Políticas educacionais e a atuação das Organizações Sociais: uma análise acerca do Programa Alfabetização 360º na Perspectiva da Educação Integral
Educational policies and the actingof Social Organizations: an analysis of the Literacy 360º Program in the Perspective of the full time Education
Políticas educativas y la actuación de las Organizaciones Sociales: un análisis acerca del Programa Alfabetización 360° según la Educación Integral
Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil
pg54898@uem.br
Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil
Pg54904@uem.br
Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil
jasmoreira@uem.br
Recebido em 07 de março de 2022
Aprovado em 14 de julho de 2022
Publicado em 22 de agosto de 2023
RESUMO
O presente texto tem como objetivo compreender a configuração da proposta denominada de Alfabetização 360° na perspectiva da Educação Integral, oriunda da Organização Social Instituto Ayrton Senna, a fim de analisar sua atuação na Educação Básica pública brasileira. Trata-se do resultado de uma pesquisa qualitativa, exploratória, de caráter bibliográfica e de cunho documental, na qual fundamenta-se em uma concepção crítica e contextualizada, por meio de uma análise atrelada às questões econômicas, históricas e políticas. Os resultados desta elaboração evidenciaram que as Organizações Sociais (OS) atuam em concordância com as legislações aprovadas historicamente no Brasil, especialmente a partir da década de 1990. As referidas Organizações Sociais operam em regiões brasileiras de forma focalizadas e assumem a responsabilidade de formar estudantes alfabetizados, sob ideais de uma educação que se pauta na formação socioemocional para atuação resiliente do sujeito na sociedade de mercado, assegurando assim, a acumulação do capital e os preceitos hegemônicos.
Palavras-chave: Política Educacional para a alfabetização; Organização Social; Relação público-privada na Educação.
ABSTRACT
This text aims to understand the configuration of the proposal denominated Literacy 360° from the perspective of the full time Education, originated from the Instituto Ayrton Senna Social Organization, in order to analyze its role in the Brazilian public Basic Education.This is the result of a qualitative, exploratory, bibliographic and documentary research, which is based on a critical and contextualized conception, through an analysis coupled to economic, historical and political issues.The results of this elaboration showed that Social Organizations (OS) act in accordance with the legislations historically approved in Brazil, especially from the 1990s.The aforementioned Social Organizations operate in localized Brazilian regions in a focused way and assume the responsibility of forming literate students, under ideals of an education that is based on socio-emotional training for the resilient performance of the subject in the market society, thus ensuring the accumulation of capital and the hegemonic precepts.
Keywords: Educational Policy for Literacy; Social Organization; Public-private relationship in Education.
RESUMEN
El presente texto tiene como objetivo comprender la configuración de la propuesta denominada Alfabetización 360° en la perspectiva de la Educación Integral, proveniente de la Organización Social Instituto Ayrton Senna, con el fin de analizar su actuación en la Educación Básica pública brasileña. Se trata del resultado de una investigación cualitativa, exploratoria, de naturaleza bibliográfica y documental, donde se basa en una concepción crítica y contextualizada, a través de un análisis asociado a cuestiones económicas, históricas y políticas. Los resultados de esta elaboración evidenciaron que las Organizaciones Sociales (OS) actúan de acuerdo con las legislaciones históricamente aprobadas en Brasil, especialmente a partir de la década de 1990. Las referidas Organizaciones Sociales actúan en las regiones brasileñas de forma focalizada y asumen la responsabilidad de formar estudiantes alfabetizados, bajo los ideales de una educación que se basa en la formación socioemocional para la actuación resiliente del sujeto en la sociedad de mercado, asegurando así la acumulación de capital y los preceptos hegemónicos.
Palabras clave: Política educativa para la alfabetización; Organización social; Relación público-privada en Educación.
Introdução
As políticas públicas para a alfabetização têm sido enfatizadas nos atuais planos do governo federal para a sociedade brasileira sob o discurso da modernização educativa, no qual estar alfabetizado possibilita ao indivíduo tornar-se empregável. Trata-se de uma concepção pautada no neoliberalismo, “[...] doutrina ideológica que resgata os ideais do liberalismo clássico econômico e que foram retomados para favorecer e legitimar as novas reorganizações econômicas do capitalismo na sua fase mundializada” (MOREIRA, 2012, p. 106), no qual a alfabetização é compreendida como elemento estratégico para preparação1 de pessoas que se enquadrem aos requisitos exigidos pelo mercado de trabalho, em prol do desenvolvimento econômico sustentável do país.
A perspectiva desta pesquisa considera que o processo de alfabetização se refere a aquisição da leitura e da escrita, no qual significam processos de conhecimento que devem levar o ser social a compreender, refletir e participar da política, a fim de adquirir uma compreensão crítica da realidade acerca do mundo em que habita e se relaciona. Em concordância com Macedo (2019, p. 64), consideramos a “[...] Alfabetização como um conhecimento indispensável ao exercício da cidadania, se ensinado na perspectiva da formação crítica dos sujeitos [...]”.
Assim, atentar para a especificidade da temática em questão não exclui a abordagem da dinâmica da sociedade capitalista na atualidade, pelo contrário, estabelece essa necessidade. Nosso posicionamento é amparado nos pressupostos da Ciência da História, por meio dos quais podemos compreender que a educação, especialmente, no que se refere à formação dos sujeitos alfabetizados, não é um fenômeno explicável por si, isoladamente, e sim, pela organização econômica e política da sociedade, isto é, “[...] O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência” (MARX, 2008, p. 45-46).
