Assédio moral pedagógico como expressão do autoritarismo em sala de aula: percepções de estudantes de engenharia
Pedagogical bullying as an expression of authoritarianism in the classroom
El acoso pedagógico como expresión del autoritarismo en el aula: percepciones de estudiantes de ingeniería
Instituto Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil
acimarney@gmail.com
delpinojc@yahoo.com.br
Recebido em 17 de novembro de 2021
Aprovado em 27 de maio de 2022
Publicado em 27 de junho 2023
RESUMO
O assédio moral pedagógico é um fenômeno complexo das relações de ensino. Esta pesquisa define-o e caracteriza-o como expressão de práticas autoritárias em sala de aula e apresenta às percepções dos estudantes da área de engenharia de uma IES pública da Bahia. Trata-se uma pesquisa qualiquantitativa, exploratória, que utilizou a entrevista individual semiestruturada e a aplicação de questionários como técnicas para a coleta de dados. Participaram da pesquisa 280 estudantes de diferentes cursos da área da engenharia. Para a análise do conteúdo das entrevistas, utilizou-se o método do Discurso do Sujeito Coletivo – DSC. O estudo identificou às percepções dos estudantes quanto à prática do assédio moral pedagógico por parte dos docentes e suas consequências na vida daqueles. Como resultado constatou-se que o assédio moral pedagógico afeta à saúde física, emocional e social, bem como, compromete às condições gerais do corpo e do metabolismo dos estudantes, inclusive, prejudicando a qualidade de vida emocional, psicológica, cognitiva e a capacidade de se relacionar com outras pessoas.
Palavras-chave: Autoritarismo; Assédio Moral; Sala de aula.
ABSTRACT
Pedagogical moral harassment is a complex phenomenon of teaching relations. This research defines it and characterizes it as an expression of authoritarian practices in the classroom and presents the perceptions of students in the engineering area of a public higher education institution in Bahia. This is a qualitative, exploratory research, which used the semi-structured individual interview and the application of questionnaires as techniques for data collection. 280 students from different engineering courses participated in the survey. To analyze the content of the interviews, we used the Discourse of the Collective Subject - DCS method. The study identified the perceptions of students regarding the practice of pedagogical moral harassment by teachers and its consequences in their lives. As a result, it was found that pedagogical moral harassment affects physical, emotional and social health, as well as compromises the general conditions of the body and the metabolism of students, including harming the emotional quality of life, psychological, cognitive and the ability to relate to other people.
Keywords: Authoritarianism; Moral Harassment; Classroom.
RESUMEN
El acoso pedagógico es un fenómeno complejo en las relaciones docentes. Esta investigación la define y caracteriza como expresión de prácticas autoritarias en el aula y presenta las percepciones de los estudiantes del área de ingeniería de una IES pública de Bahía. Se trata de una investigación cualitativa, exploratoria, que utilizó entrevistas individuales semiestructuradas y la aplicación de cuestionarios como técnicas de recolección de datos. En la encuesta participaron 280 estudiantes de diferentes carreras de ingeniería. Para el análisis del contenido de las entrevistas se utilizó el método del Discurso del Sujeto Colectivo - DSC. El estudio identificó las percepciones de los estudiantes sobre la práctica del acoso pedagógico por parte de los docentes y sus consecuencias en sus vidas. Se encontró en la búsqueda que el acoso pedagógico afecta la salud física, emocional y social, además de comprometer las condiciones generales del cuerpo y el metabolismo de los estudiantes, incluso perjudicando la calidad de vida emocional, psicológica, cognitiva y la capacidad de relacionarse con otra gente.
Palabras llave: Autoritarismo; Acoso Moral; Aula.
Introdução
O assédio é uma forma de violência presente em diferentes espaços sociais. O assédio moral por sua vez é uma prática violenta que atenta contra os direitos humanos e fere a dignidade da pessoa humana. Existe um número diminuto de pesquisas relacionadas sobre esse tipo de violência em espaços acadêmicos, sobretudo, investigando suas consequências quando as vítimas são estudantes.
O assédio moral pedagógico caracteriza-se pela submissão da vítima a situações constantes de humilhação e constrangimento. Desta forma é a expressão de atitudes violentas e contrárias à conduta ética. Toda forma de assédio provoca consequências e gera danos na vida das vítimas, repercutindo de forma negativa na vida das pessoas assediadas.
Este artigo define e caracteriza o assédio moral pedagógico relacionando-o à conduta autoritária dos profissionais da educação, no contexto dos espaços acadêmicos. O assédio moral vem sendo discutido no mundo desde meados dos anos 70. Dois nomes fundamentais para o desenvolvimento das pesquisas nessa área são: Heinz Leymann e Marie France Hirigoyen. Com base em suas pesquisas e publicações, o assédio moral passou a ser debatido e pesquisado com maior profundidade e a repercutir com mais intensidade na sociedade (AGUIAR, 2015; HIRIGOYEN, 2002).
