Formação Docente Universitária nas Amazônias: decolonialidade e emancipação dos povos indígenas

 

University Teacher Training in the Amazon: Decoloniality and Emancipation of Indigenous Peoples

 

Formación docente universitaria en la Amazonía: descolonialidad y emancipación de los pueblos indígenas

 

 

Rita Floramar Fernandes Santos  

Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil.

rifloramar@gmail.com

Waldir Ferreira de Abreu  

Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil.

awaldir@ufpa.br

Valéria Augusta Cerqueira de Medeiros Weigel  

Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil.

 valeriaweigel@hotmail.com

 

Recebido em 01de novembro de 2021

Aprovado em 02 de setembro de 2022

Publicado em 09 de agosto de 2023

 

RESUMO

O artigo é um recorte de uma pesquisa de doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas. Duas questões centrais motivaram-nos a indagar: qual a importância da formação docente diante da pluriversidade amazônica na universidade? Como se enxerga o papel da decolonização no âmbito formativo em relação aos povos indígenas que estão na dinâmica universitária? Discorremos sobre os desafios multifatoriais neste cenário, suscitando, em tempos atuais, entendê-los como exercício de reflexão contínua, o que nos impõe uma leitura sempre crítica na investigação e problematização em torno da reflexibilidade docente diante da práxis formativa questionando os resquícios da colonização no contexto educativo universitário, intentando maior abertura à decolonização junto aos povos indígenas das Amazônias e como formadores amazônicos. Dessa maneira, a formação na academia para os sujeitos amazônicos, como os indígenas, passa do incômodo, do que fazer, da insegurança, da invisibilidade para a correlação de forças político pedagógicas, onde a instituição e o instituído no bojo do diálogo com estes sujeitos tomem ciência de suas diferenças.

 

Palavras-chave: Formação docente; Universidade; Povos Indígenas; Decolonialidade; Amazônias.

 

RESUMEN

El artículo es parte de una investigación de doctorado en curso en el Programa de Posgrado en Educación de la Universidad Federal de Amazonas. Dos interrogantes centrales nos motivarán a investigar: ¿cuál es la importancia de la formación docente frente a la pluralidad amazónica en la universidad? ¿Cómo se le atribuye el papel de descolonización al campo educativo en relación a los pueblos indígenas que están en las dinámicas universitarias? Discutiremos los desafíos multifactoriales en este escenario, planteando, en la actualidad, entenderlos como un ejercicio de reflexión continua, o que nos impone una lectura siempre crítica de las investigaciones y problematizaciones en torno a la reflexividad docente frente a la praxis formativa, cuestionando los restos de la colonización. contexto educativo universitario, tratando de abrirse a la descolonización junto a los pueblos indígenas de la Amazonía y como educadores amazónicos. De esta forma, la formación en la academia para sujetos amazónicos, como los indígenas, se torna incómodo, el qué hacer, da inseguridad, invisibiliza la correlación de fuerzas político-pedagógicas, donde la institución y la institución no permiten el diálogo con estas, los sujetos les hacen conscientes de sus diferencias.

 

Palabras clave: Formación de profesores; Universidad; Pueblos Indígenas; Decolonialidad; Amazonías

 

 

ABSTRACT

The article is an excerpt from a doctoral research in progress at the Graduate Program in Education at the Federal University of Amazonas. Two central questions motivated us to ask: what is the importance of teacher education in view of the Amazon's pluriversity in the university? How do you see the role of decolonization in the educational sphere in relation to indigenous peoples who are part of the university dynamics? We discuss the multifactorial challenges in this scenario, raising, in current times, to understand them as an exercise of continuous reflection, which imposes on us an always critical reading in the investigation and problematization around teacher reflexivity in the face of formative praxis questioning the remnants of colonization in the university educational context, seeking greater openness to decolonization with the indigenous peoples of the Amazon and as Amazonian trainers. In this way, academic training for Amazonian subjects, such as indigenous peoples, goes from being uncomfortable, from what to do, from insecurity, from invisibility to the correlation of pedagogical political forces, where the institution and the instituted in the midst of dialogue with these subjects become aware of their differences.

 

Keywords: Teacher training; University; Indian people; Decoloniality; Amazons.

 

 

Introdução

O artigo tem como objetivo perquirições epistemológicas em torno da formação de educadores e da questão indígena, estendendo-se à universidade pública, interligando esse tripé à pauta da decolonialidade em contextos amazônicos.

Tomamos como referência a formação de professores na agenda de tantas interrogações cotidianas e de tantas reticências epistemológicas que reclamam ser preenchidas de modo a subsidiar o trabalho docente, bem como a reflexão sobre esses processos. É, pois, uma discussão sempre necessária, quando se pensa a formação de educadores no chão de inúmeras Amazônias.

Portanto, estruturamos esta escrita em três partes. Na primeira, discutem-se as Amazônias como espaço de formação e territorialidade indígena, bem como os desafios, complexidade e (in)visibilidade destas questões.

A segunda parte trata a ideia da decolonialidade como pressuposto que auxilia na atualidade, a emancipação indígena, uma vez que a colonização trouxe prejuízos imensuráveis a estes sujeitos.

