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Relações raciais e amefricanas nas universidades ocidentalizadas: o recado está dado

 

Racial and Amefrican relations in Western universities: the message is given

 

Antonio Donizeti Fernandes

Professor Adjunto na Universidade Estadual do Norte do Paraná. Jacarezinho, Paraná, Brasil.

donizete@uenp.edu.br - https://orcid.org/0000-0002-8564-8521

 

Míriam Cristiane Alves

Professora Adjunta na Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

olorioba.miriamalves@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-4318-1927

 

 

Recebido em 14 de outubro de 2021

Aprovado em 03 de dezembro de 2021

Publicado em 22 de dezembro de 2022

 

 

RESUMO

A sala de aula nas universidades ocidentalizadas ainda se apresenta como espaço social de privilégio branco, fazendo com que a escrita e a interpretação sobre a história afrodiaspórica sigam o caminho de uma história única. Deste modo, o presente artigo objetiva problematizar o estudo das relações raciais, das relações amefricanas e da história da África nas universidades ocidentalizadas a partir da enunciação de corpos-políticos pretos performados em narrativas ficcionais. Sobre o caminho metodológico, apostamos em uma escrevivência em oralitura performada em narrativas ficcionais marcando na cena acadêmica uma política de escrita engajada e encharcada pela afirmação de uma ciência cuja racionalidade não é linear, constituindo-se pela complementariedade entre razão e emoção. As narrativas foram construídas a partir de memórias inscritas no corpo-político de duas mulheres pretas e um homem preto que responderam ao questionário on-line da pesquisa Necropolítica e População Negra, vinculada ao Núcleo de Estudos e Pesquisas E’léékò. A história afrodiaspórica e ladioamefricana resiste ao esquecimento, silenciamento, invisibilidade, apagamento nas paredes brancas das universidades ocidentalizadas, na cena brasileira, por meio da presença intelectual e militante de homens e mulheres pretas. A escrevivência em oralitura performada em narrativas ficcionais neste estudo, marca o ser-sendo na produção do conhecimento de muitas mulheres e homens pretas e pretos na universidade; marca o porvir do conhecimento produzido a partir das experiências pretas.

Palavras-chave: Racismo; História de África; Educação; Escrevivência; Campo problemático e pista para um futuro.

 

 

ABSTRACT

Western universities classroom’s still present it selves as a white privilege social space, so that the writing and interpretation of the Afrodiasporic history follows the path of one single history. Therefore, this article aims at problematizing both the study of racial relations, Amefrican relations, and African history at Western universities through the enunciation of black political-bodies performed in fictional narratives. Regarding the methodological approach, we bet on an escrevivência[1] (write-living) in oraliture performed in fictional narratives to mark the academic scene with a writing politics that is both engaged and imbued with a science which rationality is nonlinear,  hence constituting itself on the complementarity of reason and emotion.  The narratives were built from memories inscribed in the political bodies of two black women and one black man, who have answered the online survey of the Necropolitics and Black Population research, that is tied to the E’léékò Studies and Research Center. The Afrodiasporic and Amefrican history resist forgetfulness, silencing, invisibility, and erasure between the white walls of Western universities, in the Brazillian scenario, through the intellectual and militant presence of black men and women. In this study, escrevivência in oraliture performed in fictional narratives marks the experience of being through being within the production of knowledge of many black women and men at university; it marks the future of the knowledge produced through black experiences.

Keywords: Racism; African History; Education; Escrevivência; Problematic field and clues to a future.

 

 

Campo problemático e pistas de um porvir

            O ano é 2019. Na cena, uma sala de aula virtual, um professor branco, Paulo, com 31 anos de docência em uma universidade pública no sul do Brasil. Ele nega a possibilidade de incluir em seu conteúdo programático discussões sobre relações raciais, sobre África e/ou “Améfrica”[2] (GONZALEZ, 1988/2018a). Na sala do doutorado, um pequeno grupo de estudantes pretos e pretas, três em uma turma de vinte e cinco, incomodadas/os, indignadas/os, aborrecidas/os e sem saber como lidar com o racismo que escorre pela boca do docente: Epistemologias negras? Filosofia africana? História de África?  Améfrica? Escrevivência? Quantas bobagens! Eu faço ciência. E não é possível fazer qualquer alteração no conteúdo da disciplina. Vocês nem deveriam estar aqui! Entraram pela porta dos fundos e ainda querem ditar o que devo lecionar. Não foi a primeira vez que Paulo exalou o seu racismo por meio de seu corpo-político branco, cisheteronormativo, patriarcal, de razão colonial, que acumula dezenas de denúncias sobre manifestações racistas, sexistas e LGBTIA+fóbica, tanto na graduação, quanto na pós-graduação.

- Boa noite professor, meu nome é Latifa. Sou uma mulher preta de 30 anos, nascida no berço da militância antirracista herdado de minha mãe e de meu pai, ambos ativos na luta dos movimentos sociais negros. Estou consternada e indignada com o que ouvi! Racismo é crime, professor! E isso que o senhor está fazendo chama-se racismo epistêmico. O senhor conhece Lélia Gonzalez? Pois bem, vou lhe apresentar essa intérprete do Brasil, como salienta Raquel Barreto (2018). Lélia diz:

 

[...] a Améfrica, enquanto sistema etno-geográfico de referência, é uma criação nossa e de nossos antepassados no continente em que vivemos, inspirados em modelos africanos. Por conseguinte, o termo amefricanas/amefricanos designa toda uma descendência: não só a dos africanos trazidos pelo tráfico negreiro, como a daqueles que chegaram à AMÉRICA muito antes de Colombo. Ontem como hoje, amefricanos oriundos dos mais diferentes países têm desempenhado um papel crucial na elaboração dessa Amefricanidade que identifica, na Diáspora, uma experiência histórica comum que exige ser devidamente conhecida e cuidadosamente pesquisada (GONZALEZ, 1988/2018b, p. 330).