Como denotam os estudos de Antunes (2015), o desenvolvimento do modo de produção capitalista não é sinônimo de desenvolvimento das condições objetivas de vida e, portanto, não efetiva o “sentido humano” ou a plenitude da vida, já que diariamente presenciamos a expressão da miséria. Dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB, 2021) no primeiro trimestre de 2021 evidenciam baixos índices de desempenho escolar em correspondência com 14,8 milhões de desempregados no Brasil (ANTUNES, 2015).
Atualmente, com o enfrentamento da pandemia do Corona vírus (SARS-CoV-2), um novo desafio afeta a Educação básica, tanto no Brasil, quanto em diversos outros países. De acordo com os relatórios do Banco Mundial (2020; 2021), em razão da situação pandêmica deflagrada desde o início de 2020, cerca de 1,4 bilhões de estudantes de mais 156 países e aproximadamente 170 milhões de estudantes dos países da América Latina e Caribe ficaram sem frequentar a escola como medida para conter a propagação da doença. Ainda de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em 2020 próximo de 5,1 milhões de estudantes não tiveram acesso à educação no Brasil durante o período pandêmico. Desses, 41% estão em faixa etária entre 6 e 10 anos, ou seja, uma faixa etária primordial para aprender os conhecimentos da linguagem escrita.
Apesar dos organismos internacionais reconhecerem as fragilidades econômicas e sociais nos diversos países, esses dados ratificam o posicionamento de defesa capitalista desses organismos deflagrado ao longo dos anos, em que, “[...] Evidenciam uma preocupação maior com os impactos socioeconômicos do fechamento das escolas do que com os aspectos educacionais” (FERREIRA; JANUÁRIO; MOREIRA, 2021, p. 151).
A pandemia, a crise econômica e a relação acentuada que há entre elas impactou significativamente a situação da classe trabalhadora (ANTUNES, 2020a). Salienta-se que a miséria vivenciada atualmente não é ocasionada pela pandemia, pois, ainda que seja amplificada significativamente por ela, antecede-a. Desde a década de 1980, à medida que o neoliberalismo foi se impondo como a versão ideológica e política dominante do capitalismo, o mundo vivencia um estado permanente de crise (SOUSA SANTOS, 2020).
Moraes (2001, p. 8) ressalta que, em face das decorrentes imposições do sistema capitalista em todas as esferas, os países em desenvolvimento obrigam-se a buscar alternativas para que possam participar no “[...] complexo jogo econômico mundializado [...]”. Tais ações têm consequências nas práticas sociais, particularmente na educação, as quais podem ser observadas, fundamentalmente, nos documentos oficiais e nas políticas públicas educacionais, que seguem as recomendações dos organismos internacionais, com a focalização em assegurar a centralidade da Educação Básica nas atuais circunstâncias econômicas e políticas.
Ao analisar acerca da relação entre a Educação e o modo de produção capitalista, Antunes (2017; 2020b) afirma que um conjunto de mudanças desde os anos de 1970 está a configurar o mundo do trabalho, no qual os serviços passaram a ser organizados pela lógica do capital com o mundo informacional e o comando financeiro. No início do século XXI essa relação está sendo profundamente alterada e se intensificou com o crescimento das tecnologias informacionais e digitais. O autor explica que em lugar da rigidez estabelecida nas fábricas do século XX, a mundialização do capital informacional-digital-financeira2 impõe uma nova divisão internacional do trabalho, ou seja, a adoção de trabalhos parciais, precários, temporários, rebaixamento salarial acentuado, perda dos direitos, ampliação do desemprego estrutural, desemprego por desalento, terceirização, informalidade, flexibilidade, o que se configura na precarização do trabalho.
Nesse sentido, Mészáros (2008) afirma que a educação institucionalizada nos últimos 150 anos, teve como propósito fornecer os conhecimentos necessários à máquina produtiva para expansão do sistema capitalista, e também, para gerar e transmitir um quadro de valores que legitima interesses dominantes, como se não pudesse haver outra forma à gestão da sociedade. Ainda se amplificou a atuação das fundações, organizações sociais e outras organizações oriundas do terceiro setor neste contexto, a exemplo da Organização Social Instituto Ayrton Senna, a qual objetivamos analisar neste artigo.
Partindo dessas assertivas, a análise do tema proposto se situa no conjunto da relação público-privada e sua atuação na educação básica, sobretudo na alfabetização. Destacamos que este artigo é proveniente de uma pesquisa de natureza qualitativa, bibliográfica, documental e exploratória, no qual o objetivo é compreender a configuração da proposta Alfabetização 360º na perspectiva da Educação Integral presentes em materiais, conteúdos e documentos específicos que forma divulgados e proferidos em evento organizado pelo Instituto Ayrton Senna3 e analisar sua função na Educação Básica pública brasileira.
O texto está organizado em dois momentos: no primeiro, analisa as legislações, Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBN (BRASIL, 1996), a Lei Nº 9.637/1998 (BRASIL, 1998), a fim de compreender como ocorreu juridicamente a amplificação da política de atuação da relação público-privada por meio das Organizações Sociais (OS) na Educação e na sequência, discorremos sobre a Reforma do Estado e a legalização das OS. No segundo momento, o artigo apresenta as conjecturas do Instituto Ayrton Senna (IAS) e analisamos a proposta denominada Alfabetização 360º na perspectiva da Educação Integral para a educação básica pública. Portanto, apresentamos uma análise histórica, crítica e contextualizada dessa proposta direcionada à alfabetização, com vistas a demonstrar as implicações do IAS no estabelecimento de diretrizes políticas para a alfabetização.
Implicações da Reforma do Estado para a amplificação da atuação das Organizações Sociais na educação
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) anuncia em seu artigo 6º que são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados (BRASIL, 1988). Assim, é indiscutível a relevância do direito à educação e, consequentemente, da alfabetização para a formação humana.
