Mulheres na Educação Profissional e Tecnológica: violências de gênero e suas (re)configurações em uma racionalidade neoliberal associada ao conservadorismo fascista
Women in Professional and Technological Education: gender violence and its (re)configurations in a neoliberal rationality associated with fascist conservatism
Mujeres en la Educación Profesional y Tecnológica: la violencia de género y sus (re)configuraciones en una racionalidad neoliberal asociada al conservadurismo fascista
Instituto Federal Sul-rio-grandense, Sapucaia do Sul, RS, Brasil.
gislaine.s@gmail.com
Daniela
Medeiros de Azevedo Prates
Instituto Federal Sul-rio-grandense, Charqueadas, RS, Brasil.
danielaprates@ifsul.edu.br
Recebido em 06 de dezembro de 2021
Aprovado em 27 de maio de 2022
Publicado em 22 de janeiro de 2024
RESUMO
Este estudo é fruto de investigação cuja problemática incide em analisar relações de gênero no Instituto Federal Sul-rio-grandense - IFSul, buscando fomentar formas de atuação perante as desigualdades e violências contra alunas e servidoras do Campus Sapucaia do Sul. Neste estudo, assumimos como escopo de análise a violência contra mulheres em um contexto social de racionalidade neoliberal democrática associada a uma forma fascista, problematizando o papel da escola, em especial dos Institutos Federais. A pesquisa ancora-se às interlocuções dos referenciais teóricos sobre gênero e violência (LOURO (2008, 2012 e 2014), LINS (2016), BARROSO, GAMA (2020), ANTUNES (1999), DIAS (2008)) e a configuração social atual (LOCKMANN (2020) e BROWN (2020). São apresentados dois eixos analíticos: o primeiro analisa narrativa publicada em rede social institucional entendendo que se trata da materialização de discursos e práticas machistas e misóginas que parecem se (re)configurar na atualidade; o segundo analisa como estes discursos e práticas dissipados no tecido social se materializam em diferentes formas de violência contra mulheres no Campus Sapucaia do Sul do IFSul. Através de observação participante, análise documental e entrevistas, a pesquisa permite inferir que as relações desiguais de poder estão presentes nos mais diversos espaços e contextos da Instituição, e materializam-se em forma de assédios, constrangimentos, desqualificação intelectual e não legitimação das lideranças femininas, além de revitimização através da atuação institucional. A pesquisa também evidenciou a urgência na implementação de uma política institucional ampla, efetiva e de longo prazo, que oriente a conduta em situações de violência de gênero.
Palavras-chave: Educação Profissional e Tecnológica; Violência de Gênero; Neoliberalismo.
ABSTRACT
This study is the result of a Master's Degree investigation whose issue focuses on analyzing gender relations at the Federal Institute of Sul-rio-grandense - IFSul, seeking to promote ways of acting in the face of inequalities and violence against students and servants of the Sapucaia do Sul Campus. We assume as scope of analysis the violence against women in a social context of democratic neoliberal rationality associated with a fascist form, problematizing the role of the school, especially the Federal Institutes. The research is anchored to the interlocutions of theoretical references on gender and violence (LOURO (2008, 2012 and 2014), LINS (2016), BARROSO, GAMA (2020), ANTUNES (1999), DIAS (2008)) and the social configuration current (LOCKMANN (2020) and BROWN (2020)). Two analytical axes are presented: the first deals with the materialization of sexist and misogynist discourses and practices that seem to (re)configure themselves today; the second seeks to recognize how these discourses and practices dissipated in the social fabric materialize in different forms of violence against women in the Sapucaia do Sul Campus of IFSul. Through participant observation, document analysis and interviews, the research allows us to infer that unequal power relations are present in the most diverse spaces and contexts of the Institution, and materialize in the form of harassment, embarrassment, intellectual disqualification and non-legitimization of female leaders, in addition to revictimization through institutional action. The research also highlighted the urgency of implementing a broad, effective and long-term institutional policy that guides the conduct in situations of gender violence.
Keywords: Professional and Technological Education; Gender Violence; Neoliberalism.
RESUMEN
Este estudio es resultado de una investigación cuyo problema se centra en analizar las relaciones de género en el Instituto Federal Sul-rio-grandense - IFSul, buscando incentivar formas de acción frente a las desigualdades y la violencia contra estudiantes y empleadas del Campus Sapucaia do Sul. En este estudio, asumimos como ámbito de análisis la violencia contra las mujeres en un contexto social de racionalidad democrática neoliberal asociada a una forma fascista, problematizando el papel de la escuela, especialmente de los Institutos Federales. La investigación se ancla en las interlocuciones de referentes teóricos sobre género y violencia (LOURO (2008, 2012 y 2014), LINS (2016), BARROSO, GAMA (2020), ANTUNES (1999), DIAS (2008)) y la configuración social actual (LOCKMANN (2020) y BROWN (2020). Se presentan dos ejes analíticos: el primero analiza la narrativa publicada en una red social institucional, entendiendo que es la materialización de discursos y prácticas sexistas y misóginas que parecen (re)configurarse hoy; el segundo analiza cómo estos discursos y prácticas disipadas en el tejido social se materializan en diferentes formas de violencia contra las mujeres en el Campus Sapucaia do Sul del IFSul. A través de la observación participante, el análisis documental y las entrevistas, la investigación permite inferir que las relaciones desiguales de poder están presentes en los más diversos espacios y contextos de la Institución, y se materializan en forma de acoso, vergüenza, descalificación intelectual y deslegitimación de mujeres líderes, mientras ocurre revictimización através de la acción institucional. La investigación también destacó la urgencia de implementar una política institucional amplia, efectiva y de largo plazo que oriente la conducta ante situaciones de violencia de género.
Palabras-clave: Educación Profesional y Tecnológica; Violencia de género; Neoliberalismo.
O contexto de discussão da tríade gênero, violência e Educação Profissional: notas introdutórias[1]
“Vivemos em um Estado Suicidário!” (LOCKMANN, 2020, p. 2).
