Financing and privatization of Early Childhood Education from 0 to 3 years in the Municipality of S�o Paulo
Financiamiento y privatizaci�n de la Educaci�n Infantil de 0 a 3 a�os en el Municipio de S�o Paulo
Celso do Prado Ferraz de Carvalho
Universidade Nove de Julho,
S�o Paulo, PS, Brasil.
santossilvag2@gmail.com
Recebido em 02de dezembro de 2021
Aprovado em 27 de maio de 2022
Publicado em 05 de outubro de 2023
RESUMO
O trabalho teve por objetivo compreender a pol�tica de atendimento � Educa��o Infantil do Munic�pio de S�o Paulo no per�odo de 2005 a 2018. Trata-se de uma pesquisa de abordagem quanti-qualitativa, de natureza te�rica e de tipo documental e bibliogr�fico. A coleta de dados foi feita por meio de pesquisa: i. em fontes prim�rias, com foco na legisla��o educacional, no or�amento municipal e nos dados de matr�culas e escolas, compreendendo as tr�s distintas redes; ii. em fontes bibliogr�ficas acad�micas sobre inf�ncia, direito � educa��o infantil, financiamento e privatiza��o. O referencial te�rico tem como base autores que desenvolveram estudos nas �reas de direito � educa��o, financiamento e privatiza��o. O caminho anal�tico percorreu a positiva��o jur�dica dos direitos das crian�as, a pol�tica de financiamento dessa etapa educacional e as estrat�gias de atendimento e gest�o propostas, em especial as que se orientam na dire��o da privatiza��o dessa etapa da educa��o. A an�lise dos dados permitiu identificar um aprofundamento da pol�tica de privatiza��o na oferta de vagas para a Educa��o Infantil no Munic�pio de S�o Paulo, por meio da flexibiliza��o desse atendimento.
Palavras-chave: Educa��o Infantil; Financiamento; Parceria P�blico-Privada.
ABSTRACT
The goal of this work was to understand childhood education system in the City of S�o Paulo from 2005 to 2018. This is a quantitative and qualitative research of a theoretical nature and of a documentary and bibliographic type. Data collection was carried out through research: i. primary sources, with a focus on educational legislation, the city budget and enrollment and school data, comprising the three distinct networks; ii. academic bibliographic sources on childhood, the right to early childhood education, funding and privatization. The theoretical framework is based on authors who have developed studies in the field of the right to education, funding, and privatization. The analytical path followed the legal positivization of rights for children, the funding policy for this educational stage and the proposed care and management strategies, especially those that are guided towards the privatization of this Basic Educacion. The analysis of the data allowed to identify the deepening of the privatization policy in the offer of places for Early Childhood Education in the City of S�o Paulo, by making this service more flexible.
Keywords: Early Childhood Education; Financing; Public-private partnership.
RESUMEN
El objetivo del trabajo fue comprender la pol�tica del servicio de Educaci�n Infantil del Municipio de S�o Paulo en el per�odo de 2005 a 2018. Se trata de una investigaci�n con enfoque cuantitativo-cualitativo, de car�cter te�rico y de car�cter documental y bibliogr�fico. La recolecci�n de datos se realiz� a trav�s de la investigaci�n: i. en fuentes primarias, centr�ndose en la legislaci�n educativa, el presupuesto municipal y los datos de matr�cula y escolares, que comprenden las tres redes distintas; ii. en fuentes bibliogr�ficas acad�micas sobre ni�ez, derecho a la educaci�n infantil, financiamiento y privatizaci�n. El marco te�rico se basa en autores que desarrollaron estudios en las �reas de derecho a la educaci�n, financiamiento y privatizaci�n. El recorrido anal�tico abarc� la afirmaci�n jur�dica de los derechos de la ni�ez, la pol�tica de financiamiento de esta etapa educativa y las estrategias de servicio y gesti�n propuestas, especialmente aquellas que se orientan a la privatizaci�n de esta etapa educativa. El an�lisis de los datos permiti� identificar una profundizaci�n de la pol�tica de privatizaci�n en la oferta de plazas para Educaci�n Infantil en el Municipio de S�o Paulo, a trav�s de la flexibilidad de este servicio.
Palabras-clave: Educaci�n Infantil; Financiaci�n; Asociaci�n p�blico-privada.
As reformas educacionais contempor�neas
A partir da d�cada de 1980 difundem-se as ideias de defesa de uma movimenta��o financeira mais livre, conduzida pelas �leis� do mercado e da competi��o e de um papel mais ativo do setor privado em �reas como educa��o. Foram apresentadas como de interesse social, dado que constitu�am um meio efetivo de diminuir a pobreza, estancar a desacelera��o do crescimento econ�mico e forjar economias baseadas no conhecimento. Os organismos internacionais atuaram para viabilizar tais propostas no que ficou conhecido como Consenso de Washington, um conjunto de recomenda��es de pol�tica econ�mica e de gest�o p�blica a serem seguidas pelos Estados Nacionais.
