Violência Simbólica e Práticas Escolares: um estudo com crianças indígenas
Symbolic Violence and School Practices: a study with indigenous children
Roberto Sanches Mubarac Sobrinho[1]
Professor doutor na Universidade do Estado do Amazonas. Manaus, Amazonas, Brasil.
rsobrinho@uea.edu.br - https://orcid.org/0000-0003-4893-0883
Recebido em 08 de novembro de 2021
Aprovado em 11 de março de 2022
Publicado em 16 de abril de 2022
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar uma reflexão acerca do trabalho de pesquisa etnográfica realizada em uma comunidade indígena na cidade de Manaus/Amazonas/Brasil, e em duas escolas públicas que atendem um grupo de 12 crianças da etnia Sateré-Mawé, residente na zona urbana da cidade. A pesquisa teve no cotidiano das crianças e na observação das práticas pedagógicas dos professores e do currículo escolar seus elementos principais de análise. Como base de fundamentação mais abrangente, procuramos trabalhar com o conceito de Violência Simbólica em Pierre Bourdieu, entrecruzando e relacionando-o com as vozes dos professores e das crianças “geradas” durante o processo da pesquisa de campo, tanto na comunidade indígena quanto na escola, o que nos possibilitou um olhar mais vigilante sobre esse grupo social da infância, e as práticas educativas destinadas a ele, em que a Violência Simbólica se faz bastante presente.
Palavras-chave: Práticas Escolares; Crianças Indígenas; Violência Simbólica.
ABSTRACT
The objective of this article is to present a reflection on the work of ethnographic research carried out in an indigenous community in the city of Manaus/Amazonas/Brazil, and in two public schools that serve a group of 12 children of the Sateré-Mawé ethnic group, residing in the urban area of the city. The research was in the children's daily life and in the observation of the pedagogical practices of the teachers and the school curriculum its main elements of analysis. As a more comprehensive foundation, we sought to work with the concept of Symbolic Violence in Pierre Bourdieu, intertwining and relating it to the voices of teachers and children “generated” during the field research process, both in the indigenous community and in the school, which allowed us to take a more vigilant look at this childhood social group, and the educational practices aimed at it, in which Symbolic Violence is very present.
Keywords: School Practices; Indigenous Children; Symbolic Violence.
Introdução
O trabalho educativo e de pesquisa com crianças, seja na área da Educação ou nas diversas áreas das Ciências Sociais, envolve dimensões e cuidados[2] extremamente importantes que deverão nortear o processo de planejamento, execução e avaliação da ação do professor/investigador. Neste texto, procurarei discutir tais preocupações, focalizando, para tanto, como categoria chave das reflexões aqui propostas, o conceito de Violência Simbólica em Pierre Bourdieu, as contribuições que o autor pode trazer a esse processo ainda cheio de lacunas e as vozes dos professores e das crianças Sateré-Mawé, “geradas”[3] no contexto da pesquisa.
Tomarei como base para os argumentos aqui esboçados, além das formulações do autor e de seus seguidores, a pesquisa de cunho etnográfico que foi realizada durante o período de oito meses, junto a 12 crianças da etnia Sateré-Mawé[4], na zona urbana da cidade de Manaus-Amazonas-Brasil, e um processo de observação durante dois meses, que se deu em duas escolas das redes Estadual e Municipal de Educação. Esses pressupostos constituem-se como pontos de proximidade aos princípios da sociologia de Pierre Bourdieu, quais sejam: a pesquisa empírica e a formulação epistemológica.
Durante a pesquisa foi realizado um processo de entrada no campo, primeiramente na comunidade onde as crianças moravam e, posteriormente, nas escolas em que estudavam, abrindo possibilidades de confrontamento entre as práticas pedagógicas desenvolvidas e a realidade dos seus contextos próprios. Isso nos possibilitou o desvelamento de uma série de questões que transitam entre o “dito e o não-dito”[5] e nos fez entender de forma mais clara a dimensão de situar contextualmente nosso estudo.
Para Graue e Walsh (2003, p. 25):
Um contexto é um espaço e um tempo cultural e historicamente situado, um aqui e agora específico. É o elo de união entre as categorias analíticas dos acontecimentos macro-sociais e micro-sociais. O contexto é o mundo apreendido através da interacção e o quadro de referência mais imediata para actores mutuamente envolvidos.
Essas incursões foram movidas pela possibilidade de conhecer a realidade das crianças Sateré-Mawé de forma mais aprofundada, visando uma imersão nos seus universos infantis, o que contribuiu para o reconhecimento desse grupo social da infância e das crianças enquanto agentes sociais[6]. Pois “[...] pensar as crianças sem tomar em consideração as situações da vida real é despir de significado tanto as crianças como as suas acções” (Idem, 2003, p. 26).
Desta maneira, à medida que as leituras foram aflorando e as vozes dos professores e das crianças iam compondo o cenário da pesquisa, o contexto das discussões foi ganhando um contorno cada vez mais aprofundado e uma série de desafios foram se pondo no sentido de entender o que fazer com a grande quantidade de “dados”[7] acumulados no processo de ida aos “espaços próprios” das crianças. Neste sentido, as reflexões de Miceli (2004, p. LX), ao citar Bourdieu, foram fundamentais nesse processo de tomada de compreensão.
Os discursos, os ritos e as doutrinas constituem não apenas modalidades simbólicas de transfiguração da realidade social, mas, sobretudo ordenam, classificam, sistematizam e representam o mundo natural e social em bases objetivas e nem por isso menos arbitrárias.