Conforme mencionado na introdução, não desconsideramos a condição de miséria e de sofrimento de milhões de homens e mulheres, circunstâncias evidenciadas em dados estatísticos do relatório da Unicef (2018), segundo os quais a taxa de mortalidade das crianças menores de cinco anos em países menos desenvolvidos em 2017 foi de 5,4 milhões, nem as condições econômicas e políticas atuais no Brasil. No entanto, firmamos a defesa de que todos os sujeitos têm o direito de estarem alfabetizados e de que é necessário o planejamento pelo Estado de um conjunto de políticas públicas que garantam essa formação.
Dessa forma, alfabetizar todos os estudantes é um desafio recorrente na educação brasileira, mas o Estado, que deveria sanar esse desafio e suprir as demandas advindas das necessidades sociais, defende interesses pautado em uma intervenção estatal mínima na área social. Compreender essa implicação nas políticas educacionais, é imprescindível para a análise da amplificação da atuação do setor privado na educação. O Estado torna-se, de um lado, moderador das questões conflituosas que surgem nas relações sociais e de outro, assume a perspectiva neoliberal de um Estado mínimo no que diz respeito aos direitos sociais e máximo no que tange aos direitos do capital, com ênfase no lucro e na mercantilização, isto é, uma intervenção estatal ínfima que favorece um mercado regulador e legitimador (SOUZA; VOLSI; MOREIRA, 2020). Deste modo, em um processo de correlação de forças, os ditames dos ideais do capital mantêm sua hegemonia.
No que refere à educação, cabe mencionar que, em face da correlação de forças daquele período de promulgação de uma Carta Magna, a Constituição de 1988 preconizou em seu texto os valores e os princípios da gestão democrática, como também, os interesses relacionados à educação privada, aos setores confessionais e ao setor empresarial (PIRES, 2015).
Soma-se a este cenário um amplo movimento de reforma político-jurídica do Estado que, no bojo da Nova Gestão Pública (NGP), cumpre função essencial no reordenamento de regulação social em favor do capital. A NGP propagou uma série de mudanças deliberadas de estrutura e processos nas organizações do setor público. Oliveira (2020, p. 86) esclarece que o intuito da NGP se embasava em “[...] propiciar maior flexibilidade à administração pública por meio da desregulamentação de estratégicos setores que estavam sob regulação estatal”. Mencionamos três aspectos fundamentais relacionados ao reordenamento da esfera político-jurídica de regulação social e do trabalho: “[...] a) privatizações diretas de setores públicos e/ou parcerias com o setor privado; b) injeção de fundos públicos, perdão e/ou redefinição de multas e impostos para empresas privadas; e c) desregulamentação das relações laborais” (PREVITALI; FAGIANI, 2020, p. 222). Silva; Moreira (2021, p. 329) acrescentam que neste contexto, o Estado se caracterizou como funcional, sobretudo pós-20164 no Brasil, com a intensificação das medidas da NGP, no qual “[...] se vincula ao modelo de Estado ultraliberal e que, no atual momento, passa por transição sob o ideário que segue tendências internacionais da administração pública”.
A defesa da reforma e da redefinição do papel do Estado brasileiro se desenvolveu, de forma significativa desde a década de 1990 no Brasil, com a justificativa de que a reorganização nas funções prioritárias do Estado objetivava um avanço mais eficiente e produtivo em face das determinações da mundialização do capital. A Educação brasileira, a partir da década de 1990, principalmente no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso – FHC (1995-1998), foi influenciada pelas reformas do Estado advindas de recomendações dos organismos internacionais e, a partir dos anos 2000, pelo aprofundamento da relação público-privada.
Esta relação intensificou-se a partir da Emenda Constitucional nº 95/16, de 15 de dezembro de 2016 que instituiu o Novo Regime Fiscal e congelou os gastos públicos por vinte exercícios financeiros inviabilizando, por um lado, a concretização de um planejamento efetivo dos gestores em ofertar uma educação pública que garanta a qualidade da aprendizagem e, por outro, à busca por parcerias com o setor privado torna-se uma alternativa para suprir as questões relativas aos direitos sociais.
Ao analisar a constituição histórica da relação público-privada no Brasil desde o período colonial, Pires (2015) afirma que o fortalecimento dessa relação na educação é resultado da lógica histórica de apropriação da esfera pública pelos setores privados hegemônicos5que se instituem em ações ‘solidárias’ criadas por empresários e grandes empresas. Na noção de público corrente no Estado Brasileiro, este seria um espaço para a manutenção dos privilégios, o que implica o distanciamento das reais necessidades da população em favor do desenvolvimento do capital.
No governo FHC (1995-1998; 1999-2002), a NGP assumiu caráter sistêmico, pois nesse governo foram defendidas diversas mudanças no campo econômico, gerencial e administrativo, o que “[...] marcou o reordenamento das funções do Estado e da gestão pública para superar, na visão de seus defensores, a crise do próprio Estado e atender às novas exigências do processo de globalização da economia” (FELIPE; CUNHA; BRITO, 2021, p. 4).
As argumentações do então ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser-Pereira (1995-1998), voltavam-se para a ideia de um Estado mais eficiente que gerasse a estabilização da economia e a qualidade nos serviços públicos. Isto é, o papel do Estado seria redefinido para que este deixasse “[...] de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento” (BRASIL, 1995, p. 17). Concordamos com Casimiro (2018), para quem o Estado é um meio de materialização, institucionalização e legitimação do processo de naturalização e universalização dos interesses das classes dominantes, sendo sua reformulação essencial para a adequação contínua ao conjunto de interesses dinâmicos e às determinações internas e externas do capitalismo.
