Condição do trabalho docente na Pós-graduação Stricto Sensu em Educação na Região do Triângulo Mineiro: fatores em análise
Teaching work condition in Stricto Sensu Post-graduation in Education in the Triângulo Mineiro Region: factors under analysis
Condición del trabajo docente en el Postgrado en Educación Stricto Sensu en la Región del Triângulo Mineiro: factores bajo análisis
rose@iftm.edu.br
salua.cecilio@uniube.br
Recebido em 22 de novembro de 2021
Aprovado em 07 de julho de 2022
Publicado em 24 de outubro de 2023
RESUMO
As mudanças no mundo do trabalho, relacionadas à reestruturação produtiva e à acumulação flexível, também se fazem presentes no contexto da pós-graduação stricto sensu em Educação na região do Triângulo Mineiro (PGERTM); influenciam a condição do trabalho docente e acarretam consequências para a vida profissional e pessoal de professores. Nessa direção, este artigo tem como objetivo compreender de que forma o capitalismo, em sua fase de acumulação flexível, tem influenciado a condição do trabalho docente e a vida de professores que atuam na PGERTM. A investigação orientou-se pelos pressupostos epistemológicos do materialismo histórico-dialético, tendo como instrumentos de coleta de dados um questionário fechado e um roteiro de entrevista estruturada, aplicados em etapas distintas. Na primeira etapa a amostra foi composta por 44 docentes da categoria permanente dos Programas da PGERTM e da segunda etapa participaram 10 docentes. Os resultados apontam que o capitalismo flexível tem favorecido a intensificação do trabalho na PGERTM por meio de estratégias como: alongamento da jornada de trabalho, acúmulo de atividades, cobrança por resultados de modo a extrair mais produtividade e valor; o que termina por afetar a condição do trabalho docente e a vida de professores. Conclui-se que as tendências do modo de produção capitalista permeiam a condição do trabalho docente na PGERTM, cuja organização passa não só pelas atividades pedagógicas, pela produção do conhecimento como fonte do trabalho, mas igualmente pela totalidade das relações sociais que demandam dos professores maior participação, adaptabilidade, flexibilidade e engajamento subjetivos em face de uma conjuntura sempre mutável.
Palavras-chave: Trabalho docente; Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação; Condições de trabalho docente.
ABSTRACT
The changes in the world of work, related to productive restructuring and flexible accumulation, are also present in the context of the stricto sensu post-graduation in Education in the Triangulo Mineiro region (PGERTM); they influence the condition of the teaching work and bring consequences to the professional and personal life of teachers. In this direction, this article aims to understand how capitalism, in its phase of flexible accumulation, has influenced the condition of teaching work and the lives of teachers who work in PGERTM. The research was guided by the epistemological assumptions of the historical-dialectical materialism, having as instruments of data collection a closed questionnaire and a structured interview script, applied in different stages. In the first stage the sample was composed of 44 professors of the permanent category of the PGERTM Programs and in the second stage ten professors participated. The results indicate that flexible capitalism has favored work intensification in PGERTM through strategies such as: the lengthening of the work day, the accumulation of activities, and the demand for results in order to extract more productivity and value; all of this ends up affecting the working conditions of teachers and the lives of teachers. It is concluded that the tendencies of the capitalist mode of production permeate the condition of the teaching work in the PGERTM, whose organization involves not only pedagogical activities, the production of knowledge as a source of work, but also the totality of social relations that demand from teachers a greater participation, adaptability, flexibility and subjective engagement in face of an always changing conjuncture.
Keywords: Teaching work; Stricto Sensu Post-graduation in Education; Conditions of teaching work.
RESUMEN
Los cambios en el mundo *laboral*, relacionados con la reestructuración productiva y la acumulación flexible, también están presentes en el contexto de los estudios de posgrado estricto sensu en Educación en la región del *Triângulo* Mineiro (PGERTM); influyen en las condiciones del trabajo docente y tienen consecuencias para la vida profesional y personal de los docentes. En este sentido, este artículo tiene como objetivo comprender cómo el capitalismo, en su fase de acumulación flexible, ha influido en las condiciones del trabajo docente y en la vida de los docentes que trabajan en el PGERTM. La investigación se guió por los supuestos epistemológicos del materialismo histórico-dialéctico, utilizando como instrumentos de recolección de datos un cuestionario cerrado y un guion de entrevista estructurado, aplicados en diferentes etapas. En la primera etapa la muestra estuvo compuesta por 44 docentes de la categoría permanente de Programas PGERTM y en la segunda etapa participaron 10 docentes. Los resultados indican que el capitalismo flexible ha favorecido la intensificación del trabajo en *la* PGERTM a través de estrategias como: alargamiento de la jornada laboral, acumulación de actividades, exigencia de resultados para extraer más productividad y valor; lo que termina afectando las condiciones del trabajo docente y la vida de los docentes. Se concluye que las tendencias del modo de producción capitalista permean la condición del trabajo docente en *la* PGERTM, cuya organización *pasa* no sólo *por las* actividades pedagógicas, *por la* producción de conocimiento como fuente de trabajo, sino también *por* la totalidad de las relaciones sociales que demandan de los docentes mayor participación, adaptabilidad, flexibilidad y *compromisos subjetivos* frente a una situación en constante cambio.
Palabras clave: Trabajo docente; Postgrado en Educación Stricto Sensu; Condiciones de trabajo docente.
Introdução
As modificações mais expressivas do mundo do trabalho e do mercado no século XXI estão relacionadas especialmente às formas de trabalho dos sistemas de produção taylorista, fordista e, por último, pelo Toyotismo, cujos “princípios, métodos e programas mostraram-se aplicáveis também ao setor de serviços” (HOLZMANN, 2006, p.314). Em uma realidade cada vez mais dinâmica e exigida a responder novos desafios para diferentes performatividades apresentadas pelos setores sociais e produtivos, a educação tem sido afetada e seus profissionais da mesma forma são expostos a modos e ritmos de trabalho diversos em natureza, modalidades e condições, nem sempre compreendidos em sua complexidade, variações e conteúdos. Estes têm não só demandado, mas imposto novas exigências e delineamentos ao processo de organização do trabalho, controle e avaliação com proximidade sempre mais ampliada e/ou equiparada aos princípios, métricas e níveis definidos por planejamentos inspirados pelas aspirações e fundamentos empresariais, dada à tendência crescente do sistema educacional ser gerido à imagem e semelhança de uma empresa. Assim, como todas as demais organizações, as Instituições de Ensino Superior contemporâneas se transmutam de um modelo atravessado pelos valores mais amplos de formação e socialização de agentes da mudança social e emancipação dos sujeitos para o de uma agência a serviço dos interesses de mercado e dos negócios, pautada nos princípios da educação orientada por uma racionalidade instrumental e tecnicista, seduzida e/ou cooptada pelos rumos, imposições e objetivos do mercado. De tal conjuntura, são inevitáveis as implicações de muitas ordens e intensidades, sejam elas para a sociedade como um todo, sejam para os profissionais trabalhadores da educação no que respeita às suas convicções, seu perfil formativo e suas condições de trabalho. Estas mais que adequações e adaptações circunstanciais para a lida com o imediato, fluido e vulnerável, exigirão mais que um novo perfil de trabalhadores. Demandarão um modo de ser, de ver e de desenvolver sua carreira e maneira de viver e de trabalhar, para atender aos formatos de relações produtivas e manter-se no mercado de trabalho alinhado e/ou definido pelas regulações da economia global e dos seus organismos multilaterais que imprimem as prioridades a orientar as demais economias e sociedades.