Assim, efetivamente, a tentativa de compreensão das implicações e efeitos da Violência Simbólica na cultura e na linguagem das crianças Sateré-Mawé deve considerá-los como mecanismos formais e informais cujas capacidades geradoras são ilimitadas. Parafraseando Bourdieu, passamos a evidenciar que o uso que se faz da língua depende diretamente da distribuição dos capitais mobilizados e, por conseguinte, do acesso à aquisição de outros elementos desses capitais e da própria fração de classes da qual esses agentes fazem parte.
Logo, as análises de Bourdieu nos ajudaram a pensar essa relação arbitrária estabelecida pela escola quanto à utilização da linguagem e da cultura tradicional do povo Sateré-Mawé, tomando por base a invisibilização dos seus jeitos próprios de expressar os saberes advindos dos seus cotidianos, tornando-os ilegítimos. Logo;
A seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe como sistema simbólico é arbitrária na medida em que a estrutura e as funções desta cultura não podem ser deduzidas de qualquer princípio universal, físico, biológico ou espiritual, não estando unidas por nenhuma espécie de relação interna com a ‘natureza das coisas’ ou com uma ‘natureza humana’ (BOURDIEU. In: MICELI, 2004, p. XXVI.).
Foi a partir dessa “teia de relações”[8] que surgiram nossas questões centrais de análises e que desvelaram, em muitos sentidos, a força que a Violência Simbólica tem na formação das crianças e o imponente papel massificador das relações sociais de poder que a mesma vai imprimir no processo de (des)socialização escolar da infância desse grupo.
Desta maneira, a escola, aqui identificada – pelos Sateré-Mawé – como “a escola do branco”, onde seus filhos estudam e eles depositam muitas esperanças. É o lugar do conhecimento, dos saberes instituídos como legítimos, dominantes, verdadeiros e que, como analisaremos posteriormente, tende a invisibilizar a condição de serem indígenas e opera, como nos afirma Bourdieu (2007, p. 11), produzindo um arsenal ideológico de maneira simbólica, em que “[...] a cultura que une (intermediário de comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas[...]”.
Porém, antes de entrarmos no escopo da pesquisa e tentarmos trazer, a partir das vozes dos professores e das crianças, essa violência tão presente, e ao mesmo tempo ausente – pela supressão das falas –, buscaremos fundamentar alguns conceitos que iluminaram nossas análises, assumindo o risco de não dar conta de tal tarefa, uma vez que o vasto referencial produzido por Bourdieu não se aplica de forma tão sucinta. Mas queremos, pelo menos, categorizar algumas de suas reflexões que aqui faremos nossas e que servirão de base teórico-metodológica para nossas análises.
Algumas bases conceituais sobre Violência Simbólica e a Educação Escolar
O tema da violência é bastante recorrente na literatura, tendo por muito tempo tido nas ciências da saúde, e mais especificamente na psicologia, seus marcos balizadores. Porém, o conceito de Violência Simbólica, que utilizaremos nesta análise, é elaborado por Bourdieu para descrever o processo pelo qual a classe que domina econômica e socialmente se impõe e reproduz seus mecanismos de ação, percepção e julgamento aos dominados. É um processo relacional, mas que tem na reprodução a garantia da manutenção da estrutura social dominante, frente aos costumes e tradições desse povo indígena efetivado pelo trabalho escolar.
Ao explicitar tais questões, Bourdieu nos alerta para o desconhecido, pois mesmo diante de todo esse aparato que surge da ação escolar, o sentido étnico no modus operandi do grupo contribui contrariamente para que muitas dessas imposições não se perpetuem na realidade da comunidade e na formação das crianças. Assim nos explica que:
Se é verdade que o real é relacional, pode acontecer que eu nada saiba de uma instituição acerca da qual eu julgo saber tudo, porque ela é fora das suas relações com o todo […]. Isto terá como consequência que quase sempre nos acharemos expostos à alternativa da análise intensiva de uma fração do objeto praticamente apreensível e da análise extensiva do objeto verdadeiro. (BOURDIEU, 2007, p. 31).
O autor parte do princípio de que a cultura é arbitrária, uma vez que não se assenta numa única realidade, que por sua vez é também arbitrária. Assim, o sistema simbólico de uma cultura específica é uma construção determinada e sua manutenção é fundamental para a perpetuação dessa sociedade, através da interiorização da cultura por todos os membros da mesma, o que ele vai denominar de “Arbitrário Cultural”[9]. Assim o uso da Violência Simbólica constitui-se fator fundamental para essa manutenção.
A violência simbólica como constrangimento pelo corpo. Para que a dominação simbólica funcione é necessário que os dominados tenham incorporado as estruturas segundo as quais os dominantes os apreendem; que a submissão não seja um ato de consciência susceptível de ser compreendido na lógica do constrangimento ou na lógica do consentimento (BOURDIEU, 2007, p. 231).
Devido à realidade sócio-econômica presente no contexto atual, entre outros fatores, os pais vêm se distanciando cada vez mais do papel de educar seus filhos, reduzindo significativamente a idade que vão para a escola. Isto também foi evidenciado na pesquisa pela presença de 03 crianças Sateré-Mawé, de 04 e 05 anos, que já estão frequentando uma escola de educação infantil. Isso, no caso desse grupo de crianças, é extremamente forte e marcante pelo processo de negação de seus valores culturais. É dessa maneira que, segundo Bourdieu (1982, p. 21):
A ação pedagógica escolar que reproduz a cultura dominante está contribuindo desse modo pra reproduzir a estrutura das relações de força, numa formação social onde o sistema de ensino dominante tende a assegurar-se do monopólio da violência simbólica legitima. (grifo meu para ordenar ao sentido do texto).