Conforme Pires (2015), os direitos sociais passam a ser considerados como serviços e não mais como direitos de responsabilidade do Estado e a Educação passa a ser “[...] compreendida como um mero serviço, e não como um direito social e uma garantia constitucional [...]” (PIRES, 2015, p. 187). Dessa forma, a ideia de direito social é desmantelada e dá espaço para a atuação da iniciativa privada.
Há de se destacar que, com a reforma do Estado houve a redução da intervenção do papel estatal por meio de ajustes estruturais neoliberais, por meio da privatização, terceirização e publicização6, ou seja, processos de mercantilização das políticas sociais. Isto significa que o Estado prima por resultados da atuação da iniciativa privada na gestão pública. A privatização diz respeito à passagem dos serviços lucrativos do Estado para o mercado. A terceirização é um processo contratual, de transferência para o setor privado de serviços auxiliares ou de apoio. A transferência da gestão de serviços e atividades não exclusivas do Estado para o setor público não estatal é caracterizada como publicização. Nesse caso, o Estado deixa de ser o executor dos serviços públicos e passa a exercer o papel de regulador. A publicização, assim, é um dos princípios da terceira via (SANTOS; MOREIRA, 2018).
No período de 2003 até 2011, o governo Luiz Inácio Lula da Silva apresenta um plano de governo com cunho assistencialista e focalizado para a população menos favorecida e fragilizada, intensificando ações da iniciativa privada para ofertar serviços públicos. Para Antunes (2015) esses serviços foram “migalhas” sociais para resolver as demandas emergenciais de sobrevivência humana.
Freitas (2018) esclarece que a intenção dos reformadores de incorporar uma nova forma de gerenciar os serviços públicos por meio da terceira via pode resultar em um efeito devastador para a Educação pois seguiria os ditames ideológicos e políticos do livre mercado: “[...] uma vez iniciado o processo, coloca-se a escola a caminho da privatização plena da educação, ou seja, sua inserção no livre mercado, como uma organização empresarial” (FREITAS, 2018, p. 50-51, grifo do autor).
Essa nova configuração da reforma do aparelho do Estado materializa um processo de mudança nas responsabilidades dos serviços públicos estatais, as quais são transferidas para o eetor não-estatal. Assim, a regulamentação para que os setores privados adentrem a educação é favorecida com o argumento de que essa forma amenizaria a crise, o que, conforme Antunes (2015) é uma intensificação da barbárie neoliberal. As Organizações Sociais inserem-se como uma política de terceira via para “[...] auxiliar o Estado por meio de recursos privados” (SANTOS; MOREIRA, 2018, p. 336), isto é, a terceira via favorece o mercado e aumenta a atuação do setor privado na esfera pública.
Para Peroni, Oliveira e Fernandes (2009, p. 769) as Organizações Sociais são instâncias “[...] privadas, criadas pelo poder público e já nascem sob a forma de contrato de gestão de um patrimônio público”. Isto significa que sua criação é decorrente da necessidade do Estado de potencializar o atendimento inerente à execução das políticas sociais. Inicialmente, tais organizações foram instauradas pelo Ministério da Administração e Reforma do Aparelho do Estado como “[...] um modelo de organização pública não estatal destinado a absorver atividades publicizáveis mediante qualificação específica” (BRASIL, 1998, p. 13).
Freitas (2018) explica que o objetivo das Organizações Sociais é fornecer respostas rápidas para os problemas de difícil resolução que se apresentam ao setor público e seus gestores. Essas propostas se descontextualizam da realidade escassa em que muitos entes federados se encontram em termos de financiamento público destinado a garantir os direitos sociais, assim, evidenciamos que “[...] o setor público vai sendo asfixiado enquanto a iniciativa privada se desenvolve utilizando o dinheiro público que deveria estar sendo aplicado na expansão da educação pública” (FREITAS, 2018, p. 56).
Geralmente, as Organizações Sociais interferem na oferta de serviços públicos e na área educacional, apresentando, no discurso, projetos eficientes que garantiriam resultados na qualidade da Educação e na formação dos sujeitos. Na prática, defendem interesses privados de instituições que, geralmente, detém um grande capital, portanto, são interesses neoliberais que ressaltam ideais mercadológicos no planejamento de diretrizes para a Educação em que defendem uma alfabetização mínima dos conhecimentos da linguagem escrita com vistas às forças produtivas.
Com foco no lucro, questões pedagógicas, éticas e sociais são colocadas em segundo plano por esse tipo de organização, cujo trabalho pode atingir a política educacional de diversas formas: participação em fóruns e comitês públicos, venda de serviços ou materiais para secretarias de educação, pressão sobre legisladores e executivos do governo com poder de decisão etc (AVELAR, 2019, p. 75).
A relação público-privada é reconhecida pela legislação brasileira. Essa legalidade coaduna-se com a reforma do Estado por meio da qual este descentraliza sua obrigação em prover as políticas sociais e transfere a responsabilização para o mercado privado, conforme observamos no Quadro 1.
Quadro 1 – O público e o privado nas legislações brasileiras
Lei |
Artigo |
Constituição da República Federativa do Brasil – 1988 |
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada. Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei. |
Lei nº 9.637 – 1998 Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências.
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Art. 1. O poder executivo poderá qualificarcomo organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos os requisitos previstos nesta lei. |
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96 – 1996 Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional |
Art. 19. As instituições de ensino dos diferentes níveis classificam-se nas seguintes categorias administrativas: I – Públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público; II – privadas, assim entendidas as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. III – comunitárias, na forma da lei. (Incluído pela Lei nº 13.868, de 2019) (BRASIL, 1996).
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Lei nº 9790 – 1999 Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. |
Art.1. Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que tenham sido constituídas e se encontrem em funcionamento regular há, no mínimo, 3 (três) anos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei. (BRASIL, Redação dada pela Lei nº 13.019, 2014).
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Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).
