Educação Ambiental no ensino superior: um estudo de caso na Engenharia Ambiental e Sanitária
Environmental Education in the University Education: a case study in Environmental and Sanitary Engineering
Educación Ambiental en la educación superior: un estudio de caso en Ingeniería Ambiental y Sanitaria
anack3009@gmail.com
Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, SC, Brasil.
lbordin@uffs.edu.br
Recebido em 05 de dezembro de 2021
Aprovado em 15 de janeiro de 2023
Publicado em 14 de setembro de 2023
RESUMO
Palavras-chave: Educação em Engenharia; Educação para a cidadania; Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS).
ABSTRACT
The article discusses how Environmental Education is being understood in the formation process and implemented in professional practices in the field of Environmental and Sanitary Engineering. The methodological proposal was based on applied research with a quali-quantitative approach and was developed from two movements: document research and case study. The documental research was carried out in the institutional systems from a public university in southern Brazil and, in its specificity, in the Environmental and Sanitary Engineering course. In the case study, the data and information collection were the application of questionnaires to the graduates of the course and the resulting categorizations and analyzes were carried out using the Content Analysis methodology. Despite some important initiatives, the results indicate that the way in which Environmental Education is being discussed during the training process, in the majority, does not allow professionals to implement actions within the scope of the active participation of society in the prevention and resolution of socio-environmental problems.
Keywords: Engineering Education; Citizenship Education; Science, Technology and Society (STS).
RESUMEN
El artículo analiza cómo la Educación Ambiental está siendo entendida en el proceso formativo e implementada en la práctica profesional en el campo de la Ingeniería Ambiental y Sanitaria. La propuesta metodológica se basó en la investigación aplicada con enfoque cuali-cuantitativo y se desarrolló a partir de dos movimientos: la investigación documental y el estudio de caso. La investigación documental se realizó en el ámbito institucional de una universidad pública de la región sur del país y, en su especificidad, en la carrera de Ingeniería Ambiental y Sanitaria. En el estudio de caso, la recolección de datos e información se realizó mediante la aplicación de cuestionarios a los egresados del referido curso, y las categorizaciones y análisis resultantes se realizaron, principalmente, con el uso de la metodología de Análisis de Contenido. A pesar de algunas iniciativas importantes, los resultados indican que la forma en que se está discutiendo la Educación Ambiental durante el proceso de formación, en gran medida, no permite a los profesionales implementar acciones en el ámbito de la participación activa de la sociedad en la prevención y resolución de problemas socioeconómicos. problemas ambientales.
Palabras clave: Educación en Ingeniería; Educación para la ciudadanía; Ciencia, Tecnología y Sociedad (CTS).
Introdução
Diante de um quadro crescente de degradação ambiental provocado pelo atual modelo de desenvolvimento econômico e tecnológico, o papel da engenharia vem sendo discutido. O atual cenário tem exigido, ainda mais, profissionais que utilizem os recursos naturais de forma responsável e que promovam ações no âmbito do desenvolvimento sustentável.
Nesse contexto, a Educação Ambiental (EA) nasce como um processo educativo que conduz um saber ambiental que valoriza a ética e as regras políticas de convívio social e de mercado e que questiona os benefícios e prejuízos da apropriação e do uso da natureza. Ao considerar um sentido de pertencimento e corresponsabilidade e buscar a compreensão e a superação das causas estruturais dos problemas socioambientais, a EA está estreitamente relacionada com a educação para a cidadania (SORRENTINO et al. 2005; GUIMARÃES, 2016).
Siqueira et al. (2016) ressaltam a responsabilidade da universidade no desenvolvimento de estudos e na implementação da EA em diferentes contextos. Neste ponto cabe ressaltar a importância da EA no âmbito da educação superior e na sua especificidade para o campo das engenharias. O Decreto Federal nº 4.281, de 25 de junho de 2002, torna obrigatória a inclusão da EA em todos os níveis e modalidades de ensino (BRASIL, 2002). Tal direcionamento indica que as ações mitigatórias para os problemas ambientais são responsabilidades de todas as profissões e de todos os cidadãos. Também, passa a orientar a formação e a atuação dos profissionais de Engenharia numa perspectiva de interação e integração entre aspectos técnicos e socioambientais.
Nessa mesma direção, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a educação em Engenharia indicam a formação de profissionais capazes de projetar soluções numa perspectiva multidisciplinar e transdisciplinar – considerando os aspectos políticos, econômicos, sociais e ambientais que são inerentes à prática profissional – e comprometidos com a responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2019).
Apesar de ser pressuposto que na Engenharia Ambiental e Sanitária, um curso tão estreitamente ligado com as questões ambientais, os estudantes têm contato com conhecimentos sistematizados da área de EA durante seu processo formativo e que tais conhecimentos – teóricos e práticos – são aplicados na atuação profissional, este trabalho questiona se a EA, da forma como está sendo discutida, possibilita a compreensão de que a resolução dos problemas socioambientais inerentes à prática profissional depende, também, de ações de educação e participação coletiva.
Conceito(s) e potencialidades da Educação Ambiental
A compreensão do que seja EA vem sendo impulsionada, historicamente, por grandes conferências mundiais desde a década de 1970. Destaca-se aqui o Encontro de Belgrado, organizado pelas Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) no ano de 1975. A Carta de Belgrado – documento síntese do encontro – estabelece que a EA deve, de forma crescente, contemplar (BELGRADO, 1975):
a) Conscientização.
b) Conhecimento.
c) Atitudes.
d) Habilidades.
e) Capacidade de avaliação.
f) Participação.
Especificamente sobre o processo brasileiro de conceituação e institucionalização da EA é importante dar destaque ao ano de 1999 devido à publicação da Lei nº 9.795, a qual dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental e estabelece os princípios básicos para a sua implementação em todos os níveis e modalidades do processo educativo (BRASIL, 1999). De seus direcionamentos resulta que a EA é um processo de construção de valores, conhecimentos, habilidades, competências e atitudes para a preservação e remediação do meio ambiente de forma a considerar as múltiplas e complexas relações que constituem os problemas socioambientais (BRASIL, 1999).