Assim, ao focalizarmos o grupo das crianças Sateré-Mawé, constatamos que este problema é ainda mais presente, pois o cotidiano das mesmas se distancia muito mais do conteúdo do trabalho escolar. Na escola diz-se que é importante estudar para ter uma profissão, para "ser alguém na vida". No entanto, para os Sateré-Mawé, a concepção de trabalho é completamente diferente desta aplicada na escola, além da própria forma de conceber o mundo e as relações entre as pessoas.
As crianças são tratadas na comunidade como membros ativos que participam das atividades e têm garantido seu espaço de brincar e de partilhar as experiências do dia a dia com todos os membros. Já na escola a imposição de regras e a definição de papeis sociais, intensifica a negação da condição de serem diferentes.
Neste sentido, um duplo paradoxo se apresenta na realidade pesquisada o que norteou o processo de discussão do texto, pois as crianças, nestes dois contextos, reproduzem, traduzem e são produtoras de culturas infantis próprias. Logo, os paradoxos podem ser assim caracterizados: um pela cultura da escola ou cultura escolar, que as enquadra no “oficio[10]/invenção do aluno[11]” e o outro, o cotidiano da comunidade, que permite que vivam intensamente, na compreensão indígena, a infância.
Segundo Forquim (1993, p. 167) cultura escolar representa “O conjunto de conteúdos cognitivos e simbólicos que selecionados, organizados, ‘normalizados’, rotinizados, sob efeitos de imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas.” Já ao caracterizar a cultura da escola o autor afirma que “A escola é também ‘mundo social’, que tem suas características de vida próprias, seus ritmos e seus ritos, seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de símbolos”.
Este é um debate de extrema impontância para o trabalho educativo, pois é no entrecruzamento da cultura escolar e da cultura da escola, que podem ser efetivadas novas práticas educativas que possam se contrapor a uma visão homogeneizadora da infância, que tende a tranformar as crianças em alunos. É a respeito deste primeiro paradoxo, que Sacristán (2005, p. 14), ajuda-nos a pensar nesta “metaformose” empreendida pela escola:
É possível instituir que, em torno da categoria aluno, formou-se toda uma ordem social na qual se desempenham determinados papéis e se configura um modo de vida que nos parece muito familiar porque estamos acostumados a ele. Essa ordem propicia e “obriga” os sujeitos nela envolvidos a serem de uma determinada maneira. Eles pensam, sentem, se entusiasmam, se inibem e se relacionam, tem uma vida pessoal e familiar, uma história, um convívio de vida e um futuro […] A evolução da infância como categoria social foi delineada, primeiro, como o reconhecimento, a definição, o desenvolvimento e a avaliação da criança e, subsequentemente, de acordo com as invenções dos adultos para facilitar seu desenvolvimento.
Assim sendo, ao nos depararmos com esses dois templos sagrados e paradoxais, é que descortinamos nossa caminhada, uma viagem cheia de nuances míticas, de imaginários, de representações, de expressões do cotidiano, que deverão, aqui, ser mediadas pelos pressupostos de várias ciências humanas e sociais, buscando uma análise que não se cristalize na visão hegemônica e homogeneizadora de mundo, e que busque se aproximar do universo indígena, conferindo-se reconhecimento social, o que nos exigiu uma “vigilância epistemológica”[12] quase que diuturna.
Vozes das crianças: a Cultura Sateré-Mawé e a Violência Simbólica na escola
Os Sateré-Mawé concebem a infância como uma fase fundamental à preservação da cultura de seu povo. Aqui se reflete de forma muito efetiva o sentido da etnicidade que os envolvem, pois, apesar de estarem na cidade e conviverem com diversos elementos da cultura que os rodeia, esse povo indígena mantém vivo o sentimento de pertença ao seu grupo de origem, mesmo com traços culturais que se modificaram.
A esse respeito, Cunha (1986, p. 101) afirma que:
A construção da identidade étnica extraí assim, da chamada tradição, elementos culturais que, sob a aparência de serem idênticos a si mesmos, ocultam o fato essencial de que, fora do todo em que foram criados, seu sentido se alterou. Em outras palavras, a etnicidade faz da tradição ideologia, ao fazer passar o outro pelo mesmo; e faz da tradição um mito na medida em que os elementos culturais que se tornaram ‘outros’ pelo rearranjo e simplificação a que foram submetidos, precisamente para se tornarem diacríticos, se encontram por isso mesmo sobrecarregados de sentido. Extraídos de seu contexto original, eles adquirem significações que transboram das primitivas.
Começamos por ouvir as crianças acerca de dois elementos que consideramos essenciais para compreender os seus jeitos de viver a infância: o ser criança e o brincar. Antes, porém, é preciso que fique claro que a concepção de infância para os Sateré-Mawé é definida pela existência de um ritual de transitoriedade, que demarca de forma muito clara o mundo infantil e o mundo adulto. O ritual da Tucandeira[13], do qual apenas os curumins (meninos) podem participar, vai ser o balizador do fim da infância e o começo da preparação para exercerem papeis sociais que somente os adultos podem exercer. Segundo Cohn (2005, p. 09), “[...] não podemos falar de crianças de um povo indígena, sem entender como esse povo pensa, o que é ser criança e sem entender o lugar que elas ocupam naquela sociedade”.
Logo, sob o ponto de vista das crianças Sateré-Mawé, a infância e o ser criança podem assim definidos:
“Ser criança é muito bom, nós podemos correr, brincar, fazer um monte de coisas...” (Raquel, 09 anos).
“Eu gosto de ser criança, de ser menino, mas quando eu puser as mãos na luva das tucandeiras já vou ser homem” (Gabriel, 7 anos).
“Não sei por que as meninas que moram aqui perto da nossa casa, aquelas que não são índias, fazem um monte de coisas que nós não fazemos... acho que as mães delas é que mandam” (Taíza, 12 anos).