Na terceira, chamamos atenção da Universidade, consequentemente, da formação que ela engendra em relação aos sujeitos em suas especificidades e diferenciações indígenas.

As Amazônias como espaço de formação e territorialidade para pensar as diferenças invisibilizadas e sujeitos invisibilizados

Para pensar a formação de professores, uma das premissas é identificar a construção do nosso lugar e de nossa intencionalidade, ou seja, a importância de se localizar, de dizer onde se está e o que se quer, algo em torno de referendar uma espécie de geografia física e humana sócio-histórica-cultural, para daí pensar reflexivamente na ressignificação da docência. Neste caso, a docência em contextos amazônicos.

Esta compreensão nos leva a defender, portanto, que não existe uma única Amazônia, elas são diversas, plurais, sem redundância do termo. É, pois, responsabilidade política e epistemológica nossa – educadores amazônicos - ampliar para nós, e para os outros, a concepção de quem somos de fato, enquanto amazônicos e profissionais nestes tantos lugares, que ora se entrecruzam, ora se distanciam.

Nessa incursão, cotejar e apostar na observação da existência de uma relação dialética dessa conjuntura, com percepção sempre crítica do que está em jogo, empoderando-nos como povos destes cenários, com nossos conhecimentos, com nossos saberes, com nossas linguagens, com nossas ciências. Mas também o que nos silencia e as contradições que nos estão postas em tantas frentes.

A começar pela frente da colonização geográfica, que segundo Mignolo (2005), impõe uma dominação de poder e de saber. Mostrar esta realidade seria, em nosso ponto de vista, uma estratégia contra-hegemônica à situação de invisibilidade e silenciamento desde os anos 500 aos que estão submetidos os sujeitos do Brasil, em específico os das Amazônias, como os povos indígenas.

Diante disso, pensar a formação docente, pensar seus sujeitos a partir do papel da diferença identitária e suas implicações na formação de professores é precioso, como também urgente. “Não simplesmente como resultado de um processo, mas como o processo mesmo pelo qual tanto a identidade quanto a diferença são produzidas” (SILVA; HALL; WOODWARD, 2014, p. 76) no contexto da educação, da universidade e na relação com os povos em questão.

Essas diferenças e identidades, significando o ponto de encontro e ponto de sutura, entre os discursos e as práticas que nos interpelam para que reconheçamos nossos lugares como sujeitos sociais e por outro lado, os processos que engendram subjetividades que nos constroem como sujeitos aos quais se pode falar (SILVA; HALL; WOODWARD, 2014). E isso porque

as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas. Além disso, elas emergem no interior do jogo de modalidades específicas de poder e são, assim, mais o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de uma unidade idêntica, naturalmente constituída, de uma “identidade” em seu significado tradicional – isto é, uma mesmidade que tudo inclui, uma identidade sem costuras, inteiriça, sem diferenciação interna (Idem, 2014, p. 110-111).

Diferenças e identidades que ultrapassem o discurso, de respeito a ela; mas, ação política que faça valer esta prerrogativa no cotidiano educacional, como lugar de enunciação e como lugar de mudança e democracia. Como lugar de sujeitos que possuem dinâmicas próprias de vida e de sobrevivência, reconfigurando saberes e conhecimentos.

Em outros termos, mostrar ao mundo não amazônico nossa potencialidade, derrubando a ideia de que a(s) Amazônia(s) localizadas no sul epistemológico, embasariam a subjugação etnocêntrica e diminuta que “propunha que a teoria boa se faz no Norte e que a fonte boa de pesquisa estaria no Sul”. (MARTINS, 2019, p. 12).

Isso precisa ser melhor teorizado nas diversas áreas de estudo e ensino em nossas instituições universitárias amazônicas, alargando-se para as demais instituições, trazendo para seu interior, os sujeitos que detêm outros saberes, como possibilidade de interação que escamoteia as formas tradicionais de ensinar e aprender, reconfigurando formas outras de diálogo com sujeitos que por muito tempo, ficaram à margem desse processo.

Na docência, os educadores podem explorar isso com mais precisão, uma vez que estão nestes lugares lidando cotidianamente com interrogações, soluções e desafios no patamar das subjetividades, das cosmologias, de epistemes, das lutas, das perdas e ganhos, em constantes embates com a conjuntura neoliberal que assombram essa territorialidade.

Professores destes chãos podem alterar a relação de mudanças político-culturais, ressignificando quem são e o que querem com a educação e formação diante de tantas peculiaridades na pluriversidade amazônica.

Pluriversidade que desafia a unicidade e projeta como proposição enriquecer-se de saberes plurais e contra-hegemônicos, ensinar e aprender para a defesa da diversidade cultural e de uma reestruturação epistemológica, como nos lembra Santos (2005) e Wallerstein (2008).

Caminhar nesta direção, requer dos pesquisadores, das instituições universitárias, apontamentos, aberturas outras e ousadia no que tange ao paradigma conceitual sobre tal conjuntura, como também, atentar-se para compartilhar saberes com os sujeitos que escrevem e reescrevem as histórias amazônicas no chão de suas realidades diversas.