A relação entre gênero, violência e educação encontra vasto campo de pesquisas em diferentes perspectivas teóricas. Resguardadas especificidades, significativamente estes estudos vem nos permitindo problematizar os modos em que as diferentes relações entre homens e mulheres se estruturam social, cultural e historicamente, desdobrando-se em desiguais condições de existência para mulheres e ainda mais profundamente para mulheres negras (LOURO (2008, 2012 e 2014), LINS (2016), BARROSO, GAMA (2020), ANTUNES (1999), DIAS (2008).
As desigualdades e seus desdobramentos nas diferentes formas de violência sobre as mulheres podem ser visibilizadas no cotidiano, nos indicadores sociais, nas mídias e redes sociais, nas instituições e no próprio Estado. Circulam em discursos e práticas que perpassam diferentes e desiguais relações de poder, capilarizam-se no tecido social, sustentando-se no que podemos compreender a partir de Foucault (1999 apud LOCKMANN, 2020, p. 3) como “[...] condição da aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de normalização”. O que não implica necessariamente o assassínio direto, mas também indireto conforme conclui “[...] o fato de expor a morte, de multiplicar para alguns o risco de morte ou, pura e simplesmente, a morte política, a expulsão, a rejeição, etc.”. Portanto, trata-se de um Estado que não precisa matar diretamente, mas que expõe a morte através da expulsão, rejeição ou desaparecimento social, “ [...]!” (LOCKMANN, 2020, p. 3).
O Brasil é um país hostil com mulheres e LGBTQI+. A taxa de feminicídio[2] no Brasil é a quinta maior do mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de assassinatos chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres. Entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram violentamente, por serem mulheres. Apenas entre 2003 e 2013, houve aumento de 54% no registro de mortes de mulheres negras. Na maior parte das vezes, são os próprios familiares (50,3%) ou parceiros/ex-parceiros (33,2%) os que cometem os assassinatos (WAISELFISZ, 2015). O arraigado sentimento de posse sobre a mulher, controle sobre corpo, desejo e autonomia e limitação da emancipação profissional, econômica, social ou intelectual são algumas das motivações para os crimes (NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL, 2016). Estima-se que cerca de 90% da população de mulheres transexuais e travestis do país, devido à não aceitação no mercado formal de trabalho, acaba recorrendo à prostituição, e por conta disso são ainda mais expostas à violência (ALMEIDA; VASCONCELLOS, 2018).
Além disso, as mulheres têm maior escolarização, trabalham mais horas por dia, e são menos remuneradas. Segundo o IBGE (2018), no Brasil, mulheres ganham, em média, 76,5% do rendimento dos homens. A carga de afazeres e responsabilidades domésticas e com pessoas dependentes e o baixo número de mulheres que ocupam cargos gerenciais são alguns aspectos que colaboram para essa situação. As mulheres também participam pouco das tomadas de decisão e da vida pública no país: em 2017, éramos 16% no Senado Federal[3], e 10,5% na Câmara de Deputadas(os) Federais.
A baixa representatividade feminina na política brasileira é histórica, e não apresenta progresso significativo, apesar de 52% da população brasileira ser composta por mulheres. Segundo o Mapa Mulheres na Política 2019, um relatório elaborado pela Organização das Nações Unidas - ONU e pela União Interparlamentar, o Brasil ocupa a posição 134 no ranking de representatividade feminina no Parlamento, do total de 193 países pesquisados. São 77 deputadas entre 513 cadeiras na Câmara, e somente 12 senadoras entre 69 homens eleitos. No ranking da representação feminina no governo atual o país ocupa a posição 149, de 188, com 9% de representatividade feminina, quando a média mundial é de 20,7% (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2019).
Durante a pandemia de Covid-19 as desigualdades de gênero são intensificadas e particularizam os efeitos econômicos, sociais e sanitários para as mulheres no Brasil, principalmente mulheres negras e pobres (BARROSO, GAMA, 2020; DE BRITO, 2020; ESTRELA et al., 2020; INSFRAN, MUNIZ, 2020). Dentre as desigualdades de gênero intensificadas neste período estão acesso à renda e ao trabalho, divisão de trabalhos domésticos e de reprodução da vida, violência doméstica e intrafamiliar, direitos sexuais e reprodutivos. De acordo com Agência Brasil (2020), em abril de 2020, as denúncias de violações aos direitos e à integridade das mulheres aumentaram 36% se comparado ao mesmo período de 2019. Com maiores taxas de desemprego (BARROSO, GAMA, 2020; DE BRITO, 2020), a sobrecarga do trabalho não remunerado e a perda da conexão com outras mulheres devido ao distanciamento social, intensificam-se o silenciamento, a invisibilidade e a dificuldade de quebrar o ciclo de violência contra mulheres no espaço doméstico.
O impedimento da primeira Presidenta da República em 2016, seguido da extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e do assassinato da Vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco em 2018, marcam o contexto de crescente hostilidade contra os direitos humanos e contra os avanços e conquistas de direitos de gênero, étnicos e outras minorias.
Essas desigualdades historicamente construíram um mundo aberto ao exercício do espaço público aos homens e de dependência às mulheres, o que no Brasil pode ser visibilizado no fato das mulheres passarem a exercer profissões de forma expressiva somente a partir da década de 80, ainda que marcadamente tenhamos profissões socialmente construídas como masculinas e outras femininas. Trata-se de desigualdades presentes em diferentes âmbitos, inclusive educacionais como na Educação Profissional e Tecnológica (EPT) e nos Institutos Federais (IFs). Em sua pesquisa, Lopes (2016) realizou um levantamento da participação feminina na EPT, e constatou a maior presença de meninas e mulheres nas áreas com ocupações relacionadas ao cuidado, como estética, cuidado pessoal ou de idosos, alimentação, etc. Enquanto que as áreas com menor presença feminina eram as áreas fortemente ligadas às ciências aplicadas, com alto desenvolvimento tecnológico (funcionamento de aeronaves, mecânica, mecatrônica, etc.). Diante deste contexto, a EPT se constitui um espaço propício a reproduzir desigualdades de gênero em suas diferentes formas.