Suas consequ�ncias devastadoras, n�o foram impeditivas para que, sob nova apar�ncia, o neoliberalismo avan�asse, por meio de reformas nas quais o setor privado tivesse campo para expandir sua atua��o e o Estado atuasse menos como provedor e mais como facilitador. Atuante na redefini��o do papel do Estado e no protagonismo de um robusto setor privado, ambos caminhos considerados determinantes para o desenvolvimento econ�mico e, portanto, contributivos para ameniza��o da pobreza, o Banco Mundial considerou a educa��o como um setor de oportunidades para o setor privado. Dessa forma, dissemina a ideia de parcerias, particularmente, as parceiras p�blico-privadas (PPPs), previstas em documentos do Banco, parte de uma estrat�gia mais geral de privatiza��o da educa��o. Al�m disso, as PPPs n�o apenas uniram diferentes setores interessados e tipos de habilidades como tamb�m ajudaram �na corretagem [�broker in�] em vez de mitiga��o ou media��o da privatiza��o na e da educa��o.� (ROBERTSON, 2012)
As parcerias tornaram-se centrais para a pol�tica de privatiza��o no Brasil. Na educa��o foi regulamentada por um conjunto de leis que propiciou sua legitima��o e utiliza��o por meio de termos de contratos utilizados para celebra��o de parcerias, sejam sem fins lucrativos sejam com fins lucrativos, entre Estado e setor privado.�
Alves (1999) entende que houve uma interven��o sistem�tica, direta e consentida do Banco Mundial na redefini��o das pol�ticas educativas e que as elites dirigentes nacionais, demonstrando seu conservadorismo e sua aus�ncia de esp�rito p�blico, e em conluio com as institui��es financeiras, institu�ram uma configura��o jur�dico-legal que favoreceu a redu��o de investimentos p�blicos para servi�os essenciais e restringiu direitos sociais. A autora considera que n�o h� nenhum mecanismo de controle que a sociedade civil possa utilizar em rela��o aos recursos tomados de empr�stimo �s ag�ncias para financiamento de setores da educa��o, nem mesmo decidir sobre a aplica��o dos recursos, dado que o acesso aos documentos elaborados entre gestores dos organismos internacionais e representantes do governo � restrito. A destina��o dos recursos considera a produtividade e os setores que d�o lucro, e define que o n�o cumprimento das estrat�gias acarreta suspens�o unilateral e puni��es aplicadas pelo Banco.
A influ�ncia do Banco Mundial esteve presente no Minist�rio Extraordin�rio da Administra��o e Reforma do Estado (MARE), na sua pol�tica de descentraliza��o e de distanciamento do Estado, n�o s� dos processos produtivos, mas tamb�m das �reas de aten��o social, para assumir fun��o estritamente regulat�ria na distribui��o e apropria��o dos recursos p�blicos. O Banco age desde suas origens como um ator pol�tico, financeiro e intelectual, por meio de sua condi��o de constituir, ao mesmo tempo, emprestador, formulador e articulador de pol�ticas e veiculador de ideias. Em suas articula��es com atores formais e informais, bilaterais e multilaterais, p�blicos e privados assume, com frequ�ncia, papel de lideran�a intelectual que propicia ampliar sua influ�ncia e seu campo de a��o (PEREIRA, 2014, p. 79). Os organismos internacionais formulam pol�ticas educacionais, que t�m sido implementadas em todos os n�veis da educa��o p�blica brasileira, introduzindo novas concep��es no campo educacional.
No Brasil, entre avan�os e retrocessos, a Educa��o Infantil foi considerada a primeira etapa da Educa��o B�sica. No entanto, logo ap�s a aprova��o da Constitui��o de 1988 seguiu-se uma rea��o conservadora que em boa medida impactaria, especialmente, as conquistas em termos de pol�ticas sociais, notadamente a educa��o, tanto por refrear o movimento de regulamenta��o infraconstitucional que lhes daria plena vig�ncia quanto por abrir um processo de mudan�as por emendas constitucionais. Tratava-se da resposta neoliberal � incipiente conquista de direitos, que levou �s propostas de reforma do Estado da d�cada de 1990 como mecanismos de ajustamento ao novo modelo de organiza��o econ�mica.
Para estruturar tal pol�tica, foi preciso difundir uma s�rie de recomenda��es pol�ticas e econ�micas que se incorporaram aos discursos e pr�ticas das autoridades pol�ticas e econ�micas dos Estados nacionais, da m�dia e de institui��es comprometidas com tais pol�ticas para criar um consenso de que era n�o s� preciso como tamb�m urgente propor medidas para �salvar� o sistema capitalista e evitar o colapso econ�mico global. A sa�da para tal situa��o estava na reforma dos aparatos estatais, mas especificamente, na busca de consolidar o Estado m�nimo, deixando o caminho livre para o mercado, aquele que, em tese e segundo a defesa dos pr�ceres do pensamento neoliberal, pode oferecer as condi��es necess�rias para a a��o livre dos homens, de acordo com as suas capacidades e esfor�os. (DARDOT; LAVAL, 2016).
A ado��o desse modelo econ�mico acarretou o aumento da concentra��o de renda em escala global e o aprofundamento das desigualdades socioecon�micas e da exclus�o social e atingiu fortemente a economia brasileira, tendo sido acolhido pelo Estado brasileiro logo ap�s a promulga��o da Constitui��o de 1988. � nesse contexto que ocorrem as reformas no Estado brasileiro iniciadas no governo Collor de Mello (1990-1992) e mantidas por seu sucessor Itamar Franco, que toma posse em 1992, ap�s o impeachment. Mas � nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) que a reforma do Estado adquire a sua forma mais acabada.
O Estado � responsabilizado pela crise, devido ao desvio de suas fun��es b�sicas e, como consequ�ncia, trouxe o sucateamento dos servi�os p�blicos, crise fiscal e infla��o. Cabia, agora, canalizar para o setor produtivo a corre��o das desigualdades sociais e regionais, reorganizando o Estado, para se adequar a economia ao livre mercado, que passa a ter as fun��es de promotor e regulador, ao mesmo tempo em que se transfere para o setor privado as atividades que, segundo os reformadores, podem ser controladas pelo mercado. Assim, defendem um amplo processo de privatiza��o das empresas estatais e o processo de publiciza��o que consiste na transfer�ncia de servi�os como sa�de, educa��o, cultura e pesquisa cient�fica para o setor denominado n�o-estatal que ser� subsidiado pelo Estado.