“É bom ser criança por que a gente não tem que ter filho, só de brincadeira” (Talice, 9 anos).
Uma análise mais detalhada que se prenda em determinados trechos das falas das crianças nos conduzirão ao desvelamento mais específico dessa transição entre os processos vividos no espaço urbano e os elementos da cultura dos Sateré-Mawé. A educação neste sentido é entendida como uma ação que ultrapassa os espaços escolares e se efetiva como a totalidade das experiências vivenciadas pelas crianças nos diversos contextos em que convivem.
Um exemplo bem claro dessa situação pode ser visto na fala de (Taíza, 12 anos), principalmente quando nos diz: “acho que são as mães delas que mandam”. Com essa afirmação aparece muita marcada a relação de poder que se estabelece em nossa sociedade onde os adultos determinam o que as crianças têm que fazer. Para os Sateré-Mawé isso é algo que causa estranheza, pois as crianças costumam fazer o que elas querem e não o que os outros, mesmo sendo os seus pais determinam.
São elas que definem como vão brincar, de que vão brincar e a hora que querem fazer essas e outras atividades. A intervenção dos adultos acontece de forma mais corriqueira, fazendo parte do cotidiano das relações estabelecidas entre eles sem imposições. Eles dialogam com as crianças e procuram definir com elas como se dá a forma como irão vivenciar as atividades do cotidiano.
É importante, porém, destacar que há algumas atividades em que as crianças não podem participar, pois a tradição define como sendo exclusivas dos adultos. Logo elas vivenciam essas atividades de longe, mas as reinventam como maneiras de representá-las. A forma de concretizar essa relação está no caráter de simbolizar e ressignificar para poder fazê-las, mas de fato elas não participam é o caso dos rituais transitórios e as questões mais voltadas ao trabalho que gera renda.
Para Bourdieu (2007, p. 10):
Os símbolos são os instrumentos por excelência da integração social enquanto elementos de conhecimento e de comunicação [...] eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração lógica é a condição da integração moral.
Assim, a infância, para as crianças Sateré-Mawé, é um grande universo de aprendizagens, de liberdade, de escolhas e, sobretudo, de possibilidade de viver as mais diversas expressões do seu cotidiano. Os pais falam das crianças com um respeito que nos faz desejar aprender a lidar com o mundo infantil da maneira deles. Elas são como nos disseram “artesãs do futuro”[14], que irão garantir a existência do seu povo. Nas palavras do cacique[15] “... uma criança é o nosso maior tesouro, cada parente que nasce aqui para nós é sinal que Tupaná está nos dando mais vida e alegria, por isso fazemos muita festa para festejar quando uma das nossas mulheres tem criança”.
Apesar do estado de grande pobreza pela qual passa a comunidade e pelas precárias condições de vida, eles oferecem o que podem às suas crianças, tudo o que eles possuem é dividido com elas e entre elas, não importa o que seja, mas é preciso que as crianças possam se alimentar.
Vivenciamos algumas situações em que só havia farinha de mandioca para comer. As mães misturavam com água e faziam o “Chibé” para que as crianças não passassem fome. Primeiro comiam as crianças e, quando sobrava alimento, os adultos iam dividindo entre eles. Assim, fica evidenciada a ausência de políticas públicas e o total descaso do Estado com um dos direitos mais essenciais das crianças, a comida, o que se caracteriza como uma “violência simbólica estatal”.
O saber da cultura Sateré-Mawé e o saber “legítimo” da escola: onde as fronteiras se distanciam.
A ideia de fronteira, entendida na sua mais forte polissemia, tem oferecido, na visão de Barth (1998, p. 189), “[...] uma importância primordial ao fator de que os grupos étnicos são categorias de atribuições e identificações realizadas pelos próprios atores”. Seguindo a visão deste autor, passamos a estabelecer as nossas discussões a respeito das noções de fronteiras, que são fundamentais para o entendimento dos processos culturais que envolvem a vida dos Sateré-Mawé no espaço urbano.
Sendo assim, as culturas passam a ser percebidas em suas transformações e não em sua suposta integridade, pois o que as diferencia é o modo como se defrontam e como se transformam com as distintas realidades. Neste sentido, Barth (Idem, p. 195) afirma que “[...] a fronteira étnica canaliza a vida social – ela acarreta de um modo frequente uma organização muito complexa das relações sociais e comportamentais [...] que se reconheçam limitações na compreensão comum, diferenças de critérios de julgamento, de valor e de ação...”.
No caso da relação entre as culturas escolares e a cultura do povo Sateré-Mawé, foi constatada, durante a pesquisa de campo, que ao invés de serem concebidas como fronteiras onde se deveriam estabelecer um diálogo profícuo para se garantir o sentimento de pertença, as mesmas, principalmente determinadas pela cultura legitimada pela escola, tendem a conceber as crianças Sateré-Mawé como “tábulas rasas”, como se elas, ao adentrarem no ambiente escolar, viessem completamente desprovidas de um saber capaz de ser articulado aos conteúdos da escola, manifestando-se com processo de Violência Simbólica.
Assim, de acordo com Bourdieu (2007), a homogeneidade cultural resulta muito mais de um processo de criação coletiva e de constituição de um significado coletivo, do que de fatores determinantes a que usualmente se recorrem para a identificação de um grupo étnico. Pode-se afirmar, então, que o ato de partilhar uma determinada cultura é o resultado muito mais da organização de tal grupo.