Nesse sentido, o ritmo e as delineações socioeconômicas do processo produtivo expressam coerência e sintonia com o pensamento de Harvey (1992, p. 40), para quem, tais mudanças têm na acumulação flexível sua referência central, cujo esteio advém da "flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e padrões de consumo". Ainda nesta perspectiva, Antunes (2013, p. 15) destaca que as modificações ocorridas pela diferenciação dos processos de trabalho na produção: fordismo, taylorismo e toyotismo, ou acumulação flexível, pressupõem, na ordem do capital, formas diferenciadas de exploração, culminando na acumulação flexível, cujas repercussões profundas afetam a "objetividade e subjetividade da classe-que-vive-do-trabalho [...]". Portanto, estão em jogo nesse processo fatores que produzem não só mercadorias, mas também os próprios sujeitos que as produzem, enquanto por meio do seu trabalho suas subjetividades se configuram e se transformam em função das condições em que o exercem. Tais condições podem ora produzir estranhamento, ora engajamento e podem em um processo multidimensional definir estados mistos de realização e/ou sofrimento, sinalizando que se mesclam muito mais vezes em um continuum que pode pender para ou evidenciar um ou outro estado do sujeito. Parece ser exceção um estado de realização ou de sofrimento excluir o outro por completo. Em vez disso, um e outro se evidenciam ou são minimizados em relação a um contexto mais amplo de vida e em relação com a trajetória de cada indivíduo e/ou grupo profissional e social de uma dada coletividade, espaço e temporalidade que se fixam e se impõem. Não se trata de uma relação de bipolaridade entre um e outro extremo de um continuum; o que ocorre parece traduzir mais um processo que ora se manifesta com mais força e evidência na saúde, ora na doença, a depender de varáveis e inter-relações entre elas, incluindo-se aí os aspectos da conjuntura macrossocial, a exemplo do estágio em que se encontra a situação geral dos trabalhadores e suas forças e fragilidades individuais e coletivas em relação ao seu poder de negociação e sobrevivência social e econômica.
A “profissão docente, desde a sua constituição moderna como categoria profissional, afirma-se e enquadra-se na lógica do assalariamento”. (FIDALGO; FIDALGO, 2009, p. 97). Os docentes fazem parte da classe-que-vive-do-trabalho, estão incluídos na totalidade daqueles que vendem sua força de trabalho em troca de salário, compondo assim, a chamada classe trabalhadora, em seu “conceito ampliado”. Conforme afirma Antunes (2018, p. 31), dadas as intensas transformações ocorridas no mundo produtivo do capitalismo contemporâneo, o conceito ampliado de classe trabalhadora, em sua nova morfologia, deve incorporar a totalidade dos trabalhadores e trabalhadoras, cada vez mais integrados pelas cadeias produtivas globais e que vendem sua força de trabalho como mercadoria em troca de salário, sendo pagos por capital dinheiro, não importando se as atividades que realizam sejam predominante materiais ou imateriais, mais ou menos regulamentadas.
Assim, as mudanças que ocorrem no mundo do trabalho, relacionadas à reestruturação produtiva e à “acumulação flexível” (HARVEY, 1992) também se fazem presentes no contexto educacional, influenciam a condição e a organização do trabalho docente, e acarretam consequências para a vida profissional e pessoal de professores que, cada vez, mais estão expostos a perdas diversas, direta ou indiretamente, desde perdas contratuais, salariais até as relativas à redução de sua autonomia e à submissão ampliada aos modelos de gestão aos moldes empresariais .
Os docentes da Pós-graduação Stricto Sensu, rotineiramente, realizam atividades muito específicas em relação às das demais classes, seja em relação à natureza, ao conteúdo e intensidade de tempo que a elas precisam destinar, de modo a atender os objetivos e metas de planejamentos. O que antes parecia se restringir ao espaço da sala de aula, na pós-graduação a extrapola e se transfigura em teor e duração de jornada. A reestruturação do trabalho e o aumento do valor que gera são viabilizados pela incorporação das tecnologias digitais que favorecem a extração de mais valor via multifuncionalidade e polivalência funcional, acompanhadas de estímulos e estratégia à dedicação e engajamento plenos do docente ao que faz, de modo a atingir as metas de produtividade. E o trabalho de natureza imaterial, invisível, sem possibilidade de métricas para sua exata medida, vai sendo ampliado e tomando a vida de quem o faz, muitas vezes sem que isso seja desnaturalizado como deveria ser.
A separação entre trabalho e não trabalho, redução do tempo pessoal e aumento do tempo de trabalho passam a tomar conta da subjetividade docente quando as suas atribuições funcionais ultrapassam o espaço da sala de aula e se mesclam à vida; sem que, de imediato, sejam sentidos os efeitos daí decorrentes. Aos moldes de uma nova “morfologia” social discutida por Antunes (2018), o trabalho docente e a vida dos professores da pós-graduação se remodelam na sua geografia e historicidade. Dentre as atividades estão: corrigir trabalhos e provas; realizar pesquisas; redigir artigos; participar de eventos; entender uma temática específica no interior de uma área de conhecimento; emitir pareceres, orientar a produção de dissertações e teses; participar de projetos de pesquisa; projetos de extensão, comprometer-se com a captação de recursos, gestão acadêmica e/ou administrativa, participar em comitê de ética, comitê de inovação científica, ser membro de equipe editorial de periódicos científicos, membro de comissões, parecerista ad hoc; publicar livros, artigos, resenhas, fazer conferências, palestras, atuar em bancas, além de busca de atualização constante de conhecimentos, de modo acompanhar as aceleradas mudanças do mundo globalizado.
As diversas atividades e funções que assumem, o tipo de vínculo institucional e os traços elencados, nos ajudam a entender o perfil desses docentes, no que se refere à multifuncionalidade, polivalência e cada vez mais a ampliação do espaço de atuação. Podemos observar que o trabalho docente na Pós-graduação Stricto Sensu tem sido fortemente impactado pela lógica do capital flexível, “cada vez mais confrontando como novas exigências dentre as quais: o estabelecimento de novo índice de produtividade, a constante busca por (re)qualificação e as avaliações de desempenho” de acordo com Fidalgo e Fidalgo (2009, p. 94). Neste sentido, apontamos que a polivalência, multifuncionalidade uma das características dominantes do capitalismo flexível, em muito fortalecidas pelo avanço e incorporação das Tecnologia Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), está presente no desenvolvimento do trabalho docente na Pós-graduação Stricto Sensu.
Devido às cobranças para ampliar a produtividade, os docentes se veem cada vez “mais coagidos para atingir os índices necessários para obter o financiamento para suas pesquisas, publicar mais, orientar o maior número possível de alunos, etc”. (DANASCENO; CARDOSO; COSTA, 2017, p.8). Assim, trabalham fora do seu horário normal de trabalho, sábado, domingos, feriados para conseguir alcançar os resultados. Esse ritmo acaba acarretando desgaste físico e emocional, como também traz conflitos e problemas nas relações familiares. “É nesse quadro que as novas formas e instrumentos de trabalho invadem as casas dos professores, trabalhadores das 24 horas do dia [...]” (FIDALGO; FIDALGO, 2009, p. 106), por meio da incorporação das TDIC. Estas tecnologias seduzem os docentes a se submeterem a essa nova organização do trabalho, na qual podemos perceber que o capital flexível se aproveita do discurso tecnológico e da flexibilidade espaço temporal propiciada pelas TDIC “para atrair os docentes a aceitar passivamente essas novas configurações na sua rotina de trabalho”. (DANASCENO; CARDOSO; COSTA, 2017, p.8). O discurso que o uso das TDIC proporciona mais qualidade de vida pessoal e social, flexibilidade espaço tempo, autonomia para escolher horário e local para desenvolver parte do seu trabalho e de aumento do tempo livre, de mais tempo para convivência familiar, na maior parte das vezes não procede ou sugere uma interpretação de caráter parcialmente real. Na realidade, o que ocorre é a intensificação do trabalho docente que reflete diretamente não só na rotina de trabalho desses profissionais, como também na sua vida individual/pessoal, uma vez que a intensificação do trabalho docente se configura na ampliação das atividades desempenhadas, no ritmo de trabalho acelerado e no controle do trabalho por meio da utilização das TDIC.