Sorrentino et al. (2005) destacam que a EA tem como finalidade contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos seres humanos e de todas as espécies e sistemas naturais. Os autores discutem a estreita relação entre EA e educação para a cidadania na medida em que orientam que a superação das causas estruturais dos problemas ambientais passa pela construção, por meio da educação, de um sentido de pertencimento e corresponsabilidade.
Para Loureiro (2004) a definição de EA também está vinculada ao exercício da cidadania, uma vez que estabelece um movimento unitário entre teoria e prática, integra a mudança de padrões cognitivos com ação política democrática e mudança de valores e reestrutura o conjunto das relações sociais e econômicas que definem a base de organização da vida humana em sociedade.
A defesa da EA na proximidade com a educação para a cidadania também é feita por Alves (2001). Para o autor a relação dos cidadãos com a cidade e seus múltiplos problemas – com ênfase aqui para as questões socioambientais – passa por algumas fases que são impulsionadas, em grande medida, por processos educativos formais ou não-formais:
a) Sensibilização/Tomada de consciência.
b) Conhecimento/Apropriação.
c) Reflexão/Questionamento/Problematização.
d) Posicionamento/Verbalização e audição dos outros.
e) Participação democrática e Intervenção cívica.
Guimarães (2004), por sua vez, defende que a EA pode ser entendida como uma educação crítica que direciona transformações nas relações de produção, nas relações sociais e nas relações entre o ser humano e a natureza. Compreende, nesse sentido, a necessidade de ser capaz de transformar a realidade socioambiental.
É importante destacar que o termo socioambiental será aqui utilizado uma vez que se compreende que as relações sociais e ambientais têm uma estreita relação e que, portanto, não podem ser tratadas de forma fragmentada e dicotômica. Guimarães (2004) e Mendonça (1993) defendem que é insuficiente falar do meio ambiente somente do ponto de vista da natureza. Para os autores há sempre uma relação de interação entre sociedade-natureza e por isso o termo 'sócio' aparece com o termo 'ambiental'. Nesse sentido, é necessário entender e considerar o envolvimento da sociedade enquanto parte fundamental dos processos relativos às questões ambientais.
Essa perspectiva relacional entre ambiente e sociedade – nos seus múltiplos aspectos – será compreendida, em grande medida, por meio da EA. Os processos educativos devem, assim, estar pautados na reflexão e na crítica sobre o real significado de desenvolvimento sustentável, uma vez que, entendido como processo de transformação, tem relação direta com a forma de estruturação – econômica, política e comportamental – da sociedade (SORRENTINO et al., 2005).
Diante do exposto, é necessário esclarecer que a EA, aqui sintetizada, é aquela por meio da qual se constrói uma corresponsabilidade coletiva pela prevenção e resolução de problemas socioambientais. Nesse sentido, a relação entre os seres humanos e a natureza passa a ser compreendida na interface com os múltiplos aspectos que a constituem: política, economia, tecnologia, sociedade e meio ambiente.
Para exemplificar o que se está falando convém mencionar que uma atividade que visa orientar um determinado coletivo de pessoas para a correta separação de resíduos sólidos é requisito necessário, mas não suficiente para ser chamada de EA. É preciso estimular que este coletivo construa reflexão e crítica sobre os modos de produção e consumo, por exemplo. A correta separação dos resíduos é de extrema importância, mas para além disso o estímulo à não geração deve tomar parte importante do processo de educação. É preciso que se eduque para as causas estruturais dos problemas socioambientais de tal forma que os cidadãos tenham elementos e conhecimentos suficientes para construir soluções que mexam, também, com o campo econômico e político, por exemplo.
Educação Ambiental na Engenharia (Ambiental e Sanitária)
No Brasil, a Política Nacional do Meio Ambiente de 1981, instituída pela Lei n° 6.938, já indicava que a EA deveria estar presente nos currículos universitários (BRASIL, 1981). No entanto, foi somente mais tarde com a publicação da Política Nacional de Educação Ambiental e, principalmente, do Decreto n° 4.281 que houve a obrigatoriedade de incorporação da EA nos Projetos Pedagógicos de Cursos superiores (PPC) (BRASIL, 1999; BRASIL, 2002). As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental de 2012 reconhecem a EA como obrigatoriedade em todos os níveis e modalidades da educação destacando que ela é potencialmente promotora de responsabilidade cidadã e de equidade socioambiental (BRASIL, 2012).
Nesse contexto, Portugal et al. (2012) orientam que nas instituições de ensino superior, a EA deve ser incorporada no cotidiano da sua organização, ou seja, nas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Dessa forma, contribuirá para o processo de educar ambientalmente a comunidade acadêmica e, também, o seu entorno. Dias (2004) defende que as universidades estimulem a aplicação de um tratamento interdisciplinar ao problema fundamental da relação entre os seres humanos e a natureza, em qualquer que seja o espaço acadêmico. Em síntese, pela via da EA deve ser possível discutir os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais que fazem parte dos problemas socioambientais contemporâneos.
Os trabalhos de Sorrentino e Nascimento (2010), Barbieri e Silva (2011), Silva e Heatinger (2012) e Sorrentino e Biosoli (2014), destacam que há iniciativas de EA nas instituições de ensino superior, seja como disciplinas ou em projetos de pesquisa e extensão, mas que não propiciam mudanças de amplitude socioambientais globais, por serem políticas marginais dentro destas instituições. Deste modo, o desafio que se apresenta para as instituições de ensino superior é o de ampliar a sua participação na disseminação da EA, não se restringindo apenas às discussões pontuais no âmbito da conscientização, mas sim na construção de práticas que estimulem mudanças estruturais de atitude em relação ao desenvolvimento sustentável (BARBIERI & SILVA, 2011).