No Brasil, uma das primeiras discussões sobre assédio moral, a partir das ideias de Marie-France Hirigoyen, foi relatada em uma reportagem da Revista Isto é, em 14 de julho de 1999, denominada “O império do mal”, de Eduardo Ferraz e Marta Góes, com histórias de vida de vários trabalhadores assediados. Um dos primeiros artigos acadêmicos publicados no Brasil sobre o tema foi: “Assédio moral e assédio sexual: faces do poder perverso nas organizações”, de autoria de Maria Ester de Freitas, no ano de 2001 (AGUIAR, 2015).
Especificamente no Brasil, o assédio moral ganhou relevância jurídica em 1988, quando da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, se estabeleceu a defesa da personalidade como um dos direitos básicos do homem e se tornou constitucional o dano moral. A partir de então, as pesquisas brasileiras têm adotado o termo assédio moral para identificar as condutas abusivas por parte dos empregadores que degradam o ambiente de trabalho e a saúde dos trabalhadores.
Freitas (2021) por sua vez aponta que o assédio moral pedagógico, que ocorre, sobretudo, no espaço acadêmico, é um tipo de violência que se manifesta por meio de condutas abusivas nas relações pedagógicas e processos de ensino e aprendizagem, por razões relacionadas com a práxis adotada nesse ambiente. Afirma ainda que ele acontece principalmente por meio de comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos e omissões, utilizados de diferentes modos para constranger, depreciar, humilhar, subjugar e agredir uma outra pessoa ou grupo, de forma intencional, sistemática e repetitiva, de modo a causar dor e trazer danos à personalidade, à dignidade, à integridade física ou psíquica.
O assédio moral pedagógico que ocorre no espaço acadêmico é um subproduto do assédio moral, com características próprias, direcionadas às relações pedagógicas e aos processos de ensino e aprendizagem, tendo como pressupostos a prática de um ato ilícito por parte do agressor. A ação ou omissão, seja por culpa (negligência, imperícia, imprudência) ou dolo do agente, causa danos à vítima e tem como nexo de causalidade as relações pedagógicas e os processos de ensino e aprendizagem.
Autoritarismo e assédio moral pedagógico
O assédio moral é um tema que começou a ser estudado apenas na década 70 do século XX, embora esta seja uma prática que remonta a própria existência da humanidade. É possível afirmar que o assédio é uma conduta contrária aos valores que regem uma sociedade e por consequência é classificado como atitude antiética. Hirigoyen (2002), que se tornou referência no mundo sobre o tema, define assédio moral no trabalho como:
Qualquer conduta abusiva, manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho (HIRIGOYEN, 2002, p. 65).
Assim, qualquer forma de conduta abusiva que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, de modo a ameaçar seu emprego ou degradar o clima organizacional e o ambiente do seu trabalho, será considerada assédio moral.
Destarte, de modo diferente do assédio moral que ocorre no ambiente laboral, o assédio moral pedagógico, ocorre, sobretudo, no espaço acadêmico ou em outros espaços de ensino. Neste sentido, para Freitas (2021), o assédio moral pedagógico pode ser definido como um tipo de violência que se manifesta por meio de condutas abusivas nas relações pedagógicas e processos de ensino e aprendizagem, por razões relacionadas com a práxis desse ambiente. De igual modo, acontece principalmente por meio de comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos e omissões, utilizados de diferentes modos para constranger, depreciar, humilhar, subjugar e agredir uma outra pessoa ou grupo, de forma intencional, sistemática e repetitiva. Como resultado, causa dor e traz danos à personalidade, à dignidade, à integridade física ou psíquica da vítima.
As vítimas do assédio moral pedagógico podem ser estudantes ou profissionais da educação (docentes, técnico-administrativos e gestores). Neste artigo, optou-se por analisar o assédio moral pedagógico vertical descendente, no qual, o estudante é a vítima e o profissional da educação o agressor. Essa forma de assédio muitas vezes ocorre por conta da confusão que existe entre o que é fazer uso da autoridade docente e o autoritarismo em sala de aula.
O assédio moral pedagógico ocorre, dentre outras razões, por conta da confusão estabelecida nas relações de poder, em especial naquelas que envolvem situações que versem sobre autoridade e autoritarismo, disciplina e indisciplina. Existe uma crença arraigada entre alguns grupos de que a crise de autoridade que o mundo moderno tem enfrentado e o modo como o docente exerce a sua autoridade no espaço acadêmico são, em parte, causas da indisciplina e do fracasso acadêmico dos estudantes.
Neste sentido, existe uma relação entre autoridade e autoritarismo e ambos os conceitos são conexos com às relações de poder estabelecidas no ambiente acadêmico e nos espaços de ensino. A autoridade dos profissionais da educação, em especial dos docentes, tem sido confundida com práticas autoritárias no espaço acadêmico, o que acaba levando docentes a assediarem os estudantes.
Arendt (2016) compreende que o termo autoridade se tornou enevoado por controvérsia e confusão e que pouca coisa acerca de sua natureza parece autoevidente ou mesmo compreensível a todos. Apenas não há dúvida de que é sempre crescente e cada vez mais profunda a crise constante da autoridade que acompanha o desenvolvimento do mundo moderno.
Essa crise, por sua vez, tem natureza e origem no campo político, a partir do momento em que novas formas totalitárias de governo tomaram proveito de uma atmosfera política e social na qual a autoridade do governo não mais era reconhecida. Arendt afirma, ainda, que o sintoma mais significativo da crise “é ter ela se espalhado em áreas pré-políticas tais como a criação dos filhos e a educação, onde a autoridade no sentido mais lato sempre fora aceita como uma necessidade natural” (ARENDT, 2016, p. 78).
