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Rela��es raciais e amefricanas nas universidades ocidentalizadas: o recado est� dado
Racial and Amefrican relations in Western universities: the message is given
Antonio Donizeti Fernandes
Professor Adjunto na Universidade Estadual do Norte do Paran�. Jacarezinho, Paran�, Brasil.
donizete@uenp.edu.br - https://orcid.org/0000-0002-8564-8521
M�riam Cristiane Alves
Professora Adjunta na Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.
olorioba.miriamalves@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-4318-1927
Recebido em 14 de outubro de 2021
Aprovado em 03 de dezembro de 2021
Publicado em 22 de dezembro de 2022
RESUMO
A sala de aula nas universidades ocidentalizadas ainda se apresenta como espa�o social de privil�gio branco, fazendo com que a escrita e a interpreta��o sobre a hist�ria afrodiasp�rica sigam o caminho de uma hist�ria �nica. Deste modo, o presente artigo objetiva problematizar o estudo das rela��es raciais, das rela��es amefricanas e da hist�ria da �frica nas universidades ocidentalizadas a partir da enuncia��o de corpos-pol�ticos pretos performados em narrativas ficcionais. Sobre o caminho metodol�gico, apostamos em uma escreviv�ncia em oralitura performada em narrativas ficcionais marcando na cena acad�mica uma pol�tica de escrita engajada e encharcada pela afirma��o de uma ci�ncia cuja racionalidade n�o � linear, constituindo-se pela complementariedade entre raz�o e emo��o. As narrativas foram constru�das a partir de mem�rias inscritas no corpo-pol�tico de duas mulheres pretas e um homem preto que responderam ao question�rio on-line da pesquisa Necropol�tica e Popula��o Negra, vinculada ao N�cleo de Estudos e Pesquisas E�l��k�. A hist�ria afrodiasp�rica e ladioamefricana resiste ao esquecimento, silenciamento, invisibilidade, apagamento nas paredes brancas das universidades ocidentalizadas, na cena brasileira, por meio da presen�a intelectual e militante de homens e mulheres pretas. A escreviv�ncia em oralitura performada em narrativas ficcionais neste estudo, marca o ser-sendo na produ��o do conhecimento de muitas mulheres e homens pretas e pretos na universidade; marca o porvir do conhecimento produzido a partir das experi�ncias pretas.
Palavras-chave: Racismo; Hist�ria de �frica; Educa��o; Escreviv�ncia; Campo problem�tico e pista para um futuro.
ABSTRACT
Western universities classroom�s still present it selves as a white privilege social space, so that the writing and interpretation of the Afrodiasporic history follows the path of one single history. Therefore, this article aims at problematizing both the study of racial relations, Amefrican relations, and African history at Western universities through the enunciation of black political-bodies performed in fictional narratives. Regarding the methodological approach, we bet on an escreviv�ncia[1] (write-living) in oraliture performed in fictional narratives to mark the academic scene with a writing politics that is both engaged and imbued with a science which rationality is nonlinear,� hence constituting itself on the complementarity of reason and emotion.� The narratives were built from memories inscribed in the political bodies of two black women and one black man, who have answered the online survey of the Necropolitics and Black Population research, that is tied to the E�l��k� Studies and Research Center. The Afrodiasporic and Amefrican history resist forgetfulness, silencing, invisibility, and erasure between the white walls of Western universities, in the Brazillian scenario, through the intellectual and militant presence of black men and women. In this study, escreviv�ncia in oraliture performed in fictional narratives marks the experience of being through being within the production of knowledge of many black women and men at university; it marks the future of the knowledge produced through black experiences.
Keywords: Racism; African History; Education; Escreviv�ncia; Problematic field and clues to a future.
Campo problem�tico e pistas de um porvir
����������� O ano � 2019. Na cena, uma sala de aula virtual, um professor branco, Paulo, com 31 anos de doc�ncia em uma universidade p�blica no sul do Brasil. Ele nega a possibilidade de incluir em seu conte�do program�tico discuss�es sobre rela��es raciais, sobre �frica e/ou �Am�frica�[2] (GONZALEZ, 1988/2018a). Na sala do doutorado, um pequeno grupo de estudantes pretos e pretas, tr�s em uma turma de vinte e cinco, incomodadas/os, indignadas/os, aborrecidas/os e sem saber como lidar com o racismo que escorre pela boca do docente: Epistemologias negras? Filosofia africana? Hist�ria de �frica?� Am�frica? Escreviv�ncia? Quantas bobagens! Eu fa�o ci�ncia. E n�o � poss�vel fazer qualquer altera��o no conte�do da disciplina. Voc�s nem deveriam estar aqui! Entraram pela porta dos fundos e ainda querem ditar o que devo lecionar. N�o foi a primeira vez que Paulo exalou o seu racismo por meio de seu corpo-pol�tico branco, cisheteronormativo, patriarcal, de raz�o colonial, que acumula dezenas de den�ncias sobre manifesta��es racistas, sexistas e LGBTIA+f�bica, tanto na gradua��o, quanto na p�s-gradua��o.
- Boa noite professor, meu nome � Latifa. Sou uma mulher preta de 30 anos, nascida no ber�o da milit�ncia antirracista herdado de minha m�e e de meu pai, ambos ativos na luta dos movimentos sociais negros. Estou consternada e indignada com o que ouvi! Racismo � crime, professor! E isso que o senhor est� fazendo chama-se racismo epist�mico. O senhor conhece L�lia Gonzalez? Pois bem, vou lhe apresentar essa int�rprete do Brasil, como salienta Raquel Barreto (2018). L�lia diz:
[...] a Am�frica, enquanto sistema etno-geogr�fico de refer�ncia, � uma cria��o nossa e de nossos antepassados no continente em que vivemos, inspirados em modelos africanos. Por conseguinte, o termo amefricanas/amefricanos designa toda uma descend�ncia: n�o s� a dos africanos trazidos pelo tr�fico negreiro, como a daqueles que chegaram � AM�RICA muito antes de Colombo. Ontem como hoje, amefricanos oriundos dos mais diferentes pa�ses t�m desempenhado um papel crucial na elabora��o dessa Amefricanidade que identifica, na Di�spora, uma experi�ncia hist�rica comum que exige ser devidamente conhecida e cuidadosamente pesquisada (GONZALEZ, 1988/2018b, p. 330).
Professor, independentemente do que possa pensar, n�s pretas e pretos estamos aqui, na cena universit�ria, no doutorado, comprometidas/os com o processo de inscri��o de nossa �tica, ontologia e epistemologia preta nesse territ�rio que tamb�m � nosso. Hoje somos tr�s pessoas pretas nesta sala, vilipendiadas pelo seu racismo. Amanh�, seremos dezenas denunciando aos �rg�os competentes o que vivenciamos aqui.