Neste sentido, as crianças na comunidade possuem uma capacidade de criação e recriação das diversas situações do cotidiano, inclusive ressignificando costumes que somente os adultos podem realizar, mas que elas os fazem simbolicamente[16]. Como no caso do Ritual da Tucandeira, que representa todo um contexto de status social e de passagem, que irá marcar definitivamente o mundo infantil do mundo adulto. Elas o vivenciam desenhando, cantando, transformando objetos (como sacos plásticos ou de papel) que estão ao seu redor em luvas e, como maneira de se sentirem presentes nesse momento tão importante para o seu povo, (re)criam suas próprias canções a partir das músicas que são utilizadas no período do ritual.
Logo, não lhes falta criatividade e capacidade inventiva, ao contrário, elas muito sabiamente ressignificam essas funções, transformando-as em culturas infantis. Sabem desenhar muito bem e ainda contam histórias, falam de situações do cotidiano, escrevem - às vezes em português, outras vezes em Sateré-Mawé - e procuram fazer de cada momento vivido um espaço de aprendizagens constantes.
Ao chegarem nas escolas, essas riquíssimas experiências do cotidiano são desconsideradas, pois como não se enquadram nos conteúdos “legítimos”, não representam uma possibilidade de serem abordadas ou utilizadas como elementos contextualizadores de aprendizagens que possam se tornar mais significativas para elas e ampliar a possibilidade das outras crianças em conhecer a cultura desse povo indígena.
É neste sentido que, para Forquin (1993, p. 166):
[...] a razão pedagógica é essencialmente normativa e prescritiva, sua tentação natural é o universalismo, compreendido aí no que isto pode comportar por vezes de segurança de si etnocêntrica, sua postulação normal é uma certa espécie de idealismo prático.
Observamos um trabalho que foi realizado pela professora do segundo ano do ensino fundamental em relação à leitura e escrita de palavras, que representa bem a visão da escola criticada pelo autor. Nas observações de campo relatadas a seguir fica explicitada a forma preconceituosa presente nas suas práticas.
A professora, como definido no plano de aula, distribuiu uma quantidade de figuras para as crianças e pediu que as mesmas as identificassem e, logo em seguida, escrevessem os nomes que representavam cada uma. As duas crianças Sateré-Mawé que estudavam na turma fizeram o que foi solicitado, porém, em algumas das figuras, escreveram os nomes em Sateré, pois não sabiam escrevê-los em português. A professora, imediatamente, disse que os nomes estavam errados e que aquelas palavras não tinham sentido nenhum.
Não houve sequer um diálogo com as crianças para buscar uma compreensão daquilo que estavam escrevendo. Simplesmente se considerou errado e sem valor para a escrita convencional da escola. Para tornar a situação ainda mais constrangedora para as crianças, a professora pegou o caderno onde se encontravam suas escritas e mostrou para a turma toda como forma de demonstração da incapacidade de acompanhar o desempenho dos demais alunos. Ela assim relatou sobre a produção das duas crianças:
“Vocês duas aí, não sabem escrever nada, nem sei por que já estão na segunda série. Esse monte de coisas que rabiscaram no papel não tem sentido nenhum, eu expliquei que era para escrever o significado de cada figura e esses ‘garranchos’ que escreveram não servem para nada”. (Professora, Clara)[17]
Além de provocar constrangimento para as crianças, desqualificou completamente o processo de escrita que as mesmas tinham feito, pois quando fomos indagar o que estava escrito abaixo de cada figura, elas nos afirmaram terem escrito na língua da comunidade e depois explicaram o significado em português, que era exatamente aquilo que as figuras representavam. Essa situação exemplifica bem o modelo hegemônico que marca a ação pedagógica, que não considera a possibilidade de outras formas de linguagens, senão aquelas que já estão programadas nos planos da escola.
Evidencia-se com clareza o despreparo e descaso deste professor com o conhecimento que as crianças Sateré-Mawé trazem da sua experiência cotidiana e dos saberes adquiridos no seu grupo étnico. Por isso, a prática pedagógica pauta-se na visão que reforça a exclusão, a discriminação e busca determinar o papel de cada ser/aluno no contexto da sociedade urbana, como sendo a única referência possível. Um saber etnocêntrico que cada vez mais se perpetua na ação escolar e que expõe, de forma cruel, as crianças a processos contínuos de exclusão.
Para Forquin (1993, p. 169):
A desigualdade de resultados e a diferenciação de curso dos diferentes grupos de crianças dever-se-iam ao fato de que a escola se obstinaria em querer transmitir uma cultura com valor de distinção e com finalidade discriminatória, uma cultura desprovida de universalidade, aberta ou hipocritamente de acordo com os hábitos e valores de grupos sociais particulares.
A escola deveria representar, para as crianças indígenas, uma grande possibilidade de aprenderem os conhecimentos necessários para o relacionamento com a sociedade envolvente, e que garantissem continuar sobrevivendo ao contato, que é cada vez mais intenso, principalmente por estarem no espaço urbano. No entanto, as escolas pesquisadas agem de maneira completamente oposta à constituição dessas possibilidades, contribuindo para a desvalorização da cultura Sateré-Mawé e a supervalorização da cultura urbana, que visa massificar esses grupos minoritários e invisibilizá-los.
Outra situação, vivenciada na aula de matemática da professora do quarto ano do ensino fundamental e relatada por uma das crianças Sateré-Mawé, representa bem o distanciamento que a escola promove entre os saberes. A matemática, na visão da professora, é uma ciência que possui apenas uma única possibilidade de se chegar a um resultado.
A professora escreveu no quadro quatro atividades com conteúdos vinculados à adição, à subtração, à divisão e à multiplicação. Uma das questões tinha o seguinte enunciado: “Uma passagem de ônibus custa R$ 3,0 (três reais). Quanto pagarão sete pessoas para se deslocar de um lugar para outro no transporte?”
