A Sociologia da Inf�ncia e o conceito de culturas infantis: aspectos e implica��es te�ricas
Childhood's Sociology and the concept of children culture: aspects and theoretical implications
La Sociolog�a de la infancia y el concepto de culturas infantiles: aspectos e implicaciones te�ricas.
atoseditora@gmail.com
nissevangelista@gmail.com
Recebido em 21 de novembro de 2021
Aprovado em 22 de agosto de 2022
Publicado em 24 de outubro de 2023
RESUMO
Este artigo, decorrente de pesquisa bibliogr�fica, tem como objetivo apresentar e discutir o conceito de culturas infantis (ou cultura de pares), na perspectiva da Sociologia da Inf�ncia, a partir de dois de seus principais formuladores: William Corsaro e Manuel Sarmento. O conceito de culturas infantis enfatiza a ideia da crian�a como ator social e produtora de cultura. Nesta abordagem, portanto, h� formas te�ricas e metodol�gicas de pesquisar e de se relacionar com as crian�as em termos e concep��es que se distanciam daqueles relacionados �s teorias tradicionais de socializa��o (a crian�a vista como aprendiz passivo da cultura e a inf�ncia entendida como uma etapa natural do desenvolvimento). A atual defini��o do conceito antropol�gico de cultura, como um sistema p�blico de signos e s�mbolos, � apresentada para designar a origem p�blica e coletiva da cultura de pares. Em conclus�o, s�o apresentados alguns desafios te�ricos e metodol�gicos do uso crescente do conceito de culturas infantis nas pesquisas na �rea da Educa��o e o car�ter reflexivo da produ��o cient�fica sobre a inf�ncia contempor�nea no quadro epist�mico da �dupla hermen�utica�.
Palavras-chave: Culturas infantis; Educa��o; Sociologia da Inf�ncia.
ABSTRACT
This article, resulting from a bibliographic research, aims to present and discuss the concept of children's cultures (or peer culture), from the perspective of the Sociology of Childhood, from two of its main formulators: William Corsaro and Manuel Sarmento. The concept of children's cultures emphasizes the idea of the child as a social actor and producer of culture. In this approach, therefore, there are theoretical and methodological ways of researching and relating to children in terms and conceptions that distance themselves from those related to traditional theories of socialization (the child seen as a passive learner of culture and childhood understood as a natural stage of development). The current definition of the anthropological concept of culture, as a public system of signs and symbols, is presented to designate the public and collective origin of peer culture. In conclusion, some theoretical and methodological challenges are presented regarding the growing use of the concept of children's cultures in research in the area of Education, and the reflective character of scientific production on contemporary childhood in the epistemic framework of the "double hermeneutic".
Keywords: Children�s Culture, Education, Childhood Sociology
RESUMEN
Este art�culo, resultado de una investigaci�n bibliogr�fica, tiene como objetivo presentar y discutir el concepto de culturas infantiles (o cultura de pares), desde la perspectiva de la Sociolog�a de la Infancia, a partir de dos de sus principales formuladores: William Corsaro y Manuel Sarmento. El concepto de culturas infantiles enfatiza la idea del ni�o como actor social y productor de cultura. En este enfoque, por tanto, existen formas te�ricas y metodol�gicas de investigar y relacionarse a los ni�os en t�rminos y concepciones que se alejan de aquellos vinculados con las teor�as tradicionales de la socializaci�n (el ni�o visto como un aprendiz pasivo de la cultura y la infancia entendida como una etapa natural del desarrollo). La actual definici�n del concepto antropol�gico de cultura como un sistema p�blico de signos y s�mbolos se presenta como una forma para designar el origen p�blico y colectivo de la cultura de pares. En conclusi�n, se presentan algunos desaf�os te�ricos y metodol�gicos del uso creciente del concepto de culturas infantiles en investigaciones en el campo de la Educaci�n y el car�cter reflexivo de la producci�n cient�fica sobre la infancia contempor�nea en el marco epist�mico de la �doble hermen�utica�.
Palabras clave: Culturas infantiles; Educaci�n; Sociolog�a de la Infancia.
Introdu��o
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A afirma��o de que os pares s�o t�o importantes quanto os adultos no processo de socializa��o das crian�as est� imbricada na ideia de culturas infantis. Outra ideia relacionada a este conceito � o de ag�ncia infantil, i.e.� a ideia da crian�a como ator social ou produtora de cultura. Essas ideias s�o afirmadas pela Sociologia da Inf�ncia e s�o francamente contr�rias �s premissas das teorias tradicionais (funcionalistas e desenvolvimentistas) da socializa��o. Destarte, este artigo tem por objetivo apresentar e discutir o conceito de culturas infantis tal como � definido por seus principais elaboradores: William Corsaro e Manuel Sarmento.
O conceito de culturas infantis � definido por William Corsaro como um conjunto de artefatos e valores produzido e compartilhado de forma coletiva e p�blica entre pares. Ele designa, portanto, a produ��o cultural de grupos de crian�as que passam com frequ�ncia algum tempo juntas; o que costuma ocorrer, na contemporaneidade, mais regularmente (mas n�o somente), em institui��es educacionais.
Manuel Sarmento analisa as culturas infantis por meio de um invent�rio dos princ�pios geradores dos significados que as crian�as atribuem � essa produ��o cultural, identificando uma esp�cie de �gram�tica� - sem�ntica, sintaxe, morfologia -na base dos pilares estruturais - intera��o, ludicidade, reitera��o e fantasia do real � que sustentam essa constru��o.
Embora esses autores discordem em alguns aspectos, como veremos adiante, ambos concordam que as crian�as habitam �dois mundos� (CORSARO, 2011, p.40) ou que a inf�ncia se localiza no �entre-lugar� (SARMENTO, 2004, p.03): o espa�o intersticial entre o mundo habitado pelos adultos e aquele reinventado pelas crian�as. As culturas infantis, portanto, s�o produzidas tamb�m com elementos da cultura adulta existencialmente renovados a partir da a��o individual ou coletiva das crian�as (SARMENTO, 2004).
� importante anunciar que este texto se coloca de modo complementar ao artigo que discute o conceito de �reprodu��o interpretativa� (EVANGELISTA; MARCHI, 2022). Intrinsicamente ligados, a sua discuss�o em separado se fez necess�ria devido aos limites impostos � extens�o de artigos cient�ficos e para que cada conceito seja tratado com a devida profundidade.
Considerando o objetivo deste texto, ele apresenta inicialmente a Sociologia da Inf�ncia em suas rela��es com a �rea da Educa��o; depois s�o abordadas as transforma��es do conceito de cultura, de modo a situar a sua vertente semi�tica como aquela que fundamenta o conceito de culturas infantis; na sequ�ncia s�o explorados alguns aspectos te�ricos, classificat�rios e hist�ricos na constru��o desse �ltimo conceito. Ao final, considera��es complementares abordam os desafios te�ricos e metodol�gicos do uso do conceito de culturas infantis e situam o estudo da inf�ncia no quadro da reflexividade da vida social moderna, ou naquilo que Giddens (1989, p.334) denomina de �dupla hermen�utica�.
