.

Desafios da profissão docente: experiência internacional e o caso brasileiro

 

Challenges of the teaching profession: international experience and the Brazilian case

 

Desafíos de la profesión docente: experiencia internacional y el caso brasileño

 

 

 

Andréia Paula Basei

Universidade Estadual de Maringá, Paraná, PR, Brasil.
andreiabasei@yahoo.com.br

 

Recebido em 18 de novembro de 2021

Aprovado em 02 de setembro de 2022

Publicado em 27 de setembro de 2023

 

 

 

 

O livro “Desafios da profissão docente: experiência internacional e o caso brasileiro”, publicado pela Editora Moderna em 2021 é de autoria dos professores e pesquisadores Fernando Luiz Abrucio - professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas desde 1995, onde coordena a área de Educação no Centro de Estudos em Administração Pública e Governo - e Catarina Ianni Segatto - professora do programa de pós-graduação em políticas públicas na Universidade Federal do ABC e pesquisadora colaboradora no Centro de Estudos em Administração Pública e Governo.

Ambos pesquisadores muito experientes nas temáticas relacionadas às políticas públicas educacionais, apresentam na obra subsídios para a compreensão da realidade atual a partir das bases e fundamentos buscados em seu campo de estudos. Essencial e em momento muito propício e oportuno eles afirmam: “Nosso desafio como país, além de deixar a carreira docente mais atrativa, é estabelecer políticas públicas que considerem o professor um profissional fundamental para a sociedade, que precisa ser valorizado, bem preparado e desenvolvido integralmente em suas dimensões intelectual, física, cultural, social e emocional para conseguir desempenhar seu papel com excelência”.

A publicação conta, além da apresentação, com três capítulos que visam apresentar a centralidade do professor na agenda educacional contemporânea no cenário nacional e internacional, alinhavada aos desafios da agenda das reformas da profissionalização docente.

No primeiro capítulo, “A centralidade do professor na agenda educacional contemporânea”, as discussões estão alicerçadas no peso dos professores para o aprendizado dos alunos e nos resultados educacionais retomando, desde a metade do século XIX, aspectos históricos da garantia do direito a educação e a centralidade deste ao longo dos anos nas discussões políticas. A novidade do debate contemporâneo é ressaltada a partir de três aspectos: o efeito positivo na aprendizagem dos alunos dos fatores intraescolares, em especial os professores; o impacto dos docentes no aprendizado e no desenvolvimento dos estudantes e; uma reflexão sistêmica sobre a formação e o desenvolvimento docente, a qual tem gerado uma nova onda de reformas pelo mundo, centradas na figura do professor e na ideia de referenciais docentes.

Os autores pontuam de forma clara aspectos do âmbito educacional no cenário mundial que contribuíram decisivamente para o entendimento da educação como instrumento de transformação social e trouxeram para discussão a pauta da efetividade das políticas educacionais e das escolas e sua influência no desempenho dos alunos. Embasados por pesquisadores renomados no cenário internacional expõe as transformações no entendimento sobre os fatores que interferem na educação e na aprendizagem, abrangendo desde aspectos socioeconômicos, insumos e processos escolares, aspectos intergeracionais, acesso a bens culturais, entorno geográfico das escolas e aspectos intraescolares, destacando-se a análise do peso dos gestores e docentes. As pesquisas desenvolvidas nos diferentes períodos históricos deram origem ao que os autores denominam de “ondas reformistas” - construção de abordagens hegemônicas na literatura e no campo de políticas públicas.

A proposição principal a partir das análises de experiências internacionais das reformas docentes originadas nas “ondas reformistas” é que a construção da profissão docente precisa ser vista cada vez mais como um sistema, constituído por saberes, competências, práticas e valores que se desenvolvem continuamente, da formação inicial até o conjunto da trajetória de carreira. A visão sistêmica, de acordo com as pesquisas, se refere à interligação clara entre os processos formativos e profissionalização do professor.

Nesse processo de construção histórica, social, política e cultural, Abrucio e Segatto deram clareza e profundidade a trajetória desse fervor pela centralidade da formação e do desenvolvimento profissional como pauta das agendas e reformas educacionais em diversos países. Há menção ainda que, no Brasil, esse debate não adquiriu a devida centralidade na agenda governamental, mas alguns documentos envolveram a discussão da “profissão docente” com algum viés sistêmico, tal qual tratado em reformas educacionais de outros países.