Dal Rosso (2008) na obra “Mais trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporânea” esclarece conceitualmente o processo de intensificação do trabalho em torno das características do trabalho contemporâneo e de sua intensidade contribuindo de forma significativa para a compreensão desse fenômeno no trabalho docente na pós-graduação stricto sensu. Segundo Dal Rosso (2008, p.23) podemos chamar de:
[...] intensificação os processos de quaisquer naturezas que resultam em um maior dispêndio das capacidades físicas, cognitivas e emotivas do trabalhador com o objetivo de elevar quantitativamente ou melhorar qualitativamente os resultados. Em síntese, mais trabalho. O autor destaca que no capitalismo contemporâneo, a análise da intensidade do trabalho está voltada para os resultados. Para a obtenção de mais ou melhores resultados, em qualquer situação de trabalho que seja, dentro das restrições estabelecidas, o grau de intensidade deverá ser superior em alguma medida. “Intensidade são aquelas condições de trabalho que determinam o grau de envolvimento do trabalhador, seu empenho, seu consumo de energia pessoal, seu esforço desenvolvido para dar conta das tarefas a mais”. ((DAL ROSSO, 2008, p.23). O autor destaca ainda que estimulada pelo capitalismo flexível, estamos vivenciando a terceira onda de intensificação do trabalho, tendo como elementos principais a polivalência e o uso de novas tecnologias que, implica na “[...] capacidade de realizar diversos serviços ao mesmo tempo, o que significa essencialmente realizar mais trabalho dentro de uma mesma jornada. É, pois, produzir mais trabalho e mais valor no mesmo período de tempo (DAL ROSSO 2008, p.123)”.
No trabalho de professores-pesquisadores, a intensificação pode trazer muitas especificidades, uma vez que a rotina dos programas de pós-graduação stricto sensu encontra um crescente de cobranças, determinadas justamente pelo tempo da esfera produtiva. Assim,
[...] os prazos das pesquisas e das orientações, por exemplo, não seguem o tempo da produção do conhecimento ou do processo pedagógico-formativo, mas passam a ser controlados pela Capes e por outras agências de fomento, num movimento de adequação aos imperativos cada vez mais velozes do mercado. (FREITAS; NAVARRO, 2019, p.1039).
Para além disso, o trabalho do pesquisador tem o agravante da dificuldade de mensuração, visto que “o valor do trabalho do pesquisador não é representado pelo tempo médio socialmente necessário. A faísca cerebral e a fogueira mental que conduziram à descoberta são de natureza distinta do tempo médio e isso lhes confere um potencial infinito de valor” (DAL ROSSO, 2008, p. 34).
Nessa direção, tomemos as palavras de Antunes (2018, p. 60) uma vez que os capitais buscam com frequência aumentar o mais valor (tanto o relativo, quanto o absoluto), a incessante ampliação da troca desigual entre o valor que o proletariado produz e o que ele recebe é uma tendência presente na própria lógica do capitalismo. Para tanto, são usados vários mecanismos, como a intensificação do trabalho, o prolongamento da jornada, a restrição e limitação aos direitos, os novos métodos de organização sociotécnica do trabalho, etc. Daí deduzimos que o trabalho que se realiza sob o modo de produção capitalista traz consigo uma tendência intrínseca à intensificação e à precarização, pois, na medida em que visa à obtenção de lucro e reprodução do capital, precisa ser cada vez mais dividido e fragmentado, ter seus direitos e conquistas cada vez mais destruídos e, obviamente, produzir cada vez mais. Em síntese, [...] a precarização não é algo estático, mas um modo de ser intrínseco ao capitalismo [...]. Trata-se de uma tendência que nasce, conforme Marx demonstrou em O Capital, com a própria criação do trabalho assalariado no capitalismo (ANTUNES, 2018, p.59).
Na pós-graduação stricto sensu, a precarização do trabalho docente expressa-se, primordialmente, ainda que não exclusivamente, pela necessidade de criação de suas próprias condições de trabalho, por meio do empreendedorismo, do voluntarismo e da competição; pelo aumento da carga de trabalho e pela intensificação da jornada de trabalho, por meio da cobrança por produtividade segundo Sguissardi e Silva Junior (2009). Podemos, portanto, compreender que a intensificação do trabalho é uma tendência predominante no mundo do trabalho atualmente, atingindo, inclusive, os professores-pesquisadores dos programas de pós-graduação stricto sensu.
No modo de produção capitalista, o controle sobre o trabalhador deixa de ser objetivo, centralizado nos aspectos físicos e corporais, e passa a ser subjetivo por meio de táticas de responsabilização individual e de formação da subjetividade (ALVES, 2007; HARVEY, 1992). A apropriação da dimensão cognitiva do trabalhador possibilita a ampliação do número de atividades e o desenvolvimento da produtividade do trabalho. Conforme Antunes (2005, p. 36), a empresa enxuta “retransfere o savoir-faire para o trabalho, mas o faz apropriando-se crescentemente de sua dimensão intelectual, das suas capacidades cognitivas, procurando envolver mais forte e intensamente a subjetividade existente no mundo do trabalho”. Desse modo, a “captura” da subjetividade ocorre por meio de um processo de empresariamento da própria existência do trabalhador, de forma a ampliar o desempenho individual e as relações de competição. Esta sujeição dos trabalhadores à lei da eficácia e à lógica da concorrência tem se intensificado, especialmente, em razão do desmantelamento e da flexibilização dos direitos do trabalhador (ANTUNES, 2009; DARDOT; LAVAL, 2016).
Assim sendo, no modo de produção capitalista observamos que o trabalho está sendo posto a serviço da reprodução ampliada do capital. Ao trabalhador, por outro lado, é importante adquirir condições que lhe garantam o ingresso no mercado de trabalho. Dardot e Laval (2016) afirmam que essa nova racionalidade capitalista passa a ser a intercessora de todas as relações sociais: “o homem neoliberal é o homem competitivo, inteiramente imerso na competição mundial” (p. 322). A vida assume as características de uma empresa, um capital a ser sucessivamente valorizado, na qual o sujeito é empreendedor de si mesmo. Especialista em si mesmo, empregador de si mesmo, inventor de si mesmo: a racionalidade neoliberal impele o eu a agir sobre si mesmo para fortalecer-se e, assim, sobreviver na competição. Todas as suas atividades devem assemelhar-se a uma produção, a um investimento, a um cálculo de custos. A economia torna-se uma disciplina pessoal. (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 330-331). Esse empreendedorismo é pensado como a capacidade de cada indivíduo “se tornar empreendedor nos diversos aspectos de sua vida ou até mesmo de ser o empreendedor de sua vida” (DARDOT; LAVAL, 2016 p. 151). Essa capacidade de ser empreendedor é vivenciada não apenas ao concorrer uma vaga de emprego no mercado de trabalho ou mesmo em estabelecer um negócio. Ela é colocada à prova em todas as dimensões da vida do indivíduo.