Sociologia da Inf�ncia (SI) e Educa��o
At� os anos 1980, a crian�a surgia nas pesquisas cient�ficas de forma indireta, como �fantasma onipresente� (SIROTA, 2001, p.08), a partir do olhar das institui��es respons�veis por sua socializa��o e guarda, como a escola e a fam�lia. Contudo, em um movimento te�rico mais amplo ocorrido nos anos 1970 nas Ci�ncias Sociais (chamado de �fim do consenso ortodoxo� ou �retorno do ator� �s pesquisas), o foco passa a ser as rela��es intersubjetivas e a inter-rela��o entre as macro e microestruturas sociais (MARCHI, 2009). � nesse terreno, j� nos finais dos anos 1980, que brotam as primeiras sementes da SI, fazendo surgir os questionamentos aos estudos que eram informados exclusivamente pelas teorias da socializa��o. Trata-se, nesse movimento, de perceber a crian�a �em si mesma�, para al�m das institui��es que a educam e guardam. (SIROTA, 2001; MARCHI, 2009)
��������������� Assim, realizando uma cr�tica em rela��o � crian�a te�rica produzida pelos paradigmas tradicionais da socializa��o, a SI - atrav�s de uma �tica n�o adultoc�ntrica - revela outra compreens�o (ou um novo paradigma) para os estudos sociais da inf�ncia e das crian�as. Esta disciplina, ao reconhecer e visibilizar as vozes das crian�as, faz surgir novos conceitos e abordagens metodol�gicas que passam a ser realizadas com crian�as (com a sua participa��o plena ou indireta)[i] e n�o mais somente sobre elas. Os estudos passam a levar em conta a capacidade de a��o das crian�as. O conceito de culturas infantis, portanto, torna-se central nesta nova compreens�o e, nesse cen�rio, pesquisadores na �rea da Educa��o tendem a assimilar os novos conceitos sobre inf�ncia e crian�a abandonando o antigo paradigma, sem realizar � na maioria das vezes �� uma reflex�o sobre esse deslocamento te�rico. Fato que, a aceitarmos a hip�tese de Giddens (2002) �[...] refletir� n�o s� na produ��o do conhecimento acerca da realidade que tomam por objeto, mas ser� tamb�m parte constituinte desta realidade.� (MARCHI, 2007, p.94), �
A transi��o das crian�as do ambiente familiar para o da educa��o infantil significa uma mudan�a nas suas vidas em termos tanto do enquadramento f�sico-espacial e disciplinar quanto da amplia��o do seu c�rculo social, j� que elas passam a ter que lidar com as regras do conv�vio e da cultura escolar (CORSARO, 2011). Pois, para que ocorram brincadeiras e outras intera��es (entre pares ou com adultos da institui��o), ser� necess�rio realizar negocia��es, compartilhar, resolver disputas, aceitar ou resistir �s normas do novo espa�o de conviv�ncia.
A vasta difus�o do conceito de �culturas infantis na �rea da Educa��o, e o crescimento das pesquisas que utilizam a SI como base te�rica no Brasil (NASCIMENTO, 2013), evidencia que a maior parte dos estudos sobre o conceito foi realizado em institui��es escolares, j� que essas s�o locais de potencial encontro das crian�as e, portanto, da produ��o dessas culturas (ABRAMOWICZ; OLIVEIRA, 2010).
Contudo, h� a necessidade de discutir os fundamentos e desdobramentos deste conceito de forma a que venha a ser utilizado, te�rica e metodologicamente, de modo coerente, �tico e respons�vel. H� de se cuidar para que os princ�pios te�ricos da SI n�o sejam tratados como novos dogmas e, no movimento de �aplica��o� da teoria, a disciplina seja (re)institu�da como um novo saber pericial. Isto, considerando o efeito boomerang da reflexividade, no sentido de que novas pr�ticas profissionais, alteradas pela teoria, tamb�m alterar�o essa teoria, num constante movimento de �vai e vem�. � por isto que autores da SI t�m apontado que �a inf�ncia � um fen�meno no qual se evidencia a �dupla hermen�utica� das Ci�ncias Sociais (erigir um novo paradigma para seu estudo sociol�gico implica envolver-se no processo de desconstru��o da inf�ncia na sociedade)� e isto implica no �envolvimento ativo dos cientistas sociais na constru��o daquilo que a inf�ncia foi, �, e ser� no contexto social� (MARCHI, 2007, p. 24).Assim, pesquisadores e educadores devemos levar em conta o car�ter de reflexividade do conhecimento ao teorizarmos sobre a inf�ncia, as crian�as e sua educa��o.
As transforma��es do conceito de cultura
At� o momento em que a cultura, no final dos anos 1970, passou a ser considerada como um sistema simb�lico, o conceito sofreu diversas transforma��es. Embora tenha adquirido, por interm�dio dos etn�logos, status cient�fico no s�culo XIX, o terreno ideol�gico da sua defini��o foi lentamente constru�do desde meados do s�culo XVIII atrav�s de debates filos�ficos que envolviam disputas pol�ticas (LARAIA, 2001). Tais embates se constitu�ram em duas vertentes que discutiam o conceito de homem (natureza e ess�ncia humanas) e as rela��es entre os elementos culturais que ele constr�i em sociedade.
Uma das vertentes, fundamentada na Fran�a, com forte influ�ncia iluminista e concep��es de racionalidade e est�gios evolucionistas, evidenciava o car�ter unit�rio da humanidade. Buscavam-se similaridades estabelecendo um padr�o ou uma medida que, enquanto mensurava, tamb�m indicava o desenvolvimento cont�nuo e linear at� o ponto de chegada: a civiliza��o. A outra vertente teve �nfase na Alemanha e privilegiava a diversidade ou particularismos culturais em detrimento da suposta universalidade do processo de desenvolvimento humano. Essa via recusava a hierarquiza��o de culturas e a sobreposi��o de umas sobre outras (CUCHE, 2002). Assim, as diferentes formas do desenvolvimento do conceito de cultura, e seus significados, s�o reflexos dos processos sociais e pol�ticos internos a esses dois pa�ses no per�odo hist�rico das revolu��es (francesa e industrial).