A questão posta envereda no pensamento de Santos (2015), como uma universidade ressignificada e polifônica, ou melhor, universidade que deveria ser uma pluriversidade calcada na transformação sob o relevo de consciência antecipatória.

Urge a necessidade de um enfrentamento da forma e narrativas românticas ou de discursos a serviço do neoliberalismo que impõe neste cenário, uma névoa onde não se enxerga de fato as vicissitudes de projetos destruidores de vidas, dos espaços e sua complexidade, dos sonhos, das esperanças, da maneira própria de fazer educação escolar, entre outros.

Nesta dinâmica, um dos pontos fundantes está em sermos sujeitos de reflexão. Não abrirmos mão de um pensar sobre o agir - para que o que fazemos no cotidiano pedagógico seja o registro da experiência em ação, ou seja, torná-la significativa no processo de atribuir sentido às práxis (GHEDIN, 2009).

Para esse mesmo autor, levar tal discussão como estruturante da formação e da construção de si, quando nos questionamos, nos problematizamos e nos situamos diante das coisas e diante da vida é ofício do cotidiano educativo.

Essa força tarefa nos auxilia a pensar em temáticas que por muito tempo ficaram opacas neste cenário, como a questão indígena. Em mapeamento feito por André (2009), este tema em específico, foi classificado como um dos temas silenciados, pouco privilegiado. “Nos anos mais recentes, esse quadro não mudou. Há pouquíssimos trabalhos que abordam essas temáticas” (p. 50). Ela explica:

O que se manteve constante nas pesquisas dos anos 2000, em comparação com as dos anos 1990, foi o quase esquecimento de certas temáticas como a dimensão política na formação do professor; condições de trabalho, plano de carreira e sindicalização, questões de gênero e etnia e a formação do professor para atuar na educação de jovens e adultos, na educação indígena e em movimentos sociais (Ibidem, p. 41).

Esse indicador reforça nossa escrita em dar peso maior a questão da formação e educadores amazônicos, suas epistemologias, seus desafios e esforço de uma identidade própria. Sem perder de vista que há muito a epistemologia que guia nossa formação e as ações da Universidade é aquela que define a soberania epistêmica que atribui a uma forma de conhecimento o poder de definir a existência e a validade de todos os outros meios legítimos de conhecimento.

Falar dos sujeitos amazônicos – priorizando aqui educadores - é falar de uma realidade que de certa forma, seria impensada para alguns. Elementos estruturais, econômicos, históricos, culturais, entre outros, estão em jogo neste espaço-tempo, neste espaço-vida.

Para compreender esses grupos sociais, é preciso desvendar seu cotidiano, é necessário considerar o contexto contraditório no qual estão inseridas suas manifestações e práticas culturais. Entender o modo de vida dos grupos sociais que habitam a Amazônia não significa apenas conhecer e descrever a riqueza dos seus recursos naturais, mas, sobretudo, compreender seus vastos territórios. É preciso perceber que, para além da paisagem natural, harmônica e romântica, há paisagens socialmente construídas repletas de contrastes e contradições (FRAXE; WITKOSKI; MIGUEZ, 2009, p. 30).

Problematizar o significado de ser da Amazônia não diz respeito tão somente a uma localização no espaço, uma localização geográfica. É sobretudo, entender as aproximações, negociações e distanciamentos que são enfrentados de toda ordem pelos sujeitos amazônicos, é entender a dialética de vida dos mesmos e ir se decolonizando nesse sentido.

Dar visibilidade aos sujeitos de tantas Amazônias, é de fato, construir um esteio tremendamente forte, cujo concreto que o edifica é a pedagogia decolonial, requerendo e quase que gritando para enxergar esses lugares.

Cada dizer, cada pensar deve estar prenhe dos conhecimentos peculiares destes cenários que envolvem a docência e sua estrutura cognitiva. A docência em sua estrutura epistemológica e cultural.

Nessa conjuntura, a praxiologia escolhida, vivida, acolhida, compreendida e repassada deve servir ou intervir para construir caminhos basilados pelo diálogo, pelo cuidado, enfim, pela opção que se traduz em respeito e possibilidade de alteridade como prática pedagógica e social.

A decolonialidade como forma de emancipação indígena

A decolonialidade discutida na contemporaneidade, resulta de um apurado exercício de reflexões, sobretudo a despeito do colonialismo que ao longo dos séculos XV a XIX, como consequência da colonização, deu ascensão à colonialidade.

[...] Foi também, em certa medida, uma prefiguração do que a nação iria se tornar no futuro. Nessa figuração, reside a imagem do Outro, as sutis nuances e os contrastes marcantes por meio dos quais eram percebidas e tratadas as comunidades indígenas, o que tornou a história do colonialismo parte de uma grande narrativa e, ainda assim, também parte de uma experiência muito local e específica (SMITH, 2018, p. 36).