É neste contexto e deste lugar que problematizamos como se desdobram relações de gênero na EPT, a partir da análise sobre as violências de gênero cometidas contra mulheres no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense. Para o exercício deste artigo, apresentamos dois eixos analíticos. No primeiro eixo tomamos como material empírico a narrativa de um servidor da instituição publicada em rede social e institucional, buscando analisá-la como materialização de discursos e práticas machistas e misóginas que parecem se (re)configurar na atualidade. No segundo eixo, buscamos reconhecer como estes discursos e práticas dissipados no tecido social se materializam em diferentes formas de violência contra mulheres no Campus Sapucaia do Sul do IFSul, o que analisamos a partir de dois movimentos: O reconhecimento de diretrizes e documentos organizacionais, de âmbito institucional, a fim de analisar como se desdobram ações de combate às desigualdades e violências de gênero no Campus Sapucaia do Sul, bem como mapeamento e problematização das violências de gênero identificadas na Instituição. Para este exercício analítico, tomamos como materialidade empírica a análise documental de Estatuto, Regimentos, Organização Didática, Regulamentos, Atas de Pré-conselhos[4] e Registros Pedagógicos[5] nominais, além da escuta de cinco alunas e sete servidoras por meio de entrevistas semi-estruturadas.
A análise de dados permite inferir que as relações desiguais de poder estão presentes nos mais diversos espaços e contextos da Instituição, e materializam-se em forma de assédios, constrangimentos, desqualificação intelectual e não legitimação das lideranças femininas, além de revitimização através da atuação institucional. Tais ponderações foram organizadas a partir das seguintes categorias: gracejos e silenciamentos e a reverberação institucional de violências, conforme passamos a apresentar.
“Elas querem tudo ao mesmo tempo”: abrindo o caso
E aí Dr. diretor, parabéns pela vitória em cima das mulheres. Elas querem tudo ao mesmo tempo, ser igual aos homens, fazer doutorado, ter filhos, ser diretoras, reitoras, cuidar do marido e da casa. As que tem né, porque hoje em dia....sem comentários! (Servidor do IFSul em rede social, em Blank, 2021)
Assumimos como provocação para análise o discurso do servidor em rede social, entendendo que não se trata de simples enunciação autônoma, mas de enunciados imbricados a discursos circulantes que, em um estado democrático de direito, seriam reconhecidos como interdito, que não pode ser abertamente dito no espaço público, ainda que amplamente praticado sobre outras formas mais sutis. Parece-nos que, na atualidade, há uma permissividade à manifestação pública do ódio, respaldada pelo escárnio que se coloca na cena política mais ampla, inclusive como postura de representantes de Estado.
A esse respeito, associamo-nos a Lockmann (2020) que, em suas análises sobre a atualidade, argumenta que estamos diante de uma reconfiguração da racionalidade neoliberal democrática associada a uma forma fascista, o que também pode ser entendido a partir do que Brown (2020) define como associação improvável do neoliberalismo ao neoconservadorismo. A articulação entre as autoras nos permite reconhecer como “toma corpo” no presente discursos e práticas que publicamente evocam o ódio às minorias, mas cujas condições de possibilidade em que emergem se sustentam em desigualdades histórico, social culturalmente constituídas.
Sob a égide de uma sociedade democrática, de sujeitos de direito e inclusiva, as desiguais condições de existência para mulheres implicam na violação de direitos que deveriam ser assegurados pelo Estado. Em uma perspectiva pós-estruturalista, podemos reconhecer que a própria noção de democracia colocada em exercício na atualidade como grade de inteligibilidade não é natural. Esta concepção sustentada na noção de sujeito de direito pode ser pensada a partir do que Gallo (2017) denomina governamentalidade democrática. Grosso modo, podemos entendê-la como uma racionalidade, em que determinados modos de pensar social, política e economicamente, especialmente a partir dos anos 80 no país, engendram-se em uma maquinaria que opera na condução de todos e cada um, tomando como ênfase a afirmação e promoção da cidadania (LOCKMANN, 2020).
Conforme a autora, esta noção de sujeito de direito fundamenta a ação governamental a partir do imperativo da não exclusão. Trata-se, da regra máxima de um governo neoliberal que todos façam parte do jogo, conforme analisa a partir de Foucault (2008, p. 277): “ [...] a sociedade inteira deve ser permeada por esse jogo econômico e o Estado tem por função essencial definir as regras econômicas do jogo e garantir que sejam efetivamente bem aplicadas [...] que ninguém seja excluído deste jogo”. Assim, em uma racionalidade neoliberal democrática, não excluir e tornar todos cidadãos são estratégias de governar a população: “Constituir a todos como sujeitos de direito é justamente o que permite ao Estado torná-los governáveis” (LOCKMANN, 2020, p. 5).
A partir destas “lentes”, podemos problematizar como as desigualdades histórica, social e culturalmente constituídas por relações marcadas profundamente pelo patriarcalismo e escravidão em nosso país passam a se (re)engendrar, sobremaneira a partir dos anos 80, em uma maquinaria que toma como central a noção de sujeito de direito e como isso passa a operar, em seus limites, ao imperativo da não exclusão. A recente e crescente inserção das mulheres na vida pública, como cidadãs de direito, de forma alguma elimina (outras) formas de exclusão, mas as colocam no jogo, ao menos até o limite em que passam a ocupar lugares que disputam em suas distintas linhas de força as próprias regras deste jogo.
A questão que parece se colocar na atualidade é uma aproximação improvável de linhas de força, de diferentes racionalidades que se misturam e comungam o desmantelamento do “social”, entendido como local em que experimentamos um destino comum, em que reconhecemos e construímos a noção de bem comum, fundamental à democracia, conforme permite depreender Brown (2020, p. 38):
[...] local em que cidadãos de origens e recursos amplamente desiguais são potencialmente reunidos e pensados como conjunto. [...] admitidos como cidadãos com direitos políticos [e] reunidos politicamente (não meramente cuidados). [...] O social é o local em que somos mais do que indivíduos ou famílias, mais do que produtores, consumidores ou investidores econômicos e mais do que meros membros da nação.
Neoliberalismo e neoconservadorismo se associam, reconfigurando as regras do jogo e abrindo caminho para o que Brown (2020) entende como corrosão política, social e moral de valores como democracia, justiça e respeito a pluralidade. O que é extremamente perigoso às minorias políticas, como as mulheres, especialmente negras, a população LGBTQI+ e, podemos acrescentar, indígenas.