A aproxima��o entre as duas perspectivas (particularista e universalista), foi apresentada, pela primeira vez, pelo etn�logo ingl�s Burnet Tylor (1832-1917), que buscava conciliar aspectos evolutivos particulares com a concep��o universalista da humanidade (CUCHE, 2002). Influenciado pelo pensamento da �poca, Tylor estabelecia diferentes est�gios nos n�veis de evolu��o da ra�a, num continuum ascendente, entre os povos �primitivos� e os �civilizados�. (LARAIA, 2004 p. 14). Enquanto isto, Franz Boas (1858-1942), grande respons�vel pela cria��o da Escola Americana de Antropologia, influenciado pelo particularismo alem�o, desenvolvia sua teoria para pensar a diferen�a. Ele n�o buscava medir n�veis de evolu��o de um povo, mas compreender processos hist�ricos captando suas particularidades. Era veementemente contra a concep��o de ra�a e das explica��es que hierarquizavam fatores (biol�gicos, mentais, psicol�gicos, gen�ticos) na justificativa de teorias e pr�ticas atrozes, decorrentes do etnocentrismo (CUCHE, 2002). Boas influenciou os estudos sobre cultura em n�veis metodol�gicos e epistemol�gicos, ao propor a investiga��o in situ, utilizando o m�todo indutivo para compreender os processos culturais do ponto de vista dos atores.
Nesse �nterim, muitas pesquisas foram tamb�m realizadas no �mbito da chamada Escola Cultura e Personalidade[ii],a fim de desenevoar as quest�es sobre a dualidade natureza versus cultura, e desnaturalizar atributos tidos como inatos. Neste sentido, a mencionada Escola colocava especial �nfase na import�ncia da educa��o para a constru��o da personalidade do indiv�duo e sua integra��o � sociedade. Entendia-se que, em fun��o da hist�ria pessoal, o indiv�duo �reinterpreta� os elementos culturais, sendo a soma e a intera��o de todas as reinterpreta��es o que se entende por cultura (CUCHE, 2002).
Paralelamente aos estudos culturalistas, soci�logos americanos da �Escola de Chicago�, na d�cada de 1930, usando os m�todos do culturalismo come�aram tamb�m a estudar os aspectos do contato ou confronto entre grupos ou povos diferentes. Eles se interessavam pela cultura atrav�s das gera��es; sobre como ela atua na forma��o dos indiv�duos, buscando mais explorar a diversidade da cultura americana do que estabelecer categorias unit�rias, reflexo do car�ter diverso (�terra de imigrantes�) dessa sociedade. (CUCHE, 2002). Seus estudos eram realizados em comunidades ou grupos analisados como microcosmos ou como �subculturas� que, de acordo com Schaefer (2016, p. 45),
[...] � um segmento da sociedade que compartilha um padr�o singular de costumes, regras, tradi��es que se distingue do padr�o da sociedade como um todo. De certa forma, pode-se entender uma subcultura como uma cultura existente no interior de uma cultura mais ampla e dominante. A presen�a de muitas subculturas � caracter�stica de sociedades complexas.
A rela��o entre subcultura (segmentos ou grupos) e cultura (mais ampla, i.e. nacional, global) diz respeito, portanto, aos modos plurais que diversos grupos, nas sociedades complexas, podem desenvolver para pensar, agir, se relacionar e, ainda assim, estarem integrados a um modelo mais geral de comportamento.
A conjun��o desses dois conceitos, oriundos um da Sociologia e o outro da Antropologia, permitiu a formula��o de perspectivas que demonstravam o efeito visceral da educa��o no desenvolvimento individual. No entanto, como de praxe na ci�ncia, h� discord�ncias sobre como interpretar os fen�menos. As cr�ticas ao conceito de subcultura questionam seu valor te�rico porque consideram que ele aponta para uma subdivis�o hier�rquica do universo cultural da mesma maneira que os bi�logos pensam a evolu��o em esp�cies e subesp�cies (CUCHE, 2002). Interessante destacar que essa cr�tica � realizada pela abordagem interacionista de cultura, a mesma vertente na qual se situa William Corsaro que, no entanto, utiliza o termo subcultura relacionado �s culturas infantis: �Podemos conceituar culturas de pares como subculturas gerais de uma cultura ou sociedade mais ampla[...]� (CORSARO, 2011, p. 153).
Foi, portanto, no debate entre diversidade e universalidade que o terreno da teoria da cultura foi fertilizado antes mesmo do conceito ser considerado cient�fico, e ele segue, ainda hoje, sem unanimidade em sua defini��o (KEESING, 1974; CUCHE, 2002; GEERTZ, 2008). Destarte, ap�s s�culos de discuss�es, a quest�o permanece em aberto e caminha mais para um refinamento do debate do que para um consenso.
Atualmente, a cultura compreendida como sistema de signos e s�mbolos compartilhados na modalidade p�blica tem como um dos seus principais representantes o antrop�logo Clifford Geertz (1926-2006). De acordo com este, sendo o conceito de cultura essencialmente semi�tico, � an�lise social interessam os fen�menos e acontecimentos triviais do cotidiano social (como �funerais ou brigas de galo�). Assim, a an�lise e interpreta��o das culturas s�o realizadas no n�vel microsc�pico (etnogr�fico). Esse atual conceito de cultura est� ancorado na analogia weberiana sobre o homem estar preso a uma teia de significados que ele pr�prio teceu. E seu estudo busca a interpreta��o dos sentidos atribu�dos pelos atores a essas teias (GEERTZ, 2008). Por isto, nas palavras de Geertz (2008, p.4), a Antropologia n�o � uma ci�ncia experimental em busca de leis, mas �[..] uma ci�ncia interpretativa, � procura do significado�.
Compreender os estudos culturais como interpreta��es � releituras � de terceiros sobre um determinado acontecimento num local e tempo muito espec�ficos exige cuidados te�ricos e metodol�gicos necess�rios para salvaguardar a teoria - e as culturas - de subjetiva��es excessivas, generaliza��es formais e for�adas, ou �profecias�, como alerta o autor. Ao discutir sobre o car�ter p�blico das trocas simb�licas entre atores sociais, Geertz (2008) se posiciona na contram�o de uma vis�o cognitivista � subjetivista � de cultura, que partiria das mentes individuais para compreender os elementos culturais. Ele considera que os significados das trocas simb�licas se manifestam em acontecimentos, gestos ou h�bitos cotidianos aos quais os atores atribuem sentidos, num movimento expl�cito e, portanto, p�blico/social. Nesse sentido, Geertz adota a perspectiva interpretativa da an�lise social, e � nesta vertente te�rica e metodol�gica que o conceito de culturas infantis est� inserido.