A colonialidade, com potência assustadora, assegura exploração e dominação, naturalizando essas características nas relações sociais. Como também, na classificação racial e étnica, a partir da construção de um novo continente – “a América, o Ocidente/Europa, torna-se, por imposição, o modelo ou até mesmo uma espécie de cosmovisão a ser seguida pelos povos desse novo mundo” (DUTRA et al., 2019, p. 2).

Um dos rumos desse processo foi (e ainda o é) subalternização e dependência (QUIJANO, 2005), dentre as quais, a cognoscível. Dito de outro modo, depreciação pelo conhecimento cotidiano embebidos da experiência cultural e social de grupos/sociedades colonizados ou quase exterminados como aconteceu com as populações ameríndias.

O entendimento em comum é que a colonização moderna se perpetua como discursos e práticas de ‘poder, saber e ser’ (QUIJANO, 2010) escamoteando assim, as peculiaridades, diferenciações e dinâmicas de vida das realidades colonizadas, como projeto destrutivo de culturas e saberes locais, em razão da idolatria e constituição de vida ocidental.

Assim, resume-se o imperativo ocidentalocêntrico, (SANTOS, 2019; RIBEIRO, 2019) cujo escopo é garantir que as colônias – como o Brasil – destituíssem-se de suas ontologias, organizações sociais, cosmologias e se revestissem de um outro pensar e modo de vida estranhos à suas realidades.

Esta prerrogativa desorientou (e continua a fazê-lo) identidades, culturas, histórias e conceitos impondo, a partir de suas referências, uma narrativa e uma imagem sobre os colonizados (MENESES, 2008), exemplificado nesse texto como povos indígenas. Assim,

A colonialidade age nas vítimas e algozes, confundindo-os sem, entretanto, permitir a emergência de qualquer paradigma que fuja à convivência de moralidades mantenedora de poderes, saberes e seres: reinventa-se cristianizada, escolarizada, patriarcalizada sem abdicar da fé no universalismo/proselitismo inerente (MOUJÁN; JÍNIOR; CARVALHO, 2020, p. 19).

Sabemos que uma das arenas da colonialidade é a educação escolar, ou seja, problematizar a escolarização universitária que temos é questionar o conhecimento ocidental. Em contraponto, a decolonialidade nesta instituição, se insurge e “começa a refletir sobre a autoridade de determinados discursos universalistas, sobretudo, por meio de abordagens que reivindicam para si as dimensões paradigmáticas e convencionais do fazer científico”. (LEMOS, 2019, p. 27).

A ideia é defender a educação, formação de educadores, como estrutura imprescindível para "ir descolonizando as fortes e longevas instituições educativas em todos os seus níveis, marcadas pelos princípios de homogeneidade e de autoridade” (SPYER; LEROY; NAME, 2019, p. 55).

Precisamos inventar estratégias educacionais que redefinam os comportamentos sociais e reconfigurem as identidades, incorporando práticas dos grupos “emergentes” que colocam em jogo suas pertenças (memórias) histórico-culturais. Com elas, acreditamos poder colaborar também para o exercício de uma democracia participativa, que não seja a mera legitimação das forças da vontade imperial no mundo (Ibidem, p. 57).

Implica entender reflexivamente essas amarras para encontrar na práxis formativa, caminhos para se efetivarem práticas possíveis no enfrentamento desta realidade. Uma vez que

Nessa figuração, reside a imagem do Outro, as sutis nuances e os contrastes marcantes por meio dos quais eram percebidas e tratadas as comunidades indígenas, o que tornou a história do colonialismo parte de uma grande narrativa e, ainda assim, também parte de uma experiência muito local e específica (SMITH, 2018, p. 36).

Este ideário assentado na classificação racial, trouxe inúmeros estragos, de diversas ordens aos povos indígenas, destituindo-os da categoria humana. (MALDONADO TORRES, 2018). A questão aqui é: como se enxerga o papel da decolonização no âmbito formativo em relação aos povos indígenas que estão na dinâmica universitária para contrapor-se à colonização?

Uma resposta inicial seria investir em estratégias educacionais que revejam atitudes e identidades contrárias à racionalidade instrumental colonizadora, incorporando práticas contra-modernas como espinha dorsal do pensamento que rege a decolonialidade. Intentando que ela colabore “para o exercício de uma democracia participativa, que não seja a mera legitimação das forças da vontade imperial no mundo” (SPYER; LEROY; NAME, 2019, p. 57) que hoje se percebe na globalização e neoliberalismo, sustentáculos do capitalismo.

Outra alternativa é apostar na desalienação implícita e explícita nas práticas docentes acadêmicas, decolonizando o fazer pedagógico, sobretudo a formação de professores.

Considerando que a construção das ações de formação de educadores se robustece dos contextos sociais, culturais, políticos, históricos e econômicos, pautamos a decolonialidade como um reforço a mais para que os indígenas sejam reconhecidos em seus saberes e dizeres.

A formação sabemos, utiliza muitos termos, convicções, conhecimentos, estudos, pesquisas, construção de saberes, entre outros, para traçar seus pilares educativos. Um deles é hoje a decolonialidade, com a preocupação de que esta não fique apenas no papel, como mais um jargão da “moda”. Por isso, a necessidade de avaliar, questionar reflexivamente o saber docente nesta seara.