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado j� explicita os eixos centrais para as reformas: descentraliza��o, controle, privatiza��o e desregulamenta��o. Para tanto, foi necess�rio formular o arcabou�o jur�dico que viabilizou tal reforma em todas as �reas, inclusive nas sociais, com o Estado se desresponsabilizando desses servi�os. �A nova ordem institucional se exime de responsabilidade, tentando apresentar sua pr�pria indiferen�a como liberdade para os indiv�duos ou grupos da periferia; o v�cio da pol�tica derivada do novo capitalismo � a indiferen�a.� (SENNETT, 2006, p. 150)
As pol�ticas de financiamento da educa��o b�sica no Brasil
Consolidar na pr�tica o reconhecimento da Educa��o Infantil como direito implica acompanh�-la de uma pol�tica de financiamento. O que se constata, no entanto, � que ao longo dos anos essa etapa de ensino foi negligenciada. O financiamento p�blico foi sendo minado por meio de legisla��es que restringiam os investimentos p�blicos nas �reas sociais.
A cria��o do Fundo de Manuten��o e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valoriza��o do Magist�rio (Fundef), por meio da EC 14, �impediu, na pr�tica, a utiliza��o de parte significativa de recursos vinculados constitucionalmente � manuten��o e desenvolvimento do ensino em outras etapas de ensino que n�o a do ensino fundamental.� (ARELARO (2008, p. 51) Outra medida foi a aprova��o da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101 de 2.000), que vem no bojo da reforma do Estado brasileiro e limita em 60% os gastos com pessoal, medida que vem comprometendo seriamente as �reas sociais. Em pouco tempo, as consequ�ncias de tal medida tornaram-se vis�veis:� terceiriza��o nos servi�os p�blicos, com a introdu��o da �tica gerencial, seja pela transfer�ncia direta dessas responsabilidades, seja pelo estabelecimento de parcerias e conv�nios para sua realiza��o, que se v�o estabelecendo em praticamente em todos os setores da administra��o p�blica. (ARELARO, 2008) Outra medida � a Desvincula��o de Receitas da Uni�o (DRU), que foi prorrogada at� 2023 e flexibiliza a destina��o de 30% das receitas da Uni�o, o que na pr�tica reduz a vincula��o prevista na Constitui��o Federal de 1988. Tomando por base o ano de 2016, os recursos que s�o retirados das pol�ticas sociais por meio da DRU correspondem a 3,5% do PIB; considerados os 18 anos que a desvincula��o esteve em vigor na educa��o foram retirados o correspondente a 2,9% do PIB, a contribui��o da Uni�o caindo de 18% para 14,4%.� Acrescentem-se tamb�m as desonera��es tribut�rias como a isen��o de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para o setor automobil�stico e os produtos da linha branca que acarretaram perda anual de, aproximadamente, 0,2% do PIB, ou cerca de 13,5 bilh�es em 2016. (PINTO, 2018, p. 853)
O Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) foi institu�do pela Emenda Constitucional n� 14 de 1996 e implantado nacionalmente em 1998. Em 2007, ele � alterado por meio da Lei 11.494 que institui o Fundo de Desenvolvimento da Educa��o B�sica (Fundeb) e abrange, al�m do Ensino Fundamental e do Ensino M�dio, a Educa��o Infantil, que passou, ent�o, a receber recursos desse Fundo. A lei do Fundeb permite o repasse de recursos p�blicos �s institui��es sem fins lucrativos (filantr�picas, confessionais e comunit�rias), possibilidade que j� estava prevista na Constitui��o de 1988. Para isso, essas institui��es devem comprovar finalidade n�o lucrativa e aplicar os excedentes financeiros em educa��o; devem assegurar a destina��o de seu patrim�nio a outra escola comunit�ria, filantr�pica ou confessional, ou ao Poder P�blico, no caso de encerramento de suas atividades. Se, por um lado, a Educa��o Infantil come�ou a receber recursos do fundo, por outro, �� preciso reconhecer tamb�m que o FUNDEB n�o representou aumento dos recursos financeiros.� (SAVIANI, 2007, p. 1248) Dessa forma, h� mais estudantes sendo atendidos pelo Fundo, sem que seja previsto incremento nos recursos.�
A quest�o do financiamento foi prevista na Lei 13005 de 2014 que aprovou o Plano Nacional de Educa��o (PNE) e estabeleceu diretrizes, metas e estrat�gias para a educa��o no Brasil, com vig�ncia para o per�odo de 2014-2024. Entre as metas que dizem respeito � Educa��o Infantil, destacam-se a Meta 1, que prev� prazos para a amplia��o do n�mero de vagas, e a Meta 20, que se refere ao financiamento e prev� prazos para a amplia��o dos recursos destinados � educa��o. Pela proposta, no 5�. ano de vig�ncia do Plano o investimento p�blico em educa��o deveria chegar ao patamar de 7% do PIB e, ao final, ao m�nimo a 10%. A Meta 1 prop�e universalizar, at� 2016, a pr�-escola para crian�as de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos e ampliar a oferta de educa��o infantil em creche de forma a atender, no m�nimo 50% das crian�as at� 3 (tr�s) anos at� o final da vig�ncia do PNE, ou seja 2024. Quanto � estrat�gia para a oferta de matr�cula gratuita, o PNE prev� a articula��o entre poder p�blico e creches certificadas. Dessa forma, mant�m as parcerias, incentivadas pelo Fundeb, na medida em que permite o repasse de recursos p�blicos �s institui��es sem fins lucrativos e projeta o atendimento, de no m�nimo, 50% dessa etapa da educa��o para o ano de 2024, sem a perspectiva de universalizar at� a vig�ncia do Plano.