Especificamente sobre o curso de Engenharia Ambiental, Engenharia Ambiental e Sanitária e/ou Engenharia Sanitária e Ambiental, convém dar destaque a uma pesquisa por amostragem de âmbito nacional conduzida por Oliveira e Tavares Junior (2020). Com o objetivo de avaliar a ocorrência e as formas de abordagem da EA nos cursos de Engenharia Ambiental do Brasil, os resultados da pesquisa documental indicam que a temática está presente em 66,67% da amostra, sendo que a forma predominante de ocorrência foi no formato de disciplina optativa. Apenas quatro cursos analisados possuem disciplinas obrigatórias o que, para os autores, deve ser visto com preocupação uma vez que essa é uma importante forma de garantir acesso dos estudantes ao conteúdo sistematizado de EA. No âmbito da pesquisa e da extensão os autores salientam que a articulação com a EA deveria ser mais presente nos PPCs.
Outra pesquisa de âmbito nacional realizada por Melo, Silva e Romão (2018) em sessenta e nove cursos de Engenharia Ambiental também revelou dados preocupantes. Com o objetivo de identificar conteúdos, bibliografias e atividades práticas no âmbito da EA, o trabalho, em síntese, constatou que em 17% dos cursos a EA aparece no formato de disciplina obrigatória e em 13% como disciplina optativa. Os autores sugerem, mas não comprovam, que nos 70% dos cursos restantes o tema acaba sendo diluído em outras disciplinas ou em projetos socioambientais de caráter extracurricular.
A pesquisa de Felix e Pedrosa (2020), realizada com objetivo de explicitar as relações entre a educação em engenharia e a EA a partir dos saberes ambientais relatados por alunos do último ano do curso de Engenharia Ambiental de duas universidades mineiras, destaca o distanciamento de alguns alunos quanto aos princípios e objetivos da EA, uma vez que nas respostas predominaram aspectos conservacionistas do ambiente. Por suas características similares, outro trabalho que merece destaque é o realizado por Araújo (2018) com o intuito de analisar como a temática socioambiental – concepções de meio ambiente, problema ambiental, desenvolvimento sustentável e EA – é tratada no curso de Engenharia Ambiental de uma universidade do Rio de Janeiro. A falta de articulação entre as questões ambientais e sociais sugere uma compreensão fragmentada dos estudantes acerca das concepções de EA, o que pouco contribui no âmbito de uma formação e atuação profissional crítica e questionadora.
Considerando o supracitado ressalta-se a importância de as discussões sobre a EA nos cursos de Engenharia Ambiental e Sanitária estarem articuladas como parte do ensino, da pesquisa e da extensão. A construção de conhecimentos sistematizados – teóricos e práticos – no âmbito da formação alicerçarão a futura atuação profissional e proporcionarão elementos para que as soluções propostas no âmbito da prática profissional sejam articuladas com a comunidade e não, apenas, para a comunidade. A participação coletiva e a corresponsabilidade pelas soluções de engenharia precisam ser entendidas como ferramentas de superação das causas estruturais dos problemas socioambientais contemporâneos.
Procedimentos metodológicos
A proposta metodológica do trabalho aqui apresentado teve como base a pesquisa aplicada com abordagem quali-quantitativa caracterizada como pesquisa do tipo exploratória e descritiva (GIL, 2002; LUDKE & ANDRÉ, 1986; MINAYO, 2011). Com o propósito de discutir de que forma a EA está sendo compreendida na educação e implementada na atuação de profissionais de Engenharia Ambiental e Sanitária, a pesquisa foi desenvolvida a partir de dois momentos metodológicos: a pesquisa documental e o estudo de caso.
A pesquisa documental foi realizada em uma universidade pública da região sul do país por meio da análise das orientações institucionais – portarias, instruções normativas e afins – para cumprimento do Decreto n° 4.281 que institui a EA no âmbito da educação superior. Também, e principalmente, foram analisados os documentos do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária: PPC, atos deliberativos e relatórios referentes ao processo de avaliação.
De acordo com Yin (2005), o estudo de caso tem o objetivo de, a partir da análise de um caso, proporcionar uma visão global do problema ou identificar possíveis fatores que o influenciam ou são por ele influenciados. Neste momento metodológico, a coleta de dados foi realizada por meio do envio de questionário eletrônico aos egressos do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da referida instituição.
O questionário foi composto por perguntas de múltipla escolha e por questões dissertativas. As primeiras foram apresentadas – quantitativamente – por meio de gráficos com ênfase, no âmbito de cada variável de estudo, para os valores relativos – porcentagens – das alternativas encontradas. As questões dissertativas foram analisadas – qualitativamente – usando a metodologia de Análise de Conteúdo. A Análise de Conteúdo conduz a avaliação por um percurso organizado do qual emergem novas compreensões e entendimentos sobre o fenômeno estudado. Constitui-se de cinco momentos metodológicos: (1) preparação, (2) unitarização, (3) categorização, (4) descrição e (5) análise/interpretação (BARDIN, 1977; MORAES, 1999; MINAYO, 2011).
O Quadro 1 apresenta um modelo do percurso de análise das respostas – unitarização – e, posteriormente, de construção dos novos significados – categorização – em busca de responder aos objetivos da pesquisa – descrição/análise/interpretação.
Quadro 1: Quadro modelo para o processo de unitarização e categorização
Unidades de análise |
Categorias de análise |
(Excertos das respostas com destaque para os termos/expressões mais representativos/as)
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Construção/Definição da categoria emergente
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Fonte: Adaptado de Bordin (2018)
Uma vez que a presente pesquisa envolveu a participação de seres humanos, convém esclarecer que foi submetida à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), o qual após a análise emitiu parecer de aprovação datado de 17/06/2021.
Resultados e discussões
Neste item serão apresentados os resultados da pesquisa de acordo com os dois momentos metodológicos: Análise Documental e Estudo de caso.