A constru��o do conceito de culturas infantis: algumas reflex�es
Baseadas nos modelos funcionalistas (sociol�gicos e psicol�gicos) do desenvolvimento infantil, as teorias tradicionais de socializa��o deixavam pouco ou nenhum espa�o para as possibilidades de socializa��o das crian�as entre si. Nelas, os grupos de pares infantis, considerados pelo vi�s do desvio e da delinqu�ncia, s�o denominados de �subculturas�. J� os estudos sobre amizade prescreviam sua import�ncia para o desenvolvimento infantil. Essas compreens�es contradit�rias encontraram uma aproxima��o na SI, pois no enfoque da ag�ncia infantil na (re) produ��o da cultura � atribu�do papel positivo aos grupos de pares e evidenciado que as redes de amizade facilitam os processos de (re)produ��o cultural, j� que � com os amigos que as crian�as brincam, criam e trocam ideias.
O termo �culturas infantis� � usado no plural porque existe uma diversidade na inf�ncia decorrente dos contextos sociais e das vari�veis classe, etnia, g�nero, etc. (QVORTRUP, 2009). Diversas culturas de pares podem ser produzidas, com significa��es situadas, mesmo no caso de conte�dos globalizados (brinquedos e outras mercadorias produzidas em escala mundial). No abandono das perspectivas desenvolvimentistas (de cunho funcionalista ou cognitivista), o tipo de cultura que os grupos infantis produzem � compreendido como fluido e contextualmente produzido, em vez de estruturalmente predeterminado (JAMES, JENKS, PROUT 1998).
�Corsaro (1992) apoia-se na vis�o contempor�nea do conceito de cultura tendo como base o trabalho de cunho interpretativo de Clifford Geertz (1926-2006) e o modelo dramat�rgico de Erving Goffman (1922-1982).� A abordagem interpretativa � adequada quando se trata da cultura de pares infantis porque no curso de sua produ��o ela � compartilhada na participa��o e intera��o concentrada de crian�as nas escolas e creches, por ex.� (CORSARO, 1992).
As crian�as em fase pr�-escolar constroem suas rotinas atrav�s, inicialmente, de tentativas de prote��o do espa�o interativo, pois � no espa�o institucional das creches que elas, em geral, compreendem a no��o de compartilhamento e de propriedade. (CORSARO, 2011). Nesse per�odo de descobertas as crian�as realizam estrat�gias de acesso a grupos de brincadeiras, o que pode gerar conflitos ou o (re)estabelecimento de rela��es. Assim, de acordo com este autor, no desenvolvimento das culturas infantis h� uma integra��o entre espa�o interativo, amizade, conflito, controle e compartilhamento. A negocia��o para compartilhamento de brinquedos, por ex., pode dar margem � cria��o e resolu��o de conflitos. Nesse sentido, �amizade significa produzir atividade compartilhada em conjunto, em uma �rea espec�fica e proteg�-la contra a invas�o alheia� (CORSARO, 2011, p. 165)
Assim, enquanto interagem, as crian�as aprendem tanto umas com as outras quanto com os adultos, (re)produzindo e reinterpretando as culturas nas quais participam e atuam. Nessa perspectiva, seus mundos sociais s�o constru�dos na intera��o com os pares e com o mundo adulto atrav�s das rotinas culturais e da linguagem (CORSARO, 2011)[iii]. Aqui, o conceito de �consci�ncia pr�tica� � fundamental, pois diz respeito a tudo que os atores sabem, de forma t�cita, sobre o que fazem nos contextos dos quais participam, sem que isso seja, necessariamente, expressado ou verbalizado.
�Nesse cen�rio, Corsaro (2011, p.54) adota, tamb�m baseado em Erving Goffman (1922-1982), o conceito de �ajustes secund�rios�. Nos ambientes escolares, tais �ajustes� ou estrat�gias s�o percebidos como formas de as crian�as tentarem conquistar - de diversas maneiras - algum controle sobre suas vidas, resistindo � ou desafiando as regras institucionais. Essas a��es no ambiente escolar constituem-se como um elemento das culturas infantis, levando as crian�as a terem uma �subvida� (CORSARO, 2011). Tais a��es tornam-se mais sofisticadas � medida que as crian�as descobrem interesses comuns que contribuem tamb�m, assim, para a identidade de grupo.
Corsaro (2011) classifica as culturas infantis a partir de elementos simb�licos e materiais. Os aspectos simb�licos dizem respeito ao material produzido por adultos (ou pela ind�stria cultural) para as crian�as, como a literatura infantil, lendas e figuras m�ticas (como Papai Noel, Fada do Dente, Coelhinho da P�scoa), apresentadas �s crian�as por ocasi�o de rituais e festas familiares (Natal, P�scoa, a queda do 1� dente, etc). Os elementos materiais das culturas infantis dizem respeito � materializa��o dos elementos simb�licos; isto �, roupas, instrumentos art�sticos, de alfabetiza��o, etc., n�o se reduzindo, portanto, � perspectiva estreita das pesquisas que enfatizam quase exclusivamente os brinquedos como elementos materiais importantes nas culturas infantis.
�A linguagem � uma das bases das culturas infantis devido ao desenvolvimento e � aquisi��o dos c�digos simb�licos (interpretados e reproduzidos criativamente), sendo no espa�o dom�stico e na escola que as crian�as primordialmente as desenvolvem, atrav�s do faz de conta, ou jogo s�cio dram�tico, que corresponde � releitura interpretativa de epis�dios das rotinas culturais. Portanto, �:
Atrav�s da intera��o com os colegas no contexto pr�-escolar, [que] as crian�as produzem a primeira de uma s�rie de cultura de pares nas quais o conhecimento infantil e as pr�ticas s�o transformadas gradualmente em conhecimento e compet�ncias necess�rias para participar do mundo adulto (CORSARO, 2002, p. 114).
Neste sentido, Sarmento (2003) destaca que a forma e o conte�do da linguagem infantil devem ser compreendidos como diferentes dos adultos e n�o como d�ficits.
O conceito de culturas infantis elaborado por Sarmento (2003; 2004) tem diferen�as relativamente ao postulado por W. Corsaro. Em primeiro lugar, � cr�tico sobre a separa��o realizada por Corsaro entre elementos simb�licos e materiais nas culturas infantis, por consider�-la ilus�ria ou infundada, dado que tais elementos est�o imbricados: conte�dos simb�licos como produtos cinematogr�ficos ou liter�rios, por ex., d�o origem a bens de consumo materiais, como roupas e acess�rios para crian�as, a partir da globaliza��o de conte�dos e brincadeiras infantis[iv]. Deste modo, os aspectos materiais e os simb�licos s�o interdependentes, sobretudo nas sociedades urbanas ocidentais que recebem ou sofrem a influ�ncia das m�dias e do marketing. (SARMENTO, 2004).
Embora consideremos que a separa��o realizada por Corsaro seja de ordem did�tica, vale pontuar que, para Sarmento (2003), na discuss�o das culturas infantis deve antes ser levado em conta que h� elementos culturais produzidos pelas crian�as e elementos culturais produzidos para as crian�as, sendo esta, ent�o, para este autor, a diferen�a que pode ser estabelecida no interior do conceito.