Para Morais (2001), a autoridade que o docente recebe da instituição e por meio da qual se encontra designado, em nada se relaciona com traços autoritários. Ela surge do próprio processo educacional, não sendo compatível com uma atividade policial de vigilância, mas sim com a conquista de uma disciplina de vida, que, conjuntamente com esforço, possibilita o equilíbrio, que não pode ter vínculo com o sofrimento e a dor.
Essa autoridade de que o docente pode fazer uso decorre do poder ou das relações de poder ou ainda das relações de força, se considerado o pensamento foucaultiano. Parte também da concepção de que poder é a capacidade do homem dominar outro homem para produzir determinados efeitos e fins, em virtude de relações sociais assimétricas - sejam elas entre indivíduos, grupos ou organizações -, de modo a possibilitar que um dos entes exerça sobre o outro, de forma impositiva, voluntária ou permissiva, o seu controle.
Esse elemento de desequilíbrio que é próprio das relações de poder e faz um ente prevalecer sobre outro pode ser modificado ou até invertido. As relações de poder “são, portanto, relações que se podem encontrar em diferentes níveis, sob diferentes formas; essas relações de poder são móveis, ou seja, podem se modificar, não são dadas de uma vez por todas” (FOUCAULT, 2006, p. 276).
Foucault compreende que o poder traz a ideia de força, visto que é exercido por meio de aparato ideológico, burocrático e bélico, coagindo e fazendo com que os indivíduos se submetam. Para Foucault, as demonstrações de força são amostras do poder soberano, embora ele também compreenda que o poder assume outras formas, como o biopoder e o poder disciplinar. Assim, por meio do poder disciplinar se impõe a disciplina, para fazer com que as pessoas se adequem a uma determinada norma, mas isso de forma sutil, para produzir pessoas obedientes – dóceis. Neste sentido, o poder disciplinar efetivamente é um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como objetivo maior adestrar. Assim, essa disciplina fabrica indivíduos, sendo um tipo de técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício (FOUCAULT, 1999).
Trata-se de um adestramento, que gera uma objetificação. Nas palavras de Foucault há esquemas de poder prontos, e quando se fala em poder, as pessoas pensam imediatamente em uma estrutura política ou em um governo, mas na verdade, as relações de poder permeiam toda relação social (FOUCAULT, 2006).
Assim, toda relação social é atravessada por relações de poder, inclusive a existente entre docente e estudantes, ou seja, essas relações são permeadas por ações para conduzir condutas, de forma a governar o outro, de modo totalizante e individualizante. Assim, existe uma relação de poder entre docente e estudantes, na qual o poder disciplinar é constantemente utilizado. Entretanto, Foucault preconiza que, para haver relação de poder, faz-se necessária a existência de sujeitos livres:
É preciso enfatizar também que só é possível haver relações de poder quando os sujeitos são livres. Se um dos dois estiver à disposição do outro e se tornar sua coisa, um objeto sobre o qual ele possa exercer uma violência infinita e ilimitada, não haverá relações de poder. Portanto, para que se exerça uma relação de poder, é preciso que haja sempre, dos dois lados, pelo menos uma certa forma de liberdade (FOUCAULT, 2006, p. 276).
Isso posto, quando se verifica que um dos sujeitos da relação se encontra amputado de sua liberdade, objetificado em sua subjetividade, não há que se falar em relação de poder, ainda que assimétrica, visto que esse sujeito se encontra exposto a uma violência infinita e ilimitada.
Assim, para que haja uma relação de poder entre docentes e estudantes, é preciso que exista alguma liberdade, do contrário, um ou outro será tratado como objeto, sujeito a toda forma de violência (FREITAS, 2021). No mesmo sentido, para De La Taille (1999), os atos de obediência que têm como base relações de autoridade (por meio do exercício da força e da hierarquia) são legitimados por quem detém o poder, mas não por quem é submetido a elas. Desse modo, não se pode falar em relações de autoridade e poder quando o outro não reconhece a legitimidade do interlocutor.
De acordo com Freitas (2021) compreende-se que a autoridade se apresenta como poder consentido, fruto de uma relação social pactuada, ou seja, ocorre o uso legitimado e racionalmente reconhecido do poder pelo outro, de forma consensual, consciente e pactuada, dentro de limites e responsabilidades. Essa relação consensual pode se dar em decorrência de uma superioridade factual, de conhecimento, de experiência, de postura, de posição de comando ou liderança, de modo que quem exerce o poder não precisa se impor de forma autoritária para obter obediência e submissão, visto alcançá-las de modo voluntário. Essa autoridade, do ponto de vista político, favorece o desenvolvimento democrático, o equilíbrio da sociedade, a homeostase necessária para que a coletividade alcance o bem comum.
Nas palavras de Bedene e Dias (2010, p. 8), “trata-se, portanto, de uma autoridade delegada entre as partes envolvidas diretamente no trabalho.” Essa autoridade deve ser a linha que orienta a constituição da autoridade pedagógica, no espaço acadêmico público. O termo público apresenta-se, nesse caso, como sinônimo de democrático, uma vez que esse espaço deve estar sob o controle da sociedade que é, em última instância, aquela responsável por financiar os sistemas de ensino.