Análise Documental
A pesquisa documental revelou que não há no âmbito institucional nenhuma normativa que trate especificamente sobre a implementação do Decreto n° 4.281 que institui a obrigatoriedade da EA no âmbito da educação superior. Ao olhar para o regulamento da graduação (INSTITUIÇÃO, 2014) – documento que normatiza a organização e o funcionamento dos cursos de graduação da universidade objeto desta análise – é importante destacar que a discussão de questões socioambientais aparece vinculada ao eixo de formação crítico social do Domínio Comum, o qual, na organização curricular institucional, tem:
[…] o objetivo de desenvolver uma compreensão crítica do mundo contemporâneo, contextualizando saberes que dizem respeito às valorações sociais, às relações de poder, à responsabilidade socioambiental e à organização sociopolítico-econômica e cultural das sociedades, possibilitando a ação crítica e reflexiva, nos diferentes contextos (INSTITUIÇÃO, 2014, p. 11, grifo nosso).
O registro legal vinculado à temática aqui discutida diz respeito à formação, em junho de 2021, de um grupo de trabalho (GT) responsável por aprofundar o estudo da legislação específica – educação das relações étnico raciais e ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, educação em direitos humanos, Educação Ambiental e proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista – e propor diretrizes para o atendimento desta nos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Graduação (INSTITUIÇÃO, 2021). O resultado do trabalho desse GT no que diz respeito às estratégias de implementação, especificamente, da EA não foram divulgados, oficialmente, até a presente data.
Dando um zoom na pesquisa documental foram analisados os documentos do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária. Na busca feita nos atos deliberativos não foi encontrado nenhum resultado. Isso é explicado pelo fato de que tais documentos são mais de ordem técnica/operacional do que propriamente do campo de alterações/adequações pedagógicas. No PPC foram encontrados apenas três resultados, sendo eles referências bibliográficas de três disciplinas. Os dois primeiros resultados encontrados foram nos componentes curriculares de Avaliação de Impacto Ambiental e Gestão Ambiental de Empresas. O livro sugerido como referência básica em ambas as disciplinas é “Gestão Ambiental: Instrumentos, Esferas de Ação e Educação Ambiental” da autora Mari Elizabete Bernadini Seiffert publicado pela editora Atlas. A terceira menção ao termo EA é bastante incipiente uma vez que aparece relacionado à entidade organizadora do livro e não ao conteúdo do mesmo. A sugestão de bibliografia complementar na disciplina de Geologia aplicada à Engenharia Ambiental é de autoria de Alsedo Leprovost, Aurelio Bolsanello e João José Bigarella e se intitula “Rochas do Brasil” editado pela Associação de Defesa e Educação Ambiental (INSTITUIÇÃO, 2013).
Como discutido em itens anteriores, o fato de a EA não constituir uma disciplina obrigatória na organização curricular – neste caso, não configura sequer como disciplina optativa – não é um grande problema visto que a temática pode ter um tratamento transversal na matriz curricular. No entanto, as análises feitas no PPC indicam que essa alternativa não está materializada no âmbito do processo formativo uma vez que não configura como tópico de ementa de nenhuma disciplina. Esse fato, em termos de análise documental revela fragilidades do curso no âmbito da investigação em questão.
A mesma fragilidade documental acerca da EA no processo formativo de profissionais de Engenharia Ambiental e Sanitária é revelado nos trabalhos de Oliveira e Tavares Junior (2020), Melo, Silva e Romão (2018). Com o objetivo de identificar conteúdos, bibliografias e atividades no âmbito da EA, os trabalhos, em síntese, demonstram que a EA não está satisfatoriamente contemplada na maior parte das organizações curriculares por eles analisadas.
Por fim, convém destacar que o relatório de avaliação in loco realizado no ano de 2015 a fim de subsidiar o ato regulatório de reconhecimento do curso objeto desta análise aponta para a direção de que a EA está contemplada no processo formativo. Ao dar resposta à pergunta/critério: “Há integração da Educação Ambiental às disciplinas do curso de modo transversal, contínuo e permanente?”, os avaliadores concluem que “A temática da Educação Ambiental é abordada através das disciplinas na matriz curricular do curso, onde as questões ambientais estão plenamente contempladas, como também em diversas ações transversais na IES”. O principal argumento utilizado diz respeito ao fato de que o curso em avaliação é estreitamente ligado com a área ambiental e, nesse sentido, a temática é abordada de forma contínua em várias disciplinas (RELATÓRIO, 2015, p. 15).
Estudo de Caso
Os critérios de inclusão da pesquisa – formatura entre os anos de 2014 a 2019 – identificaram 71 possíveis respondentes. Os convites à participação foram feitos por e-mail individualizado no qual constavam informações gerais sobre a pesquisa e o link de acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e ao questionário. O processo de coleta de dados resultou em 32 participações, o que equivale a uma amostra de 45% do total inicialmente projetado.
Convém destacar que para as análises das questões dissertativas – Análise de Conteúdo – as respostas foram identificadas pela letra E – Egresso – seguida de um número que varia de 1 a 32. Para garantir a privacidade e a confidencialidade das informações fornecidas, foram omitidas quaisquer menções sobre conteúdos que possam identificar o participante.
Percebe-se, conforme o Gráfico 1, que houve participação de egressos formados em todos os anos letivos considerados nos critérios de inclusão de pesquisa.
Gráfico 1: Ano letivo de conclusão de curso dos participantes da pesquisa
Fonte: Dos autores
A primeira questão – dissertativa – objetivou investigar o(s) entendimento(s) sobre EA. As respostas foram organizadas/classificadas em categorias emergentes de análise a partir da identificação e destaque dos termos e expressões mais representativos de cada unidade de análise proveniente das respostas. A Figura 1 apresenta a síntese das categorias emergentes de análise.
