das crianças como normal através da ideologia de gênero.” Cf. https://aterraeredonda.com.br/ideologia-de-gênero-e-governo-bolsonaro/
[17] Da mesma forma como no Gráfico 4, não evidenciamos os sujeitos e instituições citadas uma ou duas vezes, como Canal de TV Cartoon Network, Empresas como: Lego, Bradesco, Human Rights Campaign, dentre outros.
[19] Além dessas ações, no mesmo ano havia mais 12 ações a serem julgadas no STF, sendo que muitas ligadas à Escola Sem Partido (ALVES, 2020).
[21] Termo usado por Junqueira (2017) para se referir à “ideologia de gênero”
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