A sala de aula, tanto para professoras/es quanto para estudantes, apresenta-se como universo mediado por rela��es cotidianas, cujos sentidos pedag�gicos deveriam estar pautados pela dial�gica entre as pessoas que a comp�e, instigando a imagina��o, a curiosidade, a emancipa��o, o sentimento de pertencimento e o desejo de expandir os conhecimentos. Ainda que tudo isso possa fazer parte do ide�rio da educa��o formal, frequentemente, a capacidade de reflex�o e problematiza��o de muitas professoras e professores, sobretudo brancas e brancos, em torno das rela��es raciais na sociedade brasileira e em contexto global, torna-se distante daquilo que pensam estar fazendo, haja vista as paredes do racismo epist�mico. No que concerne �s rela��es raciais, a sala de aula nas universidades ocidentalizadas apresenta-se como espa�o social de um privil�gio branco, fazendo com que a escrita e a interpreta��o de nossa hist�ria sigam um caminho �nico, o perigoso caminho de uma hist�ria �nica, como enuncia e denuncia Chimamanda Adichie (2019).
A ideia-conceito sobre universidades ocidentalizadas aqui apresentada parte das discuss�es propostas por Ram�n Grosfoguel quanto ao �privil�gio epist�mico dos homens ocidentais sobre o conhecimento produzido por outros corpos pol�ticos e geopol�ticas do conhecimento� (GROSFOGUEL, 2016, p. 25). Ainda segundo o autor, tal privil�gio branco de definir o que � verdade e o que � melhor para outros corpos pol�ticos:
[...] tem gerado estruturas e institui��es que produzem o racismo/sexismo epist�mico, desqualificando outros conhecimentos e outras vozes cr�ticas frente aos projetos imperiais/coloniais/patriarcais que regem o sistema-mundo (GROSFOGUEL, 2016, p. 25).
Eis o modo como se l�, ensina-se e d�-se emprego aos modelos te�rico-metodol�gicos e epistemol�gicos nas ci�ncias humanas e sociais em face de nossa realidade de amefricanas/os em territ�rio brasileiro. At� quando?
Desde 1980, as lutas sociais materializadas nos esfor�os dos movimentos negros em busca de acesso aos servi�os p�blicos, sobretudo a educa��o universit�ria e, mais recentemente, com o advento das pol�ticas de a��es afirmativas, apresentam-se como um dos fatos mais importantes que passariam a influenciar cursos de gradua��o e programas de p�s-gradua��o nas ci�ncias humanas e sociais. Um pensamento engajado, localizado politicamente na luta antirracista, passou a influenciar e abrir fissuras na academia mesmo diante do racismo epist�mico. Falamos de uma luta que vem de longe, com um importante marco na d�cada de 1980 frente a conjuntura e aos eventos pol�ticos que se tinham, at� ent�o, em favor do processo de redemocratiza��o no Brasil: anistia pol�tica (1979), movimento por elei��es diretas (1984), instaura��o da Constituinte (1986) e a renova��o te�rico-metodol�gica ocorridas desde o final de 1970[3]. Com a chamada renova��o da hist�ria pol�tica e de sua articula��o com a hist�ria cultural, per�odo de expans�o dos cursos de p�s-gradua��o e de revigoramento (GOMES, 2004; RUBIM, 1996), como no caso dos cursos de hist�ria � sob o efeito hist�rico-pol�tico e, tamb�m, hist�rico-cultural � tal conjuntura iria refletir no campo que privilegiaria a an�lise das rela��es de domina��o a partir do trabalho.
O estudo das rela��es raciais, amefricanas e da hist�ria da �frica � luz da obrigatoriedade de seu ensino, aprovada pela Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2003), depois de muitas discuss�es e reivindica��es dos movimentos negros, prop�e � educa��o formal lidar e pensar n�o s� na heran�a e no ethos de um grupo espec�fico, mas, tamb�m, na escrita da hist�ria humana (MOORE, 2012). E, no caso espec�fico do Brasil e da Am�frica, uma hist�ria humana comprometida com a promo��o da equidade racial e civilizacional[4] ao abordar discuss�es sobre: a) ontologia, �tica e epistemologia em torno do ser, estar e compreender o mundo� para al�m da verdade ocidental; b) as rela��es de poder e de domina��o entre colonizador e colonizado; c) as den�ncias de racismo e sua manuten��o e atualiza��o nos diferentes espa�os que constituem as sociedades ocidentalizadas, sobretudo o espa�o universit�rio.
Como um rio caudaloso a rumar para o mar, em seu fluxo e refluxo cont�nuos, a obrigatoriedade de aprender e ensinar nos desafiam a lidar com o que foi cont�guo e comum desde a terceira d�cada do s�culo XVI: a �frica e o tr�fico dos povos oriundos da sua costa atl�ntica rumo ao Continente Americano � a di�spora dos povos africanos e o escravismo colonial � a Am�frica Ladina. Assim, com o prop�sito de n�o deixar a sala de aula �com veludo nos tamancos�, isto �, para que n�o seja perpetuado o silenciamento, a invisibiliza��o, a desumaniza��o, o apagamento de produ��es de vida, de conhecimento e de modos de exist�ncia afrodiasp�rica, o presente artigo objetiva problematizar o estudo das rela��es raciais, das rela��es amefricanas e da hist�ria da �frica nas universidades ocidentalizadas a partir da enuncia��o de corpos-pol�ticos pretos performados em narrativas ficcionais.
Sobre o caminho metodol�gico, partimos da articula��o entre os conceitos de escreviv�ncia de Concei��o Evaristo (2017), oralitura de Leda Maria Martins (2003) e fic��o de Luis Artur Costa (2014). Segundo Concei��o Evaristo, a palavra escreviv�ncia nasce do jogo entre as palavras �escrever�, �viver� e �se ver�, tendo como fundamento a �fala de mulheres negras escravizadas que tinham de contar suas hist�rias para a casa-grande�, ou seja, tem como pressuposto �a autoria de mulheres negras, que j� s�o donas da escrita, borrando essa imagem do passado, das africanas que tinham de contar a hist�ria para ninar os da casa-grande� (EVARISTO, 2020, s/p). A escreviv�ncia constitui-se como ato pol�tico de mulheres pretas que se apoderam da escrita e da escrita de si, que expressa uma singularidade, mas tamb�m o agenciamento coletivo de vozes negras atravessadas pelo racismo, sexismo e classismo (EVARISTO, 2017); possui uma dimens�o �tica ao propiciar a quem produz a escrita, �o lugar de enuncia��o de um eu coletivo, de algu�m que evoca, por meio de suas pr�prias narrativa e voz, a hist�ria de um �n�s� compartilhado� (SOARES; MACHADO, 2017, p. 207). Ao p�r em discuss�o a escreviv�ncia como ferramenta metodol�gica, Lissandra Soares e Paula Machado (2017) argumentam que:
[...] Ela se presta a uma subvers�o da produ��o de conhecimento, pois, al�m de introduzir uma fissura de car�ter eminentemente art�stico na escrita cient�fica, apresenta-se por meio da entoa��o de vozes de mulheres subalternas e de sua posicionalidade na narra��o da sua pr�pria exist�ncia� (p. 207).
A oralitura de Leda Maria Martins (2003), ao lan�ar m�o da mem�ria desde um repert�rio oral e corporal, invoca as grafias do corpo, os vest�gios esmaecidos que se tornaram segredos desde a viol�ncia transatl�ntica, mas que resistem, escapando como performances insurgentes que conectam corpos pretos amefricanos na di�spora. A oralitura diz respeito � mem�ria que se inscreve �como grafia pela letra escrita, articula-se assim ao campo e processo da vis�o mapeada pelo olhar, apreendido como janela do conhecimento� (MARTINS, 2003, p. 64).