Assim, as culturas produzidas pelas crian�as, segundo Sarmento (2004), se constituem tanto no plano diacr�nico (pela comunica��o intrageracional ao longo dos tempos) quanto no plano sincr�nico (rela��es de co-presen�a entre pares), ambas as dimens�es escapando, em larga medida, � interven��o adulta. Das formas culturais produzidas pelos adultos para as crian�as, o autor postula acerca da cultura escolar e da ind�stria cultural, com seu arsenal de marketing e orienta��o mercadol�gica que investe em filmes, literatura, organiza��o de festas, pacotes de f�rias, brinquedos, entre outros produtos produzidos em larga escala. Esses produtos apelam para o imagin�rio infantil de forma a universalizar seu conte�do ou potencial l�dico subjacente. Desta maneira, a aquisi��o dos produtos estaria mais para a ordem do status social do que propriamente para o ato de brincar, ou seja, o valor estaria mais no produto do que nas rela��es estabelecidas a partir dele.
�As culturas da inf�ncia constituem-se, portanto, no reflexo de uma produ��o cultural sobre a outra, n�o sendo redut�veis aos produtos da ind�stria para a inf�ncia e aos seus valores e processos, ou aos elementos da cultura escolar. Nesse sentido dial�tico, tais culturas tampouco podem ser analisadas exclusivamente pelas a��es, significados e artefatos produzidos pelas crian�as, porque estes n�o surgem do nada, em um vazio cultural, estando profundamente enraizados na sociedade e nos modos de administra��o simb�lica[v] da inf�ncia (nos quais o mercado e a escola s�o integrantes centrais, junto com as pol�ticas p�blicas para a inf�ncia).
Embora Sarmento (2003;2004) esclare�a que as culturas infantis n�o podem ser reduzidas a termos lingu�sticos, sua defini��o do conceito est� orientada em termos estruturais pois, para o autor, significados aut�nomos produzidos pelas crian�as, na organiza��o dos grupos e nas negocia��es no seu interior, criam uma esp�cie de �gram�tica� (sem�ntica, sintaxe, morfologia) que as edificam. Esta leitura das culturas infantis dialoga com as demais vertentes da SI que se debru�am sobre fatores geracionais e estruturais que afetam o desenvolvimento e as intera��es das crian�as. Deste modo, o estudo das culturas infantis a partir dos padr�es de uma gram�tica comportamental implica na integra��o entre as abordagens interpretativa e estruturalista.
�� par desta gram�tica estruturante, Sarmento (2003;2004) argumenta que as culturas infantis se erigem (e podem ser compreendidas) em torno de quatro pilares: a interatividade, a ludicidade, a reitera��o e a fantasia do real.
A interatividade diz respeito ao fato de a aprendizagem das crian�as ser eminentemente interativa, na conviv�ncia das crian�as com pessoas do seu entorno (familiares, respons�veis e pares). Ou seja, partilhando tempos, espa�os, rotinas, rituais, passam a reinterpretar e reinventar o mundo do qual fazem parte. � nesse processo interativo, bem como na �cria��o de estrat�gias para evitar fazer o que os outros querem� que surge a palavra �amigo�. (SARMENTO, 2004 p.14). A interatividade, atua tanto no plano sincr�nico quanto diacr�nico, pois ainda que as crian�as sejam contempor�neas, h� tamb�m um legado das culturas infantis que � repassado entre gera��es.
�A ludicidade diz respeito ao fato de as crian�as brincarem �s�ria e abnegadamente� (SARMENTO, 2004, p.15). E, embora tal atividade possa ultrapassar barreiras et�rias, o brincar est� diretamente ligado � inf�ncia. A ind�stria cultural, no entanto, lan�a brinquedos estereotipados em larga escala, estando o foco mais no objeto do que no ato da brincadeira em si.
� na atividade da brincadeira que a crian�a transp�e o real para reconstru�-lo em seu imagin�rio, o que Sarmento (2003) denomina fantasia do real, um outro pilar das culturas infantis. Trata-se de uma imbrica��o, ou fus�o, entre dois mundos de refer�ncia � o real e o imagin�rio � que est� al�m de simples dicotomias. As crian�as, ao reinterpretarem e reinventarem o real atrav�s de jogos de fantasia fazem-no sem literalidade, quer dizer, os significados primeiros dos eventos, objetos, palavras, podem ser transformados e colocados em outros termos, tempos ou espa�os:
A estrela que transporta para o c�u uma pessoa querida, a boneca com que se brinca no meio da desola��o e caos provocados pela guerra ou por um cataclismo natural, a narrativa imaginosa com que se explica um insucesso, uma falha ou at� uma ofensa, integram este modo narrativo de estrutura��o n�o literal das condi��es de exist�ncia. (SARMENTO, 2003, p.17)
Esse processo cont�nuo de transposi��o e reinterpreta��o do real de forma n�o literal tamb�m est� atrelado ao processo de n�o linearidade temporal, denominado reitera��o. As crian�as relacionam-se entre si com pr�ticas ritualizadas, de continuidade ou ruptura, de forma que o tempo � um elemento sujeito a repeti��o, sempre �reinvestido de novas possibilidades� (SARMENTO, 2004, p.17).
� parte as diferen�as conceituais ou de concep��o das culturas infantis, esses dois autores indicam a recep��o ativa das crian�as em rela��o aos elementos produzidos pela ind�stria cultural - desenhos, filmes, bonecos e demais brinquedos -, ou seja, o fato de que as crian�as n�o apenas aceitam o conte�do a que s�o expostas, mas tamb�m o reinterpretam, de acordo com seu contexto de entorno. Nesse sentido, a forma que uma crian�a se relaciona com uma boneca Barbie, por ex. est� tamb�m condicionada �s teias do seu entorno cultural, (geografia, classe social, etnia, etc.) e, assim, o desenvolver do brincar depende das experi�ncias de cada crian�a (SARMENTO, 2004).
Aqui, nos afastando um pouco desses dois autores, temos que considerar, a partir de Broug�re (2011), que a cultura produzida para as crian�as e a produzida pelas crian�as devem ser consideradas mais como imbricadas do que em dicotomia. Isto �, ambas se influenciam, n�o se devendo ressaltar apenas o efeito da cultura de massa sobre jogos e pr�ticas sociais das crian�as, e nem somente o oposto, isto �, o efeito das culturas infantis na cultura de massa. Este autor, assim, pensa na supera��o dessa oposi��o. Mas, entendemos tamb�m que, de uma maneira ou de outra, tanto William Corsaro quanto Manuel Sarmento, apesar de separarem de forma anal�tica (ou did�tica) os dois modos culturais, em �ltima inst�ncia consideram que, tanto a cultura produzida para as crian�as como a cultura produzida pelas crian�as, s�o, na pr�tica, mutuamente dependentes.