Dessa forma, com a influência do modo de produção capitalista no sistema educacional, o trabalho docente tem se reestruturado de maneira rápida, com fortes mudanças na sua forma de organização e gestão e, consequentemente, na condição do trabalho docente. Podemos dizer que a natureza e a função do trabalho foram alteradas profundamente não em seu significado, mas na maneira de sua execução impulsionada pela revolução tecnológica da microeletrônica e das redes telemáticas e informacionais. (ALVES, 2007; CASTELLS, 2009).
A relação entre condições e consequências é evidenciada por Bianchetti (2011, p. 439), ao admitir que as mudanças que ocorrem na condição do trabalho docente trazem como consequências “prejuízos à produção e veiculação do conhecimento e às condições de vida/trabalho” daqueles que atuam na Pós-graduação (PG). Por isso, o estudo sobre as reais condições de trabalho vivenciadas pelos docentes dentro e fora do ambiente acadêmico constitui uma necessidade para compreender quais são os fatores determinantes que afetam o trabalho docente e a vida dos professores da PG, tendo em vista a natureza da atividade, a forma de organização do seu trabalho, bem como todo o sistema burocrático que é imposto aos docentes. Compreender o que a condição do trabalho supõe remete à identificação de fatores que viabilizam a realização do trabalho. Dentre eles, destacam-se a infraestrutura física e material, como as condições imateriais implicadas, com as relações sociais decorrentes do trabalho.
Isso posto e considerado, neste artigo tem-se como objeto de análise a “condição do trabalho docente na pós-graduação stricto sensu em educação na região do Triângulo Mineiro”, na perspectiva do materialismo histórico-dialético. Trata-se de explicar e compreender de que forma o capitalismo, em sua fase de acumulação flexível, tem influenciado a condição, a organização do trabalho e a vida docente, tomando como referência os resultados de uma pesquisa com docentes da Pós-graduação Stricto Sensu em Educação da Região do Triângulo Mineiro (PGERTM). As análises e discussões das informações obtidas se deram a partir da sua organização em três subcategorias: alongamento da jornada de trabalho, acúmulo de atividades, cobranças por resultados; e as quais se relacionam com a intensidade do trabalho docente e traduzem e materializam as condições, os meios, as formas e ritmos de realização do trabalho docente, como poderemos verificar nos resultados apresentados.
Procedimentos metodológicos
Para realização da pesquisa, primeiramente, foi solicitada autorização nas instituições da PGERTM: Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade de Uberaba (UNIUBE) e Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM). Com as cartas de autorização em mãos, foi realizada a submissão do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Após aprovação do CEP – processo 09720919.4.0000.5145, parecer número 3.238.420, foi enviado convite por meio digital para o e-mail institucional convidando os docentes dos Programas de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação das referidas instituições para participarem da pesquisa. Acompanhando o e-mail, foi enviado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual os participantes foram informados: que em nenhum momento seriam identificados; os resultados da pesquisa seriam publicados e ainda assim as suas identidades seriam preservadas; não teriam nenhum gasto nem ganho financeiro por participarem na pesquisa; para a minimização do risco da perda de confidencialidade, todas as informações seriam resguardadas com a utilização de um código, dessa forma, os nomes dos participantes não seriam associados a nenhum dado coletado no estudo e todo o manuseio dos dados, da coleta à publicação do estudo, seria realizado com a utilização de nomes fictícios; estariam livres para deixar de participar da pesquisa a qualquer momento sem qualquer prejuízo ou coação, até o momento da divulgação dos resultados; também eram livres para solicitar a retirada dos seus dados da pesquisa; o anonimato dos participantes seria mantido em todo momento e os dados seriam analisados no conjunto de todas as informações. A partir do acesso ao link da pesquisa, via Google Forms, os possíveis participantes liam o TCLE. Caso estivessem de acordo com as condições da pesquisa, informavam essa concordância por meio eletrônico, sendo, então, direcionados para uma página que continham o questionário. Ao finalizar o questionário o decente respondia se estaria disponível para participar da segunda etapa: entrevista estruturada.
A pesquisa de campo contou com a participação de docentes permanentes da PGERTM que, até outubro de 2020, era composta por 120 docentes, distribuídos nas seguintes categorias funcionais: Docente Permanente (DP) 109 docentes, Docente Colaborador (DC) 11 docentes, Docente Visitante (DV) sem nenhum docente.
As informações foram coletadas junto aos professores da categoria DP por meio de questionário fechado eletrônico e entrevista estruturada. Em um primeiro momento, foi enviado um convite para participação da pesquisa e responder a um questionário, no formato Google Forms, por meio digital, via e-mail institucional disponibilizado na página dos PPGERTM, a todos os docentes da categoria permanente, enquadrados, declarados e relatados na plataforma Sucupira pelos Programas de Pós-graduação em Educação-PPGE das instituições de ensino superior do Triângulo Mineiro, perfazendo o n=109; sendo 49 da UFU; 13 da UFTM, 24 do IFTM e 23 da UNIUBE. Participaram dessa etapa, 44 docentes. Os resultados obtidos pela aplicação dos questionários foram submetidos à análise descritiva estatística.
Na segunda etapa, a participação previu entrevista estruturada com 20% do total dos docentes da categoria permanente de cada instituição pesquisada, por meio de sorteio aleatório, visando ao aprofundamento de questões relativas às condições do trabalho docente. Entretanto, nos deparamos com um obstáculo: a falta de disponibilidades de docentes para conceder a entrevista presencial, consequentemente, o sorteio não pode ser realizado. Assim sendo, visando um número maior de participantes, decidimos também aceitar a participação com respostas da entrevista via e-mail, de acordo com a disponibilidade de cada docente. Foram realizadas 10 entrevistas, sendo três entrevistas cujo conteúdo foi gravado em áudio, com a autorização dos entrevistados. A gravação foi utilizada para a transcrição fiel das informações e sete foram obtidas via e-mail, para posterior análise. As entrevistas realizadas nos permitiram obter informações que, associadas aos referenciais teóricos e aos resultados do mapeamento da literatura obtido pela pesquisa bibliográfica, foram submetidas à análise temática de conteúdo, conforme orientações de Bardin (1977); incluindo pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Foram estabelecidas três subcategorias para análise dos resultados da categoria “A condição do trabalho docente”: alongamento da jornada de trabalho, acúmulo de atividades e cobranças por resultados, de modo a identificar de que forma o capitalismo em sua fase de acumulação flexível tem influenciado a condição e organização do trabalho docente e a vida dos professores na PGERTM.
Trabalho docente: marcos teóricos
Compreender o trabalho docente supõe desnaturalizar o que nele e por meio dele se dá com que o exerce. Há uma historicidade a explicitar, aspectos e dimensões a demarcar, seja em seus conteúdos, seja em suas articulações com o contexto em que se estabelecem, bem como a natureza das relações parte/totalidade que predominam e/ou moldam o trabalho como relação social constitutiva e constituinte de indivíduos e coletividades, nos diferentes tempos e espaços. Desse modo, compreender o que é o trabalho e como a partir dele o ser e a sociedade se constituem e se relacionam implica ultrapassar as aparências e apreender condições e processos dos modos de produção de mercadorias e serviços; na perspectiva da criação de valor e em um sistema de acumulação flexível que se impõe e regula o mundo do trabalho e o mercado em esfera local e global.