Quanto � fic��o, ela � tomada como uma forma de reinscrever a realidade, tornando-a �ainda mais real, mais complexa, densa e intensa ao intrincar suas tramas com novas possibilidades de rela��o� (COSTA, 2014, p. 553). Ainda conforme o autor:
O uso da fic��o como estrat�gia agenciada � problematiza��o de um campo de pesquisa nos permite a complexifica��o do �objeto�, dar densidade �s suas virtualidades que n�o cabem nos limites postos por sua representa��o atual: ultrapassar a descri��o estrita do �dado� adentrando nos meandros fugidios dos acontecimentos e seu intricado campo de possibilidades. Deslocar a busca de representar aos objetos formalizando-os com palavras que se querem vazias de sentido pr�prio: apenas apresentariam o objeto pela l�ngua neutra e objetiva (op.cit., p. 558).
A partir do conceito de fic��o (COSTA, 2014), apostamos na cria��o de narrativas ficcionais que permitam a insurg�ncia de uma pol�tica de escrita que abre fissuras na produ��o cient�fica. Neste estudo, as narrativas ficcionais s�o tomadas enquanto campo f�rtil que nos permite conjecturar, nomear e (re)elaborar imagin�rios racistas e sexistas sobre corpos pretos nas universidades ocidentalizadas; produzir o agenciamento coletivo de vozes pretas, considerando os sentidos, os afetos, as apercep��es, as emo��es, os devaneios e devires que escorrem pelo corpo em conson�ncia com a raz�o; e, assim, enunciar novos imagin�rios a partir de mem�rias, gestos, performances dos corpos-pol�ticos na cena universit�ria. As� narrativas ficcionais aqui apresentadas foram constru�das a partir das grafias inscritas no corpo de duas mulheres pretas e um homem preto que responderam ao question�rio on-line da pesquisa Necropol�tica e Popula��o Negra: problematiza��es sobre racismo e antirracismo e seus desdobramentos em tempos de pandemia e p�s-pandemia da COVID-19[5], vinculado ao curso de Psicologia, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e ao Programa de P�s-Gradua��o em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGPSI/UFRGS).
Portanto, enunciamos nosso caminho metodol�gico enquanto uma escreviv�ncia em oralitura performada em narrativas ficcionais, marcando na cena acad�mica uma pol�tica de escrita engajada e encharcada pela afirma��o de uma ci�ncia cuja racionalidade n�o � linear, constituindo-se pela complementariedade entre raz�o e emo��o. Assumimos, com Fanon (2008), o mundo da n�o linearidade constru�do nas pot�ncias po�ticas do existir, que rompe com a raz�o branca colonial, preconcebida e prescritiva sobre como devemos ser, estar e agir no mundo. Cada se��o deste artigo ser� apresentada por uma cena performada por corpos-pol�ticos pretos que habitam o mundo universit�rio, com o intuito de possibilitar a compreens�o da discuss�o te�rico-epistemol�gica aqui presente.
O recado est� dado
Na cena, Latifa. Mulher preta, cisg�nero, bissexual, de tradi��o de matriz africana, estudante do doutorado. Com sua pele preta retinta, corpo altivo e firmeza nos passos, ela se desloca em dire��o a uma sala de aula. Vai ao encontro de estudantes incomodados, para n�o dizer revoltados, com o racismo que exala das paredes brancas da universidade.
- Ol� pessoal, para quem n�o me conhece eu sou a Latifa. Meu nome? � da l�ngua Sua�li, do Qu�nia e Tanz�nia, significa aquela que � gentil. Ele me remete �s minhas origens, � necessidade de compreender de onde vieram meus antepassados; me levou ao Continente Africano e isso foi um diferencial para a minha constru��o subjetiva. � lastim�vel que outras crian�as pretas n�o tenham essa mesma possibilidade. Na verdade, teriam se a Lei 10.639/2003[6] fosse implementada. Bem... estamos mobilizando estudantes pretas e pretos do Programa de P�s-Gradua��o (PPG) para avaliar a situa��o ocorrida na aula do doutorado e organizar interven��es. Temos como convidada a professora Cl�udia Ayana e o estudante Pedro Henrique, que estava comigo na aula do professor Paulo. Aqui, nessa sala, j� somos mais de vinte e � bastante fortalecedor estar nesse coletivo do ponto de vista da identidade e da luta antirracista. Sentimos que a revolta que vivenciamos n�o � �nica, que o meu problema n�o � s� meu, que somos uma fortaleza quando estamos juntas/os. Vou relatar os passos j� tomados. Entregamos uma carta ao nosso PPG denunciando a manifesta��o racista do professor Paulo na aula do doutorado, e existe a demanda de juntarmos outras den�ncias de racismo deste mesmo professor em aulas do mestrado e da gradua��o. Essa carta tamb�m foi entregue � Reitora e j� fomos convidadas para falar em diversos espa�os da universidade. Tivemos apoio do NEABI[7], somente.
Posteriormente � formaliza��o da den�ncia, muitas/os professoras/es e colegas brancas/os adotaram outras formas de nos hostilizar. Percebo, por exemplo, que convites para escrever artigos, projetos nunca chegam para mim, diferente de outros colegas brancos que, vez ou outra, comentam: "Voc� vai participar daquele projeto que o professor criou?". S�o nesses momentos que descubro que nunca sou convidada, mesmo tendo estudos e conhecimento sobre o tema. O mesmo acontece com bolsas de pesquisa em projetos, sempre repassadas �s/aos estudantes brancas/os. Em certos momentos me arrependo de ter iniciado o doutorado nesta universidade, neste PPG. Tem momentos que me sinto culpada por ter feito a den�ncia de racismo, pois fiquei marcada: a doutoranda problem�tica, a militante, a barraqueira. Outro dia, teve uma reuni�o em que um professor, tamb�m branco, defensor do Paulo, disse que o que escrevi era fake news. Relatei � coordenadora, a qual afirmou que tinha conhecimento acerca da verdade do ocorrido e o repreendeu num momento privado, posterior � reuni�o. � isso, o agressor me constrange durante uma reuni�o p�blica, e � chamado � aten��o em particular.
Tenho refletido muito sobre isso, ser mulher preta consciente do racismo tem seu pre�o. Foi melhor me manifestar, denunciar (mesmo sabendo que n�o mudaria nada), do que pensar que outra mulher ou homem preta/o poderia entrar no curso e achar que est� sozinha/o, que nunca ningu�m se indignou, ergueu a voz, como diz bell hooks (2019). Como alternativa, para baixar a poeira da den�ncia, colocaram uma professora preta no curso, com p�s-doutorado, treze anos na universidade e s� depois da den�ncia � que a convidaram para atuar no PPG. De certa forma, foi uma vit�ria, por�m, me preocupo com o que ela poder� passar com esses professores e professoras brancas, pois ela me relatou que quando foi estudante do curso, passou por situa��es semelhantes � minha.