Entender e explicar em que se acredita, sem perder a capacidade de ir além, de buscar novos horizontes, reverberando novos pensamentos e trazê-los para a prática cotidiana. Essa 'novidade' é ter os indígenas na universidade para dialogar, para se aprender com eles, e ensinar o que pedem suas demandas e aspirações, construindo uma vivência institucional e pedagogicamente, às custas da decolonialidade.

Historicamente os povos em questão, foram tão maltratados a ponto de acreditarem insultuoso ser indígena ou ser descendente deles, ideia incutida pelos colonizadores e invasores, cunhando-os como “sujeitos não completamente humanos no mundo”, e este imaginário ainda não foi abandonado no mundo não indígena, como também, pelos próprios indígenas. Consequência do pensamento ocidental que impôs a unicidade de racionalidade.

Do período ‘colonial’ ao século XXI, indígenas sempre estiveram à margem ou subutilizados enquanto pessoas com conhecimentos, saberes, epistemologias, entre outros. O que levou a tanto desconhecimento, racismo, preconceito e marginalização ainda muito latentes em relação aos mesmos.

Freire (2002), atribui a esse processo cinco equívocos: a ideia do índio genérico1; aqueles que pertencem a culturas atrasadas2; sujeitos de culturas congeladas3; os índios que ‘pertencem ao passado’4 e ainda, que o brasileiro não é índio5. “Verdades” corroboradas, disseminadas e validadas nas instituições educacionais e na sociedade.

Mais de 500 anos de ‘colonização’, espoliação e quase dizimação dos povos indígenas brasileiros substituíram, no imaginário popular, o índio real por uma figura mitológica e folclórica, seres “incivilizados”, ‘perigosos’ e outras características, altamente depreciativas e etnocêntricas.

Isto sustentou acirradamente a “ideia de invisibilidade que desde o início, apareceu como uma espécie síntese da relação do conjunto da sociedade brasileira com os índios que vivem no país”. (ILÍADA, 2013, p. 8).

De acordo com Venturi e Bokany (2013), segundo pesquisa6 realizada por eles, apenas um em cada três brasileiros sabe por alto o atual contingente de indígenas no país, e menos de um oitavo desses brasileiros têm noção da variedade de povos.

Em resumo, a invisibilidade posta a eles escancara uma historiografia brasileira amalgamada por ideologia e práticas colonialistas que se arrastam até o século XXI:

Hoje o “argumento” do índio se submete a uma redefinição de seu significado por referência aos argumentos da “pobreza” e do “desenvolvimento econômico”. Esse duplo argumento, apresentado em inúmeras variantes, justifica, sob a denominação “questão social”, o estímulo à invasão de terras indígenas por qualquer frente de expansão da sociedade nacional que se pretenda produtora de “riquezas”, ou amenizadora da “pobreza”, como o garimpo, a mineração, a pecuária, projetos de colonização, de geração de energias e outros (GOMES,2012, p. 207).

O que justifica explícita ou implicitamente mais preconceitos, invisibilidade e distanciamento, com a ajuda da educação escolar, como também, “dentro do parâmetro, Sociedade, Estado e Igrejas que determinam na atualidade, o sentido e natureza da questão indígena”. (idem).

O que nos leva a afirmar que nem com o advento da Constituição Federal de 1998 assegurando juridicamente importantes direitos aos povos indígenas, estes direitos se tornaram de fato, ações concretas de respeito a eles em nossa sociedade.

“O preconceito contra indígenas alcança suas consequências mais funestas quando o horizonte do genocídio se descortina” (LIMA e CASTILHO, 2013, p. 73). Lamentável e atonitamente, vemos isso se alargando aqui no Brasil novamente em consequência da gestão anti-indígena que se apoderou do Estado brasileiro em 2019. E que, com a pandemia que nos assola desde então, se destratou e destrata os povos indígenas, anunciado na mídia nacional e internacional e através de órgãos indigenistas e, sobretudo, pelo Movimento Indígena.

Neste escopo, há muitos dissensos e consensos, aproximações e distanciamentos, contradições e convergências; pouco diálogo e grande silenciamento; simetria e hierarquia; ambiguidades históricas, culturais, políticas, etc. Situações que se estendem como resultantes de micro e macro política, de forma particular, na educação.

Como exemplo, citamos o Relatório síntese da CEPAL, intitulado “Os Povos Indígenas na América Latina – Avanços na última década e desafios pendentes para a garantia de seus direitos do ano de 2014, onde os indígenas brasileiros também estão presentes como a crítica à educação e à formação direcionadas a eles.

No que tange ao direito à educação, enfatiza-se que o número daqueles que frequentam algum estabelecimento educativo, a partir de censos de 2005 a 2011 aumentou significativamente, embora este serviço em oferta, seja baixo em comparação a outros setores da população geral, elencando dificuldades devido ao acesso geográfico, ausência de políticas educacionais que respondam aos seus contextos culturais e também, a falta de participação efetiva em ações ou projetos no âmbito do ensino e aprendizagem.