No capítulo segundo “Reformas e estruturação da profissão docente: experiência internacional” são apresentadas diferentes estratégias, características e dinâmicas de funcionamento que promoveram melhorias na formação e desenvolvimento profissional, por meio da descrição e análise de modelos internacionais. Estes modelos, considerados experiências bem sucedidas, concebem o impacto no aprendizado dos alunos, na motivação dos atores escolares, o reconhecimento pelos formuladores, implementadores e especialistas e, o potencial de disseminação para outros contextos.

O capítulo está dividido em quatro seções. Em “Formação inicial” são identificadas as cinco tendências gerais no plano internacional sobre a formação inicial: a) além de ensinar o conteúdo específico de formação disciplinar, os cursos devem abranger uma parte significativa sobre a didática e as metodologias de ensino; b) ensinar competências fundamentais para a atividade docente; c) construir valores sólidos sobre o papel do professor na sociedade e junto ao alunado; d) estar articulada com a prática, sendo este o elemento de maior destaque nas experiências consideradas bem sucedidas; e) avaliação dos centros de formação. Na sequência, são descritos e analisados casos específicos de países como: Alemanha, Austrália, Chile, Singapura, Finlândia, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos e Portugal. Em síntese, são destacadas nas experiências a centralidade da prática e a orientação da formação inicial segundo referenciais docentes por meio de uma articulação sistêmica. Ao finalizar a seção, apontam que as estratégias e os instrumentos para a formação do “professor eficaz” são vários.

Na segunda seção “Políticas de indução a carreira” é abordada a importância e influência de políticas focadas no período inicial da carreira, entendido como crucial para a permanência, para a qualidade e/ou para a eficácia dos professores em suas atividades. As políticas de indução apresentam grande variação entre os países, todavia, a mentoria é destacada como a mais frequente. Como base nisso, são descritas experiências de como esta forma é efetivamente tratada pelos países que apresentam bons resultados educacionais. A partir das experiências os autores concluem: “políticas de indução à carreira fortalecem a escola como núcleo formativo e aumentam a articulação entre os centros formadores, as organizações escolares e o sistema educacional, consolidando uma visão sistêmica da formação” (p. 58).

A terceira seção “Desenvolvimento profissional e formação continuada”, busca desvelar esta etapa da trajetória docente com base em cinco aspectos: estrutura da carreira do professor, formação continuada, preparação da escola para ser um espaço de formação e aprendizado individual e coletivo, melhoria da atuação das redes de ensino no processo formativo dos professores ao longo de sua vida profissional e, conjugação de políticas que levem, concomitantemente, à responsabilização e motivação do professorado.

Na última seção, os autores escrevem sobre as “Contribuições para o caso brasileiro”, a partir dos principais elementos, desafios e estratégias das reformas docentes tratados nas seções anteriores. A tese principal é que as experiências mais bem sucedidas se baseiam nos referenciais docentes. Estes, devem adquirir um caráter sistêmico mediante uma imprescindível e forte articulação entre os centros formadores, o sistema educacional e as escolas - principal lócus formativo e de desenvolvimento profissional. Também são descritos elementos essenciais da obra, ou seja, os grandes desafios da profissão docente: 1) a articulação do sistema educacional com as escolas e as universidades; 2) a combinação dos processos de desenvolvimento profissional relativos à formação e motivação dos professores com os instrumentos de responsabilização e avaliação docente; 3) a atratividade da carreira e; 4) o estabelecimento de um caráter sistêmico às reformas docentes. O debate está fundamentado no fato de que, as experiências dos países mais bem sucedidos têm como condição indispensável o processo de tornar a questão docente uma prioridade, que envolve tanto as decisões dos governos quanto o apoio das universidades e da sociedade.

O terceiro capítulo, “Profissionalização docente no Brasil: trajetória histórica, principais desafios e agenda de reformas”, é composto por três seções dedicadas a debater o desenvolvimento da profissão, as mudanças recentes na educação e na profissionalização e, o diagnóstico da profissão apontando seus principais problemas e lacunas de pesquisa, possíveis soluções e formas de reconstrução sistêmica do debate.