O recado est� dado, n�o vamos nos calar, n�o vamos sair ou deixar que saiam da sala de aula com veludo nos tamancos[8]. � chegada a hora das discuss�es sobre rela��es raciais, amefricanas, da hist�ria da �frica habitar a sala de aula. Precisamos refletir criticamente sobre o processo de escraviza��o dos povos africanos, mesmo em face das d�vidas sobre o que passou a ser considerado a chegada dos primeiros escravizados ao Brasil. Contudo, sabemos que foi com a cultura do a��car e com os primeiros engenhos de cana, como o da Capitania de S�o Vicente, que se introduziram os primeiros africanos no pa�s (MALHEIRO, 1867).� Agostinho Malheiro (1867) afirma que Martim Affonso de Souza encontrou escravizados, j� em 1531, ap�s a captura de uma caravela na Bahia. Essa embarca��o tinha como destino, depois de ter passado por Pernambuco, a cidade de Sofala - costa leste africana do atual Mo�ambique (VARNHAGEN, 1854; SILVA, 2011).
A chegada em 1538 do primeiro tumbeiro[9] regular ocorreria, por�m, por meio do navio de um velho e conhecido traficante que, desde 1514, mantinha com�rcio de vidas ind�genas com Dom Manuel (ELLIS, 1982; VERGER, 1987; RAMOS, 2004; SILVA, 2011; DORIGNY, 2017). O tr�fico de escravizados africanos, em espec�fico, como se anuncia, de h� muito vinha sendo executado nas chamadas �ndias orientais, pois a escravid�o de h� muito, tamb�m, manifesta-se como um fen�meno hist�rico. De acordo com Lovejoy (2002), a escravid�o esteve presente em muitos lugares desde a antiguidade cl�ssica, sendo que a �frica se manteve diretamente vinculada a essa hist�ria por fornecer escravizados tanto para antigas civiliza��es quanto para o mundo isl�mico, para a �ndia, para as Am�ricas e, para si mesma, at� o s�culo XX. Contudo, a manipula��o e o uso da ideia de ra�a e de racionaliza��o econ�mica do sistema fazem da escravid�o americana o diferencial em rela��o �s demais experi�ncias escravistas na hist�ria da humanidade. Kabengele Munanga (2012), ao prefaciar a obra Racismo e sociedade, de Carlos Moore, observa, no entanto, que esse fen�meno n�o � ou foi estruturado a partir da escravid�o africana e, sim, de uma constru��o s�cio-pol�tica que se manifesta enquanto express�o e condi��o universal fenot�pica.
Assim, um ensinar e um aprender requer pensar sobre as quest�es relacionadas � mem�ria e � hist�ria (RICOUER, 2007), a��es essas que, por sua vez, nos fazem pensar sobre a condi��o pr�pria do humano e de sua natureza, enquanto animal desmemoriado, a perfazer ou apoderar-se do esquecimento em seu uso e, ou, efeito enquanto arte e ci�ncia (WEINRICH, 1999). O que nos leva a considerar, portanto, o ensino e a aprendizagem � luz das habilidades �do esquecer�, �do lembrar� e �do perdoar�, essa �ltima � em espec�fico � um dos of�cios mais dif�ceis de serem praticados. Por essa habilidade, o signo da �arte do esquecer� as experi�ncias guardadas e trazidas na travessia do calunga grande, o mito de Lete com base na obra de Ricouer (2007) e Weinrich (1999)[10], possibilita-nos entender o esquecimento e a for�a do sentido da necessidade das imagens de �frica serem apagadas e ressignificadas.
Esse sistema desumano chegou a tal ponto que, na travessia do Atl�ntico, os corpos e as almas dos cativos, ao provarem do curso de suas �guas � como no rio de Lete, uma das ninfas do Hades (WEINRICH, 1999) � para que pudessem renascer, precisavam ser libertos do peso de suas lembran�as e das amarras que os prendiam �s suas origens e, assim, �mortos socialmente� (PATTERSON, 2008).�� F�sica e simbolicamente usurpados, al�m de lhes serem despojadas e deslocadas, suas lembran�as tornar-se-iam objeto, produto e produ��o das pr�ticas de inven��es e ressignifica��es. O que Achille Mbembe (2017, p. 30) denomina de �processos de efabula��o�, os modos de �apresentar como reais, certos ou exactos, factos muitas vezes inventados� em nome de uma raz�o ocidental, mercantil, euroc�ntrica.
Quer dizer, em seu encontro com o europeu no s�culo XV, for�ados a romperem com os elementos que possibilitavam dar entendimento aos prim�rdios de suas exist�ncias, esses homens e essas mulheres eram obrigados a dar vida ao mito grego e demais outros que viriam a surgir no �novo mundo�, passando a impelir novos sentidos e modos de se lidar com �o negro enquanto produto europeu� (OLIVA, 2003, p.443) e categoria classificat�ria ub�qua ulterior[11]. Prova disso foi a tentativa de apagar a mem�ria, deslocando-se, por exemplo, o significado do pensamento tradicional iorubano em que �as �rvores associadas aos prim�rdios da exist�ncia�, como podemos interpretar Nei Lopes (2004, p.55), tornar-se-iam arvoredo do esquecimento:
[...] em torno do qual os escravos que embarcavam para travessia do Atl�ntico eram obrigados a dar voltas (nove, os homens; sete as mulheres), num ritual tendente a provocar-lhes uma esp�cie de amn�sia sobre o momento que vivenciavam. Segundo algumas interpreta��es, esse ritual era uma defesa dos traficantes africanos contra poss�veis feiti�os ou pragas mandadas de volta pelos infelizes traficados (LOPES, 2004, p.76).
Neste �novo mundo�, sob a �gide do trabalho escravizado e do adestramento do corpo, atrav�s dos requintes da puni��o e da vigil�ncia, os sobreviventes dos tumbeiros, ao chegarem nas Am�ricas, renasceriam para o mando e para a obedi�ncia, embora nem sempre e nem totalmente servis e domesticados como os colonizadores gostariam que fossem. A escravid�o, mesmo que o Papa j� tenha pedido perd�o - como diz a letra da m�sica Ora��o pela �frica do Sul, de Gilberto Gil (1985) -, ir� forjar a arte do esquecimento e as suas ressignifica��es permaneceriam ainda hoje a rondar e a tentar domesticar aquelas/es que trazem em sua ascend�ncia o estigma enquanto uma chaga aberta. Eis a tentativa do professor Paulo em manter esquecido, silenciado, invisibilizado, apagado o legado civilizacional, ontol�gico, �tico e epistemol�gico presente em diferentes express�es e tradi��es afrodiasop�ricas, que se mant�m vivas no Brasil e na Am�frica Ladina como um todo.
O corpo-pol�tico branco de Paulo performa a matriz colonial do poder, edificada na distin��o entre humanos e n�o humanos produzida pelo colonialismo, atualizado pela colonialidade. Frantz Fanon (2005) aponta que o colonialismo se constitui como um sistema de explora��o e domina��o violento, produzido pelo colonizador diante do povo colonizado. O autor salienta que a viol�ncia, na l�gica colonial, � essencialmente dada, j� que o colonizador atua na perspectiva de dominar e explorar a exist�ncia de homens e mulheres que vivem no territ�rio colonizado, retirando seus bens, costumes, cultura, tradi��es em nome do trabalho escravizado. O colonialismo europeu em terras africanas produziu uma cis�o racializada entre brancos e negros, efetivando mundialmente a hierarquia e a domina��o racial dos primeiros em rela��o aos segundos (FANON, 2005). J� o conceito de colonialidade vai al�m dos limites e particularidades do colonialismo hist�rico, como algo que n�o desaparece mesmo ap�s uma suposta independ�ncia ou descoloniza��o dos povos colonizados (QUIJANO, 1997), seja no Continente Africano, seja na Am�frica.