Por outro lado, acredita-se ser essencial que os Estados sustentem a continuidade educativa desde os níveis da infância até a formação universitária e de especialização e/ou pós-graduação, para garantir a qualidade da oferta educativa para os povos em questão, condizentes às suas características culturais através da interculturalidade.

A síntese explicita que há necessidade de abraçar a perspectiva intercultural nas instituições convencionais existentes, como também, a geração de novas instituições de educação superior que respondam aos requisitos e cosmovisões indígenas, “pois constituem um espaço para a edificação de um diálogo simétrico, de mútuo respeito e útil para o fortalecimento da diversidade (CEPAL, 2014, p. 102), transformando a relação com outras sociedades.

Observa-se uma escassa pertinência da maioria das instituições de educação superior da América Latina com relação à diversidade social e cultural que caracteriza os países da região. Isto reforçou formas de discriminação que afetam não só indivíduos e comunidades de povos indígenas, mas também os planos de estudo e a qualidade da formação nessas instituições. Essa escassa pertinência com a diversidade social e cultural de seus contextos de atuação também incide negativamente em suas possibilidades de geração de conhecimentos, tecnologias e inovações sociais e educativas úteis, que poderiam ser benéficas para os povos indígenas em particular e as respectivas sociedades nacionais em seu conjunto (Ibidem).

Dito de outra maneira, é imprescindível que além dos governos, as instituições de ensino, com destaque à superior pública, incorporem respeitosa e eticamente elementos culturais próprios destes povos, mas, principalmente, enxerguem a diversidade cultural dos mesmos como riqueza, conhecimento, ciência e emancipação na prática formativa.

A finalidade maior é efetivar atitudes emancipatórias que são também multifacetadas (SMITH, 2018) porque intencionam a proteção de cada povo em questão, como também, suas línguas, costumes, crenças, sem deixar de canalizar soluções para os problemas indígenas no contexto contemporâneo.

Os povos indígenas possuem um extenso acervo cultural, e a transmissão da história oral sempre se caracterizou como uma das principais formas de conservação dos saberes originários. Por meio da construção de escolas indígenas e da inserção de cursos voltados para esses povos nas universidades, há a apropriação do conhecimento, conscientizando as próximas gerações. O fortalecimento da educação no movimento indígena permite a introdução da espiritualidade e dos rituais em ambientes diversificados, familiarizando a população juvenil às diferentes visões de mundo e a importância de elementos que representam as crenças dos povos originários [...] A resistência é ensinada por meio de cantos e de ambientes escolares, da apropriação da linguagem e preservação dos rituais. A aculturação dos povos originários é um mito, um conto produzido pelo pensamento moderno-colonial baseado em preconceitos e desconhecimento da dimensão da cultura indígena [...] (SILVA; GONÇALVES, 2017, p.181)

A importância de descortinar essa realidade é propor como educadores, assumirmos uma nova concepção de formação, comprometida com a emancipação não somente em relação os indígenas, mas conosco mesmo. Significa, partir “de uma perspectiva monocultural para outra multi e intercultural, que seja capaz, pelo viés da consciência crítica de transcender o etnocentrismo” (MEDEIROS; ABREU, 2021, p.115) na prática singular e na prática coletiva, onde é necessário o confronto do que é colonial e do que é decolonial no alicerce da formação de educadores.

Assim, a decolonização no âmbito formativo, em relação aos povos indígenas, tornar-se-á concreta, quando se introduzirem na sua construção histórica, as epistemologias que revisam e revestem as vestes rasgadas e malfeitas da imposição etnocêntrica da cientificidade, silenciando, excluindo e invisibilizando os povos indígenas das nossas muitas Amazônias, como também, de tantos outros educadores destes territórios.

Formação docente universitaria nas Amazônias e os povos indígenas

Em relação à questão indígena, a Universidade que instrumentaliza a formação docente, carece do entendimento de que é uma instituição onde se possa pensar a longo prazo e agir em função dele, e esta é a ação que a distingue de tantas outras instituições sociais (SANTOS, 2008).

Nesse contexto, temos necessidades que são urgentes – não somente a longo prazo, mas a curto e médio também – como a efetivação de uma política institucional, dialogada, discutida e definida, superando as ações esporádicas, que já existem quando se ‘acolhem’ estes povos, para além do âmbito pedagógico.

Os indígenas devem estar incluídos, de forma total e não parcialmente, nas pautas de discussão dentro das universidades, democratizando a instituição para o diálogo permanente com as diferenças. É, pois, a chance prática de democratizar a universidade, tornando-a mais justa para estes sujeitos.

O diálogo com os etnocentricamente definidos de ‘diferentes’, embora reconhecidos como cidadãos brasileiros, como é o caso de cada representante indígena, com sua etnia específica e diferenciada, é um ‘diálogo’ vagaroso e doloroso nos corredores universitários.