 

Professor, independentemente do que possa pensar, nós pretas e pretos estamos aqui, na cena universitária, no doutorado, comprometidas/os com o processo de inscrição de nossa ética, ontologia e epistemologia preta nesse território que também é nosso. Hoje somos três pessoas pretas nesta sala, vilipendiadas pelo seu racismo. Amanhã, seremos dezenas denunciando aos órgãos competentes o que vivenciamos aqui.

A sala de aula, tanto para professoras/es quanto para estudantes, apresenta-se como universo mediado por relações cotidianas, cujos sentidos pedagógicos deveriam estar pautados pela dialógica entre as pessoas que a compõe, instigando a imaginação, a curiosidade, a emancipação, o sentimento de pertencimento e o desejo de expandir os conhecimentos. Ainda que tudo isso possa fazer parte do ideário da educação formal, frequentemente, a capacidade de reflexão e problematização de muitas professoras e professores, sobretudo brancas e brancos, em torno das relações raciais na sociedade brasileira e em contexto global, torna-se distante daquilo que pensam estar fazendo, haja vista as paredes do racismo epistêmico. No que concerne às relações raciais, a sala de aula nas universidades ocidentalizadas apresenta-se como espaço social de um privilégio branco, fazendo com que a escrita e a interpretação de nossa história sigam um caminho único, o perigoso caminho de uma história única, como enuncia e denuncia Chimamanda Adichie (2019).

A ideia-conceito sobre universidades ocidentalizadas aqui apresentada parte das discussões propostas por Ramón Grosfoguel quanto ao “privilégio epistêmico dos homens ocidentais sobre o conhecimento produzido por outros corpos políticos e geopolíticas do conhecimento” (GROSFOGUEL, 2016, p. 25). Ainda segundo o autor, tal privilégio branco de definir o que é verdade e o que é melhor para outros corpos políticos:

[...] tem gerado estruturas e instituições que produzem o racismo/sexismo epistêmico, desqualificando outros conhecimentos e outras vozes críticas frente aos projetos imperiais/coloniais/patriarcais que regem o sistema-mundo (GROSFOGUEL, 2016, p. 25).

 

Eis o modo como se lê, ensina-se e dá-se emprego aos modelos teórico-metodológicos e epistemológicos nas ciências humanas e sociais em face de nossa realidade de amefricanas/os em território brasileiro. Até quando?

Desde 1980, as lutas sociais materializadas nos esforços dos movimentos negros em busca de acesso aos serviços públicos, sobretudo a educação universitária e, mais recentemente, com o advento das políticas de ações afirmativas, apresentam-se como um dos fatos mais importantes que passariam a influenciar cursos de graduação e programas de pós-graduação nas ciências humanas e sociais. Um pensamento engajado, localizado politicamente na luta antirracista, passou a influenciar e abrir fissuras na academia mesmo diante do racismo epistêmico. Falamos de uma luta que vem de longe, com um importante marco na década de 1980 frente a conjuntura e aos eventos políticos que se tinham, até então, em favor do processo de redemocratização no Brasil: anistia política (1979), movimento por eleições diretas (1984), instauração da Constituinte (1986) e a renovação teórico-metodológica ocorridas desde o final de 1970[3]. Com a chamada renovação da história política e de sua articulação com a história cultural, período de expansão dos cursos de pós-graduação e de revigoramento (GOMES, 2004; RUBIM, 1996), como no caso dos cursos de história – sob o efeito histórico-político e, também, histórico-cultural – tal conjuntura iria refletir no campo que privilegiaria a análise das relações de dominação a partir do trabalho.

O estudo das relações raciais, amefricanas e da história da África à luz da obrigatoriedade de seu ensino, aprovada pela Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2003), depois de muitas discussões e reivindicações dos movimentos negros, propõe à educação formal lidar e pensar não só na herança e no ethos de um grupo específico, mas, também, na escrita da história humana (MOORE, 2012). E, no caso específico do Brasil e da Améfrica, uma história humana comprometida com a promoção da equidade racial e civilizacional[4] ao abordar discussões sobre: a) ontologia, ética e epistemologia em torno do ser, estar e compreender o mundo  para além da verdade ocidental; b) as relações de poder e de dominação entre colonizador e colonizado; c) as denúncias de racismo e sua manutenção e atualização nos diferentes espaços que constituem as sociedades ocidentalizadas, sobretudo o espaço universitário.

Como um rio caudaloso a rumar para o mar, em seu fluxo e refluxo contínuos, a obrigatoriedade de aprender e ensinar nos desafiam a lidar com o que foi contíguo e comum desde a terceira década do século XVI: a África e o tráfico dos povos oriundos da sua costa atlântica rumo ao Continente Americano – a diáspora dos povos africanos e o escravismo colonial – a Améfrica Ladina. Assim, com o propósito de não deixar a sala de aula “com veludo nos tamancos”, isto é, para que não seja perpetuado o silenciamento, a invisibilização, a desumanização, o apagamento de produções de vida, de conhecimento e de modos de existência afrodiaspórica, o presente artigo objetiva problematizar o estudo das relações raciais, das relações amefricanas e da história da África nas universidades ocidentalizadas a partir da enunciação de corpos-políticos pretos performados em narrativas ficcionais.

Sobre o caminho metodológico, partimos da articulação entre os conceitos de escrevivência de Conceição Evaristo (2017), oralitura de Leda Maria Martins (2003) e ficção de Luis Artur Costa (2014). Segundo Conceição Evaristo, a palavra escrevivência nasce do jogo entre as palavras “escrever”, “viver” e “se ver”, tendo como fundamento a “fala de mulheres negras escravizadas que tinham de contar suas histórias para a casa-grande”, ou seja, tem como pressuposto “a autoria de mulheres negras, que já são donas da escrita, borrando essa imagem do passado, das africanas que tinham de contar a história para ninar os da casa-grande” (EVARISTO, 2020, s/p). A escrevivência constitui-se como ato político de mulheres pretas que se apoderam da escrita e da escrita de si, que expressa uma singularidade, mas também o agenciamento coletivo de vozes negras atravessadas pelo racismo, sexismo e classismo (EVARISTO, 2017); possui uma dimensão ética ao propiciar a quem produz a escrita, “o lugar de enunciação de um eu coletivo, de alguém que evoca, por meio de suas próprias narrativa e voz, a história de um “nós” compartilhado” (SOARES; MACHADO, 2017, p. 207). Ao pôr em discussão a escrevivência como ferramenta metodológica, Lissandra Soares e Paula Machado (2017) argumentam que:

 

 

[...] Ela se presta a uma subversão da produção de conhecimento, pois, além de introduzir uma fissura de caráter eminentemente artístico na escrita científica, apresenta-se por meio da entoação de vozes de mulheres subalternas e de sua posicionalidade na narração da sua própria existência” (p. 207).