O entendimento do conceito de condições de trabalho docente pode ser verificado no Dicionário Trabalho, Profissão e Condição Docente, publicado pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (GESTRADO/UFMG), que apresenta três verbetes que tratam do tema: condição docente (FANFANI, 2010); condições de trabalho docente (OLIVEIRA; ASSUNÇÃO, 2010) e condições de trabalho do professor (MIGLIAVACCA, 2010). Fanfani (2010) ressalta que, na condição docente, estão incluídos tantos os aspectos objetivos, como os subjetivos, bem como as relações entre ambos. Penin (2009, p. 4) esclarece que as condições objetivas “são entendidas como os aspectos exteriores da profissão salário, carreira, prescrições legais, condições concretas de trabalho em um local” e as condições subjetivas “como a vivência diária de um profissional no desempenho do trabalho, incluindo satisfação profissional, angústias e alegrias nas relações sociais que estabelece”. Tais condições estão diretamente ligadas aos fatores que interferem na organização e no desenvolvimento do trabalho docente e muitas vezes refletem de forma negativa sobre a carreira, a profissão e a vida desses profissionais. Para Magliavacca (2010, p. 1), o verbete condições de trabalho do professor remetem “aos aspectos sociais, políticos, culturais e educacionais que, em um período histórico dado, delimitam o marco estrutural em que se desenvolve o processo de trabalho do professor”. As condições de trabalho, nesse sentido, abrigam fatores diversos que, interligados, ordenam uma situação favorável ou não ao alcance de finalidades e objetivos estabelecidos. De certo modo, pode-se dizer que as condições são os meios pelos quais os objetivos serão ou não atingidos.
No verbete desenvolvido por Oliveira e Assunção (2010, p.1) as condições de trabalho, em geral, “designam o conjunto de recursos que possibilita a realização do trabalho, envolvendo as instalações físicas, os materiais e insumos disponíveis, os equipamentos e meios de realização das atividades e outros tipos de apoio necessários, dependendo da natureza da produção”. As autoras ressaltam ainda que “as condições de trabalho se referem a um conjunto que inclui relações, as quais dizem respeito ao processo de trabalho e às condições de emprego (formas de contratação, remuneração, carreira e estabilidade)” (OLIVEIRA; ASSUNÇÃO, 2010, p.1).
Segundo os conceitos elencados, pode-se perceber que as condições de trabalho vão desde as estruturais e infraestruturais, até as relacionadas aos aspectos salariais e de contrato de trabalho, passando também pelas relações interpessoais que afetam a organização do processo do trabalho docente. Vários desses fatores estão relacionados uns aos outros, sendo que alguns podem ser mais determinantes do que outros, dependendo do contexto vivenciado pelo docente, das configurações de sua subjetividade e trajetórias pessoais e profissionais. Tais fatores se referem ao desenvolvimento de trabalho do professor e das relações específicas que regem esse processo em determinada situação e como afeta o processo de trabalho, sua organização, dispositivos e meios de sua realização.
Desse modo, no trabalho docente de professores-pesquisadores, a condição de trabalho e sua organização podem trazer implicações, a exemplo do alongamento da jornada de trabalho e acúmulo de atividades, uma vez que na rotina dos programas de pós-graduação stricto sensu em Educação encontra-se uma diversificação de atribuições a demandar polivalência funcional e crescente número de cobranças por resultados.
Logo, ao pesquisarmos o processo de trabalho docente, não há como ignorar as linhas de continuidade que se constituem entre as mudanças ocorridas no contexto educacional e a introdução do espírito do capitalismo nas instituições de ensino. Nesta investigação, o termo trabalho é tomado em uma concepção sociológica que comporta fundamentalmente análises da condição do trabalho docente na PGERTM, dada sua centralidade na vida dos sujeitos e importância no delineamento de sua subjetividade.
Resultados e Discussões
1 A condição do trabalho docente na PGERTM
Vários são os fatores que integram, influenciam e/ou ordenam a organização e a dinâmica do trabalho docente na pós-graduação. Em relação aos aspectos que influenciam a condição do trabalho docente na PGERTM, (TABELA 1), constatamos nos resultados da segunda parte do questionário que alguns são mais frequentes e merecem considerações mais detalhadas, tendo em vista uma análise mais próxima e consistente dos fatos e do tipo de relações que mantêm com o contexto e a totalidade em que se inserem. Sem as articulações parte todo e os movimentos que se produzem nessas relações, podemos não perceber de fato como se dá e evolui a condição do trabalho no contexto da PGERTM e como nela se reproduz ou não a pós-graduação brasileira na área da Educação.
Tabela 1 – Condições de trabalho – conteúdo e dimensões – ano 2019
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Aspectos
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Porcentuais |
||||
|
Nunca |
Raramente |
Às vezes |
Frequentemente |
Sempre |
||
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Q1 |
Ritmo de trabalho |
0,0% |
4,5% |
18,2% |
40,9% |
36,4% |
|
Q2 |
Tarefas cumpridas com pressão de prazos |
0,0% |
4,5% |
25% |
61,4% |
9,1% |
|
Q3 |
Forte cobrança por resultados |
2,3% |
6,8% |
27,3% |
29,5% |
34,1% |
|
Q4 |
Normas rígidas para execução das atividades |
2,3% |
15,9% |
36,4% |
40,9% |
4,5% |
|
Q5 |
Há fiscalização do desempenho |
4,5% |
11,4% |
31,8% |
36,4% |
15,9% |
|
Q6 |
Resultados esperados estão fora da realidade |
9,1% |
27,3% |
45,5% |
13,6% |
4,5% |
|
Q7 |
Atividades repetitivas |
13,6% |
31,8% |
36,4% |
13,6% |
4,5% |
|
Q8 |
Falta tempo para realizar pausas de descanso no trabalho |
6,8% |
15,9% |
38,6% |
25% |
13,6% |
|
Q9 |
Atividades executadas sofrem descontinuidades |
9,1% |
20,5% |
43,2% |
22,7% |
4,5% |
|
Q10 |
Disparidade na distribuição das atividades |
6,8% |
27,3% |
29,5% |
29,5% |
6,8% |
|
Q11 |
Participação no processo de tomada de decisões |
0,0% |
11,4% |
38,6% |
34,6% |
13,6% |
|
Q12 |
Há dificuldades na comunicação entre chefia e subordinados |
18,2% |
43,2% |
27,3% |
9,1% |
2,3% |
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Q13 |
Há disputas profissionais no local de trabalho |
9,1% |
20,5% |
43,2% |
18,2 |
9,1% |
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Q14 |
Falta integração no ambiente de trabalho |
15,9% |
15,9% |
40,9% |
22,7% |
4,5% |
|
Q15 |
Falta apoio das chefias para o desenvolvimento profissional |
27,3% |
36,4% |
15,9% |
13,6% |
6,8% |
|
Q16 |
Informações necessárias para a execução ou o desenvolvimento de atividades funcionais são de difícil acesso |
18,2% |
43,2% |
29,5% |
4,5% |
4,5% |
|
Q17
|
Exerce atividades do trabalho docente, após jornada diária e/ou em fim de semana |
5% |
0,0% |
16% |
18% |
61% |
Fonte: Questionário aplicado (2019)
De acordo com os resultados apresentados na Tabela 1, os 44 docentes que participaram da primeira etapa da pesquisa, respondendo as questões do questionário, referiram uma condição do trabalho docente frequentemente afetada pelos seguintes aspectos: ritmo de trabalho excessivo (40,9%), tarefas cumpridas com pressão de prazos (61,4%), cobrança por resultados (29,5%), normas rígidas para execução das atividades (40,9%), fiscalização de desempenho (36,4%) que geram pressão e desgaste. São situações que podem conduzir o trabalho docente para uma sobrecarga e intensificação. Nessa direção e associadas às narrativas dos docentes entrevistados, dentre as subcategorias elencadas para análise da condição de trabalho docente, três (alongamento da jornada de trabalho, acúmulo de atividades, cobranças por resultados) relacionam-se com a intensidade do trabalho docente, conforme indica a análise das subcategorias, a seguir.