Figura 1: Entendimentos sobre Educação Ambiental
Fonte: Dos autores
O primeiro grupo de unidades de análise resultou numa categoria denominada como Educação Ambiental em seu primeiro estágio: conscientização. Estes egressos entendem, em síntese, que a EA é um instrumento para conscientizar e sensibilizar a sociedade.
De forma sintetizada, no meu entendimento, Educação Ambiental é um instrumento de conscientização da população voltada para os assuntos relacionados ao meio ambiente (E1, grifo nosso).
Toda e qualquer ação que objetive a sensibilização das pessoas, como sociedade, frente à importância da conservação e recuperação do meio ambiente, para que posteriormente exista a conscientização destas pessoas (E2, grifo nosso).
Educação ambiental é desenvolver a consciência sobre meio ambiente, preservação, sustentabilidade, entre outros, na sociedade (E19, grifo nosso).
Apesar da importância desta etapa da EA, é necessário que, além da conscientização sobre o meio ambiente, as pessoas se tornem corresponsáveis pela prevenção e superação dos problemas socioambientais. Conforme Belgrado (1975) e Alves (2001), a conscientização, sensibilização e conhecimento são os primeiros passos para que os indivíduos reconheçam e tomem consciência em relação aos problemas ambientais, mas não são, necessariamente, suficientes para gerar mudanças comportamentais.
O segundo grupo de unidades de análise resultou na categoria Educação Ambiental como prática: apropriação e ação. Nesta categoria encontram-se as respostas dos egressos que entendem a EA para um pouco além da conscientização.
Conjunto de boas práticas com o intuito de orientar ações sustentáveis de modo a minimizar impactos ambientais (E13, grifo nosso).
Entendo que a Educação Ambiental consiste na aprendizagem e discussão acerca de práticas que visam a proteção ao meio ambiente. Para mim, ela se volta ao processo de educação dos indivíduos a fim de que esses se tornem conscientes dos problemas de cunho ambiental e voltem suas ações para a preservação e conservação dos recursos naturais (E27, grifo nosso).
O grupo, representado pelas unidades de análise supracitadas, corrobora os argumentos de Loureiro (2004) e Sorrentino et al. (2005) que destacam a EA como um instrumento de apropriação e ação, valorizando, por meio da relação teoria e prática, atitudes, principalmente, individuais.
A terceira categoria contempla uma Educação Ambiental crítica e questionadora: participação e intervenção social. As respostas desse conjunto de egressos revelam um nível mais profundo e consistente sobre os processos educativos em EA.
Educação ambiental pode ser entendida como uma porta para perceber a importância do entorno natural pelo ser humano, motivando este a tomar decisões que auxiliem na conservação dos recursos. Através da educação ambiental é possível instigar o cuidado com o meio ambiente e, assim, tornar uma sociedade mais apta e aberta a novos modelos de desenvolvimento que garantam a manutenção das atividades ecológicas. Portanto, pode-se definir educação ambiental como um instrumento ou ferramenta capaz de promover o pensamento crítico sobre as questões ambientais, fazendo com que aqueles indivíduos munidos deste conhecimento sejam catalisadores das mudanças necessárias nesta área (E11, grifo nosso).
Processo de educação através de ações sustentáveis e formação de cidadãos conscientes que visam melhorar a qualidade de vida através da conservação e preservação do meio ambiente (E29, grifo nosso).
Para além da conscientização e da mudança de hábitos diários, os entendimentos apontam que é necessário que os cidadãos estejam apropriados da questão ambiental e sejam capazes de agir/intervir de forma crítica e questionadora. Ao considerar que “a educação ambiental também promove a discussão sobre o meio ambiente considerando fatores econômicos e sociais (E22)” e que “através da educação ambiental é possível instigar o cuidado com o meio ambiente e, assim, tornar uma sociedade mais apta e aberta a novos modelos de desenvolvimento que garantam a manutenção das atividades ecológicas (E7)” esse conjunto de unidades de análise aproxima a EA da educação para a cidadania. Esta categoria se aproxima das orientações de Belgrado (1975), Guimarães (2004) e Sorrentino et al. (2005) que destacam a capacidade de avaliar criticamente e tomar providências coletivas sem relação ao meio ambiente.
Na sequência, os egressos responderam sobre as potencialidades da EA para o trabalho do profissional de Engenharia Ambiental e Sanitária. O mesmo movimento de categorização foi realizado e está sintetizado na Figura 2.
Figura 2: Entendimentos sobre as potencialidades da Educação Ambiental para o trabalho de profissionais de Engenharia Ambiental e Sanitária
Fonte: Dos autores
O primeiro grupo de unidades de análise resultou numa categoria denominada como Educação Ambiental descontextualizada: o trabalho sem a comunidade.
A educação ambiental não traz grandes potencialidades para o trabalho profissional [de engenharia ambiental e sanitária] (E5, grifo nosso).
Acredito que uma comunidade com maior educação ambiental, valorizaria mais a profissão de engenharia ambiental, a qual muitas vezes é vista como um custo a mais para as empresas, ao invés de algo que além de proporcionar uma melhoria na qualidade dos processos, contribui para a melhor relação das empresas com a comunidade e que a longo prazo pode ser um investimento (E23, grifo nosso).
Os entendimentos que fizeram emergir essa categoria indicam como se o profissional de Engenharia Ambiental e Sanitária trabalhasse de forma isolada e unilateral, sem envolver a sociedade. No contraponto, Loureiro (2004), destaca que para o trabalho na/da área ambiental é importante construir um sentido de responsabilidade e de pertencimento da comunidade, ou seja, dos usuários dos sistemas/projetos ambientais e sanitários. O objetivo deve ser a participação social e não apenas a resolução técnico-profissional dos problemas ambientais.
A segunda categoria contempla um conjunto de unidades que compreende uma Educação Ambiental a posteriori: o trabalho para a comunidade.