A colonialidade constitui-se em um �padr�o mundial de poder capitalista, colonial/moderno, eurocentrado� (QUIJANO, 2005, p. 126), cujas rela��es de poder subalternizam sujeitos e conhecimentos. Ela consolida uma �concep��o de humanidade segundo a qual a popula��o do mundo diferencia-se em inferiores e superiores, irracionais e racionais, primitivos e civilizados, tradicionais e modernos� (QUIJANO, 2010, p. 86). Ideia de inferioridade, irracionalidade, n�o humanidade que, na cena das universidades ocidentalizadas, produz comportamentos como o do professor Paulo quando diante de corpos-pol�ticos pretos. Que outros elementos hist�ricos s�o importantes para continuarmos a problematizar o estudo das rela��es raciais, amefricanas e da hist�ria da �frica nos cursos de gradua��o e programas de p�s-gradua��o em nossas universidades?
O que fizeram de n�s: �A Reden��o de Cam[12]�
Na cena, Cl�udia Ayana. Mulher preta, cisg�nero, heterossexual, de 53 anos. Est� no sul do pa�s desde 2015, ap�s ingressar na universidade por cotas raciais. Intelectual e militante da luta antirracista, compreende o cen�rio de discuss�o das rela��es raciais nas nossas universidades ocidentalizadas como uma tarefa �rdua, por�m necess�ria.
- Boa noite! Um prazer estar com voc�s. Estamos aqui falando sobre as dores da viol�ncia racista que interpelou os corpos-pol�ticos pretos de nossas irm�s e irm�os pretos nessa universidade, mas, tamb�m, as dores daquelas/es que vieram antes e abriram caminho para a nossa presen�a aqui. Compreendo que aqui temos uma pista para continuarmos abrindo fissuras nas estruturas racistas e sexistas das universidades brasileiras.
Evellyn Rosa e M�riam Alves conceituam a viol�ncia racista como:
[...] a a��o ou o efeito de empregar a ideia de ra�a e de hierarquiza��o do humano nas rela��es sociais e interpessoais, produzindo a invisibiliza��o, o silenciamento e a subalterniza��o de sujeitos negros/as racializados/as (ROSA; ALVES, 2020, p. 5).
O conceito de ra�a � uma fic��o �til, uma constru��o ideol�gica, cuja necessidade de sua inven��o foi fundamentar o poder do hemisf�rio ocidental, que se considerava �o centro do globo, o pa�s natal da raz�o, da vida universal e da verdade da Humanidade� (MBEMBE, 2017, p. 27). An�bal Quijano (2005) salienta que, a partir da uni�o entre ra�a e cor, por volta do s�culo XVI, a ra�a passou a ser usada como justificativa para a domina��o colonial e hegemonia euroc�ntrica. A ra�a, portanto, atrelada � cor da pele, e o racismo da� decorrente, constituem elementos da colonialidade que continuam produzindo efeitos sobre corpos-pol�ticos pretos na contemporaneidade, e que s�o encontrados no padr�o de poder hegem�nico (QUIJANO, 2005). E, obviamente, esse padr�o de poder estrutura as universidades brasileiras, tornando-se uma barreira para o tr�nsito de corpo-pol�ticos pretos.
A educa��o em minha fam�lia nos conduziu � independ�ncia, o estudo sempre foi tomado como prioridade e sei que essa n�o � a regra de nosso povo preto. Foi a educa��o que me ajudou a ter uma trilha diferente, embora tenhamos vivido com restri��o or�ament�ria - �ramos de classe baixa. Eu estudei somente em escola p�blica e sem grandes luxos. Havia um mantra que ouv�amos minha m�e repetir, enquanto ela desejava que eu tivesse os mesmos olhos claros do meu pai, dizia: "Estude minha filha. Voc� � pobre e preta, precisa estudar para voc� ser gente". N�o tendo certeza do momento em que seria considerada gente. O que ela considerava gente? O que a universidade considera gente? Penso que o significado de ser gente foi se transmutando na cabe�a de minha m�e. Lembro da �poca em que, para eu ser gente, eu precisava acompanh�-la nas atividades da igreja. Cat�lica fervorosa, ela implementou a cartilha da evangeliza��o em nossa casa, fui batizada, fiz catequese e crisma, at� o momento em que me rebelei. Hoje sigo a tradi��o de matriz africana. Quando lembro do momento em que ela me apresentou A Reden��o de Cam, uma pintura do artista espanhol Modesto Brocos, de 1895, que ela conheceu a partir de um grupo de mulheres da igreja, fiquei estarrecida. Minha m�e se via naquela mulher preta louvando a Deus pela brancura da crian�a. E toda vez que eu tentava falar o quanto a igreja contribuiu para a escraviza��o de nossos antepassados e continuava atuando na l�gica colonial, n�s brig�vamos...
O batismo crist�o ir� impor aos africanos escravizados e seus descendentes, a pecha de tornarem-se herdeiros de Cam, em novo arremedo e metamorfose de Lete. O cristianismo imp�s a n�s, pretas e pretos, a maldi��o dos filhos de No� e seus herdeiros, enquanto suporte ideol�gico-religioso ao propor uma perspectiva cientifica que, segundo Moore (2012), veio se dar em face do imp�rio mu�ulmano ter sido herdeiro da longa tradi��o de escravid�o dos Imp�rios Bizantino e Persa. Moore (2012), ao citar Lovejoy (2002), observa ter sido durante os s�culos VIII, IX e X que ocorreu a aproxima��o da antiga tradi��o escravista com a nova religi�o: momento em que a escravid�o negra passa a ser legitimada a partir da lenda em que Ham (Cam), o ancestral dos negros, foi condenado a ser negro por No�.
Mito comum b�blico para judeus e �rabes, esses �ltimos, ao contr�rio dos judeus, n�o veem a maldi��o como uma san��o contra Cana� e, sim, sobre os africanos em face desses serem negros. Contudo, ainda conforme Moore (2012), foi a partir do m�dico romano Galeno (S�c. II) que esse pensamento, em face da teoria dos humores de determinada ess�ncia de uma ra�a, ganha maior prest�gio frente � expans�o do Imp�rio �rabe, isto �, Al Masudi (S�c. X), ao se reportar a esta teoria, prop�s explicar o porqu� da fraqueza da intelig�ncia do negro, dada a organiza��o imperfeita do seu c�rebro. O que fizeram de n�s...