A resposta de Larissa (11 anos), que sempre participa na comunidade, juntamente com as outras crianças, da brincadeira de ônibus, e costuma assumir o papel da cobradora por ser uma das crianças com maior idade, assim foi elaborada:
“Lá na comunidade, quando a gente brinca de ônibus e eu sou a cobradora, quanto mais gente tem no ônibus, mais tem que pagar. Como nós não temos dinheiro de verdade, a gente usa folhas, as pequenas valem pouco e as grandes valem mais. Então, se são sete pessoas que vão andar no ônibus, elas vão ter que pagar muito. Se fosse só uma mesmo, bastava uma folha pequena”.
A professora, ao ler a resposta, considerou-a errada, pois a criança não deu o resultado que ela esperava. Reportando-se à menina de forma bastante autoritária, disse: “Tá tudo errado, você não sabe nada de matemática. Eu ensinei os números e cadê o resultado?” (Professora Margarida). Deu um castigo pelo erro e mandou Larissa para casa, na metade da aula. A menina saiu da sala de aula feliz e foi para sua casa.
Quando chegamos à comunidade, pedimos que Larissa nos mostrasse sua resposta e comentasse o que tinha escrito. Ela nos disse exatamente o que escreveu na resposta, quando tem mais gente no ônibus paga-se mais. O que representa uma maneira lógica de se descrever a questão. Porém, para a professora, o correto era a representação do resultado em forma de números, ou seja, o valor em reais que seriam gastos pelas pessoas.
Como para as crianças Sateré-Mawé o contato com dinheiro é praticamente nenhum, ela não tinha noção de valor, mas conseguiu expressar uma noção de quantidade perfeita, relacionando-a à brincadeira que vivencia na comunidade e ainda confirmando a lógica de que quanto mais pessoas, maior o tamanho das folhas e também a quantidade. Infelizmente, essa lógica não é aceita pela escola e o resultado é o castigo, que para Larissa foi bem vindo, pois ela voltou mais cedo para sua casa.
Desse modo, podemos perceber que a escola, enquanto “representante” da sociedade urbana, mantém relações de justaposição ou de integração e também de exclusão e de conflitos, ou, ainda, marcadas por indiferença ou mesmo por castigos.
Neste caso, para Sacristán (2005, p. 14):
De alguma forma, o discurso pedagógico baseado no conhecimento científico fez com que realmente se mascarasse a influência das condições sociais no desenvolvimento dos menores e no tipo de respostas que dão às exigências escolares. A tendência será atribuir as diferenças entre os indivíduos a características pessoais, tirando a responsabilidade do ambiente educacional.
Outro ponto a ser destacado é que as culturas não estão em um nível de inter-relação entre os saberes das escolas e os das comunidades indígenas. Estudos teóricos a respeito da cultura sugerem que sejam deixadas de lado as definições de cultura configuradas como sistemas fechados e que, no lugar delas, os conceitos sejam trabalhados com base em processos de circulação de significados, o que se constitui um grande desafio para as escolas.
Logo, as crianças Sateré-Mawé têm negadas, pelo trabalho educativo desenvolvido pelas escolas, as suas formas de se relacionar com o “mundo dos brancos” e são levadas a culpabilizarem-se por serem diferentes, pois o modelo escolar não considera os elementos de sua cultura como componente da cultura escolar nem, muito menos, da cultura da escola[18]. Nestas situações, apresentam-se claramente casos bem típicos de Violência Simbólica.
Sob esse foco, a educação escolar funciona como reprodutora da estrutura de poder contribuindo para a submissão presente na condição dos indivíduos. Pode-se dizer que as crianças Sateré-Mawé, na lógica da escola, não possuem capital simbólico e capital cultural, já que suas possibilidades de investir na educação são mínimas, devido a sua condição cultural e de vida. Portanto, sob tal perspectiva, o discurso da igualdade no sistema capitalista é praticamente inexistente, ou seja, uma prova viva do poder da Violência Simbólica.
Considerações finais
As leituras das obras e o confrontamento do cotidiano da pesquisa realizada com as crianças Sateré-Mawé, permite-nos afirmar que as análises feitas por Bourdieu são extremamente viáveis para nossa realidade educacional, contribuindo para que consigamos enxergar as atuais estratégias que têm provocado uma desqualificação das diferenças culturais. É preciso promover espaços de discussão que desvelem tais papeis, contribuindo dessa forma para a consolidação de um sistema escolar menos fantasioso, que se pauta numa lógica de objetivos proclamados, mas, no dia a dia, conspira para o enfraquecimento da educação enquanto possibilidade social de melhoria da estrutura vigente.
A ausência de políticas públicas e o descaso estatal com a situação das crianças indígenas que moram nos centros urbanos, apontam para um processo que contribui para produzir mais invisibilidade e descaso com essa população. Há de se ter clareza, que a escola atual, pensada sob a ótica da padronização e dos currículos que defendem bases comuns, a despeito da própria BNCC, ferem frontalmente os princípios de uma educação escolar indígenas, diferenciada, intercultural, bilíngue. Em Manaus, não existem escolas indígenas o que força as crianças a serem inseridas em escolas regulares e que, como demonstrado na pesquisa, desrespeitam e violentam essas crianças.
Neste sentido, perceber o cotidiano das crianças Sateré-Mawé – através da pesquisa realizada – como engendrador de práticas sociais e culturais reais, permite o desvelamento das estratégias de “conversão e reconversão” das estruturas sociais de dominação, através da ação escolar, que, integrada a uma visão crítica da realidade, pode contribuir para a construção de um projeto de escola que se proponha a lutar pela consolidação de uma sociedade democrática pautada na diversidade, defendendo-se assim a urgência da criação de escolas indígenas na cidade de Manaus.