Conforme exposto no Quadro 1, a CRFB (BRASIL, 1988) assegura o ensino público e gratuito e evidencia que este pode ser ofertado por instituições privadas, podendo os recursos dos fundos públicos ser direcionados para instituições que cunho privado. A LDBN (BRASIL, 1996), em seu artigo 19, dispõe sobre a caracterização das instituições, sejam elas públicas ou privadas, que podem atuar nos diferentes níveis da Educação. Cury (2005, p. 25) afirma que, com a LDBN (BRASIL, 1996), o poder público autoriza o setor privado a interferir na esfera educacional e flexibiliza sua atuação na consecução da Educação, para o autor “[...] o poder público credencia os executores deste bem, autorizando-os e exercendo adequada fiscalização sobre o bem”.
Ao analisar esse processo jurídico, percebemos que, com o objetivo de firmar relações destinadas a garantir os direitos sociais previstos na CRFB (BRASIL, 1988), foi legalizada a atuação das entidades da sociedade civil junto ao Estado, principalmente no que diz respeito ao planejamento de ações e à implementação de serviços. Conforme está explícito na Lei Nº 9.637/1998, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, estas são caracterizadas como “[...] pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde [...]” (BRASIL, 1998). Destacamos também que a Lei Nº 9790/1999 (BRASIL, 1999) dispõe sobre a qualificação de pessoas que tenham como finalidade atender à sociedade no que tange aos objetivos sociais.
Consideramos que, ao atuar no setor público, as OS entram na disputa pelos recursos dos fundos públicos, que, no caso, passam a ser destinados ao setor privado: “[...] o poder público financia, na maioria das vezes, a prestação das políticas sociais, que são executadas seguindo uma lógica privatista” (PIRES, 2015, p. 184). Consequentemente, limitam a autonomia docente e a gestão democrática da escola pública ao impregnar seu perfil mercadológico e suas ideologias para a elaboração de diretrizes para as políticas educacionais e programas de formação docente, gestão, currículo e a avaliação.
Notamos que o direcionamento dos recursos públicos para OS de grandes investidores do mercado neoliberal acarreta o esvaziamento e a desvalorização dos setores públicos. O Estado, “[...] sujeito capaz de garantir o comum para todos” (CURY, 2005, p. 5), ao se eximir de seu papel de mantenedor e transferir sua responsabilidade às OS, anuncia sua ineficiência e desvaloriza o setor público, ao mesmo tempo em que valoriza e fortalece as ações do setor privado.
Alfabetização 360° na Perspectiva da Educação Integral: uma análise acerca das proposições para a Educação
As reformas educacionais correspondem a ações e políticas que estão pautadas na concepção de uma escola flexibilizada que atenda às exigências e aos imperativos da indústria 4.0. Trata-se de um projeto societário que promove uma formação escolar instável, superficial e destinada a atender às necessidades do mercado de trabalho, com a imposição dos grandes capitais à expansão informacional do mundo tecnológico, o que resulta no fortalecimento dos preceitos neoliberais (ANTUNES, 2009; 2017). O cenário é marcado por políticas de ajustes estruturais neoliberais cuja lógica se contrapõe ao avanço das políticas sociais, reconfiguram o sistema educacional e o seu financiamento no país mediante a focalização, descentralização e focalização, como analisam:
No âmbito das políticas educacionais, os ajustes estruturais ocorreram mediante: a) Focalização: mecanismos de substituição da política de acesso universal pelo acesso seletivo mediante programas emergenciais e temporários à pobreza absoluta; b) Descentralização: não necessariamente desconcentrando o poder do Estado, mas sim a gestão dos grandes fundos; e c) Privatização: transferência de responsabilidades estatais, gestão dos serviços públicos para setores privados, o que demandou o crescimento da atuação do setor privado na educação pública (SILVA; MOREIRA. 2021, p. 328).
Cabe salientar que, com as novas configurações no mundo do trabalho surgidas a partir da crise de 20087, um novo projeto sociopolítico globalizado foi instaurado. Mészáros (2011) explica que o sistema de capital, encontra-se, desde os anos 1960 e início de 1970, em uma crise que denomina de estrutural. Conforme sua análise, no interior dos países capitalistas centrais, os mecanismos de “administração das crises” seriam mais recorrentes – e cada vez mais insuficientes. Particularmente, no pós-crise de 2008, vivenciamos uma nova reestruturação produtiva neoliberal, da qual o processo de acumulação flexível é uma das características mais significativas (TONELO, 2020).
O neoliberalismo se reformula e aprofunda suas contradições não somente reconfigurando o mundo do trabalho, mas também, com uma vertente ainda mais avassaladora e excludente à vida dos sujeitos “A realidade contraditória do capitalismo se atualiza desvelando a exploração, a dominação e as opressões em diferentes níveis sociopolíticos, econômicos e culturais” (PUELLO-SOCARRÁS, 2021, p. 39-40). Puello-Socarrás (2021) define esse novo projeto sociopolítico em que novas reorganizações e formas de adaptações são postas ao trabalhador como “novo neoliberalismo”.
Para além de uma ideologia, nesse “novo neoliberalismo” (PUELLO-SOCARRÁS, 2008) há uma extensão ampla do projeto sociopolítico de classes que perpassa todas as esferas sociais em que os sujeitos são responsáveis pela produção de seu próprio capital, assim, os trabalhadores são submetidos à informalidade sem direitos trabalhistas. Isso intensifica ainda mais a desestatização do Estado e aumenta a atuação do mercado como o principal agente na garantia dos direitos sociais. Dessa forma, o “novo neoliberalismo” contribui para a despolitização de grupos e indivíduos em relação às responsabilidades do Estado e, em certo sentido, o mercado torna-se o ‘patrão’ do Estado.