Um exemplo de escrita comprometida com a �arte de esquecer� � Divis�es Perigosas: Pol�ticas Raciais no Brasil Contempor�neo, de Peter Fry et. al. (2007), cuja insist�ncia na ideia de esquecimento tem a finalidade de dissuadir quem possa deter alguma lembran�a ou compromisso com a responsabilidade moral e pol�tica perante a quest�o das pr�ticas promotoras de igualdade racial. Trata-se de uma obra produzida por um �grupo de cidad�os estudiosos�, contr�rios a projetos que promoveriam o processo de racializa��o em face das pol�ticas sociais em curso no Brasil. Na ep�grafe � essa obra, o poeta Ferreira Gullar replica-nos:
Nenhuma pessoa de hoje tem culpa do que ocorreu no pa�s h� s�culos. N�o se pode punir os que n�o t�m acesso a cotas ou ficar� impl�cito que os brancos pobres s�o escravocratas. Temos que acabar com o racismo de um lado e de outro (FRY et. al., 2007, p. 23).
Nesta escrita, os autores enunciam situa��es ou acontecimentos ocorridos em um tempo passado que, sen�o esquecidos, ao menos deveriam ser deixados de lado. N�o obstante, salientamos que sendo analisados no prisma das rela��es raciais e do escravismo, eles, perigosamente, proporcionariam um novo tipo de essencialismo racial. A exemplo das cotas raciais para estudantes pretas/os nas universidades p�blicas brasileiras, assim como outras iniciativas de desenvolvimento de pol�ticas de a��o afirmativa, a t�nica dos escritos desse �grupo de cidad�os estudiosos� alertaria para o fato de se estar introduzindo e disseminando a disc�rdia, o �dio racial, em outras palavras, o racismo �s avessas. Por essa e por outras, advoga C�sar Benjamim:
[..] Quem � negro e quem � branco no Brasil? Onde est� a fronteira entre ambos? [Para em seguida ele mesmo responder com uma nova quest�o, em face das pol�ticas de cotas nas universidades] E os brancos pobres que s�o muitos, como ficam? (BENJAMIM, 2007, p. 33).
O �saber esquecer� em face de tais perguntas, enquanto pr�tica comum e arremedo, permitiria entender o que Fry (2005) apresenta como uma descoberta sobre a nossa maneira de ser e de agir em seus estudos, isto �, o nosso desejo pela assimila��o, em contraposi��o �s pr�ticas de segrega��o racial conflituosa e historicamente vividas em pa�ses como a �frica do Sul e os Estados Unidos. As evid�ncias que permitiriam entender o desejo de assimila��o enquanto processo cultural, at� mesmo sob a express�o e o grau m�ximo de conflito, como o ocorrido na rebeli�o escrava de 1835 em Salvador, apresentar-se-ia pautada por linhas n�o raciais e sim, ainda segundo Fry (2005), em uma ordem de proximidade de origens �tnicas na sociedade baiana. O autor, ao buscar elementos factuais na escrita da hist�ria, esfor�a-se por corroborar com a afirma��o de que, para manter a sua perman�ncia no Brasil, os africanos deveriam deixar para tr�s as suas ra�zes, mesmo que com a cruel e maci�a campanha para tais fins. Pois do ponto de vista da a��o ideal t�pica, por essa conduta, poder-se-ia interpretar e entend�-la como algo mais importante que a pr�pria manuten��o das autoridades na sociedade baiana. Assim, para a assimila��o, equivaleria dizer:
O caminho para civiliza��o no Brasil deveria ser premiado n�o com o estabelecimento de comunidades de base �racial� e ��tnicas� distintas e segregadas, cada uma com seu estilo de vida particular, mas pela assimila��o e integra��o (FRY, 2005, p.174).
Neste sentido, a nossa singularidade enquanto povo disposto � assimila��o e oposto � segrega��o racial em Fry (2005), parece-nos vinculada intimamente � linhagem de interpreta��o te�rica que insiste em separar a ideia de cultura das rela��es raciais e de poder, que se encontram intimamente vinculadas � estratifica��o e, por isso, atravessadas pelas quest�es relativas �s desigualdades de classes sociais. Portanto, para Fry (2005), assim como para os demais autores dos artigos que comp�em Divis�es Perigosas (FRY, e. al., 2007), o processo miscigena��o/assimila��o se apresentaria como elemento civilizacional, cujos argumentos, em seu favor, tornar-se-iam v�lidos e valiosos pelo seu aspecto cultural, de tal modo a oferecer-nos, a partir desse ide�rio, n�o s� a refer�ncia, mas tamb�m a ideia de viver o �mito vivido� - a democracia racial enquanto �mito-ideologia�. Conquanto, a �arte do esquecer� nos prop�e aquilo que lhe � oposto contraditoriamente, isto �, o que menos deveria ou poderia ser esquecido - a mem�ria - Mnem�sine. Que, como a deusa Lete, em seu rio com curso paralelo �s �guas do esquecimento, para al�m do estado mental ou momento da hist�ria, ajuda-nos a retomar de maneira mais pontual o estudo sobre as rela��es raciais.
O artigo de Wilson Trajano Filho (2007) intitulado Hist�ria da �frica: para qu�? originariamente publicado em 2004, um ano ap�s a promulga��o da Lei n� 10.639/2003, n�o faz qualquer tipo de alus�o �s reivindica��es dos movimentos negros, experi�ncias educacionais e mesmo qualquer tipo de interlocu��o em rela��o �s quest�es ou cenas pol�ticas como aquelas que envolveram a proposi��o embrion�ria do projeto[13] que antecedeu a Lei n� 10.639/2003, tampouco o arquivamento realizado pelo senado brasileiro em 1995. Trajano Filho (2007) busca n�o s� dissuadir, mas desabonar a proposta de ensino da hist�ria da �frica. A come�ar pela ambiguidade da pergunta em seu t�tulo Hist�ria da �frica: para qu�? Ao inv�s de apresentar um posicionamento explicitamente contr�rio ao projeto de lei aprovado, o autor alerta para o que poder-se-ia denominar como a ideia de busca pelo bom senso, a partir do que considera ser as cinco boas raz�es para o seu ensino. Primeiro, a necessidade de desnaturaliza��o da �frica, como afirma Trajano Filho sobre aquilo que � a �frica, a torna:
[...] feita de peda�os escolhidos ao sabor das circunst�ncias, e [que] se mostra muito �til para indicar o outro e a diferen�a [...] tanto sob a forma do outro radical, de n�s separado (o africano do presente) quanto sob a forma que nos acompanha, [...] um ap�ndice exterior (o africano gen�rico do passado) (TRAJANO FILHO, 2007, p. 52).
Em segundo lugar, a no��o de �frica homogeneizada. A ��frica � brasileira� seria, assim, produto das classifica��es feitas pelas pot�ncias coloniais. Logo, a ideia de tribo como Ioruba, Mandinga e Uolofe[14], proposta por antrop�logos e historiadores do passado, corresponderia, em nossos dias, � busca por uma ess�ncia pr�pria. Em terceiro lugar, o presente n�o � uma continuidade do passado e o africano dos novos dias n�o � o mesmo do passado, devendo a �frica atual ser observada e compreendida a partir de uma temporalidade pr�-colonial e n�o de um presentismo. E, em quarto lugar:
O argumento que estamos criticando pressup�e que a cultura � um conjunto de tra�os ou atributos. Assim, a capoeira, os cultos de possess�o, o samba, as comidas, entre outros, representariam a cultura africana no Brasil. Esse modo de compreender as culturas humanas � muito problem�tico porque, ao subordinar as semelhan�as dos tra�os culturais a um arcabou�o geogr�fico, despreza-se o fator hist�rico. A ideia de que certos tra�os culturais s�o oriundos de uma �frica sem hist�ria e homog�nea, e de que foram transportados para o Brasil, aqui se mantendo, nega caracter�sticas importantes de toda cultura humana [...] (TRAJANO FILHO, 2007, p. 54).