Conforme a análise da autora – e que pode ser pensada no contexto atual brasileiro – por um lado estamos vivenciando uma privatização econômica neoliberal que não é propriamente novidade, com a dissolução do social em nome do mercado, do capital financeiro, a partir de uma lógica que individualiza e fragmenta o social, portanto, subverte a democracia, legitima desigualdades, exclusões e justifica a apropriação privada do comum.
O que parecia improvável é a associação a uma extensão do que denomina esfera pessoal protegida por meio da familiarização e cristianização. Entende que se trata de um duplo movimento de privatização que se estende a própria nação: a expansão da liberdade individual contra a justiça social, o público, o que é comum, e neste sentido o próprio Estado. Ao mesmo tempo, legitima como valores públicos a extensão da esfera pessoal e protegida, em uma liberdade individual desenfreada, destituída de ética, gestada por séculos pelo niilismo e intensificada pelo neoliberalismo (BROWN, 2020).
Trata-se de uma política de indiferença ao outro, de desintegração de um pacto social alimentada pela valorização neoliberal da liberdade desinibida de qualquer limite ético, moral ou compromisso como o outro. Esta liberdade desenfreada coloca em cena o que entende como masculinidade branca ressentida, formada em parte por indivíduos que, destituídos de melhores condições de vida, não reconhecem sua situação como efeito da expansividade do próprio neoliberalismo e buscam nas práticas persecutórias o inimigo imaginado: mulheres, negras(os), imigrantes (BROWN, 2020).
É o que podemos tomar como lentes de inteligibilidade para analisarmos o fato de um indivíduo se sentir autorizado a expandir para esfera pública pensamentos que evocam discursos e práticas misóginas e machistas que nutre na esfera individual. Neste ponto, é importante enfatizar que a liberdade de expressão – importante direito presente desde a democracia secular liberal – traz direito ao dissenso político e o livre exercício religioso, por exemplo, mas não é um direito absoluto: é limitado ao interesse público, na convivência em espaço comum. O que, em um estado democrático, consagra-se no princípio de igualdade, conforme confere a Constituição Brasileira de 1988 que determina a não discriminação pelo sexo, raça, cor, origem, crença religiosa, idade, etc.
Dito de outro modo, podemos reconhecer este exercício entre a esfera privada e a esfera pública a partir das categorias sociológicas da “casa” e a “rua” propostas por Da Matta (2000, p. 15):
[...] Quando digo então que “casa” e “rua” são categorias sociológicas para os brasileiros, estou afirmando que, entre nós, estas palavras não designam simplesmente espaços geográficos ou coisas físicas comensuráveis, mas acima de tudo, entidades morais, esferas da ação social, províncias éticas dotadas de possibilidade, domínios culturais institucionalizados e, por causa disso, capazes de despertar emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas.
A “casa”, mais do que um espaço geográfico onde habitamos, também é o local onde em tese há segurança para assumir determinado modo de vida, pensamento, crença, é o local onde se pode escolher valores morais e éticos, decidir quem é convidado a entrar e o que se descarta. A “rua” não é local em que jogamos ou se encontra o descarte, o lixo – literal ou metaforicamente. É o espaço da convivência, da diversidade, onde diferentes linguagens, modos de ser e viver se encontram e precisam partilhar de regras comuns, voltadas ao que é público, ao bem comum.
A expansão da esfera privada exacerba a noção do direito de liberdade associado a uma moral individual que se desintegra de qualquer preocupação ética com o outro, com o comum. A enunciação pública do servidor do IFSul nas redes sociais parece partilhar deste sentimento de legitimação ao tirar de “casa” todo seu “lixo” e jogar na “rua”. Mas não é um “lixo” gestado individualmente, produz-se articulado a condições histórica e culturalmente presentes em nossa sociedade e que pareciam em decomposição em um estado democrático.
Assim, entendemos que este enunciado materializa práticas e discursos machistas e misóginos que visibilizam em sua forma “escrachada” e pública reconfigurações em tempos onde a racionalidade neoliberal democrática associa-se a uma forma fascista. Ao mesmo tempo, argumentamos que estes discursos e práticas encontram-se dissipados no tecido social, nos diferentes âmbitos e relações, nas micro relações do cotidiano, ou nos microfascimos, conforme permite compreender Lockmann (2020). O que passamos a tratar a partir do reconhecimento sobre formas de violência contra mulheres no Campus Sapucaia do Sul.
Violência de gênero no âmbito institucional: cada caso é um caso?
Nesta seção, propomos analisar como discursos e práticas perpassadas no tecido social se materializam em diferentes formas de violência contra mulheres no Campus Sapucaia do Sul. Para isso, em um primeiro movimento, partimos da análise documental das diretrizes orientativas e organizacionais da Instituição para então buscar reconhecer como se desdobram ações de combate às desigualdades e violências de gênero no Campus Sapucaia do Sul. Em um segundo movimento, valemo-nos da análise de documentos produzidos no Campus, como Atas de Pré-Conselhos e Registros Pedagógicos, bem como de entrevistas a servidoras e alunas, buscando identificar formas de violências de gênero na unidade, conforme passamos a tratar.
A análise das diretrizes orientativas e organizacionais da instituição constituiu um intenso movimento que tomou para o exame os seguintes documentos: Estatuto e Regimento Geral do Instituto Federal Sul-rio-grandense, Regimento Interno do Campus Sapucaia do Sul e a Organização Didática da Educação Básica, Profissional e Superior de Graduação.
Os documentos analisados não citam departamentos e/ou coordenadorias que devem ser envolvidos em situações de violência de gênero, não preveem ações coordenadas e intersetoriais, tampouco permitem a identificação de estratégias para o combate à violência de gênero ou para a promoção da igualdade de gênero. A única instância claramente demarcada para atuação no sentido de fomento à igualdade de gênero é o Núcleo de Gênero e Diversidade - NUGED, de caráter não obrigatório, ao contrário de outros núcleos, também essenciais como o Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Específicas – NAPNE, e o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas – NEABI.
Nesse sentido, é possível observar que a Instituição não apresenta, em suas diretrizes orientativas e organizacionais, regramento e ações institucionais de combate à desigualdade de gênero, tampouco apresenta prerrogativas deliberativas que orientem a atuação institucional no tratamento a situações de violência de gênero, especificamente. A possibilidade de formação de um núcleo em cada unidade, que se ocupe em discutir questões de gênero, é a maneira como a Instituição se mostra disposta a debater a (des)igualdade de gênero.