Não é possível reverter 500 anos de colonialismo e dizimação nem a baixos custos, nem da noite para o dia. Nesses termos, ao invés de pobres e excluídos – ainda que vivam em condições materiais que eles desejam ver melhor – os povos indígenas deveriam ser vistos como dotados de uma riqueza própria, de uma capacidade especial de se manter diferentes e conservar seus valores sob tanta pressão colonialista e tanta violência, cujas histórias interconectadas às do Brasil devem ser conhecidas e divulgadas por entre todos os brasileiros (LIMA; HOFFMANN, 2004, p. 17).

Lima e Hoffmann (2004) alertam que as Instituições de Ensino Superior devem auto indagar-se sobre o quanto podem beneficiar-se com a presença indígena, não apenas dando o exemplo de tolerância, mas compreendendo que este não é um processo rápido.

A Universidade, no que lhe compete, pode mudar esse panorama, acreditam os autores, encontrando mecanismos que possibilitem trazer o indígena para dentro dela, desviando-se do peso de uma administração tutelar, criando oportunidades e discussões concretas.

Outra importante dimensão é perceber que trabalhar com este coletivo traz uma gama de riqueza, que pode vir a ser estratégia efetiva de decolonialidade. Por conta disso, precisaria intentar primeiramente, por uma decolonização interna, tanto no aspecto subjetivo como no patamar objetivo de suas ações.

Como educadores, analisar este cenário para questionar atos, ecos e pensamentos, a partir dessa relação. Avaliar a forma de contato com os indígenas, usando como ponte à autorreflexão da racionalidade priorizada no ensino, nas pesquisas, etc, quando se tratam de conhecimentos outros.

Começar quem sabe, uma ruptura paragmática, com a gama de saberes, cosmologias, referências de vida emudecidos pelo processo colonizador, no que tange aos indígenas e trabalhar discursos e práticas contra-coloniais indagando “o discurso sobrepujante do ocidentalismo que permanece em constante tensão e conflito” (LEDA, 2015) na Universidade.

Buscar pensar em quê nossas didáticas formativas ressignificam o (de)colonial. Como os conceitos nos aprisionam ou nos libertam nessa dinâmica? O que fica difícil trazer à tona? Que pilares anticoloniais sustentantes nossos fazeres-saberes na Amazônia? Que saberes-fazeres seriam primordiais na formação com indígenas? Que pesquisas e pesquisadores priorizamos para melhor compreender esse processo?

As respostas, naturalmente, deveriam repercutir levando os educadores do contexto amazônico (e fora dela) a enxergarem os indígenas presentes nas Amazônias, reconhecendo suas culturas e seus projetos sociais para problematizar o papel do diálogo político pedagógico nessa conjuntura. E sem fugir da equação da complexidade nesta realidade e responsabilidade com sentido – e consentido – pela diversidade étnica, cultural com vozes autorizadas e práticas desses sujeitos.

Ao considerar essas situações concretas da pretensão/roupagem decolonial em nossos saberes e fazeres, se intenta que esta dinâmica não caia na armadilha de transforma-se em mais um jargão no processo da academia ou um novo fetiche acadêmico.

Precisamos assim, fomentar o entendimento de que esta discussão e a práxis da mesma, no âmbito da formação de professores, não é algo fácil, encantador e romântico. Muitas vezes, o novo, segundo Gomes (2003), assusta-nos e nos impõe grandes desafios.

Isto porque, “nos faz olhar para a nossa própria história, nos leva a passar em revista as nossas ações, opções políticas e individuais” (GOMES, 2003, p. 73). É preciso ainda reconhecer nossas diferenças, o que implica “romper com preconceitos, superar as velhas opiniões formadas sem reflexão, sem o menor contato com a realidade do outro” (Ibidem).

A beleza da formação está em saber ressignificar esse processo, principalmente, quando lidamos com os indígenas. Sempre que algo nos incomoda, abre caminho impulsionador para a transformação e emancipação no palco de contradições que é o cotidiano formativo na forma capitalista de produção e da nossa viseira ocidentalocêntrica que acaba nos domesticando, que nos torna sonâmbulos de nossa prática pedagógica. A ideia é acordar.

Uma vez acordados, podemos perceber, aos poucos, o jogo de conflitos e contradições sustentando nossas práticas, nossa retórica, nosso etnocentrismo. Criticidade esta, construtora de nosso desvencilhamento da legitimação e justificação do status quo da academia que não concebe em grande parte, combater a fraca percepção de que somente conhecimentos ocidentais deveriam ser o centro da nossa atenção cotidiana.

Em outras palavras, se a universidade com todas suas ambiguidades formativas nos dá a possibilidade para pensar no aprendizado colonialista, paradoxalmente, ela contribui para o aprendizado decolonial, que é uma das riquezas da formação docente.

As epistemologias de povos originários, por exemplo, precisam ser melhor avaliadas, entendidas e respeitadas, alguns professores indígenas em formação universitária, assim, argumentam:

Quando eu dou aula, não é só eu que estou contando uma história ou ensinando uma regra, ensinando um conhecimento. Na minha cabeça, está o meu avô, meu tio, meu pai, minha mãe. Eu falo o que também o espírito ancestral falou para mim. O índio professor é assim. (Professor indígena, município de Manicoré/AM, etnia Parintintin).