Mesmo com recursos j� considerados aqu�m do necess�rio para garantir os direitos previstos na Constitui��o, o financiamento das �reas sociais sofreu um duro golpe com a aprova��o da Emenda Constitucional n�. 95 (PL 241 quando na C�mara Federal e PEC 55 quando no Senado), que institui novo regime fiscal e que, na pr�tica, congela os investimentos p�blicos por 20 anos. Nesse sentido, mais uma vez o pa�s faz o movimento contr�rio: em vez de garantir recursos p�blicos para concretizar direitos educacionais, simplesmente reduz recursos por meio do congelamento dos investimentos, contrapondo-se, assim, ao previsto na pr�pria Constitui��o Federal de 1988 e fazendo letra morta das conquistas duramente consignadas na lei maior.
A Associa��o Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educa��o (Fineduca) e a Campanha Nacional pelo Direito � Educa��o (CNDE), em nota conjunta 1/2016, analisaram os impactos da ent�o proposta de emenda constitucional para as pol�ticas educacionais, segundo a nota, o congelamento dos gastos p�blicos por 20 anos significa a inviabiliza��o da Meta 20 do PNE que estabelece 7% do PIB para a educa��o at� 2019 e no m�nimo 10% do PIB ao final da vig�ncia, em 2024, �partindo-se de um percentual de 18% e considerando-se um crescimento da receita real de 3% ao ano, ap�s 5 anos a vincula��o j� estaria em 16%; ap�s 10 anos, em 13,8% e ap�s 20 anos chegaria a 10,3%, ou seja, uma redu��o de 43% no �ndice.� (FINEDUCA, CNDE, 1/2016) Os cortes promovidos pela atual EC 95 comprometem sobremaneira o financiamento para a educa��o, atingindo frontalmente a expectativa de implementa��o do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) que, segundo o PNE, deveria estar operando desde 2016 e ainda n�o est� em vig�ncia, o que compromete padr�es m�nimos de qualidade.
A Emenda Constitucional N� 108 de agosto de 2020 instituiu o novo Fundeb, com isso, o fundo deixou de constar nas Disposi��es Transit�rias da Constitui��o Federal e passou a fazer parte do corpo do texto da Carta Magna, ou seja, passa a ser permanente. O texto incorpora o valor anual por aluno (VAA), aumento da complementa��o da Uni�o de 10% para 23% (implementada de forma progressive), e prev� que 70% dos recursos do fundo sejam destinados � valoriza��o dos Profissionais do Magist�rio.
No percurso p�s aprova��o da Constitui��o Federal de 1988, em que se iniciou a reforma do Estado e ao mesmo tempo o seu desmonte, muito se avan�ou na introdu��o da l�gica do mercado na administra��o e nos dos servi�os p�blicos, come�ando pela sua desvaloriza��o e exaltando do setor privado como mais eficiente, chegou-se � privatiza��o do ensino via parcerias p�blico-privadas com as OSCIPs.
Nas discuss�es no campo da educa��o, permanecem em debate as ideias de setores que defendem propostas como voucher e charter schools que s�o apresentas como solu��es para elevar o desempenho das escolas p�blicas, sob o argumento de que � preciso inovar na educa��o e essa inova��o se faz pela introdu��o da l�gica privada no ensino.
Ravitch (2011, p. 253), ao analisar o sistema escolar norte-americano, que ela pr�pria ajudou a estruturar na condi��o de respons�vel pela educa��o nacional estadunidense durante determinado per�odo, aborda a testagem e a responsabiliza��o, e mostra como essa pol�tica foi desastrosa para a educa��o dos Estados Unidos.
As nossas escolas n�o melhorar�o se n�s as entregarmos aos poderes m�gicos do mercado. Os mercados t�m vencedores e perdedores. A escolha escolar pode levar a melhores resultados ou a piores resultados. Deixar mil flores desabrocharem n�o garante um jardim cheio de flores. Se o jardim for desassistido e desregulamentado, � prov�vel que ele acabe tomado de ervas daninhas. O nosso objetivo deve ser estabelecer sistemas escolares que incentivem a excel�ncia acad�mica em cada escola e cada bairro.
Esse modelo de ensino da l�gica privada no ensino p�blico, na realidade � uma f�rmula bem antiga e que j� foi testada em pa�ses como EUA e Chile, e em ambos os pa�ses os resultados n�o representaram ganhos para o ensino. A concorr�ncia, t�o apregoada pelo mercado, n�o serve para ele mesmo, dado que para se instalar exige dos governos seguran�a jur�dica, por isso cabe promover a desregulamenta��o do Estado enquanto se aprovam leis que garantem condi��es de reprodu��o dos investimentos do capital do setor privado na educa��o b�sica. De certo, o que se tem � uma disputa pelos fundos p�blicos colocando em cena atores que representam o setor privado organizado, sob manto da efici�ncia que a concorr�ncia proporciona.