Se pensarmos sobre a hist�ria do brinquedo, a partir de Walter Benjamin (1984), veremos como a import�ncia deste, em termos de tamanho, cores, material, t�cnica e quantidade torna-se mais expressiva a partir do s�culo XIX. Anteriormente, o brinquedo constava como produto secund�rio de trabalhos manufatureiros: objetos de madeira feitos pelo marceneiro, soldadinhos de chumbo feitos pelo caldeireiro, personagens de a��car como obras do confeiteiro. A emancipa��o do brinquedo ocorreu na medida em que a industrializa��o avan�ou. Para Benjamin (1984), se � adequado apresentar � crian�a objetos feitos de materiais heterog�neos, tamb�m se sabe que a crian�a � capaz de, a partir de um �nico material, extrapolar barreiras da praticidade e simplicidade e atribuir a um objeto uma diversidade de representa��es e sentidos. Assim, ao projetar brinquedos, os adultos projetam tamb�m uma interpreta��o sobre a inf�ncia e sobre a brincadeira, o que, nas palavras deste autor (1984, p.69), � um equ�voco, j� que se acredita erroneamente �[...] que o conte�do imagin�rio do brinquedo determinava a brincadeira da crian�a quando, na verdade, d�-se o contr�rio.�
O binarismo brincar/trabalhar, na hist�ria das sociedades do Ocidente, tornou-se mais progressivamente mapeado em rela��o � dicotomia crian�a/adulto que serve, concomitantemente, como sintoma e causa da separa��o conceitual entre o mundo adulto e o infantil. No final do s�culo XIX, na Inglaterra, por ex., as crian�as foram removidas do mundo do trabalho e a diferen�a entre as duas esferas foi mais fortemente acentuada. No s�culo XX essa diferen�a serviu para acentuar os estigmas dos status socialmente atribu�dos, como o caso de um adulto desempregado ou de uma crian�a trabalhadora, pois ambos estariam fora da �normalidade�: adultos sem trabalhar e crian�as sem brincar (PROUT; JENKS; JAMES, 1998).
Assim, seria mais interessante n�o avaliar ou relacionar as a��es das crian�as como restritas ao ato de brincar, se quisermos compreender mais diretamente suas a��es e motiva��es como atores sociais. As brincadeiras devem ser vistas mais como um contrassenso do que como dotadas de sentido, mais sobre experimentos e transforma��es do que mimetismo e repeti��o. Al�m disto, se pensarmos a crian�a como aquela que est� apreendendo as regras do mundo adulto, deve-se tamb�m pensar em formas mais inventivas desse conhecimento ser adquirido (PROUT, JENKS, JAMES, 1998).
Arce (2015) discorre sobre a atua��o e compet�ncia social das crian�as, tanto nas sociedades simples quanto nas complexas (urbanas e industriais)[vi]. Em rela��o �s �ltimas, afirma que as crian�as agem seja como assistentes (junto aos adultos), como resistentes (enfrentando os adultos) ou de maneira solid�ria (entre pares, independentemente da rela��o com adultos); e considera que elas tentam persistentemente obter controle sobre suas vidas (em um meio onde esse controle/poder � dado aos adultos), sendo esta conquista sempre compartilhada no grupo de pares. Assim atuando, as crian�as al�am suas vozes em casa, col�gios ou outros espa�os protegidos, para criar uma �harmonia muitas vezes cacof�nica� aos ouvidos adultos (ARCE, 2015, p.160-163). Devido, no entanto, ao desequil�brio de poder intergeracional, elas nem sempre podem envolver-se em resist�ncias ou oposi��o aberta a estes. Como grupo subordinado, agem nos bastidores (�tras bambalinas�) pela cria��o de um roteiro oculto (�gui�n oculto�), no que Corsaro (2011), a partir de E. Goffman, como j� visto acima, denominou de �ajustes secund�rios�.
Nessa l�gica, a a��o infantil pode preocupar ou perturbar os adultos por revelar as crian�as como atores capazes de controlar seu mundo atrav�s de jogos, linguagens e met�foras pr�prias. Neste caso, a brincadeira pode representar um �risco� ao �desenvolvimento normal� se n�o estiver atrelada � met�fora do progresso (ou do �futuro�), no sentido de que a brincadeira �boa� � a que promove aprendizagem, e � pensada, decidida e dirigida pelo adulto, de forma que fique cada vez mais regulada e restrita, especialmente nas escolas. Neste vi�s, Sirota (2001, p.14) postula que a emerg�ncia da SI se deve ao surgimento do chamado �of�cio de crian�a�, onde se busca uma discuss�o sobre a inf�ncia afastada dos termos da Sociologia da Educa��o. O of�cio de crian�a, nas sociedades que determinam a escolaridade como exerc�cio obrigat�rio das crian�as, revela o desempenho de pap�is institucionalmente prescritos, validando a condi��o de aluno. Ou seja, �com a escola, a inf�ncia foi institu�da como categoria social dos cidad�os futuros, em estado de prepara��o para a vida social plena�, pois ao ocupar-se essencialmente do aluno, a institui��o �esquece� a �crian�a� como sujeito que carrega emo��es, saberes e aspira��es, e destaca a figura do �aprendiz�, avaliado, premiado ou sancionado tendo como meta a idade adulta. (SARMENTO, 2011, p. 588).
A produ��o cultural das crian�as no contexto institucional das escolas est� enquadrada pela chamada cultura escolar, onde j� est�o previamente estabelecidos uma s�rie de hor�rios, espa�os e normas. Assim � que as crian�as acabam por participar de duas teias sociais, como j� referido. Ou seja, o seu pertencimento � uma rede social j� definida n�o impede o surgimento das culturas infantis. Por outro lado, se as culturas infantis s�o constitu�das a partir da forma��o dos grupos de pares, ent�o elas tamb�m podem ser observadas a partir de contextos n�o relacionados aos tempos e espa�os da institui��o escolar. Seria o caso, por exemplo, dos grupos que se re�nem para brincar nas ruas, condom�nios, festas de fam�lia ou festas comunit�rias, etc. Isso viria ao encontro de um dos princ�pios da SI, que � o de �desescolarizar� a abordagem da inf�ncia, o que significa realizar pesquisas sobre e com crian�as tamb�m em ambientes n�o escolares.
As possibilidades de forma��o das culturas infantis fora do espa�o escolar, como nos grupos formados nas brincadeiras nas ruas, entre as crian�as de uma mesma vizinhan�a, foram pioneiramente analisadas por Florestan Fernandes (2004), em estudo realizado nos anos 1940. Este autor atribuiu a esses grupos infantis o nome de �trocinhas�: grupos de crian�as que se encontravam cotidianamente para brincar nas ruas e, � medida que as rela��es entre os pares iam se estreitando, para al�m da simples recrea��o ia se formando uma identidade de grupo, com ritos, linguagem e organiza��o pr�pria. Assim, as trocinhas podiam durar muitos anos, mesmo com a partida de seus membros.