Com a intensificação da participação do setor privado, portanto, do mercado na esfera pública, as OS assumem papel de destaque na prestação de serviços e influenciam o planejamento de políticas públicas educacionais tendo a educação como alvo por considerá-la com grande potencial de lucro, dentre elas o Instituto Ayrton Senna (IAS), que exerce uma função relativamente influente, especialmente no que tange à programas que se voltam à oferta de ações para alfabetizar sujeitos que ainda não se apropriaram da linguagem escrita em regiões distintas do país. Avelar (2019) explica que “[...] essas organizações estão presentes em todo o país, e têm fomentado reformas educacionais em estados inteiros; e muitas vezes políticas educacionais nacionais via parcerias e influência sobre o MEC” (AVELAR, 2019, p. 75).
Para Pinto (2016), diversos estratagemas foram sendo constituídos pelo setor privado para obter financiamento público, o que intensificou a apresentação de propostas que interferem na ação do Estado “[...] Vários caminhos foram sendo encontrados pelo setor privado, lucrativo ou não, para obter com os Executivos federal, estadual e municipal uma parcela crescente de recursos que deveriam ser destinados às escolas públicas” (PINTO, 2016, p. 150).
Conforme informações contidas em sua página oficial, o IAS é uma Organização Social fundada em 1994 para atuar na educação integral por meio de serviços de gestão educacional, a saber: diagnóstico e planejamento, formação de gestores e educadores, desenvolvimento de soluções pedagógicas e tecnológicas inovadoras e mais eficazes. A Organização atende principalmente jovens e crianças em situação de vulnerabilidade e se “autodefine como uma organização que trabalha para criar oportunidades de desenvolvimento humano a crianças e jovens brasileiros [...]” (SANTOS; MOREIRA, 2018, p. 337). No ano de 2004, assegurada na Lei Nº 9.790/1999, a entidade assumiu o regime jurídico de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), podendo firmar contratos de parcerias com as redes públicas e captar recursos do Governo Federal brasileiro.
Dentre muitas ações do IAS no campo educacional, destacamos a ação denominada de Solução educacional para ‘Gestão de Política de Alfabetização’, cujas diretrizes estão expostas no Caderno de orientações, intitulado “Uma Proposta de Política Pública para o ciclo de alfabetização” (2016). Instituída em 2016, a ação, considerada pelo IAS como um programa educacional, foi fundamentada em dois pilares: proporcionar uma Educação integral aos estudantes, de forma que as competências cognitivas e socioemocionais sejam desenvolvidas e contribuir para manter o fluxo escolar por meio da garantia da aprendizagem da leitura e da escrita dos estudantes inseridos no ciclo de alfabetização.
Em relação ao primeiro pilar, conforme os pressupostos do IAS, estar alfabetizado significa além de conhecer a linguagem escrita e suas regras, abrange ensinar ao estudante as múltiplas linguagens que ele “[...] vai precisar manejar ao longo de sua vida, como a linguagem corporal, os meios digitais, a arte ou o letramento científico, e também desenvolver competências socioemocionais para enfrentar os desafios do século 21” (IAS, 2016, p. 12).
Inferimos que as competências socioemocionais têm suas bases conceituais em 1994, nos Estados Unidos com a criação Collaborative for Academic, Social, andEmotional Learning do (CASEL8). Desde então, o intuito promoveu o desenvolvimento integral dos estudantes da Educação básica. No Brasil, esses conceitos foram fortemente defendidos no documento denominado Educação: um tesouro a descobrir (1998), conhecido também como Relatório Delors. Foi financiado pela UNESCO, no qual contém a definição de que a educação deve contribuir para formar sujeitos capazes de se adaptar às transformações sociais, “[...] fazer com que todos, sem exceção, possam frutificar os seus talentos e potencialidades criativas, o que implica, por parte de cada um, a capacidade de se responsabilizar pela realização do seu projeto social" (DELORS, 1998, p. 16).
A proposta do IAS, denominada Alfabetização 360º na perspectiva da Educação Integral, retoma o discurso propalado pelo Relatório Delors (1998) de formar "agentes" sociais resilientes: “[...] Competências socioemocionais são entendidas como características influenciadoras do modo como uma pessoa pensa, sente, decide e age em determinada situação ou contexto” (IAS, 2016, p. 12). A função da escola, no caso, consiste em preparar os estudantes para enfrentar desafios pessoais e profissionais: “[...] tanto adultos quanto crianças aprendam a selecionar atitudes mais adequadas para controlar emoções, alcançar objetivos, demonstrar empatia, manter relações sociais positivas e tomar decisões de maneira responsável e sustentável, entre outros” (IAS, 2016, p. 13).
Nessa vertente, a ação docente alfabetizadora incentiva o autoconhecimento e o protagonismo, por outro lado, substitui os conteúdos historicamente produzidos (SAVIANI, 2008) por experiências cotidianas e práticas sem embasamento científico. Duarte (2008), ao criticar o trabalho educativo amparado no desenvolvimento das competências, proposto no Relatório Delors (1998) e reiterado nas ações do IAS, explica quatro posicionamentos valorativos que fundamentam o lema “aprender a aprender”: aprender por si mesmo; dar mais importância ao método de construção do conhecimento do que ao conhecimento já produzido socialmente; valorizar o interesse e a necessidade do aluno; a educação deve acompanhar o processo de mudança da sociedade. Ao trilhar essa senda, observamos que trata-se de uma concepção educacional voltada para a formação e a adaptação dos estudantes à sociedade regida pelo capital.