O que estes documentos não apresentam, em seus interditos, se torna responsabilidade de cada unidade da Instituição, que é multicampi. Assim, a atuação perante situações de violência de gênero pode ocorrer de diferentes formas em diferentes unidades. O que se observa na unidade em que este estudo se debruça, o Campus Sapucaia do Sul, é que essas situações são tratadas de acordo com análise individualizada de cada situação em conformidade com a visão de cada agente/sujeito envolvido no contexto, que buscará (ou não) a resolução do caso.
Mas cada caso é um caso? Apropriamo-nos do questionamento de Fonseca (1999) em sua crítica teórico-metodológica a falta de rigor cientifico no uso da Etnografia por pesquisas que ignoram o contexto social em que os sujeitos estão inseridos, reduzindo-se a análises individualizadas que tornam cada caso, um caso.
Deslocamos a questão da crítica teórico-metodológica em que se constitui para levantarmos as seguintes inquietações: quais os efeitos de se tratar cada caso de violência de gênero individualmente, sem considerar o contexto social em que os indivíduos estão inseridos? Não seria deixar de reconhecer que atitudes aparentemente individuais estão implicadas em uma estrutura social desigual que produz formas de violência contra mulheres?
Entendemos que, ao tratar cada caso como um caso, estamos operando com formas de responsabilização de cada agente/sujeito envolvido na resolução de problemas que não são apenas locais, mas estruturais. Por um lado, esta prática dificulta a identificação de comportamentos que não são “casos” particulares, mas coletivos. Por outro, desonera a responsabilidade institucional na construção e efetivação de políticas de combate a violência de gênero.
O que opera coerentemente a uma racionalidade neoliberal que, nos diferentes aspectos da vida (econômica, política, social e subjetiva) conduz a uma lógica que individualiza e fragmenta o social, eximindo o Estado da responsabilidade social e responsabilizando o indivíduo pela resolução de problemas que são estruturais (BROWN, 2020). Assim, a gestão dos riscos se desloca para uma responsabilidade individual, enquanto o Estado passa a se curvar a uma lógica de finanças globais. (DARDOT e LAVAL, 2016).
Para melhor compreendermos como esta lógica opera nas práticas do cotidiano sob o desígnio de que cada caso é um caso, tomamos para análise determinados comportamentos e situações recorrentes, identificados nos documentos e/ou nas narrativas das entrevistadas. O que discutimos a partir das seguintes categorias: gracejo e silenciamento e suas formas de reverberação das violências de gênero.
O gracejo, o silenciamento e o papel Institucional no combate à violência de gênero
Nesta discussão, assumimos para análise Atas de Pré-conselhos de quatro semestres (2018 e 2019) e Registros Pedagógicos nominais (42 selecionados ao total), e relatos de cinco alunas e sete servidoras. Este movimento permitiu identificarmos alguns padrões de violência de gênero presentes no ambiente escolar estudado. Um deles é o silenciamento de práticas de violência. Outro é a prática de comentários carregados de teor violento e discriminatório, disfarçados de humor e descontração. Ambos foram identificados na análise documental e nas entrevistas às discentes, recorrentemente.
As práticas que ocultam as violências sofridas podem ocorrer por diversos motivos, e não necessariamente são planejadas ou intensionais. Os documentos analisados não são produzidos com o intuito de servirem de fonte de estatística ou de pesquisa, tampouco são utilizados como fontes ou indicadores para planejamento de ações institucionais.
Nas Atas de Pré-conselhos, foram identificados descontentamentos por parte das(os) alunas(os) com as brincadeiras “sem filtro” e “sem limites”, relatos de “piadas e assuntos inadequados e preconceituosos”, “piadinhas sem graça”, “piadas ofensivas”, “colocações desnecessárias” e “piadas bagaceiras”. Além disso, comentários machistas e grosseiros e interrupção de alunas aparecem nos pontos negativos das atas, produzidas por discentes.
Quando as(os) alunas(os) querem demonstrar descontentamento com comportamentos que desmereçam a condição de discente, ou quando estão descontentes com a atuação pedagógica e práticas de ensino, os relatos são contundentes e estabelecem ligação direta com o que foi feito, o que foi dito, o que ocorreu. Assim, descrevem com clareza descontentamento frente a materiais utilizados pela(o) docente em sala de aula, inadequações didáticas como exagero de apresentações em Power Point, ou a maneira de falar/explicar o conteúdo como sendo o problema.
Por outro lado, foram recorrentes outras reclamações, de modo reticente, com uma linguagem que permite identificar algum nível de autocensura, tangenciando a descrição de um comportamento machista, racista ou LGBTfóbico. Os relatos de “piadas bagaceiras” e “piadas preconceituosas”, por exemplo, deixam transparecer um sentimento de desconforto em replicar o que foi dito. Ao mesmo tempo em que essas(es) alunas(os) encontram na ata um espaço seguro para dizer que sofrem opressão, que determinada(o) docente não está explicando bem a matéria, o mesmo não ocorre para que seja possível replicar essas piadas. Como se fossem tão “bagaceiras”, que não deveriam ser transcritas.