As análises sobre o percurso histórico permitiram apontar, de maneira muito perspicaz e oportuna, aspectos históricos que ainda tem efeito sobre a questão docente no Brasil: o status da profissão de professor, o abismo entre a atividade de pesquisa e de reflexão pedagógica e a prática do cotidiano docente e, a ausência do fortalecimento institucional da escola. Estes legados corroboram para “frisar aos que querem melhorar a Educação brasileira que a formação e o desenvolvimento profissional docente precisam ter na escola seu ponto central” (p. 91).

Ao colocar em cena as mudanças, as argumentações são baseadas em transformações no que tange as reformas mais amplas que afetaram a profissionalização docente, tais como: a universalização do ensino, a descentralização dos serviços públicos sociais, o financiamento da educação, as avaliações em larga escala e a aprovação da BNCC e, as alterações legislativas e nas políticas públicas. Essas alterações produziram avanços na formação e desenvolvimento profissional docente, mas não esgotaram os desafios.

Por fim, são apontados os principais problemas e lacunas de pesquisa, possíveis soluções e formas de reconstrução sistêmica do debate. Os autores sintetizam temas e instrumentos de políticas públicas e uma visão articulada e sistêmica dos problemas, vinculada a possíveis alternativas de políticas públicas para cada um dos ciclos formativos. De forma perspicaz, são tecidas análises críticas muito oportunas no que se refere a reconhecer os problemas e as limitações do contexto brasileiro, bem como para traçar estratégias e apontar possibilidades para que a formação seja tratada a partir de uma visão sistêmica que efetivamente produza melhorias nas ações docentes e na qualidade educacional.

As considerações finais enfocam uma “Proposta de estratégia de reformas da profissão docente no Brasil”. O ponto de partida é o reconhecimento da complexidade dos processos de reformas educacionais, pois requerem a definição de elementos estratégicos para que tenham êxito. Os autores sinalizam referências para as políticas de reformas que caminham na direção de uma reformulação profunda da profissão que traz necessidades imprescindíveis em cinco âmbitos: a atratividade da carreira, a governança e articulação institucional (o tripé formativo), formação inicial, ingresso na carreira e, o desenvolvimento profissional contínuo, abordados ao longo da obra. Finalizam apresentando sete estratégias para reformular essas questões essenciais na profissão.

O livro traz, para pesquisadores/as e interessados/as nas questões de formação e profissionalização docente, oportunas contribuições para a compreensão histórica da tessitura frágil das políticas educacionais voltadas para a temática no Brasil, especialmente, as formas que estas têm influenciado na agenda educacional e impactado nas reformas e políticas educacionais.

Concorre, também, para o relevo da publicação o debate e as importantes reflexões referentes às estratégias originadas a partir das demandas do contexto contemporâneo, afinal, a referida obra possibilita “reconhecer boas práticas de formação docente no mundo, recupera o histórico da formação de professores no Brasil, propõe ajustes nos âmbitos do governo, da academia, da escola e das redes de ensino” além de “contribuir para a atual discussão nacional, fornecendo mais subsídios para pensar e instituir o necessário aperfeiçoamento da política de formação docente no Brasil” (p. 8).

Mas, a grande originalidade do conjunto dos capítulos está nos esboços traçados para a construção de propostas e estratégias em defesa da formação e profissionalização docente e de uma educação de qualidade. Os escritos ensejam ao leitor o entendimento de que, tomando emprestado os dizeres de Paulo Freire (2014), estamos diante de uma “situação-limite”, é imprescindível e urgente superá-la por meio da conscientização crítica e da criação de estratégias e ações possíveis no momento, mas que, sejam propulsoras das grandes mudanças para superação dos problemas e desafios que se colocam no cenário educacional brasileiro.

É inequívoca a relevância do livro para analisar e combater o movimento refratário das políticas educacionais orientadas por políticas de governo no contexto atual, reafirmar a necessidade de superar heranças históricas do campo educacional, fortalecer o status do professor como legítimo agente de transformação social, indagar sobre as reconfigurações no papel destes profissionais e traçar os caminhos para a consolidação de políticas e uma formação de qualidade no Brasil.

 

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 21. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014.

 

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)