As parcerias p�blico-privadas e a privatiza��o da educa��o infantil de 0 a 3 no Munic�pio de S�o Paulo
Atualmente, na cidade de S�o Paulo, o atendimento a crian�as de 0 a 3 anos realizado pela Prefeitura ocorre nos Centros de Educa��o Infantil (CEIs) da rede direta e por meio de parcerias. Os CEIS diretos s�o definidos como: �Unidades Educacionais com profissionais, edif�cio e bem m�veis da Prefeitura, que atendem crian�as de zero a 3 anos em per�odo integral� e as CEMEI �Centro Municipal de Educa��o Infantil, que recebe crian�as de zero a 5 anos e 11 meses.� (S�O PAULO, 2019)
A Portaria SME 4.548/17, que estabelece as normas para celebra��o de temos de colabora��o para atendimento a crian�as de 0 a 3 nos de idade, em seu artigo 3�. denomina, nos incisos I e II, os CEIs a rede parceira nas seguintes modalidades:
I - CEIs da Rede Parceira Indireta (RPI), assim denominados aqueles em que o servi�o � popula��o � realizado em equipamento pr�prio municipal, inclusive em im�vel locado pela Administra��o Municipal ou por ela recebido em comodato ou mediante termo de permiss�o de uso.
II � CEls/Creche da Rede Parceira Particular (RPP), assim denominados aqueles em que o servi�o � popula��o � realizado em im�vel da pr�pria organiza��o, a ela cedido ou por ela locado, com recursos financeiros pr�prios ou com recursos repassados pela SME.
Em 2017, entrou em vigor, para os munic�pios, a Lei federal 13.019/14, alterada pela Lei 13.204 de 2015 que estabelece o regime jur�dico das parcerias entre administra��o p�blica e as Organiza��es da Sociedade Civil (OSCs). No Munic�pio de S�o Paulo foi regulamentada pelo Decreto Municipal n�. 57.575/2016 e, na Secretaria Municipal de Educa��o, pela Portaria 4.548/17. A referida lei federal foi aprovada a fim de aperfei�oar os mecanismos de transpar�ncia, de efici�ncia e efic�cia na destina��o dos recursos p�blicos e para estabelecer seguran�a jur�dica para as OSCs, apresentando inova��es em rela��o a legisla��es anteriores.
Uma das inova��es definida em lei � a altera��o de denomina��o das rela��es jur�dicas entre Administra��o P�blica e as OSCs. �Com a lei, parceira, passou a ser a� �denomina��o geral para designar os acordos celebrados entre a administra��o p�blica e as OSCs.� Termo de colabora��o � o instrumento pelo qual � celebrada a parceria que envolva transfer�ncia de recursos financeiros. Termo de fomento � o instrumento pelo qual � celebrada a parceria cujo plano de trabalho � proposto pela OSC com transfer�ncia de recursos financeiros. Acordo de coopera��o � o instrumento pelo qual � formalizada a parceria que n�o envolve transfer�ncia de recursos. Conv�nio � o termo que define as parcerias entre os entes federados: Uni�o, estados, DF e munic�pios. O instrumento para a celebra��o de parceria entre a SME e as OSCs � o termo de colabora��o.
A evolu��o das escolas e matr�culas da rede parceira na Prefeitura de S�o Paulo, como podemos observar na Tabela 1, cresceu rapidamente entre o per�odo de 2005 a 2018, considerando os dados de 2005, 2010, 2015 e 2018, com intervalo de cinco anos (somente entre 2015 a 2018 o per�odo � de tr�s anos)[1].
Tabela 1 � N�mero de estabelecimentos e matr�culas (0 a 3 anos) dos CEIs Diretos, CEIs Indiretos e Creche Privada Conveniada � per�odo de 2005, 2010, 2015 e 2018).
Tipo de Escola |
CEI Municipal (Rede Direta) |
CEI conveniado (Rede Indireta) |
CEMEI |
Creche Privada Conveniada |
|
2005
|
Escolas |
333 |
217 |
- |
351 |
Matr�culas |
50.138 |
30.048 |
- |
43.922 |
|
2010 |
Escolas |
357 |
306 |
- |
675 |
Matr�culas |
48.517 |
44.483 |
- |
79.069 |
|
2015 |
Escolas |
361 |
358 |
1 |
1.018 |
Matr�culas |
54.899 |
59.654 |
581 |
127.364 |
|
2018
|
Escolas |
362 |
370 |
11 |
1.438 |
� Matr�culas |
55.360 |
63.636 |
5.222 |
194.320 |
Fonte: Adaptado de Infocida - Prefeitura de S�o Paulo/ Educa��o -Tabelas (acessado em 15/11/2018)
Considerando o per�odo de 2005 a 2018, pode-se observar o lento crescimento de matr�culas na rede direta, �aproximadamente 10%. �O contr�rio se observa na rede indireta, que teve crescimento significativo nas matr�culas (mais que dobraram entre 2005 a 2018). A rede particular conveniada, no mesmo per�odo, cresceu aproximadamente 342%, o que indica a op��o de oferta de vagas na Educa��o Infantil por meio da rede particular conveniada.
A Tabela 2 apresenta dados da execu��o or�ament�ria, conforme disponibilizados no site da Secretaria da Fazenda da Prefeitura do Munic�pio de S�o Paulo, no qual se espec�fica: �Execu��o or�ament�ria e financeira corresponde � concretiza��o do or�amento, ou seja, ao montante em que o governo, mediante a consecu��o de um conjunto de atividades, arrecada as receitas estimadas e realiza os programas de trabalho fixados.� S�o apresentados os or�amentos destinados � Prefeitura de S�o Paulo, � Secretaria Municipal de Educa��o e � Manuten��o e Opera��o da Rede Parceira (CEI)[2].� Os or�amentos correspondem ao per�odo de 2005 a 2018, considerando os dados de 2005, 2010, 2015 e 2018, com intervalos de cinco anos (somente no per�odo de 2015 a 2018 o intervalo � de tr�s anos).