É nessa possibilidade de transgressão que se sustenta nossa análise acerca do trabalho educacional, da formação docente e nas representações das infâncias, pois entender que as crianças indígenas possuem uma conjuntura social diferenciada, não deve reduzi-las a condição de expropriadas sob a forma de “Habitus”. Muito pelo contrário, contribui para a afirmação da possibilidade de sedimentação de um outro lócus com elas e para elas[19].
Assim, reforçamos nosso entendimento de que as coisas são, e ao mesmo tempo não são da forma como aparecem a nós[20]. Essa possibilidade rigorosa de análise e percepção da sociedade e da educação, proposta por Bourdieu, é um dos pontos fundamentais para continuarmos acreditando na transformação social. Por isso, ainda que introdutoriamente – como relatado neste texto e vivenciado em nossa experiência –, as práticas educativas com as crianças indígenas devem compor o cotidiano das instituições de ensino com mais frequência, o que tende a contribuir para a construção de novas estratégias de enfrentamento a esse modelo de sociedade que uniformiza as crianças e, consequentemente, todos os seus membros.
Nessa perspectiva, apoiamo-nos nas palavras de Bourdieu (1999, p. 183) para reforçar essa importância:
Tudo leva a crer que um brusco desligamento das oportunidades objetivas com relação as esperanças subjetivas sugeridas pelo estado anterior das oportunidades objetivas é de natureza a determinar uma ruptura na adesão que as classes dominadas- subitamente excluídas da corrida, de forma objetiva e subjetiva- atribuem aos objetivos dominantes, até ao tacitamente aceitos, e, por conseguinte, tomar possíveis a invenção ou a imposição dos objetivos de uma verdadeira ação coletiva.
Os caminhos não estão prontos, pelo menos os que queremos, pois as práticas cristalizadas estão aí para continuarem sendo reproduzidas, mas não é por elas que queremos seguir. Fazer novas opções é revestir de significado a ação docente do trabalhado educativo e do entendimento da realidade das crianças, como possibilidade de construção de metodologias de pesquisa e de práticas educativas que possam visualizar as peculiaridades das infâncias ao ouvir e escutar as crianças. Os desafios são muitos, mas vale à pena lutar para alcançá-los. As crianças, nas suas mais diversas formas de visibilidade, apesar de um grande movimento histórico que as invisibilizou, clamam por isso.
Referências
ALVARES, Gabriel O. O ritual da tocandira entre os Sateré-Mawé: aspectos simbólicos do waumat. Série Antropologia 369. Brasília, 2005.
AZEVEDO, Mario L. N. de. Espaço social, Campo Social, Habitus e Conceito de classe social em Pierre Bourdieu. Revista Espaço Acadêmico, ano III, n. 24, maio, 2003
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998
BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. 2. ed. Petrópolis-Rio de Janeiro: Vozes, 1998
BOURDIEU, P. Violência Simbólica e Lutas Políticas. In: Meditações Pascalianas. Bertrand Brasil, 2001, p. 199-233.
BOURDIEU, P. Classificação, desclassificação, reclassificação. In NOGUEIRA, M. A. e CATANI, A. Escritos em educação. 2. ed. Petrópolis-Rio de Janeiro: Vozes, 1999. p. 145-183.
BOURDIEU, P. Os três estados do capital cultural. In NOGUEIRA, M. A. e CATANI, A. Escritos em educação. Petrópolis-Rio de Janeiro: Vozes, 1998, p. 71 – 79.
BOURDIEU, Pierre. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves,1982.
BOURDIEU, Pierre. O capital social: notas provisórias. In: NOGUEIRA, M. A. e CATANI, A. Escritos em educação. Petrópolis-Rio de Janeiro: Vozes, 1998, p. 65 – 69.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
COHN, Clarice. Antropologia da Criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
CHRISTENSEN, Pia; JAMES, Allison. Investigações com crianças: perspectivas e práticas. Porto: Ediliber, 2005.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Antropologia do Brasil: Mito, história, etnicidade. São Paulo: Brasiliense,1986.
ELIAS, Norbert. Teoria Simbólica. Oeiras-PT: Celta Editoras, 1994.
FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas,1993.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
GRAUE, M. Elizabeth; WALSH, J. Daniel. Investigação etnográfica com crianças: teorias, métodos e ética. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
KRAMER, Sonia. Autoria e autorização: questões éticas nas pesquisas com crianças. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p. 41-59, julho, 2002.
KRAMER, Sônia. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
MELIÀ, Bartomeu. Educação Indígena na escola. In: Cadernos Cedes n. 49: Educação indígena e interculturalidade. Campinas-SP: UNICAMP, 2000.
MICELI S. Introdução: A força do sentido. In BOURDIEU P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. I-LXI.
MUBARAC SOBRINHO, Roberto Sanches. As crianças Sateré-Mawé: os ecos de suas vozes. In: VINHARES, Regina (Org.). Educação como exercício de diversidade: estudos em campos de desigualdades sócio-educacionais. Brasília, DF: Líber Livro, 2007a.
MUBARAC SOBRINHO, Roberto Sanches. O direito da criança Sateré-Mawé em ‘ser’ indígena: vozes que ecoam suas culturas infantis. Barcelona-Espanha. Anais do III Congresso Mundial sobre Direitos das Crianças e Adolescentes, 2007b.
MUBARAC SOBRINHO, Roberto Sanches. Brincando de ‘ser’ Sateré-Mawé: contextos lúdicos diversificados como elementos de construções das culturas infantis. Braga- Portugal. Anais do I Congresso Mundial Sobre Estudos da Criança, 2008a
MUBARAC SOBRINHO, Roberto Sanches. Pra Fazer a Farinhada... Muita Gente eu Vou Chamar: contextos lúdicos diversificados e as culturas das crianças Sateré-Mawé. Caxambu - MG: ANPED. (www.anped.org.br), 2008b.