As diferentes maneiras de registrarem descontentamentos com práticas de ensino e com comportamentos “constrangedores” podem ser classificadas como ditos e interditos. O que se pode dizer, e o que não se pode. Quando há interdito, há o silenciamento em classificar abertamente como violência e denúncia. As expressões utilizadas para se referirem a constrangimentos sofridos aparecem como uso do que pode ser dito, para descrever o que não pode. O que também se mostrou presente nas narrativas das alunas:
Os professores fazem comentários depreciativos pras alunas, que não fariam pros alunos. Às vezes são coisas sutis que a gente tenta corrigir na hora, ou até falar alguma coisa pra ele notar que isso não foi legal. Mas é difícil, a gente sempre tá em número menor, às vezes é a única mulher ali. E a gente acaba não sabendo o que fazer. Como vou me defender, me impor, no meio dessa quantidade de gente que não pensa como eu? Ou vou aceitar isso e ficar quieta? Eu nunca sei como reagir. ((Kwolek, aluna, 19 anos)
Esse professor sempre faz piadas de cunho sexual. [...]. Nunca teve denúncia dele, porque é bem essas coisas que são machismos do dia a dia que as meninas aguentam, entendeu? Mas é desconfortável. Nem nas atas de pré conselho falamos, primeiro porque é visto como uma coisa sem importância. Um traço da personalidade do professor que a gente tem que aturar. Segundo que ia causar um constrangimento, e elas têm medo da resposta, é óbvio. (Rosa, aluna, 18 anos)
Em situações em que a aluna se sente isolada no ambiente escolar, as piadas conquistam a maior parte do público (masculino), enquanto oprimem e desencorajam as alunas. Essa aparente adesão ao discurso machista e/ou misógino que os colegas demonstram ao rir das piadas, dificulta o enfrentamento das alunas que, muitas vezes, não conseguem se defender e se sentem ainda mais sozinhas no ambiente escolar, pois há esse comportamento de aceitação ao posicionamento do interlocutor por parte da turma. São tramas relacionais, marcadas também pelas diversas graduações de poder e hierarquia presentes nas relações docentes/discentes em espaço escolar que interferem diretamente no comportamento dos alunos, quando aderem às piadas, e das alunas, quando silenciam.
Nos registros nominais referentes a discentes também identificamos casos de ocultamento de informações, que caracterizam silenciamento de violências. Em registros envolvendo discentes transexuais o gênero atribuído ao sujeito durante a transcrição do relato nem sempre está de acordo com a identificação de gênero da pessoa envolvida. Esse ocultamento pode ser característico de desinformação, ou da não priorização da correta menção do gênero do sujeito, pois identifica-se a preocupação com o bem estar, com a saúde e com a inclusão destas(es) alunas(os) no desenrolar dos registros, o contato com familiares e o encaminhamento a setores de atendimento psicológico, quando necessário.
Violência de gênero não é um comportamento colocado como foco de atenção, como algo que “está no radar”, conforme relata uma entrevistada. Não há uma atitude institucionalizada de busca e identificação de desigualdade de gênero ou de relações e comportamentos violentos, e, como questões de gênero se encontram intrincadas, permeadas nas tramas das relações interpessoais e coletivas, a causa das desavenças, brigas, desentendimentos, entre outras diversas ocorrências, não é nem identificada como sendo relacionada ao machismo ou a LGBTfobia.
“Nada afeta, nada toca, são intocáveis!” A Instituição combate ou reverbera as violências de gênero?
Sinto que tem esse peso, que eu preciso fazer muito mais força pra lutar contra essa pressão que tá ali. Ela não é explícita, mas se sente. É uma presença. Eu sinto isso o tempo todo. (Nina, servidora)
As relações de poder e a dimensão de gênero são temas fundamentais para a análise de comportamentos violentos no ambiente de trabalho, uma vez que estão presentes na organização hierárquica e estrutural das instituições e nas relações interpessoais nestes espaços (ANDRADE; ASSIS, 2018). As relações sociais, marcadas por relações desiguais de poder que envolvem questões de gênero, de raça, de pertencimento social, de origem geográfica, entre outros atravessamentos, fazem com que predomine uma perspectiva masculina, o que acaba colocando mulheres em situações de maior vulnerabilidade. Conforme nos ajuda a pensar Antunes (1999) as condições e oportunidades de trabalho encontradas por homens e mulheres não são iguais. O peso e a pressão citados pela entrevistada fazem referência à desigualdade. A presença constante do preconceito e dos tratamentos desiguais. O poder que se manifesta através de atos sutis e de espaços conquistados, a potência que é presumida nos homens e que, nas mulheres, necessita ser provada e exibida.
O combo ser chefe e ser mulher me colocou numa posição muito mais vulnerável e mais atacada. As violências ficaram mais fortes com a chefia. (Nina, servidora)
A dificuldade em legitimar a liderança feminina na estrutura organizacional passa pela construção dos papéis de liderança na sociedade, que são fortemente associados ao gênero masculino e aos atributos a ele conferidos (KANAN, 2010; CERIBELI et al., 2017). Após conquistarem cargos de chefia, as mulheres passam a ser constantemente avaliadas (CERIBELI et al., 2017), e sua capacidade avaliativa, decisória e de liderança frequentemente são alvo de desconfiança.
Fiscalizam o trabalho das mulheres, mas não o dos homens. Não confiam no trabalho das mulheres. (Meredith, servidora)
Assédios sexuais também constituem violências sofridas pelas mulheres que trabalham e estudam no Campus Sapucaia do Sul do IFSul. Fazem parte dos relatos (entrevistas e pesquisa documental) stalking[6] e assédio nas redes sociais, comentários de cunho sexual em reuniões, objetificação, cantadas, assédio sexual praticado em frente a um grupo grande de pessoas, causando constrangimento à vítima e a quem assistia. Os assédios ocorrem nos mais diversos níveis de relações, interligando todos os grupos existentes na unidade, envolvendo servidoras(es), estudantes, e trabalhadoras(es) terceirizados. São comportamentos violentos e nocivos que permeiam as relações de gênero, causando medo, constrangimento, e aprofundando a naturalização da cultura de dominação masculina. Conforme nos mostra Dias (2008), afetam a autonomia, a autoestima, a saúde mental, a produtividade, entre outras dimensões das vidas das vítimas.
Eles se protegem mutuamente, e acredito que se sentem mais fortes juntos. (Nina, servidora)
Os homens fazem isso com as mulheres, e acham que tá tudo bem. Se reclamamos, eles dizem que não tem nada a ver. Tá tudo certo. (Nina, servidora)
Eu nem sei o que poderia fazer. Porque parece que isso é tão naturalizado, a ponto de não ter o que fazer: é assim mesmo. (Nina, servidora)
Micro violências e micromachismos, comportamentos sutis e, por serem naturalizados, de difícil identificação. Servidoras e alunas relatam que nem sempre percebem que estão sofrendo uma violência no momento em que está acontecendo. Muitas vezes, só compreendem que foram vítimas de preconceito e comportamento machista no dia seguinte. Essas violências geralmente não são informadas à Instituição, o que contribui para o aprofundamento das desigualdades e normalização das violências, experimentadas no sentimento de impotência.