O segundo pilar que fundamenta a atuação do IAS por meio de sua ação ‘Gestão de Política de Alfabetização’ (2016) é a necessidade de contribuir para manter o fluxo escolar. É interessante notar que o termo ‘fluxo’, de acordo com o dicionário Online de Português (2021), significa “designação do que se movimenta de modo contínuo”. No campo educacional, de acordo com artigo 24, inciso V da LDBN (BRASIL, 1996), o termo diz respeito ao avanço qualitativo dos estudantes em determinado ano/série em que estão matriculados. Conforme estabelece a LDBN (1996), a verificação do rendimento escolar deve estar fundamentada em alguns critérios, como a “[...] obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos” (BRASIL, 1996).
O cenário histórico demonstra que as desigualdades educacionais permanecem ao longo dos anos e que perpetua a falta de acesso aos conhecimentos acumulados e produzidos pela humanidade. Essas desigualdades educacionais acentuam-se no atual panorama pandêmico que desvela cada vez mais a disparidade educacional. Conforme evidencia o Relatório de Monitoramento Global da Educação 2020 - América Latina e Caribe - Inclusão e educação: Todos, sem exceção, da UNESCO, um em cada dois jovens latino-americanos de 15 anos de idade não atinge a proficiência mínima em leitura.
Na realidade brasileira, isto significa que muitos estudantes não estão concluindo as distintas etapas da educação básica de modo contínuo e qualitativo, ou seja, de forma a aprender e se desenvolver como previsto e assegurado na Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Isso é reflexo do baixo investimento em políticas educacionais efetivas de financiamento ao setor público, em que, os recursos que estão sendo destinados ao setor privado (PINTO, 2016).
Diante dessa constatação notamos que, atualmente, a ação do IAS ‘Gestão de Política de Alfabetização’ está presente em diversas redes de ensino do Brasil como se observa no Mapa - Figura 1. Suas diretrizes são destinadas a apoiar propostas para a formulação de políticas públicas de alfabetização com base no discurso de defesa de Educação integral. O programa, como nomina o IAS, vem se efetivando em algumas regiões brasileiras por meio da implementação da proposta Alfabetização 360º na perspectiva da Educação Integral cuja ênfase é “[...] articular a apropriação do sistema de escrita alfabético com o desenvolvimento de competências socioemocionais e múltiplas linguagens” (IAS, p. 15).
Figura 1 – Atuação do programa Gestão de Política de Alfabetização
Fonte: Elaborado por Alves (2021) com base em Vizzotto (2018).
Ressaltamos que o Brasil ainda apresenta altos índices de analfabetismo, conforme os resultados das pesquisas realizadas pelo IBGE, os quais revelam que muitos brasileiros não têm acesso à aprendizagem da linguagem escrita (MORAIS, 2012). O contingente de crianças, jovens e adultos que ainda não sabem ler, escrever e interpretar o que leem evidencia a ineficiência do Estado, que não consegue prover políticas exitosas para o ciclo de alfabetização e, de maneira geral, para todo o cenário educacional. A falta de incentivo de políticas educacionais efetivas e contínuas do Estado e o financiamento inadequado para o sistema educacional são fatores que evidenciam tal ineficiência (AMARANTE, 2021).
Esses fatores contribuem para que o analfabetismo se mantenha como elemento histórico de desigualdade social e seja alvo de ações de OS no âmbito das escolas públicas com a justificativa de garantir melhores índices. Contudo, a garantia da alfabetização não significa que os problemas educacionais, sociais e políticos possam ser resolvidos. De acordo com dados atuais do IBGE (2019), o Brasil apresenta um quantitativo de 11,3 milhões de pessoas que ainda não se apropriaram da linguagem escrita, sendo que o quantitativo mundial é de 750 milhões de analfabetos.
Destacamos, dentre muitos aspectos observados nas diretrizes do IAS, que suas proposições em muito afetam as ações do Estado no planejamento de políticas educacionais para o ciclo de alfabetização e contribuem para que uma responsabilidade estatal seja transformada em uma desobrigação com a garantia do direito de todos os estudantes estarem alfabetizados.
Alertamos que a proposta Alfabetização 360º na perspectiva da Educação Integral, ao se amparar nas competências socioemocionais, enfatiza e ressalta a aprendizagem da linguagem escrita que, em sua concretude, prepara o sujeito para ser conivente, coerente e colaborativo com a sociedade movida por interesses mercadológicos: “[...] habilidades ligadas ao relacionamento intra e interpessoal, aos valores, ao caráter: as chamadas competências socioemocionais (como habilidades de colaboração, empatia, autocontrole e persistência, entre outras)” (IAS, 2016, p. 7, grifo do autor) e relacionam-se à sustentação, pela prevalência, da hegemonia do capital. Assim, a construção do conhecimento científico esvazia-se, especialmente quando nos referimos à aquisição da linguagem escrita, dando lugar aos ‘saberes’ cotidianos, fazendo com que, cada vez mais, o planejamento efetivo de políticas públicas para a garantia da alfabetização como um bem público seja uma responsabilidade de cada estudante.
Dessa forma, embora na proposta Alfabetização 360º na perspectiva da Educação Integral propale uma alfabetização em todos os níveis de aprendizagem, esse discurso invalida-se quando nos deparamos com a realidade cultural, social e econômica extremamente desigual em que se encontram muitos estudantes das escolas públicas brasileiras. A não aprendizagem da linguagem escrita é consequência dessa desigualdade. Quando compreendemos essa não aprendizagem como consequência da desigualdade, atentamos para a forma da sociedade classista que a produziu e a produz. Nessa perspectiva, não basta pensar apenas em alfabetizar, mas também é preciso combater as condições que geram as desigualdades em todas as regiões brasileiras.