1.1 Alongamento da jornada de trabalho
Em relação aos aspectos relacionados à subcategoria alongamento da jornada de trabalho, tabela 2, dentre os resultados, podemos verificar que o total de 61,4% dos docentes participantes da pesquisa respondeu que sempre exerce ou desenvolve atividades relacionadas ao trabalho docente, após jornada diária e/ou durante o final de semana.
Tabela 2 – Trabalho docente, após jornada diária e/ou em final de semana - Ano 2019
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Aspectos |
Porcentuais |
||||
|
Nunca |
Raramente |
Às vezes |
Frequentemente |
Sempre |
|
|
Atividades do trabalho docente, após jornada diária e/ou em final de semana |
0/0% |
0,0% |
20,5% |
18,2% |
61,4% |
Fonte: Questionário aplicado (2019)
Conforme mencionado por 27 docentes, que corresponde ao total de 61,4% dos participantes da pesquisa, o alongamento da jornada é uma realidade inevitável. Para cumprir com suas responsabilidades, ultrapassam sua jornada de trabalho de 40 horas semanais. Isso confirma a intensificação do trabalho em que há um quadro delineado por excesso de trabalho, diminuição do tempo de descanso do professor e sobrecarga. Tais fatores terminam reduzindo as possibilidades de atualização, planejamento de longo prazo e trabalho coletivo, podendo comprometer o desenvolvimento profissional e a própria carreira. Nas narrativas de dois professores entrevistados, ao responderem sobre a execução ou desenvolvimento de atividades relacionadas ao trabalho docente, após jornada diária e/ou durante o final de semana, podemos constatar o alongamento da jornada de trabalho:
A cultura digital, o crescimento exponencial do conhecimento, estão levando os sujeitos a trabalharem inúmeras horas na frente computador, fazendo uma terceira jornada em casa, a trabalhar o final de semana, nas férias etc. (Alexandre).
As tecnologias e a virtualidade flexibilizaram e derreteram o tempo próprio do trabalho. Em outras palavras, passamos de uma sociedade de “tempo de trabalho” para uma sociedade “toda ela trabalho, o tempo todo” (Arlindo).
Diante do alongamento das jornadas, o tema da sobrecarga de trabalho do professor é recorrente e prepondera a ideia da menor disponibilidade de tempo para o lazer e atividades prazerosas. Entretanto, algumas estratégias são apontadas por dois professores entrevistados na tentativa de separar as duas dimensões tempo trabalho x tempo lazer:
Lidar com essa situação não é nada fácil e, quase sempre, algumas atividades do trabalho docente têm que ser realizadas fora do meu horário de trabalho tradicional. Quase sempre a estratégia é que as atividades que envolvem tratativas pessoais têm preferência àquelas que são mais burocráticas. (Arnaldo).
A internet e outros meios de comunicação permitem o não cumprimento de horários fixos em locais fixos de trabalho. Algumas vezes isto ocorre comigo, mas procuro me disciplinar para não invadir meu espaço de descanso (de não trabalho no sentido estrito) pois, caso contrário, entro na roda viva de apenas valorizar o trabalho e desprezar todo o restante do contexto de minha vida social. (Alfredo).
Percebe-se nas narrativas que, para alguns professores da PGERTM, é um desafio separar tempo de trabalho do tempo de não trabalho. Diferente dos trabalhadores contemporâneos, os trabalhadores da época do fordismo mantinham a separação entre o tempo de trabalho e o tempo ócio. Até mesmo, na época do Estado de bem-estar social e de suas diferentes imitações em todo o mundo, os trabalhadores conseguiram como uma de suas conquistas essenciais o direito de gozar de férias durante determinadas semanas do ano. Para enfrentar essa realidade, o capitalismo começou a negociar o tempo livre dos trabalhadores e a transformá-lo em tempo de ócio, instigando o “consumo individual e familiar e fazendo esse tempo ser regido pela lógica do capital, para que, por exemplo, as férias fossem desfrutadas em hotéis, balneários ou praias, nos quais se desenvolve uma atividade mercantil que gera lucros”. (CANTOR, 2019, p.47). Isso permite reconhecer que segundo Dal Rosso (2017), o trabalho produz mais valor e contribui para a acumulação e centralização do capital.
O alongamento da jornada de trabalho é uma questão fundamental na discussão atual sobre a extração de mais valor da força de trabalho, em especial pelos críticos do neoliberalismo que parece não ter limites às estratégias de expansão do capitalismo flexível. Não é um aspecto que entra recentemente no mundo do trabalho e sim uma problemática antiga sobre o trabalho e sua duração. Marx ([1867]1982) colocou em discussão a luta pela jornada de trabalho; leis que prolongaram compulsoriamente a jornada de trabalho na metade do século XIV ao fim do século XVII descrevendo que a busca do capitalista por mais trabalho se mostra como uma ação para um alongamento ilimitado da jornada de trabalho. A necessidade de obter mais trabalho é, de acordo com Marx, um movimento vital do capital, o movimento de autovalorizar, de gerar mais valor.
O trabalhador durante toda sua existência nada mais é que força de trabalho, que todo seu tempo disponível é por natureza e por lei tempo de trabalho, a ser empregado no próprio aumento do capital. Não tem qualquer sentido o tempo para a educação, para o desenvolvimento intelectual, para preencher funções sociais, para convívio social. [...] Mas em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por trabalho excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e morais, da jornada de trabalho. (MARX, [1867] 1982, p. 300).
Na sociedade do século 21, a expropriação do tempo estendeu-se a todos os âmbitos da vida e não se limita, como antes, ao âmbito do trabalho. Como muitas categorias profissionais, também o professor na fase atual do modelo toyotista de produção está sendo afetado pelo ritmo e intensidade de trabalho, que decorrem da busca incessante do aumento da produtividade.
O ritmo excessivo de trabalho frequentemente, tabela 3, apontado por docentes, pode estar condicionando a falta de tempo para o desenvolvimento das atividades de lazer e pessoais.
Tabela 3– Ritmo, tempo de trabalho – Ano 2019
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Aspectos |
Porcentuais |
||||
|
Nunca |
Raramente |
Às vezes |
Frequentemente |
Sempre |
|
|
O ritmo excessivo de trabalho e excesso de trabalho. |
0,0% |
4,5% |
18,2% |
40,9% |
36,4% |
|
Falta tempo para pausas de descanso no trabalho. |
6,8% |
15,9% |
38,6% |
25,0% |
13,6% |
|
Descontinuidades nas atividades. |
9,1% |
20,5% |
43,2% |
22,7% |
4,5% |
Fonte: Questionário aplicado (2019)
O trabalho é intenso, o ritmo e a velocidade são maiores, a cobrança de resultados é mais forte como podemos confirmar nos resultados, na Tabela 3, em que frequentemente os aspectos apontados ocorrem no processo de trabalho de professores da PGERTM. Assim, como a exigência de polivalência, versatilidade e flexibilidade. As formas contemporâneas de produção capitalista de bens e serviços se utilizam de estratégias e recursos para a extração ampliada de valor e por meio de estímulo ao engajamento e consentimento cada vez mais ampliado de quem trabalha. Também é o que se verifica em relação à utilização do tempo de trabalho de docentes da pós-graduação, cujas atividades são de natureza e conteúdos bastante diversificados e requerem polivalência, flexibilidade funcional e disponibilidade para novos e frequentes engajamentos para alcançar metas e objetivos relativos à formação de novos docentes e pesquisadores.