PEREIRA, Nunes. Os índios Maués. 2. ed. rev. Manaus. Editora Valer e Governo do Estado do Amazonas, 2003.
PERRENOUD, Philippe. Oficio de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto-PT: Porto Editora,1995.
SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005.
SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista da Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação, 2002.
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepções, leitura. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)
Notas
[1] Professor Associado da Universidade do Estado do Amazonas. Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina, com aprofundamento de estudos em Sociologia da Infância no Instituto de Estudos da Criança/UMINHO, Portugal. Coordenador do Mestrado em Educação da UEA. rsobrinho@uea.edu.br
[2] Teóricos, metodológicos e éticos. Aprofundamentos em Kramer (2002).
[3] A utilização deste termo é uma apropriação da obra de Graue & Walsh (2003, p. 115). Os autores preferem o termo geração de dados a recolha de dados, pois, segundo eles, “Os dados não estão aí a nossa espera, quais maçãs nas árvores prontas a serem colhidas. A aquisição de dados é um processo muito activo, criativo e de improvisação”.
[4] Povo Indígena de origem dos Estados do Amazonas e Pará na região Norte do Brasil. O primeiro nome - Sateré - quer dizer "lagarta de fogo'', referência ao clã mais importante dentre os que compõem esta sociedade, aquele que indica tradicionalmente a linha sucessória dos chefes políticos. O segundo nome - Mawé - quer dizer "papagaio inteligente e curioso'' e não é designação clânica. (PEREIRA, 2003)
[5] Foucault (2007).
[6] Nossa opção metodológica considera as crianças como agentes sociais e coaduna com outras concepções que compreendem a infância no dinamismo da construção da vida em sociedade. (BOURDIEU, 2007)..
[7] Como as falas das crianças são o grande referencial de aproximação com a realidade, utilizaremos essa expressão entre aspas, por entendermos que o nosso objeto de pesquisa na verdade é um sujeito social.
[8] “[...] campo de lutas como sistema de relações objetivas no qual as posições e as tomadas de posição se definem relacionalmente é que domina ainda as lutas que visam a transformá-lo” (BOURDIEU, 1999, p. 175).
[9] Bourdieu, 1998.
[10] Perrenoud (1995) afirma que, idealmente, o ofício de aluno incita-os a trabalhar para aprender. Na realidade, pede-se também às crianças e adolescentes que trabalhem para estarem ocupados, para transformarem textos, exercícios, problemas verificáveis, para serem avaliados, para contribuírem para o bom funcionamento didático, para tranquilizarem professores e pais..
[11] Sacriatán (2005, p.p. 11 e 12), em suas críticas ao modelo escolarizante, afirma que “O aluno é uma construção social inventada pelos adultos ao longo da experiência histórica, porque são os adultos (pais, professores, cuidadores, legisladores ou autores de teorias sobre a psicologia do desenvolvimento), que têm o poder de organizar a vida dos não-adultos.”.
[12] Bourdieu (2007, p. 58). “A objetivação da relação do sociólogo com o seu objecto é, como se vê bem neste caso, a condição de ruptura com a propensão para investir no objecto, que está sem dúvida na origem do seu interesse pelo objecto. É preciso, de certo modo, ter-se renunciado à tentação de se servir da ciência para intervir no objecto, para se estar em estado de operar numa objectivação que não seja a simples visão redutora e parcial que se pode ter, no interior do jogo, de outro jogador, mas sim a visão global que se tem um jogo passível de ser apreendido como tal porque se saiu dele”.
[13] WAUMAT, o ritual da tocandira, pode ser divido em três partes: a preparação; o ritual propriamente dito; a reintegração num novo status [...]. Durante o ritual propriamente dito, os jovens introduzem a mão numa luva de fibras onde são inseridas as formigas tocandiras (paraponera clavata sp), com o ferrão voltado para o interior. Esta ação é acompanhada por uma série de cantos, ao ritmo do chocalho, e uma dança da qual participam várias pessoas do grupo. (ÁLVARES, 2005, p. 05).
[14] O uso do termo se explica pela confecção do artesanato, que é a principal fonte de sobrevivência do grupo, assim um artesão do futuro é um adulto promissor.
[15] Parte desta fala se encontra em uma série de conversas que foram gravadas tanto em vídeo como em áudio com o cacique.
[16] Mubarac Sobrinho (2009).
[17] Os nomes usados são fictícios.
[18] De acordo com Forquin (1996) não se deve confundir cultura escolar com cultura da escola, pois elas, apesar de estarem imbricadas, representam elementos teóricos distintos no processo de entendimento da organização do trabalho escolar. Para o autor a cultura da escola deveria alavancar um processo de mudança na cultura escolar, caso valoriza-se as experiências sociais que permeiam a escola e as diversidades que constituem o mundo cotidiano que a cerca.
[19] “Em seu livro The Little Prince (Principezinho) (1945), Antoine Saint-Exupery escreve que os adultos não podem por si próprios compreender o mundo do ponto de vista da criança e, consequentemente, necessitam que as crianças o expliquem. Este é um conselho sábio para investigadores da infância. Somente ao ouvir e escutar o que as crianças dizem e ao tomar atenção à forma como comunicam conosco é que se fará progresso nas pesquisas que se levam a cabo com crianças, mais do que, simplesmente, sobre as crianças” (CHRISTENSEN; JAMES, 2005, p. XIX).
[20] Bourdieu (1998)