A educação ambiental pode auxiliar na conscientização da população/empresas para que os planos e projetos desenvolvidos pelo Eng. Ambiental sejam respeitados e seguidos conforme a indicação do profissional. Ainda, complemento que, a educação ambiental de uma comunidade é fator decisivo sobre o funcionamento adequado dos sistemas de saneamento locais (a saber: coleta de resíduos sólidos, sistemas de abastecimento de água, sistemas de esgoto e drenagem urbana) (E1, grifo nosso).
Serve, dentre outras coisas, para que a comunidade reconheça o papel do Engenheiro Ambiental e Sanitarista dentro da sociedade, e para que o torne mais fácil, pois inúmeros problemas ambientais podem ser extinguidos ou ao menos minimizados com uma melhor consciência ambiental da comunidade (E15, grifo nosso).
Nesta categoria entende-se que o trabalho do profissional de Engenharia Ambiental e Sanitária é entregue de forma pronta para a comunidade, sem, efetivamente, inseri-la nos processos de planejamento, ação e monitoramento. A EA, nesse contexto, fica reduzida, equivocadamente, ao pós implementação de uma solução ambiental, onde o profissional de engenharia ensina/conscientiza como a comunidade deve operar a sua proposta. Essa categoria vai na direção oposta da Política Nacional de Educação Ambiental (Brasil, 1999), na qual a EA é entendida como um processo por meio dos quais os indivíduos e a coletividade constroem o conhecimento e as habilidades necessárias para resolver, em conjunto, os problemas ambientais. Belgrado (1975) também aponta na direção da participação – individual e coletiva – ativa nas soluções ambientais.
A terceira categoria, em total alinhamento com a defesa que está sendo feita neste trabalho, foi denominada Educação Ambiental a priori: o trabalho com a comunidade. As unidades de análise que fizeram emergir essa categoria se apresentam de forma mais crítica e integradora em relação a como o profissional de engenharia ambiental e sanitária entende as potencialidades da EA.
Acredito que em todo trabalho que vamos realizar precisamos desenvolver a educação ambiental. Qualquer projeto na área ambiental deve partir de alguém que perceba sua importância, seja um cliente, órgão ambiental ou poder público […] Utilizamos a educação ambiental desde a prospecção de clientes, planejamento, execução e monitoramento de projetos (E8, grifo nosso).
Na atuação do(a) engenheiro(a) ambiental e sanitarista é sempre necessário elucidar os benefícios (ambientais, econômicos e sociais) de um sistema, projeto ou processo a ser desenvolvido. Neste sentido, a educação ambiental pode contribuir para uma abordagem mais assertiva no momento de explanar determinada questão para a sociedade e, de maneira efetiva, conseguir a compreensão e o apoio daqueles que ouvem sobre o assunto. Não basta o conhecimento técnico; é preciso partir de uma perspectiva quase pedagógica quando se busca o entendimento de um público mais leigo à temática ambiental. Por este motivo, conhecer métodos e técnicas de educação ambiental, bem como entender seu papel na sociedade, é imprescindível àquele profissional que trabalha neste ramo. Assim, a educação ambiental tem a possibilidade de desenvolver habilidades que aprimorarão o desempenho do(a) engenheiro(a) ambiental e sanitarista durante a prática da profissão (E11, grifo nosso).
Aqui, os egressos consideram a EA como um importante elemento para a prática profissional. Ao destacar que “utilizamos a educação ambiental desde a prospecção de clientes, planejamento, execução e monitoramento de projetos (E8)”, as unidades de análise apontam a EA como um processo ativo capaz de tornar os indivíduos e, principalmente, a comunidade corresponsáveis pelas soluções ambientais propostas pelo profissional. Isso está de acordo com o que orientam Sorrentino et al. (2005), ao destacarem a EA como um saber ambiental capaz de questionar os benefícios e prejuízos do uso da natureza. Na mesma direção, Alves (2001), entende que a EA é um instrumento para que os cidadãos e sua coletividade possam agir de forma consciente e ativa nos processos de decisão.
Relativo a como os egressos consideram o nível de aprofundamento dado ao tema EA durante seu tempo de graduação, os resultados, representados no Gráfico 2, evidenciam que um número expressivo dos respondentes não está totalmente satisfeito com o nível de aprofundamento dado ao tema, uma vez que 50% dos egressos que participaram da pesquisa o consideram entre razoável ou ruim. Neste ponto cabe destacar a correlação entre as respostas desta questão com os entendimentos – equivocados, em sua maioria – constantes em algumas categorias discutidas anteriormente.
Gráfico 2: Nível de Aprofundamento dado ao tema Educação Ambiental durante período de Graduação
Fonte: Dos autores
No Gráfico 3, estão representados os dados relativos à questão sobre como a EA deveria ser discutida no processo formativo. Os resultados demonstram que 62,5% dos respondentes acreditam que a EA deveria ser tratada de forma transversal ao longo do curso. Brasil (1999) reforça a importância de conectar disciplinas em torno do tema EA. Na mesma direção, Silva e Heatinger (2012), destacam que a transversalidade exerce substancial importância na construção de conhecimentos, teóricos e práticos, sobre a temática ambiental. Os 28,1% de respondentes que consideram a necessidade de uma disciplina obrigatória sobre EA também merecem destaque. O que fica evidente nessa soma – 62,5% + 28,1% - é que 90,6% dos estudantes consideram necessária a discussão, transversal ou pontual, de conteúdos sistematizados e aprofundados sobre a temática.
Gráfico 3: Formato de discussão da Educação Ambiental na formação
Fonte: Dos autores
Os egressos responderam, também, se participaram durante o tempo de formação de algum projeto de pesquisa com o tema EA. Os resultados indicam que um alto índice, 87,5%, de respostas negativas. Os 12,5% que marcaram a opção 'sim', demonstraram no complemento de suas respostas que o tema central dos projetos de pesquisa não era EA. A temática, que foi descrita também no âmbito de pesquisas de Trabalhos de Conclusão de Curso, constitui, via de regra, uma necessidade/constatação que deriva das conclusões e considerações finais.