E até porque a gente é administrativo né, ninguém nos enxerga aqui. (Meredith, servidora)
As técnicas estão muito mais expostas, são muito mais propensas a sofrer violência dos colegas do que as docentes. (Lisa, servidora)
Outros tipos de discriminação também foram identificados nas narrativas de algumas participantes. Em especial, duas categorias que se somavam às violências de gênero e que constituem especificidades da Instituição: área de atuação docente e servidoras técnicas administrativas. Alguns relatos foram contundentes em informar que professoras estão mais propensas a sofrer violência de gênero se atuarem em áreas propedêuticas, e não técnicas, assim como também foi citada em mais de uma entrevista a discriminação às servidoras ocupantes de cargos técnicos administrativos.
As relações sociais e disputas permeadas por relações de poder são constituídas por opressões interseccionadas, ou seja, diferentes tipos de opressões e de forças coercitivas entre grupos distintos que se relacionam e convivem em um mesmo ambiente. Conforme Andrade e Assis (2018, p. 2), para compreender como as relações de poder podem influenciar nas relações interpessoais, é preciso considerar “as segregações, as ameaças às posições sociais, os vínculos afetivos, as forças coercitivas, as hierarquias e os status”.
É urgente que algo seja feito, porque parece que os homens não sabem conviver com pessoas. Com colegas, com alunas. Eles estão em um lugar que nada afeta, nada toca. São intocáveis. (Nina, servidora)
Das vezes que eu me senti vítima de violência de gênero, foi em ambientes coletivos. Foi como se a pessoa que cometeu a violência se sentisse completamente legitimado. Pelo coletivo, e talvez até pela Instituição, o que é pior ainda. (Nina, servidora)
Os principais motivos para não denunciar assédios e outros tipos de violência relatados nas entrevistas são o medo e a falta de confiança nas ações institucionais. Algumas vezes o medo da exposição e do estigma de vítima, outras, medo do próprio agressor, pois são situações em que a vítima continua convivendo diariamente com o agressor no ambiente de trabalho e/ou de formação acadêmica. Essas circunstâncias geram um sentimento de impotência que é resultado da dificuldade de identificar e de punir violências sutis, como os micromachismos, ou a descrença no sistema institucional.
Nas relações desiguais de poder, a perspectiva masculina acaba preponderando de forma coletiva, criando uma ideia de que as próprias vítimas são culpadas pelo que lhes aconteceu, ou ainda, de que a revolta e o desconforto de quem recebe tratamento discriminatório ou machista são reações exageradas, uma vez que esse tipo de comportamento é naturalizado numa sociedade patriarcal e heteronormativa. Esse cenário, conforme nos traz Lins (2016), está refletido nas opiniões e comportamentos das pessoas, e é observado também no ambiente estudado, interferindo diretamente nos clamores e nos silêncios das mulheres do Campus Sapucaia do Sul.
Alguns relatos trazem experiências de desamparo e de impunidade, com posicionamentos institucionais que colocam “em panos quentes” (nas palavras da servidora Lisa) denúncias de violência de gênero, ou que deixam a responsabilidade de tomar providências inteiramente nas mãos da vítima, já fragilizada perante uma situação de abuso e constrangimento. Nos casos em que a vítima não se sente fortalecida ou encorajada suficientemente para se expor e iniciar um processo administrativo, a Instituição não assume o papel de resguardar a integridade das pessoas que ali trabalham e estudam.
De acordo com Maito et al., (2019), a violência institucional ocorre quando uma instituição se omite no enfrentamento ou provoca a violência. Se não há responsabilidade institucional de impedir que uma violência denunciada ocorra novamente, a impunidade e o desamparo passam a ser o posicionamento institucional. Se há desigualdades estruturais nos mais variados setores da sociedade, e se essas desigualdades refletem no cenário institucional, ocasionando relações violentas e discriminatórias, sem que ocorra, em contrapartida, a implementação de ações concretas na direção da construção de um ambiente igualitário, há a legitimação dos comportamentos violentos, por parte da Instituição.
O que me incomoda muito é o seguinte: a mulher relata alguma coisa, aí ouve: ‘olha, vamos ter que abrir um processo administrativo, ele vai sofrer um processo, pode ser que não dê em nada, vai pra ouvidoria, vai pra não sei onde, etc... tu quer realmente continuar com isso? (Meredith, servidora)
A carência de formação de servidoras e servidores responsáveis pelo acolhimento das vítimas, atrelada a ausência de política institucional e ao tratamento individualizado não estrutural das desigualdades de gênero, culmina em um profundo desencorajamento à denúncia. O movimento de buscar a Instituição após ter sido vítima de uma violência acaba sendo visto como uma revitimização, onde novamente a mulher será exposta a situações dolorosas e constrangedoras. De acordo com a entrevistada citada, esse posicionamento desencorajador muitas vezes parte inclusive de pessoas envolvidas no recebimento de denúncias, o que podemos considerar, desde já, uma revitimização.
O NUGED é citado como uma peça fundamental no movimento de informação e de debate sobre o tema na Instituição. Apesar de significante o papel desempenhado, há limitações na atuação do núcleo, pois o mesmo propicia espaços de debate importantes na identificação de violências, mas não atua diretamente no tratamento às denúncias. A atuação do núcleo contribuiu para a construção de um ambiente mais diverso no campus, na visão das servidoras e alunas entrevistadas. O processo de mudança de cultura é lento e contínuo, pois além de depender de um movimento de reflexão e quebra de paradigmas, no caso específico da unidade em questão, há a variação de sujeitos que compõem o espaço, uma vez que novas(os) discentes chegam e formandas(os) saem da Instituição, a cada semestre.
Apesar de haver respaldo ético, moral e legal para uma política de inclusão, de acessibilidade e de enfrentamento às violências de gênero como parte da construção do caráter inclusivo da Instituição, as questões de gênero permanecem sendo tratadas como secundárias. Diversidade sexual e de gênero permeiam os documentos organizacionais e orientativos como algo que deve estar presente, por razões estéticas ou politicamente corretas, porém sem serem tratadas com a profundidade que necessitam. A violência de gênero é, de certo modo, negada, silenciada, relegada aos interditos, e a responsabilidade pelo desenvolvimento e implementação de práticas de enfrentamento é delegada aos campi, onde servidoras(es) atuam de acordo com seus princípios pessoais, morais e éticos.