Exercer autoridade pedagógica é, de fato, uma prática complexa e contraditória, visto que, enquanto autêntica autoridade, leva em si, sua própria negação, que é a construção da autonomia do outro. Desse modo, o sentido transformador de autoridade é permitir que o outro seja autor de sua própria vida.
Essa contradição ainda se explica pelo fato de a autoridade permitir que o outro seja autônomo em seu pensamento e em suas ações, assumindo a autoria de sua própria vida e consciência, mas comprometido com a autonomia das demais consciências. Davis e Luna (1991, p. 68) apontam que “este é de fato, o objeto último e maior da autoridade na relação pedagógica: propiciar a construção de uma consciência que a um só tempo é autônoma e compromissada com a autonomia das demais consciências”. Por meio do uso da sua autoridade, o docente trabalha para emancipar o estudante; com autoritarismo só consegue sonegar uma formação autônoma e promover a subserviência da alma.
Destarte, de acordo com Morais (2001), faz-se necessário recuperar o sentido da autoridade nas relações pedagógicas, sem qualquer concessão a policialismo, a autoritarismo, tapume atrás do qual alguma incompetência se esconde. A autoridade do docente nada tem a ver com autoritarismo que é o uso do poder de forma imposta e tirânica, seja de maneira implícita ou explícita, por meio da força, do medo, da chantagem, da coação ou ameaça, independente do assentimento do outro. Isso para obter controle, obediência, submissão, fazendo uso, se necessário, de castigos, insultos, desaprovação e atos que provoquem dor e sofrimento (SCRIPTORI, 2007).
Para Freitas (2021) disciplinar, regulamentar, punir comportamentos e ações são práticas constantes da pessoa autoritária. Já o respeito ao contraditório e à divergência, a abertura para discussões e questionamentos, a negociação e o debate estão entre os atos ignorados por quem é autoritário. Destaca-se que no âmbito das relações de poder no âmbito acadêmico é possível que o sujeito autoritário da relação seja o estudante, embora essa não seja a regra.
Neste sentido, para Paulo Freire, a questão do autoritarismo é sempre atual na prática e na reflexão pedagógica, visto que neste país é preciso deixar claro que a defesa de posições fundamental e autenticamente democráticas nas relações educador-educando não significa nenhum afrouxamento ou negação da indispensável seriedade no ato de conhecer, no qual se devem empenhar educador e educando. A preocupação com a relação educador-educando deve ser de qualquer educador, não importando a posição político-ideológica em que se situe. Obviamente, seu posicionamento não pode coincidir com a compreensão e a prática de um educador reacionário, autoritário (FLEURI, 2001).
Os profissionais da educação assediam seus estudantes por conta da indisciplina? Esta resposta não é tão simples quanto possa parecer. A discussão sobre a disciplina enquanto técnica de governamento e ferramenta de manutenção do poder foi empreendida por Foucault (2004, 2003, 1999), segundo o qual, os estudantes são moldados, docilizados e controlados por meio do saber que a própria escola produz sobre eles. São considerados como boa educação os dispositivos disciplinares, o olhar hierárquico, a vigilância favorecida pela organização, a separação e o distanciamento entre educador e educando.
Desta forma, ao impor disciplina e estabelecer limites, o educador está ensinando, ao educando, ter autocontrole, a ter responsabilidade, a conter o seu ego, a subordinar suas necessidades individuais aos interesses do grupo e a impor limites aos seus impulsos. Exige-se do educador uma postura de comprometimento com a promoção da liberdade do educando, ou seja, reconhecimento pleno de que a sua autoridade está a serviço da formação de um cidadão lúcido, apto a regular sua própria conduta e se posicionar de forma independente e consequente diante das normas constituídas pelo sistema social (DAVIS; LUNA, 1991).
Neste sentido, Piletti (1986) apresenta diferentes processos utilizados por docentes na prática da docência, com objetivo de obter a disciplina em sala de aula: o uso da força – exige disciplina do estudante, fazendo uso de pressões exteriores como castigos e ameaças, o que resulta num estudante que obedece aos regulamentos, segue as ordens, executa os deveres, mas sem nenhum interesse, apenas pensando em se livrar das punições e censuras; o uso da chantagem afetiva – consiste em cativar a amizade do estudante da turma para alcançar a disciplina, que leva o estudante a ter apenas o objetivo de agradar o docente; o uso da responsabilidade – busca desenvolver a responsabilidade do estudante, mas exige, do docente, capacidade para acompanhar o amadurecimento do educando, dentro dos limites da sua maturidade e inteligência, por meio de situações e oportunidades para a autodireção.
Nas relações de poder estabelecidas entre docente e estudantes, o uso inadequado do poder e da autoridade pedagógica favorece a manifestação da indisciplina, a qual possibilita a geração de conflitos. Esses, por sua vez, provocam ações autoritárias do docente, que busca impor disciplina e ordem, e acabam transmutando-se em atos de assédio, situações de importunação e até em assédio moral pedagógico, que é uma forma clara de violência, mas que, por sua engenharia, é sutilmente empregada.