Isto serve para pontuar que, embora as culturas infantis apare�am atualmente mais marcantemente (ou visivelmente) nas escolas, a sua produ��o n�o est� condicionada a esta institui��o. O fato � que as muitas horas di�rias que as crian�as passam hoje nas creches e escolas, propiciam que esses cen�rios sejam os locais onde as culturas infantis aparecem ou se formam de maneira mais acentuada e, por isto, tamb�m t�m sido os locais onde as atuais pesquisas sobre crian�as tendem a se concentrar.
Com o exposto, refletimos que, mesmo que Corsaro n�o represente a crian�a como �aluno� em suas pesquisas, o fato destas estarem sempre situadas em creches condiciona, em grande medida, devido � ordem institucional, as formas e extens�o das culturas infantis. Para Prout, Jenks, James (1998) isto representa uma restri��o metodol�gica ao mesmo tempo que evidencia a escola como institui��o que contextualiza e enquadra a vida social das crian�as na atualidade. Portanto, embora as rela��es entre pares sejam importantes para o desenvolvimento das crian�as, deve-se ter tamb�m o cuidado para que n�o se advogue uma autonomia ou independ�ncia que s�o insustent�veis na vida em sociedade (PROUT, 2010).
Considera��es complementares
A SI coloca em evid�ncia a capacidade de a��o das crian�as na vida cotidiana, de modo geral, e na constru��o das culturas infantis, de modo particular. Trata-se, sob muitos aspectos, de um desafio te�rico e metodol�gico, devido ao fato de que tais culturas s�o complexas, plurais e inst�veis, considerando as in�meras influ�ncias que sofrem al�m das rela��es intersubjetivas travadas pelas crian�as, pois tem-se ainda as concep��es naturalizadas sobre o que � uma crian�a (sua �natural� passividade e heteronomia) e sobre como ela deve ser educada, e o fato de estarem sempre em rela��o com outras �culturas�, a dos adultos, de modo geral, e a escolar, de modo particular. Tudo isto simultaneamente relacionado aos contextos local e global.
Outro grande desafio te�rico � o fato de que, ao mesmo tempo em que o princ�pio da crian�a-ator, ou da crian�a como produtora de cultura, ganhava espa�o na teoria sociol�gica, muitas cr�ticas, tanto internas quanto externas � SI, eram realizadas ao novo paradigma. Uma cr�tica inicial destacava o risco do princ�pio da crian�a ator estipular um novo vi�s normativo (uma �nova ortodoxia�) ou o de se tornar um �slogan vazio� por sua mera repeti��o nas pesquisas sem a devida fundamenta��o emp�rica. Isto �, o fato de as crian�as passarem a ser compreendidas pela teoria sociol�gica como atores sociais n�o obscurecia a evid�ncia de que suas vidas s�o largamente determinadas pelos adultos, al�m de serem o grupo social que em poucas situa��es consegue se representar independentemente. Tamb�m o fato de as pol�ticas educacionais e os processos legais e administrativos causarem profundos efeitos nas suas vidas enquanto elas det�m pouca ou nenhuma influ�ncia sobre estes. Outra cr�tica aponta que a �nfase na capacidade de a��o das crian�as chegou tardiamente e sem valor conceitual � SI, por reproduzir dicotomias sociol�gicas cl�ssicas (ator x estrutura social, por ex.) j� incapazes de dar conta do car�ter inst�vel, amb�guo e flex�vel dos fen�menos sociais na contemporaneidade.�
Marchi (2017), ao fazer um balan�o dessas cr�ticas no intervalo de dez anos (2005 a 2015), argumenta que as crian�as s�o atores sociais independentemente desse reconhecimento por parte dos adultos. E isso simplesmente porque s�o seres sociais no presente e, como tais, se comunicam com outros seres de sua pr�pria cultura atuando tanto na reprodu��o quanto na produ��o de sentidos compartilhados: �(..) queiram os adultos ou n�o, reconhe�am ou n�o a a��o social das crian�as, essa a��o existe mesmo quando ela n�o � socialmente reconhecida ou valorizada.� (MARCHI, 2017, p. 624). � tamb�m neste sentido que Delalande (2014 apud MARCHI, 2017) define as crian�as como �atores nas sombras�, pois n�o s�o vistas pelos adultos como efetivas parceiras do cotidiano pol�tico, social e cultural. Destarte, esta autora enfatiza que, longe de ser algo adquirido, definir o conceito de ator social �� a tarefa de todo pesquisador que participa de uma reflex�o coletiva�[vii], pois �esses dois conceitos (`ator social� e `culturas infantis�) retiram as crian�as de uma representa��o social em termos de `seres em devir�, reconhecendo sua capacidade de agir no mundo.� (MARCHI, 2017, p. 623 - destaques no original).�
Neste sentido, as crian�as atuam, com relativa autonomia e dentro das possibilidades de seus contextos, como forma de existir e ressignificar, � sua maneira, a vida e a sociedade ao redor. Nossa responsabilidade � a de levar em considera��o tanto os elementos comuns que caracterizam as inf�ncias quanto as singularidades a partir das a��es das crian�as em contextos espec�ficos. Por isto � que o reconhecimento da ag�ncia infantil opera como um �princ�pio de desacoplamento� entre o desenvolvimentismo e a socializa��o/educa��o, pois a aprendizagem e o crescimento, pr�prios da inf�ncia, j� n�o precisam pressupor o binarismo que subordina a inf�ncia � adultez (vir a ser), isto �, o tempo presente ao tempo futuro (ARCE, 2015).
Assim, o conceito de culturas infantis, junto ao conceito irm�o de reprodu��o interpretativa, representa um esfor�o te�rico e metodol�gico para pesquisar com crian�as de forma horizontalizada, mais pr�xima dos seus �mundos de vida�, o que remete diretamente ao ambiente escolar, local onde se concentram as pesquisas que t�m a SI como base te�rica, pois ele oferece solo e cen�rio para seu surgimento e desenvolvimento. Isto explica o fato de a maior parte dos estudos ter sido realizada neste espa�o restrito e disciplinar, apesar da implicada limita��o metodol�gica, como tratado neste artigo.