É difícil na minha cabeça alguns conceitos de vocês... esse negócio de saúde, de higiene, de idade, de adolescente... acho que preciso estudar muito ainda ou são vocês que precisam estudar nós. (Professor indígena, do município de Benjamim Constant/AM, etnia Tikuna).

As falas apresentadas estão prenhes de um pensar outro, epistemes outras, cosmologias distantes daquela disseminada na universidade, “porque o que rege o saber tradicional da Amazônia é a sensibilidade perceptiva do mundo, em que se apaga a diferença entre o ôntico e o ontológico (OLIVEIRA, 2011, p. 190).

A formação de educadores a se pensar para ou com os povos das nossas muitas Amazônias, requer um projeto formativo para além do reconhecimento do mundo multicultural, requer chegar à prática da interculturalidade no contexto da diversidade.

Isto significa, decolonizar tudo que nos forjou até aqui enquanto formadores e como instituição histórica de ensino e aprendizagem que elabora e reelabora conhecimentos.

Nossas considerações para suscitar outras

A universidade pública fincada nas Amazônias, poderia com mais afinco - na relação ação-reflexão-ação - corresponder às necessidades concretas do cotidiano amazônico, levando a cabo, a socialização do conhecimento produzido pela humanidade e suas especificidades. Coerente ao seu compromisso de mudança e atenção à sociedade que a envolve.

Entendemos que apostar na entrada, permanência e saída exitosa dos indígenas neste espaço formativo, traz também a responsabilidade de engendrar a vivência de decolonialidade em todos os âmbitos da universidade, consequentemente, da formação que esta instituição oferta.

Entendendo que quando indígenas reivindicam o ensino superior, mexem nas estruturas da Universidade que tem dificuldade de se tornar decolonizadora pelo seu constructo histórico.

Assim a formação na academia para os sujeitos amazônicos, como os indígenas, passa do incômodo, do que fazer, da insegurança, da invisibilidade para a correlação de forças político pedagógicas, onde a instituição e o instituído no bojo do diálogo com estes sujeitos tomem ciência de suas diferenças, todavia, encontrem maneiras de confluências, onde saberes e conhecimentos sejam diálogos, enveredando para práticas formativas emancipatórias e cotidianamente ressignificadas.

Que beleza e solidez de conhecimento seriam alicerçadas no diálogo com o geógrafo universitário e o geógrafo indígena, ribeirinho, negro? O que ganharia a filosofia? A psicologia? A matemática? A agronomia? A biologia? A medicina? A pedagogia? O que se ganharia no mundo do conhecimento se as ciências ocidentais, através do corredor acadêmico estivessem abertas às ciências indígenas, por exemplo? Por certo, novas epistemologias seriam elaboradas.  E os ganhos foram na contramão da matriz colonial de poder e saber (QUIJANO, 2005) que forjou a Universidade que conhecemos.

Um dos rumos assumidos por tais reflexões, diz respeito à aposta de que a Universidade e a formação atribuída a ela, possibilitem, parafraseando OLIVEIRA (2021) reaprender novas perspectivas de mundo, partindo de estudos e pesquisas que trazem à tona a diferença colonial.

 

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Notas

1Ideia reducionista, a qual enfatiza que os indígenas são todos iguais, do mesDI lugar, e que possuem a mesma cultura, linguagem etc. Nestas linhas, as dimensões das diferenças não são levadas em conta pela sociedade brasileira, de forma quase geral.

2No sentido depreciativo e ignorante do termo, presume que os indígenas não possuem saberes próprios, ciências, artes, ‘religiosidade’, condições, que os caracteriza como povos, sociedades, etnias. Segundo essa percepção, sem o saber eurocêntrico, eles não seriam ‘nada’.

3FREIRE (2002): [...] enfiaram na cabeça da maioria dos brasileiros uma imagem de como deve ser o índio: nu ou de tanga, no meio da floresta, de arco e flecha, tal como foi descrito por Pero Vaz de Caminha. E essa imagem foi congelada. Qualquer mudança nela provoca estranhamento. Quando o índio não se enquadra nessa imagem, vem logo a reação: “Ah! Não é mais índio”. Na cabeça dessas pessoas, o “índio autêntico” é o índio de papel da carta do Caminha, não aquele índio de carne e osso que convive conosco, que está hoje no meio de nós (p. 13).

4Projeto de Estado, de algumas igrejas, de certas escolas que os inviabiliza, tirando de cada etnia, de cada povo indígena o direito da presença e da pertença de cidadão com cultura própria, sendo brasileiro e indígena.

5Tal ideia desconsidera que o povo brasileiro tem como uma de suas matrizes constitutivas indígenas de várias culturas, por exemplo, Tupi, Karib; Aruak; Tukano e tantas outras, que torna a constituição do povo brasileiro bem multicultural, miscigenada.

6A investigação Indígenas no Brasil – Demandas dos Povos e Percepções da Opinião Pública foi financiada pela Fundação Rosa Luxemburgo ao longo dos anos 2010 e 2011.

 

 

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