Em um círculo vicioso, a imposição autoritária da ordem e da disciplina causa medo e gera conflito, os quais, por sua vez, comprometem e deslegitimam o poder e a autoridade pedagógica do docente nas relações de poder com os estudantes, o que o leva a prática do assédio, que é uma forma de violência.
Metodologia
Esta pesquisa foi realizada em duas fases, com estudantes dos cursos da área da engenharia, ofertados em uma Instituição de Ensino Superior Pública da Bahia, após autorização da diretoria da IES e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), registrada na Plataforma Brasil sob o nº CAAE: 86958318.4.0000.5310.
Os participantes deste estudo foram selecionados aleatoriamente a partir de alguns critérios preestabelecidos – matrícula ativa em um dos cursos de engenharia da IES, participação voluntária, aceitação do TCLE, dentre outras. Elegeu-se, como amostra, o universo de 280 (duzentos e oitenta) estudantes, de um total de cerca de 800 (oitocentos) matriculados nos diferentes cursos de engenharia ofertados na IES.
Todos os discentes aceitaram participar voluntariamente da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em cada uma das fases da pesquisa, que teve como lapso temporal das ocorrências de assédio moral pedagógico o período compreendido entre o semestre letivo de 2013.1 até 2020.1
Na primeira fase foi utilizado questionário. Gil (2002) o define como a técnica de investigação composta por um conjunto de questões que são submetidas a pessoas com o propósito de obter informações sobre conhecimentos, crenças, sentimentos, valores, interesses, expectativas, aspirações. Sendo que, trata-se do meio mais rápido e barato de obtenção destas. O questionário acadêmico do tipo survey é um instrumento de pesquisa predefinido para coletar e extrair sistematicamente informações relevantes sobre a opinião de determinado grupo, público-alvo de uma pesquisa, de modo a possibilitar a identificação de ações, características, crenças e sentimentos, por meio das questões apresentadas que podem ser abertas, de múltipla escolha ou dicotômicas.
Em relação à segunda fase, a coleta dos dados deu-se por meio da realização de entrevistas. Destaca-se a relevância desse instrumento, uma vez que possui um alto potencial informativo. Para Yin (2001) as entrevistas são fontes essenciais de informação para o estudo de caso e podem assumir diferentes formas. Ainda considerando o método de coleta de dados escolhido para a segunda fase, destaca-se que, para conhecer os discursos dos estudantes, optou-se pela realização de entrevista semiestruturada, que segundo Gil (2002) é uma das propostas mais utilizadas para a coleta de dados quando se trata de um estudo de caso.
Foram sorteados 14 (quatorze) estudantes para participarem das entrevistas, dos 48 (quarenta e oito) que se dispuseram. Esses se disponibilizaram a apresentar suas memórias, sentimentos e relatos e suas contribuições constituíram-se em importantes fontes de informação para este estudo de caso, para a elaboração e análise dos Discursos do Sujeito Coletivo (DSC).
Quanto ao método de abordagem e análise, optou-se pela utilização do método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), com uma abordagem qualiquantitativa. Esse método surgiu nos anos 90, com os pesquisadores Fernando Lefèvre e Ana Maria Cavalcanti Lefèvre, na Universidade de São Paulo (USP), com o objetivo de atender às demandas de pesquisas na área de saúde, dada a grande necessidade de se aperfeiçoar os métodos de análise qualitativa, muitas vezes desacreditados.
O método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) é fundamentado na teoria da Representação Social e parte da análise do material verbal coletado em entrevistas, discursos, ou de textos escritos, sejam eles artigos ou papers. Desse modo, é uma proposta explícita de reconstituição de um ser ou entidade empírica coletiva, preponderante na forma de um sujeito de discurso emitido na primeira pessoa do singular.
Destarte, o DSC constitui um caminho metodológico que se alvitra a contemplar informações comuns a distintos discursos individuais e, a partir daí, a reconstruí-los num único pensamento coletivo, independente e diferente de outros discursos relacionados. Ou seja, ao final da análise das falas individuais, tem-se, como resultado, depoimentos coletivos confeccionados a partir de extratos de distintos depoimentos individuais. Esses depoimentos coletivos escritos na primeira pessoa do singular objetivam produzir, no receptor, o efeito de um posicionamento coletivo (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003, 2006; PAIXÃO et al., 2013).
O Discurso do Sujeito Coletivo - DSC é construído a partir da extração, em cada um dos depoimentos, das Ideias Centrais (IC), das Expressões-Chave (ECH) e das Ancoragens (AC). Esses três itens cooperam mutuamente na composição do discurso do sujeito coletivo (DSC). Nesse sentido, após a análise, o que se busca é conhecer o discurso do sujeito coletivo sobre determinado tema. Para Lefèvre e Lefèvre (2006, p. 518), “o desafio a que o DSC busca responder é o da autoexpressão do pensamento ou opinião coletiva, respeitando-se a dupla condição qualitativa e quantitativa destes como objeto”.
Discussões e Resultados
Dos estudantes matriculados nos cursos de engenharia que se disponibilizaram a participar desta pesquisa, 59,2% se declararam do sexo masculino, 31,7% do sexo feminino, 6,7% não responderam e 2% preferiram não declarar.