As dificuldades encontradas na Instituição aqui estudada não são exclusivas, mostram apenas que o problema é estrutural e necessita esforços múltiplos, articulados e constantes. Afinal, cada caso não é um caso, precisamos identificá-los como um problema social que requer a construção e efetivação de políticas de combate a violência. O que implica reconhecer como se estruturam e reconfiguram em diferentes formas de violência contra as mulheres.
Tensionando práticas, (re)pensando caminhos
As violências identificadas na Instituição, juntamente com o caráter e a forma das ações institucionais, nos dão ferramentas para (re)pensarmos caminhos possíveis de fortalecimento e construção de estratégias de combate às desigualdades de gênero presentes na sociedade, e que são reproduzidas nos espaços e nos contextos institucionais, em diversas formas de violência.
A conduta misógina representada neste artigo pelo comentário de um servidor em rede social durante um processo eleitoral em uma instituição de ensino (processo que deveria suscitar sentimento democrático) é exemplo de como opera a racionalidade neoliberal democrática associada a uma forma fascista nas relações de gênero. Acontecimentos assim, que acendem na sociedade um sentimento de comoção, trazem, além de todo o ônus individual para a vítima direta traduzido por qualquer violência, a indignação e a insegurança da coletividade. Porém, há também o sentimento de identificação entre pessoas que, vitimadas, se organizam. E neste contexto, estabelece-se a resistência como combustível para a busca pela mudança.
Assim surge, como produto da indignação coletiva de alunas e servidoras do IFSul, em abril de 2021, o Coletivo Feminista ELLAS - Educação, Luta, Liberdade, Apoio e Sororidade, responsável por iniciar um processo interno na Instituição, com o objetivo de apurar as sanções possíveis e as formas de se evitar que ataques machistas como aquele continuassem se repetindo. O processo, que tramita na Reitoria, continua sem um desfecho, apesar de as interessadas continuarem a cobrar posicionamento institucional em instâncias como o Conselho Superior – CONSUP e no Comitê de Ética.
O cenário corrobora a necessidade de construção coletiva de um protocolo de atendimento, um conjunto de diretrizes, ou de um código de conduta institucional, que instituam uma política institucional que balize e incentive as ações de enfrentamento às violências de gênero e conduza a Instituição ao desenvolvimento de um ambiente menos desigual e ativamente comprometido com a transformação da sociedade.
Observa-se também a necessidade de criação de novos espaços ou alteração da estrutura institucional para possibilitar que vítimas de violência de gênero busquem a Instituição e encontrem acolhimento. Além disso, não há espaços específicos para o acolhimento às vítimas, e principalmente servidoras entrevistadas demonstraram não saber a quem recorrer em casos de violência de gênero na Instituição. A criação de novos espaços para denúncias e relatos, como um portal no site da Instituição, se mostra um caminho viável para que haja um meio inicial de reconhecimento acerca de como se reproduzem os comportamentos violentos nas relações intrínsecas à comunidade acadêmica.
As discriminações e violências acontecem em diferentes níveis, e das mais diversas formas possíveis, muitas vezes sutis e naturalizadas, outras, extremamente agressivas. Nem todas essas violências farão as vítimas procurarem a Instituição, e nem todas elas deixarão provas, indícios e testemunhas. Os motivos do silêncio das vítimas são também diversos, principalmente em um ambiente com relações de poder e de hierarquia. Nesse contexto, vemos a completa desinformação a respeito de como se desenvolvem as relações de gênero, quais violências estão ocorrendo, onde, quais grupos as estão reproduzindo, quais grupos as estão sofrendo. A possibilidade de um espaço para relatos anônimos pode ser uma fonte rica de informações que instruam estratégias e medidas de enfrentamento às violências de gênero.
A proposta decorrente dessa pesquisa defende que, além de normatizar condutas em casos de denúncias, as diretrizes devem colocar as relações de gênero e as violências originadas das relações desiguais de poder em um status de centralidade nas leituras e nos apontamentos dos registros acadêmicos e das políticas estruturais em cada unidade. A identificação de comportamentos arraigados de discriminação e violência sutis passa pelo olhar atento às questões de gênero nas experiências inter-relacionais cotidianas no ambiente escolar e de trabalho, e esse olhar requer a priorização na interferência institucional nas desigualdades de gênero presentes nos seus contextos, como forma de enfrentamento dessas violências e transformação da realidade social. Desse modo, a Instituição deve não só agir perante os casos denunciados, mas também manter uma atuação permanente de reconhecimento das condições em que se dão as relações de gênero em seus contextos.
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Notas
[1] Esta pesquisa foi aprovada por comitê de ética e segue as normas para pesquisas com seres humanos. Os nomes citados são pseudônimos, escolhidos pelas participantes, que assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Os instrumentos de pesquisa foram adaptados para resguardar a vida e o bem-estar das participantes no período da pandemia de Covid-19. Em todas as fases da pesquisa houve a preocupação com o anonimato e com princípios éticos a respeito de rememorações potencialmente dolorosas.
[2] Segundo a Lei 13.104, de 09 de março de 2015, feminicídio é o homicídio de mulheres por razões da condição do sexo feminino (BRASIL, 2015).
[3] Até 2016 não havia banheiro feminino no Plenário do Senado Federal, em Brasília/DF.
[4] Os pré-conselhos são reuniões semestrais que estudantes de todas as turmas dos cursos técnicos integrados fazem antes dos conselhos de classe. As atas seguem um modelo pré-estabelecido, contendo a descrição das percepções de cada turma a respeito de aspectos previamente classificados a partir da seguinte lógica binária: “pontos positivos” e “pontos negativos”.
[5] São as ocorrências registradas individualmente, pela Coordenadoria Pedagógica. Este acompanhamento pedagógico só ocorre com os cursos integrados, o que exclui dessa fase da análise documental o curso de Engenharia Mecânica.
[6]Stalking é um termo em inglês utilizado para descrever a prática de perseguir e observar alguém. É uma forma de violência na qual o sujeito ou sujeitos ativos invadem repetidamente a esfera de privacidade da vítima. Stalkear em redes sociais é mais do que simplesmente acompanhar os perfis de alguém nessas redes, é uma perseguição persistente, que pode envolver tentativas de contato, ou não.
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