 

 

A oralitura de Leda Maria Martins (2003), ao lançar mão da memória desde um repertório oral e corporal, invoca as grafias do corpo, os vestígios esmaecidos que se tornaram segredos desde a violência transatlântica, mas que resistem, escapando como performances insurgentes que conectam corpos pretos amefricanos na diáspora. A oralitura diz respeito à memória que se inscreve “como grafia pela letra escrita, articula-se assim ao campo e processo da visão mapeada pelo olhar, apreendido como janela do conhecimento” (MARTINS, 2003, p. 64).

Quanto à ficção, ela é tomada como uma forma de reinscrever a realidade, tornando-a “ainda mais real, mais complexa, densa e intensa ao intrincar suas tramas com novas possibilidades de relação” (COSTA, 2014, p. 553). Ainda conforme o autor:

 

 

O uso da ficção como estratégia agenciada à problematização de um campo de pesquisa nos permite a complexificação do “objeto”, dar densidade às suas virtualidades que não cabem nos limites postos por sua representação atual: ultrapassar a descrição estrita do “dado” adentrando nos meandros fugidios dos acontecimentos e seu intricado campo de possibilidades. Deslocar a busca de representar aos objetos formalizando-os com palavras que se querem vazias de sentido próprio: apenas apresentariam o objeto pela língua neutra e objetiva (op.cit., p. 558).

 

A partir do conceito de ficção (COSTA, 2014), apostamos na criação de narrativas ficcionais que permitam a insurgência de uma política de escrita que abre fissuras na produção científica. Neste estudo, as narrativas ficcionais são tomadas enquanto campo fértil que nos permite conjecturar, nomear e (re)elaborar imaginários racistas e sexistas sobre corpos pretos nas universidades ocidentalizadas; produzir o agenciamento coletivo de vozes pretas, considerando os sentidos, os afetos, as apercepções, as emoções, os devaneios e devires que escorrem pelo corpo em consonância com a razão; e, assim, enunciar novos imaginários a partir de memórias, gestos, performances dos corpos-políticos na cena universitária. As  narrativas ficcionais aqui apresentadas foram construídas a partir das grafias inscritas no corpo de duas mulheres pretas e um homem preto que responderam ao questionário on-line da pesquisa Necropolítica e População Negra: problematizações sobre racismo e antirracismo e seus desdobramentos em tempos de pandemia e pós-pandemia da COVID-19[5], vinculado ao curso de Psicologia, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGPSI/UFRGS).

Portanto, enunciamos nosso caminho metodológico enquanto uma escrevivência em oralitura performada em narrativas ficcionais, marcando na cena acadêmica uma política de escrita engajada e encharcada pela afirmação de uma ciência cuja racionalidade não é linear, constituindo-se pela complementariedade entre razão e emoção. Assumimos, com Fanon (2008), o mundo da não linearidade construído nas potências poéticas do existir, que rompe com a razão branca colonial, preconcebida e prescritiva sobre como devemos ser, estar e agir no mundo. Cada seção deste artigo será apresentada por uma cena performada por corpos-políticos pretos que habitam o mundo universitário, com o intuito de possibilitar a compreensão da discussão teórico-epistemológica aqui presente.

 

 

 

O recado está dado

Na cena, Latifa. Mulher preta, cisgênero, bissexual, de tradição de matriz africana, estudante do doutorado. Com sua pele preta retinta, corpo altivo e firmeza nos passos, ela se desloca em direção a uma sala de aula. Vai ao encontro de estudantes incomodados, para não dizer revoltados, com o racismo que exala das paredes brancas da universidade.

- Olá pessoal, para quem não me conhece eu sou a Latifa. Meu nome? É da língua Suaíli, do Quênia e Tanzânia, significa aquela que é gentil. Ele me remete às minhas origens, à necessidade de compreender de onde vieram meus antepassados; me levou ao Continente Africano e isso foi um diferencial para a minha construção subjetiva. É lastimável que outras crianças pretas não tenham essa mesma possibilidade. Na verdade, teriam se a Lei 10.639/2003[6] fosse implementada. Bem... estamos mobilizando estudantes pretas e pretos do Programa de Pós-Graduação (PPG) para avaliar a situação ocorrida na aula do doutorado e organizar intervenções. Temos como convidada a professora Cláudia Ayana e o estudante Pedro Henrique, que estava comigo na aula do professor Paulo. Aqui, nessa sala, já somos mais de vinte e é bastante fortalecedor estar nesse coletivo do ponto de vista da identidade e da luta antirracista. Sentimos que a revolta que vivenciamos não é única, que o meu problema não é só meu, que somos uma fortaleza quando estamos juntas/os. Vou relatar os passos já tomados. Entregamos uma carta ao nosso PPG denunciando a manifestação racista do professor Paulo na aula do doutorado, e existe a demanda de juntarmos outras denúncias de racismo deste mesmo professor em aulas do mestrado e da graduação. Essa carta também foi entregue à Reitora e já fomos convidadas para falar em diversos espaços da universidade. Tivemos apoio do NEABI[7], somente.