Tabela 2 � Or�amento destinado � Prefeitura da cidade de S�o Paulo, � Educa��o e a Manuten��o e Opera��o da Rede Parceira (CEI) (2005, 2010, 2015 e 2018)
Ano |
Or�amento������ Prefeitura |
���������� Or�amento ��������� Educa��o |
Conv�nios para Opera��o e��������� Manuten��o de CEIs e Creches |
|
2005/Or�ado |
15.200.000.000 |
766.870.494 |
34.820.000 |
|
Atualizado |
15.200.000.000 |
825.099.663 |
16.196.187 |
|
Empenhado |
13.868.926.528 |
783.519.421 |
15.161.642 |
|
Liquidado� |
12.932.097.453 |
541.038.707 |
12.224.229 |
|
|
|
|
|
|
2010/Or�ado |
27.897.832.339 |
5.967.299.584 |
490.282.284 |
|
Atualizado |
29.255.301.866 |
5.965.721.278 |
531.171.590 |
|
Empenhado |
28.761.555.364 |
5.935.426.691 |
529.412.672 |
|
Liquidado� |
27.127.222.910 |
5.330.202.603 |
514.416.815 |
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2015/Or�ado |
51.393.748.121 |
9.792.348.985 |
1.249.465.185 |
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Atualizado |
51.434.312.642 |
9.999.427.020 |
1.429.421.960 |
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Empenhado |
47.014.200.562 |
9.709.032.243 |
1.427.248.969 |
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Liquidado� |
44.200.773.229 |
9.207.102.359 |
1.415.341.711 |
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2018/Or�ado |
56.370.560.562,00 |
11.774.780.638.00 |
2.271.387.707 |
|
Atualizado |
56.499.455.435.05 |
12.049.514.422,11 |
2.367.339.297 |
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Empenhado |
54.157.141.735,67 |
11.872.583.011,13 |
2.354.160.528 |
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Liquidado� |
51.832.935.722,31 |
11.016.056.158,39 |
2.302.434.127 |
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Fonte: Secretaria Municipal da Fazenda. http://orcamento.sf.prefeitura.sp.gov.br/orcamento/execucao.php
Ao analisar a evolu��o dos valores da execu��o or�ament�ria e relacion�-la ao or�amento de SME com os percentuais destinados �s redes parceiras, notamos que em 2005 os valores destinados �s parceiras representavam 2,3% do total do or�amento da educa��o; em 2010, o percentual sobre para 9,7%; em 2015 � de 15,4% e em 2018 corresponde a 20,9% do total do or�amento da educa��o.
Em 2019, foi aprovada a Lei 17.244 que cria os programas Mais Creche e Bolsa Primeira Inf�ncia, ambos para atender a demanda de 0 a 3 anos de idade. O Mais Creche consiste na compra de vagas em escolas privadas sem ou com fins lucrativos, com pagamento feito por crian�a e diretamente �s institui��es previamente credenciadas. Para isso a Portaria prev� chamamento p�blico a ser realizado pela SME. Seu objetivo, segundo o �1�, artigo 2�., � �garantir a todas as crian�as de 0 (zero) a 3 (tr�s) de idade em situa��o de vulnerabilidade socioecon�mica o acesso e a perman�ncia em escolas de educa��o infantil.� O Programa Bolsa Primeira Inf�ncia consiste, segundo o Inciso II do Artigo 2�., na �concess�o de um aux�lio financeiro mensal pago � fam�lia [...] podendo inclusive ser utilizado para acesso a servi�os, a bens e g�neros de primeira necessidade.� Esse Programa � destinado a crian�as que n�o foram contempladas com o Mais Creche. De acordo com o par�grafo 1�., do artigo 3�., O Programa Mais Creche tem car�ter provis�rio e emergencial e cessar� ao final do ano assim que houver vaga na rede municipal de ensino, o valor do benef�cio � de R$ 200,00.
Os questionamentos em rela��o aos programas abordados acima s�o muitos. No caso do Programa Mais Creche questiona-se a legisla��o que prev� o repasse de verba p�blico a institui��es com fins lucrativos, o que se observa � a flexibiliza��o do atendimento das crian�as de 0 a 3 anos de idade, dado que na mesma rede municipal de ensino pode-se encontrar diferentes formas de atendimento: desde a rede direta, passando pela rede parceira indireta, depois pela rede parceira particular e agora, a possibilidade de atendimento na rede privada com fins lucrativos.
Considerando que atualmente a rede direta atende aproximadamente 55.360 alunos (conforme tabela 1), e o total de matr�culas na Educa��o infantil � de 338.800[3] (em setembro de 2019) � poss�vel ter a dimens�o de como a privatiza��o atingiu um est�gio em que essa rede municipal praticamente se tornou privada com os CEIs diretos representando uma ilha rodeada de escolas particulares. Considerando o n�mero de matr�culas acima e um valor m�dio por aluno de R$ 726,00[4], a Prefeitura estima que o benef�cio atingir�, algo em torno de 33 mil crian�as[5], gerando um gasto anual de aproximadamente 300 milh�es em 2020[6], valor que deixar� de ser investido na constru��o e manuten��o dos CEIs. E os esfor�os, como podemos observar, parecem ser na dire��o de consolidar a esfera privada, pois o foco, para aumentar o n�mero de vagas est� nas parcerias, para as quais ser�o destinados, segundo as proje��es, mais de R$ 2,8[7] bilh�es em 2020 destinados � a��o de manuten��o e opera��o da rede parceira nos Centros de Educa��o Infantil (CEI).