Considerações finais
No decorrer do texto, buscamos analisar a proposta do Instituto Ayrton Senna, denominada de Alfabetização 360° na perspectiva da Educação Integral, e sua atuação na Educação Básica pública. Mediante a problemática abordada e o seu contexto atual, constatamos que, em geral, a educação é organizada para atender aos objetivos do sistema capitalista, oferecendo o mínimo para a classe trabalhadora e visando uma formação para o mercado. Ao compreendermos isso, rompemos com a ideia de ineficácia da Educação atual mostrada nos dados oficiais do governo, IDEB, e consideramos que, pelo contrário, ela é eficaz para a atender e manter a ordem hegemônica vigente.
As propostas do IAS para a alfabetização atendem aos desígnios do mercado, pautam-se em resultados para gerar força de trabalho, todavia há uma preparação de sujeitos focada no aligeiramento, ausência de conteúdos mediante um currículo escolar pautado em teorias comportamentais e cognitivistas, em detrimento de um projeto educativo que vise a formação humana, crítica, consciente e emancipador. Corroboramos com Cury (2010) ao afirmar que a Educação deve cumprir funções sociais que se relacionam ao desenvolvimento humano e ao conhecimento historicamente estabelecido e não somente ao contexto socioeconômico. Garantir que a Educação desempenhe essas funções como um direito humano é dever e responsabilidade do Estado: “[...] A educação como direito social, como bem público e, no âmbito dos poderes governamentais, como um serviço público, não pode e nem deve ficar ao sabor do mercado, como se fosse uma mercadoria” (CURY, 2010, p. 1097). Reiteramos que a aprendizagem da linguagem escrita pelos estudantes é fundamental para sua emancipação crítica e intelectual, para a amenização das desigualdades sociais e para a superação da lógica de mercado.
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Notas
1 Utilizamos o termo “preparação”, pois há uma compilação de documentos oficiais e internacionais de políticas educacionais que utilizam o verbo preparar e não formar, quando se referem aos objetivos educacionais alicerçados nos requisitos para o mundo do trabalho. Todavia, o referencial teórico utilizado para as análises aqui mediadas defende que a alfabetização não é preparação, mas formação sólida, humana e intelectual, para o alcance de sujeitos socialmente emancipados (AMARANTE; MOREIRA, 2019).
2Conforme Filgueiras e Antunes (2020, p. 65) “[...] as empresas liofilizadas e flexíveis dessa nova fase informacional-digital-financeira está a impor sua tríade destrutiva em relação ao trabalho, na qual flexibilidade, informalidade e intermitência se convertem em partes constitutivas do léxico, do ideário e da pragmática da empresa corporativa global”. Os autores afirmam que esse novo aspecto do mundo tecnológico do capital favorece, concomitantemente, que se expanda o ideário fetichizado de que tudo está sob movimento de uma tecnologia autônoma, neutra, quando é, de fato, a engenharia do capital que comanda o algoritmo da produtividade e eficiência do trabalho individual, questão que se acentua com o desenvolvimento da Indústria 4.0.
3 A proposta Alfabetização 360º na perspectiva da Educação Integral se encontra divulgada no site https://institutoayrtonsenna.org.br/pt-br/alfabetizacao-360-na-perspectiva-da-educacao-integral.html Acesso em 25.01.2022
4 Nos referimos ao período pós-2016 por considerarmos um marco no contexto de intensificação das reformas para a Educação Básica, caracterizado por um processo de enfrentamentos e disputas entre o setor privado e a máquina estatal por meio de uma governança corporativa versus pública. Com o governo provisório de Michel Temer (2016-2018), a aliança com o empresariado brasileiro tomou uma dimensão a favor do mercado econômico internacional, em detrimento dos serviços públicos e dos direitos humanos e sociais. Evidenciou-se uma conjuntura marcada, segundo Silva; Moreira (2021) por conciliações em rede, em que a educação se intensifica como um campo fértil para negócios liderados pelo terceiro setor e suas plataformas.
5 A hegemonia, nessa perspectiva, constitui-se pela defesa dos interesses de uma elite dominante, com o aval do Estado. São interesses com o fito de manutenção do poder muitas vezes velados pelo discurso de convencimento de que representam os anseios de toda uma sociedade (SAVIANI, 2008).
6 Entende-se por publicização uma ação direta e de certa forma velada de privatização. Ocorre no âmbito do Estado enquanto promotor dos serviços sociais, no qual a sociedade civil participa do controle social, por meio do mecanismo de ‘publicização’ dos serviços que não contemplam o exercício do Estado, o que corresponde a “[...] uma estratégia política da descentralização para o setor público não estatal na execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado” (MOREIRA; LARA, 2012, p. 67).
7 Conforme Tonelo (2019, p. 13) “a crise econômica internacional de setembro de 2008 representou uma inflexão histórica “. A crise atingiu significativamente o coração do sistema financeiro, foi a “bancarrota do quarto maior banco de investimentos do Estados Unidos, o Lehman Brothers. Suas consequências não se restringiram, dada sua dimensão, à esfera das finanças, mas afetaram toda a economia mundial. No entanto, tanto o alcance dessa inflexão quanto o significado dessa crise não podem ser definidos recorrendo apenas à análise econômica, pois as determinações dessa transformação percorrem as mais distintas esferas da sociedade, entrelaçando a economia com a política, as disputas geopolíticas, as distintas formas de conflito entre o capital e o trabalho, bem como a dimensão cultural nas mais variadas formas de sentir e pensar”.
8 A CASEL é organização que se dedica à busca por evidências de práticas eficazes de educação socioemocional. Tem como foco cinco competências socioemocionais, a saber: autoconhecimento, autocontrole, consciência social, habilidades sociais e tomada responsável de decisões. A partir dessas cinco competências, os docentes tem conhecimento de suas próprias emoções e comportamentos no dia-a-dia e planejam atividades adequadas para cada faixa etária (DURLAK et. al., 2011).
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