Historicamente há uma presença maior de homens nos cursos de engenharia, mas a participação de mulheres vem aumentando a cada ano. A busca por igualdade no mercado de trabalho tem possibilitado que o número de mulheres cresça em cursos das áreas de ciências, tecnologia e engenharia. Em alguns cursos, o número de ingressantes do sexo feminino já supera o masculino, conforme dados do Censo da Educação Superior 2017 (BRASIL, 2017).
Do total de cerca de 800 (oitocentos) estudantes matriculados especificamente nas engenharias, no período estabelecido entre os semestres acadêmicos de 2013.1 e 2020.2, disponibilizaram-se a participar da pesquisa: 96 (noventa e seis) estudantes da engenharia civil, 89 (oitenta e nove) estudantes da engenharia ambiental e 87 (oitenta e sete) estudantes da engenharia elétrica. Do total de 280 (duzentos e oitenta) respondentes, 08 (oito) não identificaram no formulário em qual curso se encontravam matriculados.
Como já apresentado nesta pesquisa, o assédio moral não é um fato novo na história da humanidade, embora alguns o considerem como tipicamente contemporâneo. Nesse sentido, a partir dos dados coletados, foi possível identificar que 57,9% dos estudantes que participaram da pesquisa possuem a percepção de já terem sido assediados moralmente em suas relações pedagógicas, no contexto do curso de graduação, por algum docente ou outro profissional da educação. Dessa forma, praticamente seis em cada dez estudantes já sofreram assédio moral pedagógico na IES pesquisada. Foram exatamente 162 (cento sessenta e dois) estudantes que responderam afirmativamente que já haviam tido a percepção de serem assediados. Do montante pesquisado, 35,9% declararam nunca terem sido assediados e 6,7% deixaram a questão em branco (GRÁFICO 1).
Gráfico 1 – Percepção dos estudantes sobre assédio moral
Fonte: Elaborado pelo autor.
Diante desse quadro, foi possível identificar outras informações complementares por meio do instrumento de coleta. Ao se comparar os dados, identificou-se que, entre os participantes que já haviam se sentido assediados, 41 (quarenta e um) estudantes informaram ter conversado com algum servidor da instituição sobre o fato ocorrido, mesmo sem formalizar oficialmente uma denúncia. Além disso, no levantamento, constatou-se que 13 (treze) estudantes disseram já ter efetuado algum tipo de denúncia formal para algum órgão/setor da instituição. A pesquisa apresentou, ainda, que 25 (vinte e cinco) estudantes relataram que algum órgão da IES foi omisso ou partícipe do(s) fato(s) relacionado(s) ao assédio moral pedagógico. Destaca-se, que apenas 06 (seis) estudantes, dentre os que conversaram com algum servidor ou oficializaram a denúncia, relataram que a resposta e as medidas adotadas pela instituição foram satisfatórias.
O conjunto de atitudes agressivas, comportamentos intimidadores e cruéis, intencionais e repetitivos apresentado acaba por influenciar o desempenho acadêmico dos estudantes e pode gerar um desgaste emocional excessivo, uma mobilização exacerbada das emoções e até uma desestruturação psicológica. O seguinte DSC originou-se dos relatos a respeito das consequências do assédio no desempenho acadêmico (QUADRO 1):
Quadro 1 – Consequências do assédio pedagógico no desempenho acadêmico
QUADRO 1 |
Ideia Central - IC |
Consequências do assédio moral pedagógico e posterior desempenho acadêmico na disciplina. |
Discurso do Sujeito Coletivo - DSC |
Eu sofri muitas consequências. Tive fortes crises de ansiedade, que me faziam deixar de ir para a instituição, às vezes, por mais de uma semana, a desistência de algumas disciplinas, os sentimentos de inferioridade, irritação e tristeza profunda que passei a vivenciar. Eu passei a sentir também cansaço, dificuldade para me concentrar, esgotamento físico e mental, distúrbios no meu sono, falta de apetite, alteração da minha pressão arterial. O meu estado psicológico e emocional ficou balançado e abalado. Com o passar do semestre, eu comecei a ter um agravamento nas crises de ansiedade. Eu digo, o assédio complicou bastante o meu desempenho acadêmico, pois fui muito prejudicado (a) na matéria dele (a) e em outras. Eu passei a sentir bloqueio nas aulas dos (as) docentes que me assediavam. Sim, foi mais de um (a). O meu rendimento caiu muito na disciplina, tive que fazer prova final, repetir a matéria. Estas situações geraram desentendimento entre mim e o (a) professor (a) e acabou por me afetar, comprometeu e prejudicou as minhas notas em outras matérias. A preocupação com as matérias destes (as) professores (as) era muito grande, a ponto de eu estudar muito para elas e pouco para as outras. Eu acabei abandonando outras disciplinas por medo de perder na dele (a). Tenho medo de cursar novamente a disciplina, mesmo que seja com outro (a) professor (a). Foi tão grave o que ocorreu, que a turma quase inteira desistiu da disciplina dele (a) no semestre em que eu cursei. Eu sempre tive notas boas, mas com ele (a) foi um fiasco. O assédio me fez sentir falta da proteção do meu pai, visto que vim para esta cidade para estudar. Minha família e namorado (a) é que me apoiaram e ajudaram. Eu me afastei de quase todos os (as) amigos (as), a vontade era de não manter contato com ninguém. Eu ainda estou tentando superar. Este tipo de tratamento de assédio dele (a) para comigo causou impacto em mim, eu tento me fortalecer, mas não é fácil. Eu o (a) via (a) perguntando coisas para constranger os (as) alunos (as), passei a ficar muito quieto (a). Eu não tive coragem de me matricular na mesma matéria no semestre seguinte, pois sabia que seria ele (a) o (a) professor (a) novamente. Só que isso atrasou toda a minha vida, por causa dos pré-requisitos. |
Fonte: Elaborado pelo autor.