Por fim, em quinto lugar, na falta da hist�ria para explicar o atributo cultural, o argumento impl�cito de que o samba, a capoeira, a possess�o, a culin�ria ou qualquer outra coisa pensada como africana � transmitida pelo sangue, corresponderia a entend�-los como �algo pr�prio da ra�a�. Para al�m do essencialismo e do racialismo, como aponta e acusa a escrita de Trajano Filho (2007), bem como, demais artigos contr�rios � ado��o de pol�ticas de afirma��o positiva publicados em Divis�es Perigosas (2007), Clifford Geertz � providencial:
A quest�o n�o � se os seres humanos s�o organismos biol�gicos com caracter�sticas intr�nsecas [...], a quest�o � como devemos entender esses fatos indiscut�veis ao explicarmos rituais, analisarmos ecossistemas, interpretar sequ�ncias f�sseis ou compararmos l�nguas (GEERTZ, 2001, 54).
Quer dizer, aquilo que nos acompanha como ap�ndice exterior frente ao que somos: �o Brasil somos n�s�, o �africano gen�rico do passado�, e n�o mencionado por Trajano Filho (2007), a escraviza��o e a di�spora negra que nos faz lidarmos, sobretudo, com o �outro� enquanto experi�ncia identit�ria, manifesta-se n�o no sentido do que somos, mas naquilo que nos tornamos. A identidade, sob este aspecto, parece-nos estar intimamente ligada �quilo que sou e �quilo que � o �outro�. Logo, o interst�cio entre o que sou e o que � o �outro� prop�e uma rela��o estreita de depend�ncia entre identidade, diferen�a e pr�ticas relacionais que independem de nossas vontades, pois elas n�o se d�o em separado do momento espa�o-hist�rico, bem como dos sentidos simb�lico e de exerc�cio do poder e da domina��o. Alberto Silva (2003, p. 75) observa que as afirma��es sobre a diferen�a em geral �ocultam declara��es negativas sobre outras identidades, [...] aquilo que somos e que auto referenciamos como norma e pela qual descrevemos ou avaliamos aquilo que n�o somos�.
Logo, os estudos apontam ter sido muito t�nue os la�os entre o Brasil e a �frica, durante os quatro s�culos em que se manteve o com�rcio humano e a explora��o do trabalho escravizado. Como afirma Cl�vis Moura (1993), aqui, como em Cuba, poder-se-ia mesmo dizer, ao contr�rio das demais col�nias da Am�rica Espanhola, que o tr�fico transatl�ntico obedeceu e estabeleceu uma uniformidade de presen�a e de continuidade do escravismo � medida que se desenvolviam as economias coloniais, ao constru�rem-se em Estados politicamente independentes e enquanto �ltimos pa�ses a declararem a aboli��o da escravatura.
Assim, para efeito e compreens�o das rela��es sociais em nossos dias, Roger Bastide (1974, p. 26) afirma que �os navios negreiros traziam a bordo n�o somente homens, mulheres e crian�as, mas ainda os seus deuses, suas cren�as e seu folclore�, o que nos prop�e a pensar e a entender que a presen�a africana permaneceria como um fato indel�vel nas tr�s Am�ricas. Neste sentido, ainda que em 1850 tenha ocorrido a proibi��o do com�rcio de vidas humanas, e quase quatro d�cadas depois, a promulga��o da Lei �urea - em conson�ncia com aquilo que passou-se a desenvolver e caracterizar como �pol�tica de desafricaniza��o�, implementada pelo Brasil desde o final do s�culo XIX e primeiras d�cadas do s�culo XX, Lopes (2004, p. 233) afirma que a desafricaniza��o corresponde ao �processo de retirada de um tema ou de um indiv�duo os conte�dos que o identificam como de origem africana�. Ainda para Lopes (2004), este processo teve seu in�cio j� no Continente Africano em face das convers�es for�adas ao cristianismo e que veio intensificar-se com a di�spora africana, por meio de diferentes expedientes nos processos psicol�gico e cultural de desconstru��o da identidade desses e de seus descendentes. H� muitos estudos sobre as pol�ticas de Estado de desafricaniza��o, como a de Silva (2003). Compreender o processo de desafricaniza��o abre caminhos para entender o que �ramos, o que somos e o que queremos ser, o porvir.
Mem�rias e rastros de um porvir
Quem performa? Pedro Henrique, de 31 anos, filho de m�e preta e pai branco, que se descobre preto na cena acad�mica, ainda na gradua��o, a partir da sua inser��o na Setorial de Pretas e Pretos de sua universidade. Observa atentamente as mais de vinte pessoas reunidas em di�logo com Latifa e Cl�udia Ayana. Quando chega o seu momento, abre o verbo...
Boa noite! Eu sou o Pedro Henrique, uma �bixa preta� que ap�s experimentar uma segunda di�spora onde, novamente, me foi retirada a possibilidade de ser integrado e acolhido pelos meus espa�os de aquilombamento - fam�lia, comunidade, movimentos negros - (VEIGA, 2018), encontrei a Setorial de Pretas e Pretos. Quero come�ar minha reflex�o fazendo um questionamento. Ap�s escutarmos essas duas grandes mulheres pretas, ao chegarmos at� aqui, o que vemos? O que escutamos? O que sentimos? O que escorre pelo pensamento? Qual a rela��o entre mem�ria, esquecimento e porvir?
Ao chegar aqui, � importante olhar para tr�s e retornar ao quadro da exposi��o, anteriormente apresentado, em torno da problem�tica da mem�ria e do esquecimento, considerando que esse efeito �ltimo traz consigo, enquanto mem�ria manipulada, a fragilidade das identidades, como observa Ricouer (2002). Por esse aspecto, quando lidamos com a hist�ria e a colocamos face a face com a pol�tica de Estado de desafricaniza��o, poder-se-ia dizer que isso imp�s a n�s, pretas e pretos, o esquecimento nas palavras e pela for�a das palavras sobre quem �ramos, assim como a inven��o de uma civilidade branca para nosso corpo-pol�tico preto - o mito-vivido da brasilidade. Esquecimento, silenciamento, invisibilidade, apagamento que n�o podem mais continuar escorrendo em �brancas nuvens� entre as �paredes brancas� das universidades ocidentalizadas na cena brasileira.
Quem pode dizer o que �ramos e o que precisamos ser? De que lugar enunciamos a nossa exist�ncia? No Brasil, a presen�a africana permaneceu como algo t�o familiar que pouqu�ssimas situa��es nos causam estranhamento, a n�o ser quando contrariamos as expectativas relativas �s situa��es de ocupa��o e de perman�ncia em espa�os sociais brancos. Propondo-nos sentidos de navega��o social em meio �s contradi��es pr�prias de nossa sociedade racializada, mantidas e expressas pelas desigualdades e hierarquiza��o do humano e das rela��es sociais advindas, fundamentalmente, com a escravid�o e o colonialismo, compreendemos que n�o � poss�vel a transforma��o social sem a an�lise cr�tica do: �[...] processo mais longo de nossa hist�ria, e de que n�o pudemos compreender sem estudar a �frica� (SILVA, 2003, p.85). Que universidade est� assim comprometida? Que universidade est� disposta ao emaranhamento dos lugares sociais ainda t�o bem definidos e dispostos em sua interioridade?