Concordamos com Marchi (2017) quando afirma que, seja l� como for que a emancipa��o das crian�as aconte�a no plano emp�rico, ou seja, estando com mais ou menos intensidade presente na vida das crian�as, � preciso que a rela��o entre o discurso cient�fico e a realidade � qual ele se refere seja situada no quadro daquilo que Giddens (1989) chama de reflexividade da vida social moderna, ou de �dupla hermen�utica�: um �modelo de reflexividade� que diz respeito �s rec�procas rela��es entre os cientistas sociais e seus objetos de estudo, no processo de constru��o do conhecimento. Operar no quadro da dupla hermen�utica significa considerar que, ao mesmo tempo que os cientistas sociais recorrem aos conceitos de senso comum para a produ��o de conhecimento, os atores sociais se apropriam tamb�m dos conceitos cient�ficos, introduzindo-os nas suas a��es que ser�o novamente analisadas pelos primeiros e assim por diante, numa �reentrada subversiva� cont�nua do discurso cient�fico nos contextos que analisa: �as pr�ticas sociais s�o constantemente examinadas e reformuladas � luz de informa��es renovadas sobre estas pr�prias pr�ticas, alterando assim, constitutivamente seu car�ter� (Giddens, 1989, p. 45).
� por isso que a �dupla hermen�utica� consta como um dos princ�pios na constru��o do novo paradigma para os estudos da inf�ncia. Se teorizar sobre ela implica envolver-se no seu processo de desconstru��o/reconstru��o na contemporaneidade, os riscos ou consequ�ncias do que afirmarmos sobre as crian�as recair�o sobre elas pr�prias e sobre as formas sociais de sua compreens�o (MARCHI, 2017). Assim, o caminho mais indicado est� na busca de uma teoria cuja reflexividade esteja na pr�tica tanto de pesquisadores quanto de educadores. Isto para que o efeito desejado n�o se volte contra a ideia de renova��o das pr�ticas escolares e, em �ltima inst�ncia, contra as pr�prias crian�as.
Diante do fato que os conhecimentos produzidos sobre a crian�a e a inf�ncia refletem e modificam tanto as pr�ticas sociais quanto as formas de fazer pesquisa, incluindo as quest�es �ticas, a SI tem, portanto, uma responsabilidade pol�tica quanto � teoria e �s pr�ticas que produz, tendo em vista que qualquer tentativa de estabelecer categorias universais estar� fadada ao fracasso. Nesse sentido, o poss�vel vi�s normativo do novo paradigma � em parte afastado pela �nfase que essa disciplina d� � exist�ncia da diversidade e pluralidade das inf�ncias em termos et�rios, de classe, de g�nero, etnia, etc.�
Diversidade que � refletida nos modos de constitui��o, compartilhamento e reprodu��o das culturas infantis e que cabe aos pesquisadores considerar na delicada tarefa de produ��o do seu conhecimento; uma an�lise n�o somente das a��es, significados e artefatos produzidos pelas crian�as, mas no seu encadeamento dial�tico� com o restante da sociedade e com os modos de administra��o simb�lica da inf�ncia; isto �, o atravessamento das culturas infantis pelas rela��es de poder tanto entre gera��es quanto intrageracionais, no micro e no macro contexto social e pol�tico.� Considerar, ainda, que a investiga��o dessa produ��o cultural precisa ser expandida para fora dos muros escolares, de modo a n�o circunscrever a SI a uma esfera da qual ela tentou inicialmente se afastar ao propor a premissa da desescolariza��o da abordagem da inf�ncia.
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Notas
[i] A participa��o das crian�as nas pesquisas na �reas das ci�ncias sociais � tema atual de debate como destacam Fernandes; Marchi (2020, p.4): �Desde a crian�a observada, a crian�a entrevistada ou, ainda, a crian�a pesquisadora, m�ltiplas e diversas s�o as formas de conceber essa participa��o, sendo talvez a imagem da crian�a como pesquisadora ou copesquisadora (Alderson, 2005) a mais improv�vel e menos frequente nas possibilidades de envolvimento desses atores sociais nos processos de investiga��o�. Sobre este tema, ver tamb�m Fernandes;Souza (2020).
[ii] A escola Cultura e Personalidade surgida na d�cada de 1930, influenciada pelo trabalho de Boas, atribui import�ncia � rela��o entre indiv�duo e cultura, de forma a questionar como a cultura apresenta-se ou manifesta-se na personalidade do indiv�duo, sem determinismos universais ou naturais (CUCHE, 2002). Alguns dos principais te�ricos dessa escola s�o: Ruth Benedict (1887-1948), Margaret Mead (1901-1978), Ralph Linton (1893-1953) e Abram Kardiner (1891-1917).
[iii] Esta ideia da participa��o das crian�as em dois mundos � o adulto e o infantil � est� no cerne da compreens�o do conceito de Reprodu��o Interpretativa, desenvolvido por Willian Corsaro, que compreende o desenvolvimento infantil a partir da intera��o da crian�a em diferentes �teias sociais� ou esferas que afetam as crian�as - a partir de suas estruturas - e que s�o igualmente afetadas pelas crian�as - a partir das a��es infantis. (Cf CORSARO, 2011; EVANGELISTA; MARCHI, 2022).
[iv] Contudo, pode-se questionar esta cr�tica de Sarmento em rela��o ao modo como Corsaro �tipifica� as culturas infantis em �material� e �simb�lica�, considerando que o pr�prio autor afirma, como visto acima, que os aspectos materiais das culturas infantis dizem respeito � materializa��o do simb�lico. Assim, ele mesmo desfaz a separa��o que parece construir apenas de forma did�tica ou anal�tica. Al�m disto, o modelo da teia global, embora n�o situe os elementos materiais e simb�licos das culturas infantis, apresenta um desenho em espiral, indicando o movimento relacional entre seus elementos.
[v] Trata-se da prescri��o de regras impl�citas e expl�citas que cerceiam ou orientam as a��es das crian�as e as dos adultos em rela��o a elas. Essa administra��o tem sua forma mais evidente em documentos e estatutos destinados � inf�ncia, como a Conven��o Internacional sobre os Direitos das Crian�as ou, no n�vel nacional, o Estatuto da Crian�a e do Adolescente -ECA, por ex., mas tamb�m inclui atitudes cotidianas consensuais (nem sempre formalizadas) sobre o que � pr�prio ou impr�prio aos menores de idade na vida em sociedade.
[vi] Este autor disserta sobre as crian�as que �desafian el modelo hegem�nico: ni�as e ni�os cazando, recolectando agua o comida, cocinando, pastoreando, cuidando a sus hermanos menores (...) aprendiendo, mas que sendo ense�ados, imbu�dos de um �ethos de autossuficiencia�, de autonomia, que es reconhecido y respetado por los adultos; trabajando em el campo, em las industrias rurales y luego em las f�bricas de la insdustrializaci�n (...).� (ARCE, 2015, p.162 � destaque no original).
[vii] Isto �, o �interesse heur�stico� do conceito de crian�a ator que deve ser avaliado por cada pesquisador (DELANDE, 2014 apud MARCHI, 2017, p.623).
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