Posteriormente à formalização da denúncia, muitas/os professoras/es e colegas brancas/os adotaram outras formas de nos hostilizar. Percebo, por exemplo, que convites para escrever artigos, projetos nunca chegam para mim, diferente de outros colegas brancos que, vez ou outra, comentam: "Você vai participar daquele projeto que o professor criou?". São nesses momentos que descubro que nunca sou convidada, mesmo tendo estudos e conhecimento sobre o tema. O mesmo acontece com bolsas de pesquisa em projetos, sempre repassadas às/aos estudantes brancas/os. Em certos momentos me arrependo de ter iniciado o doutorado nesta universidade, neste PPG. Tem momentos que me sinto culpada por ter feito a denúncia de racismo, pois fiquei marcada: a doutoranda problemática, a militante, a barraqueira. Outro dia, teve uma reunião em que um professor, também branco, defensor do Paulo, disse que o que escrevi era fake news. Relatei à coordenadora, a qual afirmou que tinha conhecimento acerca da verdade do ocorrido e o repreendeu num momento privado, posterior à reunião. É isso, o agressor me constrange durante uma reunião pública, e é chamado à atenção em particular.

Tenho refletido muito sobre isso, ser mulher preta consciente do racismo tem seu preço. Foi melhor me manifestar, denunciar (mesmo sabendo que não mudaria nada), do que pensar que outra mulher ou homem preta/o poderia entrar no curso e achar que está sozinha/o, que nunca ninguém se indignou, ergueu a voz, como diz bell hooks (2019). Como alternativa, para baixar a poeira da denúncia, colocaram uma professora preta no curso, com pós-doutorado, treze anos na universidade e só depois da denúncia é que a convidaram para atuar no PPG. De certa forma, foi uma vitória, porém, me preocupo com o que ela poderá passar com esses professores e professoras brancas, pois ela me relatou que quando foi estudante do curso, passou por situações semelhantes à minha.

O recado está dado, não vamos nos calar, não vamos sair ou deixar que saiam da sala de aula com veludo nos tamancos[8]. É chegada a hora das discussões sobre relações raciais, amefricanas, da história da África habitar a sala de aula. Precisamos refletir criticamente sobre o processo de escravização dos povos africanos, mesmo em face das dúvidas sobre o que passou a ser considerado a chegada dos primeiros escravizados ao Brasil. Contudo, sabemos que foi com a cultura do açúcar e com os primeiros engenhos de cana, como o da Capitania de São Vicente, que se introduziram os primeiros africanos no país (MALHEIRO, 1867).  Agostinho Malheiro (1867) afirma que Martim Affonso de Souza encontrou escravizados, já em 1531, após a captura de uma caravela na Bahia. Essa embarcação tinha como destino, depois de ter passado por Pernambuco, a cidade de Sofala - costa leste africana do atual Moçambique (VARNHAGEN, 1854; SILVA, 2011).

 

A chegada em 1538 do primeiro tumbeiro[9] regular ocorreria, porém, por meio do navio de um velho e conhecido traficante que, desde 1514, mantinha comércio de vidas indígenas com Dom Manuel (ELLIS, 1982; VERGER, 1987; RAMOS, 2004; SILVA, 2011; DORIGNY, 2017). O tráfico de escravizados africanos, em específico, como se anuncia, de há muito vinha sendo executado nas chamadas índias orientais, pois a escravidão de há muito, também, manifesta-se como um fenômeno histórico. De acordo com Lovejoy (2002), a escravidão esteve presente em muitos lugares desde a antiguidade clássica, sendo que a África se manteve diretamente vinculada a essa história por fornecer escravizados tanto para antigas civilizações quanto para o mundo islâmico, para a Índia, para as Américas e, para si mesma, até o século XX. Contudo, a manipulação e o uso da ideia de raça e de racionalização econômica do sistema fazem da escravidão americana o diferencial em relação às demais experiências escravistas na história da humanidade. Kabengele Munanga (2012), ao prefaciar a obra Racismo e sociedade, de Carlos Moore, observa, no entanto, que esse fenômeno não é ou foi estruturado a partir da escravidão africana e, sim, de uma construção sócio-política que se manifesta enquanto expressão e condição universal fenotípica.

Assim, um ensinar e um aprender requer pensar sobre as questões relacionadas à memória e à história (RICOUER, 2007), ações essas que, por sua vez, nos fazem pensar sobre a condição própria do humano e de sua natureza, enquanto animal desmemoriado, a perfazer ou apoderar-se do esquecimento em seu uso e, ou, efeito enquanto arte e ciência (WEINRICH, 1999). O que nos leva a considerar, portanto, o ensino e a aprendizagem à luz das habilidades “do esquecer”, “do lembrar” e “do perdoar”, essa última – em específico – um dos ofícios mais difíceis de serem praticados. Por essa habilidade, o signo da “arte do esquecer” as experiências guardadas e trazidas na travessia do calunga grande, o mito de Lete com base na obra de Ricouer (2007) e Weinrich (1999)[10], possibilita-nos entender o esquecimento e a força do sentido da necessidade das imagens de África serem apagadas e ressignificadas.

 

Esse sistema desumano chegou a tal ponto que, na travessia do Atlântico, os corpos e as almas dos cativos, ao provarem do curso de suas águas – como no rio de Lete, uma das ninfas do Hades (WEINRICH, 1999) – para que pudessem renascer, precisavam ser libertos do peso de suas lembranças e das amarras que os prendiam às suas origens e, assim, “mortos socialmente” (PATTERSON, 2008).   Física e simbolicamente usurpados, além de lhes serem despojadas e deslocadas, suas lembranças tornar-se-iam objeto, produto e produção das práticas de invenções e ressignificações. O que Achille Mbembe (2017, p. 30) denomina de “processos de efabulação”, os modos de “apresentar como reais, certos ou exactos, factos muitas vezes inventados” em nome de uma razão ocidental, mercantil, eurocêntrica.