De fato, conforme a rede parceira cresce mais dinheiro p�blico deve ser transferido para elas. A rede parceira vai ganhando mais espa�o na administra��o p�blica, sua dimens�o propicia uma correla��o de for�as na qual o setor privado, agindo organizadamente, se fortalece e pode atuar com maior poder de negocia��o em rela��o � administra��o p�blica.� Na analisa do Programa Bolsa Creche nos munic�pios paulistas de Piracicaba e Hortol�ndia, cujo atendimento � garantido pelo pagamento a entidades filantr�picas, Ongs e escolas privadas stricto sensu, Domiciano (2009, p. 190), verifica que:
O �Bolsa Creche� ganhou tamanha expressividade nos dois munic�pios investigados ocupando espa�os significativos na oferta e no financiamento da educa��o infantil que parece constituir-se uma �terceira rede� de escolas, inclu�das no setor privado, obviamente, mas que funcionam �paralelamente� aos estabelecimentos educacionais que se mant�m com recursos pr�prios e �s escolas p�blicas. O Programa criou uma diversifica��o da forma de atendimento � educa��o infantil em Piracicaba e Hortol�ndia, sob o financiamento p�blico, que sugere a dilui��o das fronteiras que separam a rede p�blica, estatal, da esfera privada.
� preciso considerar, com grande preocupa��o a transfer�ncia do poder de decis�o sobre pol�ticas educacionais de agentes p�blicos a atores econ�micos. Robertson (2012) alerta para as dificuldades em desmontar processos que se constitucionalizaram e, assim, constitu�ram a educa��o enquanto mercado. A autora tamb�m aborda a crescente ind�stria especializada em torno das PPPs, que inclui tamb�m a educa��o, exportando sua especialidade globalmente, como tamb�m o crescente n�mero de atores privados, funda��es, bancos, escrit�rios de advocacia especializados que atuam como fontes de autoridade voltadas para o mercado. Parte dessa ind�stria atua na educa��o como as funda��es educacionais e filantr�picas, assim como em empresas grandes e poderosas empresas globais, a exemplo de corpora��es nacionais de capital aberto como Kroton e Ser Educacional que est�o se organizando rapidamente para transladar recursos auferidos em opera��es na educa��o superior para o campo da educa��o b�sica.� Essas �ind�strias� educacionais, quando encontram abertura nos governos e legisla��o favor�vel, oferecem diversos servi�os.
Considera��es Finais
A reforma do Estado iniciada na d�cada de 1990 continua a produzir mudan�as na estrutura e organiza��o do Estado. Assume novas faces, como a reforma trabalhista (Lei 13467/2017), a terceiriza��o irrestrita (Lei 429/2017), a Emenda Constitucional 95 de dezembro de 2016, representou um duro golpe para os servi�os p�blicos, congelando o or�amento das �reas sociais em 20 anos, a reforma da previd�ncia (EC 103/2019) e, agora, a reforma administrativa que se encontra em discuss�o. As reformas buscam a retirada dos direitos sociais e trabalhistas, implantar pol�ticas em perspectiva neoliberal na economia e regressiva nos costumes, atingindo os direitos duramente conquistados pela classe trabalhadora. As investidas de um conjunto expressivo das for�as pol�ticas instaladas no Executivo, no Legislativo e no Judici�rio, com apoio dos grandes grupos religiosos e de m�dia, est�o trilhando um s�lido caminho da desmoraliza��o dos servi�os p�blicos-estatais e de seus servidores (o Ministro da Economia do Governo Bolsonaro, reiteradamente, utilizou adjetivos dirigidos aos servidores tais como �parasitas�, �assaltantes� e �inimigos� frente � opini�o p�blica), num suposto consenso social que se erigiu de setores da sociedade interessados em aprofundar e estender as leis do mercado por toda a sociedade, sob o manto ret�rico da efici�ncia que seria proporcionada pela concorr�ncia dos setores privados. Assim, entrou nas �reas sociais, introduzindo a l�gica da empresa e do mercado no servi�o p�blico. Esse passo n�o foi dado sem antes ser pavimentado o caminho, com um aparato pol�tico-jur�dico que propiciasse, ao mesmo tempo, a retirada do Estado da educa��o e legisla��es que garantissem a seguran�a jur�dica para atua��o do setor privado nessa �rea. O fato � que a cr�tica � capacidade gerencial do Estado oculta a real disputa que � pelos fundos p�blicos, �os efeitos da nova gest�o p�blica � que os limites entre o setor p�blico e o privado se embaralham� (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 318)
Os processos de privatiza��o, que representam uma dire��o pol�tica muito clara para a de Educa��o Infantil, apresentam diversos desafios para os rumos da educa��o p�blica, em particular para a democracia e a justi�a social, porque entrega a grandes grupos financeiros e empresariais nacionais ou internacionais a dire��o da pol�tica educacional do pa�s.
Na cidade de S�o Paulo, as parcerias p�blico-privadas s�o a forma preferencial de expans�o da oferta de vagas para crian�as de o a 3 anos nas creches. Enquanto a rede direta de atendimento ficou praticamente estagnada, o crescimento da rede parceira (CEI conveniada rede indireta e rede privada conveniada) ampliou-se consideravelmente, representando em 2018, conforme os dados, aproximadamente, 85% das matr�culas na educa��o infantil de 0 a 3 anos de idade, n�mero significativo, o mesmo movimento observa-se no or�amento destinado � rede parceira, cujo crescimento acompanhou o n�mero de matr�culas, em 2018 representou 20,9% do total do or�amento da educa��o.