O tempo no regime da acumulação flexível e da reestruturação modular faz com que a valorização do trabalho adquira aspectos novos. Há uma cobrança para que o docente seja produtivo, trabalhe sempre, o que se insere fortemente na lógica do capitalismo que tem dominado o mundo do trabalho. O professor é obrigado a assumir uma carga de trabalho para poder manter-se em um padrão de vida confortável; para sobreviver; para ser valorizado e ser reconhecido na sociedade; para dar sequência à sua formação acadêmica, dentre outras razões internas e externas.
A constatação da expropriação do tempo e sua desproporcionalidade em relação à multiplicidade e quantidade de tarefas aparecem nas narrativas de quatro professores participantes da pesquisa ao responderem às perguntas: Como o tempo que dispõe é organizado para o cumprimento das demandas profissionais? Acha-o suficiente para atender todas elas, algumas ou poucas?
O tempo sempre pareceu curto para a multiplicidade de tarefas a realizar, mas, com o amadurecimento, foi ficando cada vez mais visível a necessidade de dosar adequadamente a relação entre as tarefas a realizar e o tempo disponível. Nem sempre se acerta, o que leva algumas atividades a serem realizadas em finais de semana e feriados, mas, tenho esperança de que consiga cada vez mais planejar adequadamente o tempo para a realização das atividades com as quais me comprometo. (Augusto).
Mesmo tentando me organizar, tenho a impressão de que o tempo disponível nunca é suficiente para cumprir todas as tarefas ou demandas profissionais, seja do ponto de vista quantitativo, seja do ponto de vista qualitativo, infelizmente. E esta impressão, posso dizer seguramente, é compartilhada por vários outros colegas docentes, principalmente aqueles que se dedicam à Pós-graduação Stricto Sensu (Apolo).
O tempo não é suficiente para ninguém, nunca alcança para o que você poderia fazer na vida. Mas o que tenho estudado é que as pessoas produtivas, como eu disse, planejam bem e aproveitam o tempo. Como todo o mundo sabe, o que faz um professor de pós-graduação não cabe em oito horas de trabalho, nem nove e nem dez horas. (Alexandre).
Evidentemente não está dando para responder a todas as demandas. Aí vêm as prioridades (Arlindo).
Mais grave é o que se pode depreender dessa incongruência entre tempo e atribuições funcionais a cumprir, em que parece haver uma autoculpabilização do docente que não consegue dar conta do que lhe é devido cumprir, sem que sejam analisadas as relações entre metas, tarefas e condições de trabalho. Não há como ignorar ainda como os processos de subjetivação ajudam a internalizar “valores” de uma cultura do autoepresariamento e do engajamento como expressão do profissional responsável e fundamental para os dias de hoje.
Essas narrativas permitem observar que a reclamação recai sobre a questão do tempo que, diante de tantas e variadas demandas do trabalho docente na pós-graduação stricto sensu em Educação, se torna escasso. E a consequência desses excessos se manifesta em uma ruptura dos limites entre o tempo de trabalho e o de não trabalho. Portanto, o capitalismo atual, em sua fase de acumulação flexível, caracteriza-se como um novo contexto na flexibilidade dos processos de trabalho, expressa a expropriação do tempo da vida de maneira paradoxal manifesta na falta do tempo. O que é apregoado como benefício para explorar a liberdade para o planejamento livre e próprio pode e muitas vezes se transforma em um “ardil” (DAL ROSSO, 2017) que mais aprisiona pelos excessos de demandas a exigir uma disponibilidade total da mente e do corpo para o trabalho. Afinal, o que é bem coerente com os propósitos do sistema ao qual se é quase condenado a aceitar.
No modo de produção capitalista, o tempo de trabalho se apresenta como um meio essencial à reprodução da lógica capitalista. Portanto, ele se torna uma das colunas de sustentação do processo de acumulação de capital, baseado na extração de mais-valia e atua como um regulador radicado do modo de vida social. As transformações ocorridas no tempo, no trabalho e no tempo de trabalho são exemplos para reiterar a habilidade com que o capitalismo vem conseguindo manter e expandir sua lógica – ainda que, em um processo contraditório e sem muita resistência individual e/ou coletiva – a produzir modificações substantivas no mundo do trabalho e na vida social, para benefício de uma minoria em detrimento de uma maioria, cada vez mais expropriada e/ou excluída econômica e socialmente.
1.2 Acúmulo de atividades
A atividade é associada a movimento, a ação no seu sentido mais amplo. “É o processo pelo qual um agente modifica uma determinada matéria exterior a ele e obtém, como resultado, um produto”. (MORETTI; MOURA, 2011, p. 438). Atividade presume uma dimensão teórica e uma dimensão prática. “Na sua dimensão teórica, encontramos o motivo, o objetivo, o plano de ações a serem realizadas, a escolha dos instrumentos. Já na dimensão prática, temos as ações, as operações e o objeto da atividade. (MORETTI; MOURA, 2011, p. 441).
Assim, considerando que o conhecimento ocorre em esfera interindividual, a atividade de ensino tem como singularidade a intencionalidade do professor ao buscar responder à sua necessidade de organização do ensino, importa esclarecer que, em conformidade com o conceito de atividade, apresentado por Moretti e Moura (2011), a atividade de ensino é processo, e não produto. O professor, impulsionado pela sua necessidade, encontra-se em atividade de ensino antes de entrar na sala de aula, durante e depois. Alternando entre períodos de reflexão teórica e ação prática, e agregando-os conjuntamente, o professor vai se concebendo como profissional por meio de seu trabalho docente, ou seja, da práxis pedagógica.
Afinal, conforme reconhecido por Marx (1975),
[...] antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza (p. 202)”. [...] No processo de trabalho, a atividade do homem opera uma transformação, subordinada a um determinado fim, no objeto sôbre que atua por meio do instrumental de trabalho (p. 205)”.
Dessa forma, o homem se constitui pelo trabalho, compreendido como atividade humana adequada a um fim e orientada por objetivos. Assim, o docente constitui-se professor pelo seu trabalho docente, ou seja, o professor constitui-se professor por meio da atividade de ensino; especificamente, ao objetivar a sua necessidade de ensinar e, consequentemente, de organizar o ensino para favorecer o aprendizado.
Neste contexto, em relação à subcategoria Acúmulo de Atividades, na primeira parte do questionário foi perguntado aos docentes participantes da pesquisa se desenvolvem outras atividades além das atividades de ensino. No quadro 1, podemos constatar que os resultados apontaram que 24, que corresponde ao 54,5%, dos professores participantes da pesquisa desempenham outras atividades além das de ensino, o que pode favorecer a intensificação do trabalho docente na PGERTM.
Quadro 1- Outras atividades desenvolvidas - ano 2019
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Atividades |
Quantidade de Docentes |
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Outras atividades (participação em comitês, colegiado de curso, editorial de revista, comissões, pareceristas, orientação na iniciação científica, coordenação da linha de pesquisa, coordenação de grupo de estudo, membro do núcleo docente estruturante, orientação de TCC na graduação e especialização, grupos de pesquisas e gestão administrativa) |
24 |
Fonte: questionário aplicado (2019)
Ruza e Silva (2016, p. 95) corroboram os resultados do quadro 1, ao destacarem que “a carga de trabalho se eleva ainda mais em decorrência da pressão na produção de artigos científicos e da necessidade de atuar numa multiplicidade de áreas: ensino, comissões e orientação na pós-graduação”. As diversas atividades realizadas e o tipo de vínculo institucional nos ajudam a entender o perfil desses docentes, no que se refere à abrangência de atuação.