Quer dizer, em seu encontro com o europeu no século XV, forçados a romperem com os elementos que possibilitavam dar entendimento aos primórdios de suas existências, esses homens e essas mulheres eram obrigados a dar vida ao mito grego e demais outros que viriam a surgir no “novo mundo”, passando a impelir novos sentidos e modos de se lidar com “o negro enquanto produto europeu” (OLIVA, 2003, p.443) e categoria classificatória ubíqua ulterior[11]. Prova disso foi a tentativa de apagar a memória, deslocando-se, por exemplo, o significado do pensamento tradicional iorubano em que “as árvores associadas aos primórdios da existência”, como podemos interpretar Nei Lopes (2004, p.55), tornar-se-iam arvoredo do esquecimento:

 

[...] em torno do qual os escravos que embarcavam para travessia do Atlântico eram obrigados a dar voltas (nove, os homens; sete as mulheres), num ritual tendente a provocar-lhes uma espécie de amnésia sobre o momento que vivenciavam. Segundo algumas interpretações, esse ritual era uma defesa dos traficantes africanos contra possíveis feitiços ou pragas mandadas de volta pelos infelizes traficados (LOPES, 2004, p.76).

 

 

Neste “novo mundo”, sob a égide do trabalho escravizado e do adestramento do corpo, através dos requintes da punição e da vigilância, os sobreviventes dos tumbeiros, ao chegarem nas Américas, renasceriam para o mando e para a obediência, embora nem sempre e nem totalmente servis e domesticados como os colonizadores gostariam que fossem. A escravidão, mesmo que o Papa já tenha pedido perdão - como diz a letra da música Oração pela África do Sul, de Gilberto Gil (1985) -, irá forjar a arte do esquecimento e as suas ressignificações permaneceriam ainda hoje a rondar e a tentar domesticar aquelas/es que trazem em sua ascendência o estigma enquanto uma chaga aberta. Eis a tentativa do professor Paulo em manter esquecido, silenciado, invisibilizado, apagado o legado civilizacional, ontológico, ético e epistemológico presente em diferentes expressões e tradições afrodiasopóricas, que se mantém vivas no Brasil e na Améfrica Ladina como um todo.

O corpo-político branco de Paulo performa a matriz colonial do poder, edificada na distinção entre humanos e não humanos produzida pelo colonialismo, atualizado pela colonialidade. Frantz Fanon (2005) aponta que o colonialismo se constitui como um sistema de exploração e dominação violento, produzido pelo colonizador diante do povo colonizado. O autor salienta que a violência, na lógica colonial, é essencialmente dada, já que o colonizador atua na perspectiva de dominar e explorar a existência de homens e mulheres que vivem no território colonizado, retirando seus bens, costumes, cultura, tradições em nome do trabalho escravizado. O colonialismo europeu em terras africanas produziu uma cisão racializada entre brancos e negros, efetivando mundialmente a hierarquia e a dominação racial dos primeiros em relação aos segundos (FANON, 2005). Já o conceito de colonialidade vai além dos limites e particularidades do colonialismo histórico, como algo que não desaparece mesmo após uma suposta independência ou descolonização dos povos colonizados (QUIJANO, 1997), seja no Continente Africano, seja na Améfrica.

A colonialidade constitui-se em um “padrão mundial de poder capitalista, colonial/moderno, eurocentrado” (QUIJANO, 2005, p. 126), cujas relações de poder subalternizam sujeitos e conhecimentos. Ela consolida uma “concepção de humanidade segundo a qual a população do mundo diferencia-se em inferiores e superiores, irracionais e racionais, primitivos e civilizados, tradicionais e modernos” (QUIJANO, 2010, p. 86). Ideia de inferioridade, irracionalidade, não humanidade que, na cena das universidades ocidentalizadas, produz comportamentos como o do professor Paulo quando diante de corpos-políticos pretos. Que outros elementos históricos são importantes para continuarmos a problematizar o estudo das relações raciais, amefricanas e da história da África nos cursos de graduação e programas de pós-graduação em nossas universidades?

 

O que fizeram de nós: “A Redenção de Cam[12]

Na cena, Cláudia Ayana. Mulher preta, cisgênero, heterossexual, de 53 anos. Está no sul do país desde 2015, após ingressar na universidade por cotas raciais. Intelectual e militante da luta antirracista, compreende o cenário de discussão das relações raciais nas nossas universidades ocidentalizadas como uma tarefa árdua, porém necessária.

- Boa noite! Um prazer estar com vocês. Estamos aqui falando sobre as dores da violência racista que interpelou os corpos-políticos pretos de nossas irmãs e irmãos pretos nessa universidade, mas, também, as dores daquelas/es que vieram antes e abriram caminho para a nossa presença aqui. Compreendo que aqui temos uma pista para continuarmos abrindo fissuras nas estruturas racistas e sexistas das universidades brasileiras.

Evellyn Rosa e Míriam Alves conceituam a violência racista como:

 

[...] a ação ou o efeito de empregar a ideia de raça e de hierarquização do humano nas relações sociais e interpessoais, produzindo a invisibilização, o silenciamento e a subalternização de sujeitos negros/as racializados/as (ROSA; ALVES, 2020, p. 5).

 

 

O conceito de raça é uma ficção útil, uma construção ideológica, cuja necessidade de sua invenção foi fundamentar o poder do hemisfério ocidental, que se considerava “o centro do globo, o país natal da razão, da vida universal e da verdade da Humanidade” (MBEMBE, 2017, p. 27). Aníbal Quijano (2005) salienta que, a partir da união entre raça e cor, por volta do século XVI, a raça passou a ser usada como justificativa para a dominação colonial e hegemonia eurocêntrica. A raça, portanto, atrelada à cor da pele, e o racismo daí decorrente, constituem elementos da colonialidade que continuam produzindo efeitos sobre corpos-políticos pretos na contemporaneidade, e que são encontrados no padrão de poder hegemônico (QUIJANO, 2005). E, obviamente, esse padrão de poder estrutura as universidades brasileiras, tornando-se uma barreira para o trânsito de corpo-políticos pretos.