Analisando o discurso coletivo acima, identifica-se incoerência nas relações pedagógicas, autoritarismo, conduta antiética, uso inadequado dos instrumentos pedagógicos e abuso nas relações de poder. A luta pela implementação de uma cultura de educação para os direitos humanos encontra, na prática do assédio moral, um óbice, porque fere princípios de igualdade e justiça e também aceita, tolera e é conivente com o autoritarismo, o rebaixamento e a humilhação. Todas essas condutas tóxicas fazem parte do caminho de atos atentatórios contra a dignidade da pessoa humana, das situações de importunação, até culminar com a prática do assédio moral pedagógico, que colaboram para o comprometimento do desempenho acadêmico dos estudantes. Vencer a prática do assédio moral pedagógico deve ser parte integrante da luta por uma educação de qualidade, pautada nos direitos humanos e referenciada socialmente.
Diante disso, é fundamental entender que todos os sentimentos, sintomas, doenças e transtornos apresentados no DSC refletem a forma como o assédio moral pedagógico interfere na aprendizagem do estudante. Portanto, o assédio desencadeia uma série de consequências no organismo de quem é submetido a ele.
Cabe destacar algumas das consequências que o estudante leva em seu corpo e em sua alma: depressão; angústia; estresse; crises de competência, de insônia e de choro; mal-estar físico e mental; sentimento de culpa e pensamentos suicidas; tentativa de suicídio; sensação negativa em relação aos estudos e ao futuro; tristeza; ataques de pânico; incapacidade crônica de experimentar a alegria em eventos comuns da vida cotidiana; alienação quanto a fazer parte dos grupos sociais; medo; angústia; raiva reprimida; irritação constante; agressividade; cansaço exagerado; indisposição constante; alterações no sono; pesadelos constantes; falta de interesse pelas aulas; dificuldade e diminuição da capacidade de se relacionar com colegas e fazer amizades; isolamento; pouca capacidade de concentração e memorização; aumento de peso; emagrecimento exagerado; mudanças repentinas de humor; conduta violenta; redução da libido; aumento da pressão arterial; tremores e palpitações; problemas digestivos; transtornos graves e até uso e abuso de álcool e outras drogas lícitas e ilícitas.
Aos estudantes também foi perguntado: Quais os piores danos que o assédio moral de um docente pode causar ao aprendizado de um estudante? As respostas permitiram construir o DSC que segue:
Quadro 2 - Piores danos do assédio moral pedagógico ao aprendizado
Ideia Central - IC |
Piores danos do assédio moral pedagógico ao aprendizado. |
Discurso do Sujeito Coletivo - DSC |
Eu entendo que o pior dano é afetar a saúde psicológica, emocional e física do (a) aluno (a), pois a partir daí, não tem como existir aprendizado. A saúde é 0 mais importante e um (a) estudante com a saúde mental afetada é presa fácil para pensar em causar a sua própria morte. Além disso, o (a) estudante emocionalmente abalado sofre com falta de concentração, crises de ansiedade e choro, gastrite, ins6nia, stress e medo. Eu passava mal nos dias das avaliações deste (a) docente. O aprendizado se torna insignificante, 0 rendimento em sala de aula cai, você perde em uma disciplina, depois começa a achar que não é capaz de resolver os problemas e isso acaba resultando na desistência do curso. Outro dano sério ao aprendizado é você ter sua autoestima afetada e passar a conviver com pensamentos de impotência, incapacidade e até de suicídio. A reprovação nas matérias por conta do assédio gera pressão familiar. As famílias gastam para manter o (a) estudante em outra cidade e elas não entendem quando somos reprovados (as), pensam que é porque não estudamos. Isso gera desentendimento familiar e prejudica a aprendizagem. Nossas famílias não sabem o que passamos em sala de aula. Existe uma pressão familiar para que se conclua 0 curso dentro do período regular, porque os gastos comprometem a renda das nossas famílias. Eu entendo que medo é um grande dano para o aprendizado. Temo ocorrer tudo novamente com outro (a) professor (a) e ser jubilado (a) e perder o meu sonho de me formar em engenharia. |
Fonte: Elaborado pelo autor.