Participei de um projeto de pesquisa sobre "Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos para [cita o local]", sendo assim, trabalhei com a educação ambiental de forma indireta no referido projeto. Foi possível verificar a falta de conhecimento/preocupação de muitos profissionais em relação a educação ambiental, gerenciamento de resíduos (E32).
Na pergunta sobre a participação em projetos de extensão voltados para o tema EA, 78,1% dos egressos responderam que não participaram de nenhum projeto e 21,9% responderam que sim. Destes últimos, 4 respondentes mencionam, no complemento de suas respostas, a participação como bolsista ou voluntário no mesmo projeto. Isso permite concluir, no âmbito da amostra, a existência de um único projeto de extensão que apresenta proximidade com a EA.
Pelo período de 15 meses, fui bolsista de extensão no projeto "[cita nome e lócus do projeto]", onde foi realizado o levantamento das condições do saneamento local, que permitiu identificar a realidade local, bem como observar as demandas e anseios da população quanto ao tema. Após a coleta e análise dos dados, foram realizadas ações de conscientização, no formato de palestras, como forma de devolutiva para a comunidade [...] (E21).
Os outros 3 respondentes mencionam projetos de extensão ou no âmbito da pós-graduação, a qual não é foco desta pesquisa, ou, também, em contextos em que a EA não fica claramente descrita/percebida ou é tema não central.
Os resultados, até aqui descritos, se aproximam das pesquisas realizadas por Barbieri e Silva (2011), Portugal et al. (2012), e Sorrentino e Biosoli (2014). Os autores destacam iniciativas de EA na formação, seja como disciplinas ou como projetos de pesquisa e extensão, mas que não são suficientes para propiciar as mudanças socioambientais tão necessárias nos tempos atuais. Nesse sentido orientam que é necessário desenvolver e introduzir a EA de forma mais profunda e comprometida.
A partir deste ponto o foco do questionário mudou. Após investigar uma série de elementos sobre a EA no âmbito da formação, passou-se a perguntar sobre práticas de EA no campo da atuação profissional em Engenharia Ambiental e Sanitária. A partir daqui houve uma redução no número de respondentes de 32 para 23. Destes, 73,9% dizem já terem desenvolvido trabalho(s) no âmbito da EA sem suas práticas profissionais.
A questão seguinte, objetivou investigar a abrangência das experiências profissionais em EA. As respostas desta pergunta dissertativa foram, também, organizadas/classificadas em categorias emergentes de análise. A Figura 3 apresenta a síntese do processo de categorização.
Figura 3: Abrangência das experiências profissionais no campo da Educação Ambiental
Fonte: Dos autores
O primeiro grupo de unidades de análise resultou numa categoria denominada Educação Ambiental no âmbito teórico da conscientização.
Como mestranda do PPG [cita PPG na área ambiental e nome universidade], elaborei em conjunto com o grupo de pesquisa onde atuo, dois artigos de revisão da literatura sobre a temática da EA. O objetivo é difundir ainda mais a importância da temática na comunidade acadêmica e expandir essa temática transversal para demais patamares, ou seja, dando acesso a essa informação para a sociedade em geral [...] (E3, grifo nosso).
Conscientização de funcionários de empresa privada, relacionado a questões e desempenhos ambientais, especifico em dias de comemoração ambiental (dia da água, dia da árvore, semana do meio ambiente) (E5, grifo nosso).
Nesta categoria, os egressos entendem/implementam a EA como, apenas, um instrumento de conscientização. O pressuposto é que a teoria – revisão de literatura, palestras, artigos de jornais – sobre o tema seria suficiente para mudar as atitudes e comportamentos da sociedade. Araujo (2018) entende que a EA deve preconizar mudanças de valores individuais e sociais e para tanto este tema deve ser trabalhado de forma ativa.
A segunda categoria contempla um conjunto de unidades de análise que considera a Educação Ambiental no âmbito da ação e treinamento.
Atualmente presto serviços de Educação Ambiental para o Programa de Educação Ambiental da Usina Hidrelétrica de [cita o nome], onde realizo atividades principalmente com Escolas (Ensino Fundamental e Médio) e Agricultores. Paralelo a esse trabalho desenvolvo Projetos de Educação Ambiental na minha cidade e região desde 2017 através de uma Instituição Sem Fins Lucrativos. Ao todo já captamos recursos e desenvolvemos cerca de seis projetos, maioria deles envolvendo a gestão de resíduos como compostagem e reciclagem. Além de escolas, agricultores já desenvolvemos atividades com grupos de mulheres, idosos, conselhos e entre outros interessados. Entre as atividades já realizadas estão oficinas, palestras, rodas de conversa e vídeos educativos (E8, grifo nosso).
Em treinamentos voltados para geradores de resíduos (clientes), em escolas para crianças de 5-10 anos, dentro da empresa nas ações de Semana de Meio Ambiente (E17, grifo nosso).
Aqui a EA é entendida não mais como exposições teóricas de conscientização, mas como uma prática que requer ação: uma forma de treinamento para que as mudanças comportamentais comecem a ocorrer. Assim, além de ensinar a teoria sobre EA, a comunidade deve se tornar capaz de colocar em prática medidas preventivas e corretivas para os problemas socioambientais.
A terceira categoria contempla a Educação Ambiental no âmbito da participação cidadã crítica.
Trabalhei por quase dois anos no setor público, na Prefeitura Municipal de [cita o município] […] Especificamente nas atividades de gestão de resíduos, o objetivo central era a implantação da coleta seletiva na área urbana do município, porém, no período em que estive no setor a ação acabou não se concretizando em função do orçamento elevado para tal. Porém, as ações de educação ambiental contribuíram para o sucesso da implantação de programas de recolhimento de óleo de cozinha, que reverte em produtos de limpeza para o hospital local, e o programa de recolhimento de lixo eletrônico, que estão sendo realizados pelo poder público até hoje, mesmo com a mudança de gestão (E22, grifo nosso).