A educação em minha família nos conduziu à independência, o estudo sempre foi tomado como prioridade e sei que essa não é a regra de nosso povo preto. Foi a educação que me ajudou a ter uma trilha diferente, embora tenhamos vivido com restrição orçamentária - éramos de classe baixa. Eu estudei somente em escola pública e sem grandes luxos. Havia um mantra que ouvíamos minha mãe repetir, enquanto ela desejava que eu tivesse os mesmos olhos claros do meu pai, dizia: "Estude minha filha. Você é pobre e preta, precisa estudar para você ser gente". Não tendo certeza do momento em que seria considerada gente. O que ela considerava gente? O que a universidade considera gente? Penso que o significado de ser gente foi se transmutando na cabeça de minha mãe. Lembro da época em que, para eu ser gente, eu precisava acompanhá-la nas atividades da igreja. Católica fervorosa, ela implementou a cartilha da evangelização em nossa casa, fui batizada, fiz catequese e crisma, até o momento em que me rebelei. Hoje sigo a tradição de matriz africana. Quando lembro do momento em que ela me apresentou A Redenção de Cam, uma pintura do artista espanhol Modesto Brocos, de 1895, que ela conheceu a partir de um grupo de mulheres da igreja, fiquei estarrecida. Minha mãe se via naquela mulher preta louvando a Deus pela brancura da criança. E toda vez que eu tentava falar o quanto a igreja contribuiu para a escravização de nossos antepassados e continuava atuando na lógica colonial, nós brigávamos...

O batismo cristão irá impor aos africanos escravizados e seus descendentes, a pecha de tornarem-se herdeiros de Cam, em novo arremedo e metamorfose de Lete. O cristianismo impôs a nós, pretas e pretos, a maldição dos filhos de Noé e seus herdeiros, enquanto suporte ideológico-religioso ao propor uma perspectiva cientifica que, segundo Moore (2012), veio se dar em face do império muçulmano ter sido herdeiro da longa tradição de escravidão dos Impérios Bizantino e Persa. Moore (2012), ao citar Lovejoy (2002), observa ter sido durante os séculos VIII, IX e X que ocorreu a aproximação da antiga tradição escravista com a nova religião: momento em que a escravidão negra passa a ser legitimada a partir da lenda em que Ham (Cam), o ancestral dos negros, foi condenado a ser negro por Noé.

Mito comum bíblico para judeus e árabes, esses últimos, ao contrário dos judeus, não veem a maldição como uma sanção contra Canaã e, sim, sobre os africanos em face desses serem negros. Contudo, ainda conforme Moore (2012), foi a partir do médico romano Galeno (Séc. II) que esse pensamento, em face da teoria dos humores de determinada essência de uma raça, ganha maior prestígio frente à expansão do Império Árabe, isto é, Al Masudi (Séc. X), ao se reportar a esta teoria, propôs explicar o porquê da fraqueza da inteligência do negro, dada a organização imperfeita do seu cérebro. O que fizeram de nós...

Um exemplo de escrita comprometida com a “arte de esquecer” é Divisões Perigosas: Políticas Raciais no Brasil Contemporâneo, de Peter Fry et. al. (2007), cuja insistência na ideia de esquecimento tem a finalidade de dissuadir quem possa deter alguma lembrança ou compromisso com a responsabilidade moral e política perante a questão das práticas promotoras de igualdade racial. Trata-se de uma obra produzida por um “grupo de cidadãos estudiosos”, contrários a projetos que promoveriam o processo de racialização em face das políticas sociais em curso no Brasil. Na epígrafe à essa obra, o poeta Ferreira Gullar replica-nos:

 

Nenhuma pessoa de hoje tem culpa do que ocorreu no país há séculos. Não se pode punir os que não têm acesso a cotas ou ficará implícito que os brancos pobres são escravocratas. Temos que acabar com o racismo de um lado e de outro (FRY et. al., 2007, p. 23).

 

 

Nesta escrita, os autores enunciam situações ou acontecimentos ocorridos em um tempo passado que, senão esquecidos, ao menos deveriam ser deixados de lado. Não obstante, salientamos que sendo analisados no prisma das relações raciais e do escravismo, eles, perigosamente, proporcionariam um novo tipo de essencialismo racial. A exemplo das cotas raciais para estudantes pretas/os nas universidades públicas brasileiras, assim como outras iniciativas de desenvolvimento de políticas de ação afirmativa, a tônica dos escritos desse “grupo de cidadãos estudiosos” alertaria para o fato de se estar introduzindo e disseminando a discórdia, o ódio racial, em outras palavras, o racismo às avessas. Por essa e por outras, advoga César Benjamim:

 

[..] Quem é negro e quem é branco no Brasil? Onde está a fronteira entre ambos? [Para em seguida ele mesmo responder com uma nova questão, em face das políticas de cotas nas universidades] E os brancos pobres que são muitos, como ficam? (BENJAMIM, 2007, p. 33).

 

 

 

O “saber esquecer” em face de tais perguntas, enquanto prática comum e arremedo, permitiria entender o que Fry (2005) apresenta como uma descoberta sobre a nossa maneira de ser e de agir em seus estudos, isto é, o nosso desejo pela assimilação, em contraposição às práticas de segregação racial conflituosa e historicamente vividas em países como a África do Sul e os Estados Unidos. As evidências que permitiriam entender o desejo de assimilação enquanto processo cultural, até mesmo sob a expressão e o grau máximo de conflito, como o ocorrido na rebelião escrava de 1835 em Salvador, apresentar-se-ia pautada por linhas não raciais e sim, ainda segundo Fry (2005), em uma ordem de proximidade de origens étnicas na sociedade baiana. O autor, ao buscar elementos factuais na escrita da história, esforça-se por corroborar com a afirmação de que, para manter a sua permanência no Brasil, os africanos deveriam deixar para trás as suas raízes, mesmo que com a cruel e maciça campanha para tais fins. Pois do ponto de vista da ação ideal típica, por essa conduta, poder-se-ia interpretar e entendê-la como algo mais importante que a própria manutenção das autoridades na sociedade baiana. Assim, para a assimilação, equivaleria dizer:

 

O caminho para civilização no Brasil deveria ser premiado não com o estabelecimento de comunidades de base ‘racial’ e ‘étnicas’ distintas e segregadas, cada uma com seu estilo de vida particular, mas pela assimilação e integração (FRY, 2005, p.174).