Os estudantes apontaram o assédio moral pedagógico como uma prática autoritária, que dentre os piores danos para o aprendizado de um estudante, podem ser elencados: afetar a sua saúde emocional, física e psicológica. O conceito de saúde adotado nesta pesquisa é o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou em 1947: “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Assim, de acordo com a OMS, estar saudável é gozar de saúde física (condições gerais do corpo e do metabolismo), saúde mental (qualidade de vida emocional, psicológica, cognitiva) e saúde social (capacidade de se relacionar com outras pessoas e viver bem em sociedade).
Esse estado de pleno bem-estar físico, mental e social é criticado por algumas correntes da saúde, sendo que os críticos apontam seu caráter utópico e inalcançável. No entanto, ele foi adotado nesta pesquisa por estar alinhado ao modelo holístico, que reforça a conotação positiva da saúde.
Diante dessas informações, é possível afirmar que o assédio moral pedagógico afeta as três esferas da saúde dos estudantes. O corpo físico começa a apresentar sinais de que está sendo afetado, passando a sofrer com tremores e palpitações cardíacas, dores musculares e nas articulações, aumento na pressão arterial, taquicardia, falta de apetite, dores diversas no corpo, aumento de peso, emagrecimento exagerado, problemas digestivos, cansaço exagerado, insônia.
De igual modo, a saúde mental também passa a sofrer as consequências, seja por meio de crises de choro, tristeza, ataques de pânico, reações de medo, incapacidade crônica de experimentar a alegria em eventos comuns da vida cotidiana, falta de iniciativa, melancolia, confusão mental, sentimento de culpa e pensamentos suicidas, sensação negativa em relação aos estudos e ao futuro, insegurança e mudanças repentinas de humor.
Por consequência, a saúde social do estudante acaba por ser comprometida e ele passa a ter dificuldade para relacionar-se com colegas e professores, muitas vezes isolando-se do convívio com o grupo. Outro ponto importante é que muitas vezes os resultados ruins decorrentes do assédio acabam por influenciar a relação do estudante com sua própria família e pessoas que, em regra, costumam apoiá-lo, como colegas, amigos (as), namorados (as) e noivos (as). Isso acaba sendo muito perigoso porque o estudante, que já se encontra fragilizado, muitas vezes morando distante de pais e familiares, por conta de seus fracassos acadêmicos acaba tendo problemas com aquelas pessoas que poderiam lhe dar suporte e apoio. O quadro de isolamento social é perigoso para o desencadeamento de estresse, depressão e tentativas de suicídio.
Com relação às implicações do assédio moral na aprendizagem, tem-se que, enquanto forma de violência, afeta a saúde em todos os níveis: causa falta de concentração; desencadeia a falta de desejo por frequentar às aulas; torna o aprendizado insignificante; desenvolve sentimentos de incapacidade na vítima; e desperta o desejo de desistência do curso.
Nesse sentido, dentre as múltiplas implicações do assédio na aprendizagem do estudante, destaca-se a figura do medo, visto que esse tipo de emoção tende a permanecer no comportamento do jovem, mesmo quando não houver mais o perigo. No cérebro do estudante que sofre com situações de medo e ameaça, a habilidade de suprimir essa resposta emocional é baixa, por consequência, eles tendem a sofrer mais com crises de ansiedade. Com a atitude autoritária que gera o assédio moral pedagógico, a aprendizagem se corrompe, gerando uma zona de conflito e bloqueio para o estudante, enquanto o ato de aprender precisa ser livre, espontâneo e encontrar um ambiente saudável para às emoções.
Considerações finais
O mundo do trabalho está cada vez mais competitivo, a figura e a autoridade do docente menos prestigiada, as frustrações pessoais dos profissionais da educação com a pouca valorização social da área da educação só aumentam, a precariedade dos contratos de trabalho é uma realidade, a redução de direitos trabalhistas e previdenciários com às recentes reformas previdenciária e trabalhista impactam a vida dos educadores, o aumento no volume de trabalho e o estresse laboral são algumas das situações que contribuem para que o ambiente acadêmico seja propício à prática do assédio moral pedagógico. No entanto, esse emaranhado de situações complexas não podem ser usados como justificativa para práticas autoritárias, que se constituem em violência.
O assédio moral pedagógico, como forma de expressão do autoritarismo em sala de aula é percebido pelos estudantes, sobretudo, por meio de comportamentos como: abandono do trabalho em sala de aula; acusação agressiva e sem provas; agressão verbal; ameaça aos estudantes; assédio sexual; comentários depreciativos, desinteresse e omissão; exposição a situações vexatórias; invasão de privacidade e intimidade; isolamento, exclusão e recusa de comunicação; isolamento, exclusão e recusa de comunicação; linguagem abusiva; rebaixamento da capacidade cognitiva do estudante; recusa em realizar o trabalho docente adequadamente; tratamento com parcialidade; tratamento discriminatório e preconceituoso; cyber assédio moral pedagógico por meio do uso das tecnologias da informação e comunicação (TICs); uso inadequado de instrumentos pedagógicos. Houve também a citação de agressão física, embora nenhum estudante tenha sido efetivamente vítima ou tenha testemunhado fato desta natureza.
Alguns aspectos observados a partir do discurso do sujeito coletivo que favorecem o assédio moral pedagógico no espaço acadêmico foram: autoritarismo, cultura organizacional propícia, conivência, corporativismo, paternalismo, descaso, morosidade e naturalização da violência.
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