Desse modo, podemos observar que o trabalho docente na PGERTM tem sido constituído pela multifuncionalidade. De forma geral, o termo multifuncionalidade designa a capacidade de o trabalhador poder atuar em diversas áreas, podendo caracterizar ainda um profissional pautado pela flexibilização funcional. Fato que, de acordo com alguns docentes participantes do questionário, ocorre no fazer docente na PGERTM.
Para Queiróz e Emiliano (2020), as peculiaridades da produção docente ocasionam um cenário no qual várias tarefas são sobrepostas, abrangendo as atividades que incluam a gestão administrativa e pedagógica. A exigência de mais trabalho vem capturando seus ambientes de descanso e afetando diretamente em suas necessidades básicas no seu cotidiano de trabalho. A polivalência, versatilidade e flexibilidade, características do modo de produção capitalista, se propagam no processo do trabalho docente, exigindo que o professor desenvolva diferentes tarefas ao mesmo tempo, e tenha uma ocupação superior à jornada prevista, produzindo mais trabalho e mais valor no mesmo período. Assim, mais trabalho em menos tempo – o acúmulo de atividades – é mais uma estratégia do modo de produção capitalista visando o aumento da produtividade pela intensificação do trabalho.
Dessa forma, confirma-se e se expressam algumas das muitas incongruências entre o trabalho real e o trabalho prescrito que, em muito, contribuem para potencializar os problemas de saúde em expansão crescente a atingir os docentes, muito embora nem sempre diagnosticados, mas frequentemente referidos por parte deles.
1.3 Cobrança por resultados
Na subcategoria Cobrança por resultados, tabela 4, docentes participantes do questionário apontam aspectos importantes que demonstram certa pressão para o alcance das metas no trabalho docente da PGERTM.
Tabela 4 – Cobrança por resultados – Ano 2019
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Aspectos |
Porcentuais |
||||
|
Nunca |
Raramente |
Às vezes |
Frequentemente |
Sempre |
|
|
As tarefas são cumpridas com pressão de prazos |
0,0% |
4,5% |
25% |
61,4% |
9,1% |
|
Existe forte cobrança por resultados |
2,3% |
6,8% |
27,3% |
29,5% |
34,1% |
|
As normas para execução das atividades são rígidas |
2,3% |
15,9% |
36,4% |
40,9% |
4,5% |
|
Existe fiscalização do desempenho |
4,5% |
11,4% |
31,8% |
36,4% |
15,9% |
Fonte: Questionário aplicado (2019)
Os resultados da tabela 4 demonstram que a condição do trabalho docente na PGERTM é frequentemente afetada pela exigência de cumprir e alcançar metas; o que se relaciona a situações geradoras de pressão, segundo 61,4% dos professores participantes da pesquisa.
Forttini e Lucena (2015, p. 37) ressaltam que a pressão pelos resultados, muitas vezes camuflada sob o véu da flexibilização e autonomia do trabalho; [...] as competências didática, administrativa, comunicacional e intelectual além da geração de ciências, formam um conjunto de exigências desgastantes [...]. É importante destacar que a medida do trabalho docente “se fundamenta na produtividade, o quanto este produz em termos da capacidade de ensinar, de atuar com o intelecto e apresentar à sociedade os resultados de seu desempenho na construção do conhecimento em ciência”. (QUEIRÓZ; EMILIANO, 2020, p. 688). O trabalho docente caracteriza-se como uma atividade de prestação de serviços que não gera um produto numericamente mensurável, por exemplo, nas indústrias não se compreende, assim, no grau de produção, ou seja, o quanto se produziu em termos reais e em termos de valor.
Moura (2018) considera que as exigências institucionais são mais intensificadas quando o docente está vinculado a programas de pós-graduação. Assim, o problema a ser investigado centra-se no pressuposto de que com as exigências institucionais relativas aos programas de pós-graduação, além da atividade de ensino, pesquisa e orientação, os professores devem se orientar por parâmetros de produção científica definidos para atender às metas estabelecidas pela CAPES, para que não só se atinja as metas individuais determinadas, mas, principalmente, para que o curso obtenha uma avaliação de excelência. Esse contexto gera a intensificação do trabalho docente, leva ao adoecimento físico, mental e emocional de um número significativo de professores, com o comprometimento de sua qualidade de vida nos espaços familiar, social, acadêmico e profissional.
Nesta direção, Ferreira (2015) confirma em seus estudos que a ideologia neoliberal avançou também na área acadêmica fazendo com que as universidades operassem como empresas, o que resultou na mercantilização da educação superior e na adoção de critérios exclusivamente quantitativistas para se avaliar o trabalho docente. Trabalho este avaliado regulado pela CAPES. Duas das consequências desse processo foram a intensificação do trabalho docente e a qualidade da produção acadêmica que passou a ser desconsiderada em prol da valorização da quantidade; ambas bases e dimensões do produtivismo acadêmico. Esse fato tem sido o grande responsável pela alteração no processo do trabalho docente.
Para atender às demandas internas, ensino, pesquisa, extensão e orientação de mestrado e/ou doutorado, bem como às pressões dos órgãos de fomento e à CAPES, os professores se desdobram e, além de trabalharem no interior da universidade, têm de levar trabalho para casa, o que inviabiliza atividades de lazer, interação familiar e descanso. O excesso de cobranças por atividades e produções impostas aos professores fazem com que o trabalho passe de uma atividade meio para uma atividade fim, demandando dos professores um enorme dispêndio de energia e, como consequência, ao invés de trabalhar para viver, os professores vivem para trabalhar.
Desse modo, a condição de trabalho docente, centrada no cumprimento de metas, se torna um mecanismo a mais para alavancar o ritmo de produção, o disciplinamento do trabalho, bem como um ambiente difuso e talvez dissimulado de vigilância entre os docentes, visando o desempenho pautado na ampliação da produtividade e da competitividade. As instituições que impulsionam os elevados índices de desempenho e produtividade são estruturadas “com base em exigências que cada vez mais extrapolam as capacidades física e mental humanas, não conseguem se manter senão por meio de diferentes e sofisticados mecanismos de controle e coerção”, afirma Antunes (2018, p.148). A gestão por metas é um fator cada vez mais decisivo para a expansão do modo de produção capitalista vigente, que perpassa e tende a fortalecer os diversos modos de precarização do trabalho e em diferentes sentidos.
Considerações finais
Desse modo, tendo como base os resultados obtidos, pondera-se que o critério avaliativo pautado no aumento da produtividade esperada do trabalho docente na PGERTM leva à intensificação do trabalho, apoiada na flexibilidade e na polivalência dos docentes, viabilizadas pelo alongamento da jornada, pela exploração do tempo, maior acúmulo de atividades, pela cobrança de resultados e maior velocidade na execução das tarefas mediante as formas contemporâneas que assumem a intensificação do trabalho docente nas condições de trabalho e vida de professores.
Entendemos que há a continuidade e o fomento de uma estratégia essencial da dinâmica capitalista: aquela de intensificar o trabalho docente com o objetivo de elevar quantitativa e qualitativamente os resultados e extrair mais valor às custas de resultados que, em última instância, nem sempre a serviço dos reais objetivos da educação, mas a serviço de um mercado a estimular e a manter e que, por isso tendem a acarretar mais trabalho. Logo, deve proporcionar mais valor e reprodução do capital por meio da expropriação do tempo livre, da flexibilidade dos processos baseada na extração da mais-valia e da pressão para o cumprimento de metas.
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