 

Neste sentido, a nossa singularidade enquanto povo disposto à assimilação e oposto à segregação racial em Fry (2005), parece-nos vinculada intimamente à linhagem de interpretação teórica que insiste em separar a ideia de cultura das relações raciais e de poder, que se encontram intimamente vinculadas à estratificação e, por isso, atravessadas pelas questões relativas às desigualdades de classes sociais. Portanto, para Fry (2005), assim como para os demais autores dos artigos que compõem Divisões Perigosas (FRY, e. al., 2007), o processo miscigenação/assimilação se apresentaria como elemento civilizacional, cujos argumentos, em seu favor, tornar-se-iam válidos e valiosos pelo seu aspecto cultural, de tal modo a oferecer-nos, a partir desse ideário, não só a referência, mas também a ideia de viver o “mito vivido” - a democracia racial enquanto “mito-ideologia”. Conquanto, a “arte do esquecer” nos propõe aquilo que lhe é oposto contraditoriamente, isto é, o que menos deveria ou poderia ser esquecido - a memória - Mnemósine. Que, como a deusa Lete, em seu rio com curso paralelo às águas do esquecimento, para além do estado mental ou momento da história, ajuda-nos a retomar de maneira mais pontual o estudo sobre as relações raciais.

O artigo de Wilson Trajano Filho (2007) intitulado História da África: para quê? originariamente publicado em 2004, um ano após a promulgação da Lei nº 10.639/2003, não faz qualquer tipo de alusão às reivindicações dos movimentos negros, experiências educacionais e mesmo qualquer tipo de interlocução em relação às questões ou cenas políticas como aquelas que envolveram a proposição embrionária do projeto[13] que antecedeu a Lei nº 10.639/2003, tampouco o arquivamento realizado pelo senado brasileiro em 1995. Trajano Filho (2007) busca não só dissuadir, mas desabonar a proposta de ensino da história da África. A começar pela ambiguidade da pergunta em seu título História da África: para quê? Ao invés de apresentar um posicionamento explicitamente contrário ao projeto de lei aprovado, o autor alerta para o que poder-se-ia denominar como a ideia de busca pelo bom senso, a partir do que considera ser as cinco boas razões para o seu ensino. Primeiro, a necessidade de desnaturalização da África, como afirma Trajano Filho sobre aquilo que é a África, a torna:

 

[...] feita de pedaços escolhidos ao sabor das circunstâncias, e [que] se mostra muito útil para indicar o outro e a diferença [...] tanto sob a forma do outro radical, de nós separado (o africano do presente) quanto sob a forma que nos acompanha, [...] um apêndice exterior (o africano genérico do passado) (TRAJANO FILHO, 2007, p. 52).

 

Em segundo lugar, a noção de África homogeneizada. A “África à brasileira” seria, assim, produto das classificações feitas pelas potências coloniais. Logo, a ideia de tribo como Ioruba, Mandinga e Uolofe[14], proposta por antropólogos e historiadores do passado, corresponderia, em nossos dias, à busca por uma essência própria. Em terceiro lugar, o presente não é uma continuidade do passado e o africano dos novos dias não é o mesmo do passado, devendo a África atual ser observada e compreendida a partir de uma temporalidade pré-colonial e não de um presentismo. E, em quarto lugar:

O argumento que estamos criticando pressupõe que a cultura é um conjunto de traços ou atributos. Assim, a capoeira, os cultos de possessão, o samba, as comidas, entre outros, representariam a cultura africana no Brasil. Esse modo de compreender as culturas humanas é muito problemático porque, ao subordinar as semelhanças dos traços culturais a um arcabouço geográfico, despreza-se o fator histórico. A ideia de que certos traços culturais são oriundos de uma África sem história e homogênea, e de que foram transportados para o Brasil, aqui se mantendo, nega características importantes de toda cultura humana [...] (TRAJANO FILHO, 2007, p. 54).

 

 

Por fim, em quinto lugar, na falta da história para explicar o atributo cultural, o argumento implícito de que o samba, a capoeira, a possessão, a culinária ou qualquer outra coisa pensada como africana é transmitida pelo sangue, corresponderia a entendê-los como “algo próprio da raça”. Para além do essencialismo e do racialismo, como aponta e acusa a escrita de Trajano Filho (2007), bem como, demais artigos contrários à adoção de políticas de afirmação positiva publicados em Divisões Perigosas (2007), Clifford Geertz é providencial:

 

A questão não é se os seres humanos são organismos biológicos com características intrínsecas [...], a questão é como devemos entender esses fatos indiscutíveis ao explicarmos rituais, analisarmos ecossistemas, interpretar sequências fósseis ou compararmos línguas (GEERTZ, 2001, 54).

 

 

Quer dizer, aquilo que nos acompanha como apêndice exterior frente ao que somos: “o Brasil somos nós”, o “africano genérico do passado”, e não mencionado por Trajano Filho (2007), a escravização e a diáspora negra que nos faz lidarmos, sobretudo, com o “outro” enquanto experiência identitária, manifesta-se não no sentido do que somos, mas naquilo que nos tornamos. A identidade, sob este aspecto, parece-nos estar intimamente ligada àquilo que sou e àquilo que é o “outro”. Logo, o interstício entre o que sou e o que é o “outro” propõe uma relação estreita de dependência entre identidade, diferença e práticas relacionais que independem de nossas vontades, pois elas não se dão em separado do momento espaço-histórico, bem como dos sentidos simbólico e de exercício do poder e da dominação. Alberto Silva (2003, p. 75) observa que as afirmações sobre a diferença em geral “ocultam declarações negativas sobre outras identidades, [...] aquilo que somos e que auto referenciamos como norma e pela qual descrevemos ou avaliamos aquilo que não somos”.