Como docente no curso de Engenharia Ambiental e Sanitária [cita nome da universidade], fiz parte da coordenação de um projeto de extensão junto ao Programa [cita nome do programa social]. Realizávamos ações de educação ambiental direcionada à crianças de 6 a 13 anos, em situação de vulnerabilidade social. [...]. Os objetivos do projeto eram dar consciência social àquelas crianças e pré-adolescentes de que eles eram instrumento de um mundo ambientalmente melhor e capacitá-los para isso, fazendo-os compreender seus direitos e deveres junto ao meio ambiente (E28, grifo nosso).
Uma vez que o ponto de partida é o envolvimento crítico dos indivíduos e sua coletividade acerca das diferentes variáveis envolvidas nas questões ambientais, essa é a EA capaz de provocar efetivas mudanças de comportamentos, uma transformação social. Alves (2001), Loureiro (2004) e Sorrentino et al. (2005) trazem em seus trabalhos a importância de a EA estar vinculada com a cidadania, para as pessoas assumirem suas responsabilidades individuais e coletivas diante dos problemas socioambientais. Nesse contexto, a EA se torna um instrumento para construção de um senso de pertencimento levando a sociedade a realocar-se no meio ambiente de forma corresponsável. Essa forma de EA, que propicia as condições necessárias para uma participação ativa da sociedade, também é abordada em Belgrado (1975).
O Gráfico 4 apresenta os motivos dos egressos, que já trabalharam/trabalham como profissionais de Engenharia Ambiental e Sanitária, não terem desenvolvido atividades de EA em suas práticas profissionais.
Gráfico 4: Motivos para não ter trabalhado com Educação Ambiental na sua prática profissional
Fonte: Dos autores
A opção 'outro' foi utilizada para destacar outras dificuldades no trabalho com EA. Merecem destaque as seguintes respostas:
Acredito que o desenvolvimento de atividades de Educação ambiental seria interessante, caso os empreendedores tivessem o interesse no assunto de uma forma geral (E22).
[…] mas também não tenho certeza de como inserir atividades de Educação Ambiental de forma efetiva no meu trabalho (E19).
Em síntese, o que parece ficar claro, neste ponto, é que a EA não é tarefa prioritária no/do exercício profissional, o que, por conseguinte, denota desconhecimento sobre as potencialidades da EA.
Considerações finais
O percurso investigativo teve como mote a produção de dados e informações que respondessem a questão de pesquisa: 'A Educação Ambiental da forma como está sendo apresentada no curso de Engenharia Ambiental e Sanitária possibilita a compreensão de que a resolução dos problemas socioambientais inerentes à prática profissional depende, também, de ações de educação e participação coletiva?'. A priori, tanto a pesquisa documental quanto a empírica revelaram fragilidades na inserção e compreensão das potencialidades da EA no âmbito da formação e da consequente atuação profissional em Engenharia Ambiental e Sanitária.
A falta de explícitas orientações institucionais acerca do cumprimento do decreto que torna obrigatória a inclusão da EA em todos os níveis e modalidades de ensino (BRASIL, 2002), está refletida no PPC do curso. A EA, neste documento, não encontra materialidade como disciplina obrigatória ou optativa e sequer como tópico de ementa. A possibilidade – orientação – de que a EA pode ter tratamento transversal na matriz curricular fica situada num campo aberto e de difícil identificação. Para além das atividades de ensino, convém destacar que a investigação empírica, por sua vez, encontrou pouca articulação do tema EA no âmbito de projetos e atividades de pesquisa e extensão.
Os dados e informações resultantes da aplicação de questionário com os egressos do curso mostraram que a grande maioria dos respondentes entendem a EA apenas como uma forma de conscientização, sem a compreensão de que para a resolução de problemas socioambientais é necessário, também, a participação ativa da sociedade. Em grande medida, os profissionais egressos do curso não estão conseguindo problematizar e implementar uma EA que seja efetivamente crítica, questionadora e promotora de um senso de corresponsabilidade capaz de atuar nas causas estruturais dos problemas ambientais.
As categorias de análise revelaram uma grande incidência de concepções e práticas de EA num estágio básico e inicial frente ao que de fato é a EA. Ao confrontarmos os resultados das duas etapas da pesquisa encontra-se total correlação: na medida em que não há tempos e momentos durante o processo formativo para discussão de conhecimentos sistematizados e aprofundados sobre a temática, as compreensões e práticas profissionais no campo da EA, em sua maioria, são superficiais.
Portanto, a partir da análise documental e das respostas dos egressos, foi possível perceber que a forma como o tema EA está sendo apresentado durante a graduação, em grande medida, não possibilita que os profissionais compreendam a importância e implementem ações no âmbito da participação ativa da sociedade na resolução dos problemas ambientais. Poucas são as experiências que pensam e usam a EA como um processo educativo crítico capaz de provocar mudanças individuais e coletivas na raiz das problemáticas atuais.
Convém destacar e valorizar as importantes e profundas concepções e práticas profissionais que um número menor, mas não menos expressivo, de egressos revelam nas suas respostas. Há entre o conjunto de respondentes aqueles que compreendem, de fato, as potencialidades da EA como elemento crítico de participação cidadã. Nesse sentido, entendem que por meio da EA é possível, e necessário, tornar a população participante das soluções de engenharia.
Evidencia-se, nesse contexto, a necessidade de implementar uma EA ao longo do curso, que possa desenvolver nos acadêmicos, além da conscientização, um pensamento crítico acerca das questões ambientais, entendendo, assim, que as esferas sociais, políticas e econômicas estão todas envolvidas na estrutura dos problemas ambientais contemporâneos. É necessário que os futuros profissionais entendam que a EA transforma socialmente o indivíduo e sua coletividade, sendo assim, um exercício de cidadania.
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