Os sentidos de lugar, de pertencimento na sociedade de classes, de divis�o racial do trabalho, de subordina��o e subalterniza��o em dupla e permanente reprodu��o precisam dar passagem para perspectivas existenciais, ontol�gicas, �ticas, epistemol�gicas que passaram a abrir fissuras nas paredes brancas de nossas universidades. Todos os Paulos precisam nos ouvir! Este � um caminho sem volta. O mito-ideologia da consci�ncia nacional que, em sua apar�ncia e enquanto mito-vivido, sob a pele das palavras e pelas palavras, materializa-se em situa��es e pr�ticas racialmente harmoniosas, que permitem afirmar e estabelecer o sentido das coisas nossas. Conquanto apropriadas, por meio do esquecimento da ag�ncia da mulher preta e do homem preto que, despojados e desqualificados ontologicamente como seres humanos, foram e s�o, de fato, produtoras e produtores de novas culturas, projetos pol�ticos e resist�ncias, mas tamb�m esperan�a - �� muita milonga para uma mironga s� (BERNARDINO-COSTA, 2019; GONZALEZ, 2020, p. 88).
Os conhecimentos e as paredes brancas que cercam todos os Paulos j� n�o s�o mais t�o brancas diante da presen�a insurgente de nossos corpos-pol�ticos pretos que, ao performarem mem�rias, enunciam rastros de um porvir na cena universit�ria, demarcando nossas hist�rias afrodiasp�ricas e ladioamefricanas. A escreviv�ncia em oralitura, aqui performada em narrativas ficcionais por Latifa, Cl�udia Ayana e Pedro Henrique, marcam o ser-sendo na produ��o do conhecimento de muitas mulheres e homens pretas e pretos na universidade; marca o porvir do conhecimento produzido a partir das experi�ncias pretas. Sigamos!
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Notas
[1] In respect and appreciation for the copyright production of Brazilian black scholars, the concept of �escreviv�ncia� in Portuguese will not be translated. �Escreviv�ncia� is a concept that was brought up by Concei��o Evaristo through a neologism between the terms escrever (write) and viv�ncia (personal living experience), implying writing as a political act for black women whose self-writing is, at the same time, arranged by a collectivity and pervaded by social, racial and gender relations.
[2] Conceito discutido por L�lia Gonzalez (1988/2018a) que versa sobre as conex�es entre experi�ncias de resist�ncia, de luta e de inscri��o de um complexo cultural na Am�rica a partir dos povos origin�rios e afrodiasp�ricos.
[3] Sobre o movimento de Anistia no Brasil:� Ara�jo; Silva; Santos (2013) e Montenegro; Ara�jo; Rodeghero (2012). Com rela��o ao movimento em favor das elei��es Diretas e convoca��o da Assembleia Constituinte (1988): Carvalho (2001), Reis (2014). Renova��o te�rico-metodol�gica, vide: Gomes (2004) e Rubim (1996).
[4] A sociedade brasileira � constitu�da por, no m�nimo, tr�s matrizes civilizacionais: a ind�gena, a africana e a europeia ocidental. No entanto, h� uma hierarquiza��o da matriz civilizacional europeia ocidental sobre as outras duas. Os movimentos sociais negros e ind�genas lutam h� mais de 500 anos contra essa hierarquiza��o e contra a subalterniza��o de seus povos pela l�gica colonial, ainda incrustada em nosso pa�s.
[5] Aprovada pelo Comit� de �tica em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFPel, por meio do parecer n�mero 4.127.275.
[6] Altera a Lei n� 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educa��o Nacional, para incluir e tornar obrigat�ria o estudo da Hist�ria e Cultura da �frica e Afro-Brasileira nos curr�culos da Rede de Ensino.
[7] N�cleo de Estudos Afro-brasileiros e Ind�genas.
[8] Passagem da faixa que d� t�tulo ao CD gravado por Chico C�sar, em 2002, �Respeitem meus cabelos, brancos�. Nesse artigo a express�o "com veludo nos tamancos" alude ao processo de silenciamento, de invisibiliza��o e apagamento de corpos-pol�ticos pretos no espa�o universit�rio - um tamanco com veludo na sola n�o produz barulho ao tocar o ch�o contribuindo, portanto, com a manuten��o do sil�ncio em sala de aula.
[9] Embarca��es que, no tr�fico negreiro, fizeram a travessia do Atl�ntico transportando africanos sequestrados e escravizados do Continente Africano para as Am�ricas, al�m de transportarem produtos e mercadorias para a Europa.1538, primeiro desembarque de escravizados documentado (JOFFILY, 2000)
[10] Em v�rios momentos de A mem�ria, a hist�ria e o esquecimento, Ricoeur (2007, p.510; 74) ao se referir a Weinrich (1999) observa ser esse autor de fundamental import�ncia para entender e propor a �[...] arte [do esquecimento] como que sim�trica a ar memoriae [arte da mem�ria] celebrada por Frances Yates. Enquanto [...] essencialmente uma t�cnica de memoriza��o mais [do] que um abandono � rememora��o e seus lampejos espont�neos, a arte oposta seria letat�cnica�. N�o enquanto algo decorado [...] da dial�tica do mestre discipulo que dependem [de] os exerc�cios de memoriza��o inscritos num programa de educa��o, de paid�ia�. A arte do esquecimento proporcionaria lidar n�o s� com o excesso, mas tamb�m com a insufici�ncia da mem�ria enquanto narrativa manipulada.
[11] Conforme Moore (2012), a vis�o negrof�bica encontra-se inscrita em escala mundial em todos os povos euro-semitas da Europa e do Oriente M�dio.
[12] Obra de Modesto Brocos, de 1895, que aborda o processo de branqueamento da sociedade brasileira.
[13] Para maior entendimento, vide as teses aprovadas no I Congresso do Negro Brasileiro realizado em 1950, no Rio de Janeiro, e as quest�es sobre o ensino da hist�ria da �frica e da di�spora africana (NASCIMENTO, 1982; 1980). Estas teses foram apresentadas por Abdias Nascimento, enquanto Deputado Federal pelo PDT, na forma de projeto de Lei 1332/1983 (A��es Compensat�rias) e, ainda que aprovado nas v�rias comiss�es, nunca chegou a ser votado pelo Congresso Nacional (BRASIL, 1983; FLORES; MELO, 2014).
[14] �UOLOFES (Ouolof, Woloff). Povo oeste-africano localizado na regi�o da Seneg�mbia e em partes da atual Maurit�nia. Origens. Segundo algumas teorias, os uolofes e os sereres, a eles aparentados, seriam origin�rios da regi�o do Futa Toro, ao norte do Rio Senegal, de onde, pressionados por fulas e berberes, teriam migrado para o sul. Outras hip�teses consideram-nos um am�lgama de diversos povos, como sereres, tuculeres, fulas, saracol�s, etc (LOPES e MACEDO, 2017, p. 163).