A an�lise dos dados documentais e bibliogr�ficos demonstra que os processos de privatiza��o para o setor, postos a funcionar pela Secretaria Municipal de Educa��o, est�o pautados no modelo de empresa, que por sua vez se vale da concorr�ncia/competi��o como fundamento pol�tico orientador das mudan�as jur�dicas que v�o favorecer tais processos. � assim que a estrat�gia da privatiza��o, tendo � frente as parcerias p�blico-privadas, a antessala do voucher (e da educa��o como empresa privada), coaduna com os pressupostos neoliberais da nova gest�o p�blica.
Percebe-se um afunilamento das ideias que permeiam as pol�ticas p�blicas para a inf�ncia e, em particular para a Educa��o Infantil no que se refere � oferta, com as parcerias com institui��es sem fins lucrativos e, agora, com entidades de fins lucrativos, sempre �s expensas das verbas p�blicas. Os fundamentos pol�tico-jur�dicos embasados na boa-governan�a completam-se com as ideias do mercado como regulador �timo das rela��es sociais e de produ��o e promotor do desenvolvimento nacional e pessoal, e as estrat�gias de mercado formuladas por correntes neoliberais encontram nas �reas sociais, em especial na educa��o, espa�os de competitividade para a economia global. Encontrando acolhimento nos governos, o Estado passou a redirecionar suas pol�ticas p�blicas, principalmente por meio da sistematiza��o dos pressupostos neoliberais no aparato jur�dico, gerando seguran�a jur�dica e condi��es pol�ticas necess�rias para potenciais investidores privados.
� poss�vel considerar que, na Educa��o Infantil, esse processo encontrou uma refer�ncia na sua pr�pria hist�ria de atendimento em institui��es particulares desde a sua oferta pela pasta da assist�ncia social, o que contribuiu para que essa etapa educacional se tornasse a express�o mais bem acabada dessa pol�tica no munic�pio de S�o Paulo.
Entendemos a educa��o p�blica-estatal como um direito, e como tal deve ser laica e gratuita. Nas contradi��es do sistema, tendo em vista que a escola � um meio de difus�o do conhecimento acumulado pela humanidade e de cont�nua cria��o cultural, constitui instrumento que colabora para a transforma��o social quando os direitos educativos das crian�as s�o plenamente garantidos pelo Estado, assim como contribui para a emancipa��o humana. �Os homens fazem a sua pr�pria hist�ria; contudo, n�o a fazem de livre e espont�nea vontade, pois n�o s�o eles quem escolhem as circunst�ncias sob as quais ela � feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram [...].� (MARX, 2011, p. 25) Se o processo hist�rico propiciou uma correla��o de for�as que permitiu o avan�o da pol�tica neoliberal, tendo como consequ�ncia alguns embara�os aqui apontados, � preciso avan�ar nas lutas no sentido de criar as condi��es da passagem de uma sociedade baseada na explora��o para uma sociedade que tenha como perspectiva a emancipa��o humana, para que essa perspectiva se consolide, a defesa da educa��o p�blica � relevante.
Refer�ncias
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Notas
[1] A Tabela 1 acompanhou as denomina��es empregadas no site Infocidade, a saber, respectivamente: �Centro de Educa��o Infantil Direto (Creche da Rede Direta); Centro de Educa��o Infantil Conveniado (Rede Indireta); Centro Municipal de Educa��o Infantil (CEMEI) e Creche Privada Particular�.
[2] Para a Tabela 2 empregamos a terminologia usada no or�amento de 2018 sob a rubrica 2828 Manuten��o e Opera��o da Rede Parceira - Centro de Educa��o Infantil (CEI).
[3] Fonte: Prefeitura de S�o Paulo, Secretaria Especial de Comunica��o 12/11/2019. Dispon�vel em: http://www.capital.sp.gov.br/noticia/projeto-de-lei-para-criacao-do-programa-mais-creche-e-enviado-a-camara-municipal. Acesso em: 18/01/2020.
[4]Fonte: C�mara municipal de S�o Paulo 27/11/2019. Dispon�vel em: http://www.saopaulo.sp.leg.br/blog/camara-dos-vereadores-aprova-projeto-que-cria-vagas-em-creches-privadas-de-sao-paulo/ Acesso em: 18/01/2020
[5] Fonte: Prefeitura de S�o Paulo. Secretaria de Comunica��o 16/12/2019. Dispon�vel em: http://www.capital.sp.gov.br/noticia/prefeitura-de-sao-paulo-publica-chamamento-publico-para-escolas-interessadas-em-atender-no-programa-mais-creche. Acesso em: 18/01/2020.
[6] O Sindicato dos Profissionais em Educa��o no Munic�pio de S�o Paulo (SINPEEM), em seu jornal (dezembro de 2019, p.5) considera que a Lei 17.244/19 autoriza a compra de vagas em creches particulares, com fins lucrativos e que o Programa Mais Creche prev� o pagamento de voucher para as creches conveniadas de at� R$727,00 por crian�a, totalizando um gasto anual em 2020 de mais de R$300 milh�es aos cofres p�blicos.
[7] Fonte: Prefeitura do Munic�pio de S�o Paulo. Secretaria Municipal das Subprefeituras. 30/09/2019. Dispon�vel em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/noticias/?p=285088. Acesso em: 29/05/2020.
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