Logo, os estudos apontam ter sido muito tênue os laços entre o Brasil e a África, durante os quatro séculos em que se manteve o comércio humano e a exploração do trabalho escravizado. Como afirma Clóvis Moura (1993), aqui, como em Cuba, poder-se-ia mesmo dizer, ao contrário das demais colônias da América Espanhola, que o tráfico transatlântico obedeceu e estabeleceu uma uniformidade de presença e de continuidade do escravismo à medida que se desenvolviam as economias coloniais, ao construírem-se em Estados politicamente independentes e enquanto últimos países a declararem a abolição da escravatura.

Assim, para efeito e compreensão das relações sociais em nossos dias, Roger Bastide (1974, p. 26) afirma que “os navios negreiros traziam a bordo não somente homens, mulheres e crianças, mas ainda os seus deuses, suas crenças e seu folclore”, o que nos propõe a pensar e a entender que a presença africana permaneceria como um fato indelével nas três Américas. Neste sentido, ainda que em 1850 tenha ocorrido a proibição do comércio de vidas humanas, e quase quatro décadas depois, a promulgação da Lei Áurea - em consonância com aquilo que passou-se a desenvolver e caracterizar como “política de desafricanização”, implementada pelo Brasil desde o final do século XIX e primeiras décadas do século XX, Lopes (2004, p. 233) afirma que a desafricanização corresponde ao “processo de retirada de um tema ou de um indivíduo os conteúdos que o identificam como de origem africana”. Ainda para Lopes (2004), este processo teve seu início já no Continente Africano em face das conversões forçadas ao cristianismo e que veio intensificar-se com a diáspora africana, por meio de diferentes expedientes nos processos psicológico e cultural de desconstrução da identidade desses e de seus descendentes. Há muitos estudos sobre as políticas de Estado de desafricanização, como a de Silva (2003). Compreender o processo de desafricanização abre caminhos para entender o que éramos, o que somos e o que queremos ser, o porvir.

 

Memórias e rastros de um porvir

Quem performa? Pedro Henrique, de 31 anos, filho de mãe preta e pai branco, que se descobre preto na cena acadêmica, ainda na graduação, a partir da sua inserção na Setorial de Pretas e Pretos de sua universidade. Observa atentamente as mais de vinte pessoas reunidas em diálogo com Latifa e Cláudia Ayana. Quando chega o seu momento, abre o verbo...

Boa noite! Eu sou o Pedro Henrique, uma “bixa preta” que após experimentar uma segunda diáspora onde, novamente, me foi retirada a possibilidade de ser integrado e acolhido pelos meus espaços de aquilombamento - família, comunidade, movimentos negros - (VEIGA, 2018), encontrei a Setorial de Pretas e Pretos. Quero começar minha reflexão fazendo um questionamento. Após escutarmos essas duas grandes mulheres pretas, ao chegarmos até aqui, o que vemos? O que escutamos? O que sentimos? O que escorre pelo pensamento? Qual a relação entre memória, esquecimento e porvir?

Ao chegar aqui, é importante olhar para trás e retornar ao quadro da exposição, anteriormente apresentado, em torno da problemática da memória e do esquecimento, considerando que esse efeito último traz consigo, enquanto memória manipulada, a fragilidade das identidades, como observa Ricouer (2002). Por esse aspecto, quando lidamos com a história e a colocamos face a face com a política de Estado de desafricanização, poder-se-ia dizer que isso impôs a nós, pretas e pretos, o esquecimento nas palavras e pela força das palavras sobre quem éramos, assim como a invenção de uma civilidade branca para nosso corpo-político preto - o mito-vivido da brasilidade. Esquecimento, silenciamento, invisibilidade, apagamento que não podem mais continuar escorrendo em “brancas nuvens” entre as “paredes brancas” das universidades ocidentalizadas na cena brasileira.

Quem pode dizer o que éramos e o que precisamos ser? De que lugar enunciamos a nossa existência? No Brasil, a presença africana permaneceu como algo tão familiar que pouquíssimas situações nos causam estranhamento, a não ser quando contrariamos as expectativas relativas às situações de ocupação e de permanência em espaços sociais brancos. Propondo-nos sentidos de navegação social em meio às contradições próprias de nossa sociedade racializada, mantidas e expressas pelas desigualdades e hierarquização do humano e das relações sociais advindas, fundamentalmente, com a escravidão e o colonialismo, compreendemos que não é possível a transformação social sem a análise crítica do: “[...] processo mais longo de nossa história, e de que não pudemos compreender sem estudar a África” (SILVA, 2003, p.85). Que universidade está assim comprometida? Que universidade está disposta ao emaranhamento dos lugares sociais ainda tão bem definidos e dispostos em sua interioridade?

Os sentidos de lugar, de pertencimento na sociedade de classes, de divisão racial do trabalho, de subordinação e subalternização em dupla e permanente reprodução precisam dar passagem para perspectivas existenciais, ontológicas, éticas, epistemológicas que passaram a abrir fissuras nas paredes brancas de nossas universidades. Todos os Paulos precisam nos ouvir! Este é um caminho sem volta. O mito-ideologia da consciência nacional que, em sua aparência e enquanto mito-vivido, sob a pele das palavras e pelas palavras, materializa-se em situações e práticas racialmente harmoniosas, que permitem afirmar e estabelecer o sentido das coisas nossas. Conquanto apropriadas, por meio do esquecimento da agência da mulher preta e do homem preto que, despojados e desqualificados ontologicamente como seres humanos, foram e são, de fato, produtoras e produtores de novas culturas, projetos políticos e resistências, mas também esperança - “é muita milonga para uma mironga só” (BERNARDINO-COSTA, 2019; GONZALEZ, 2020, p. 88).

Os conhecimentos e as paredes brancas que cercam todos os Paulos já não são mais tão brancas diante da presença insurgente de nossos corpos-políticos pretos que, ao performarem memórias, enunciam rastros de um porvir na cena universitária, demarcando nossas histórias afrodiaspóricas e ladioamefricanas. A escrevivência em oralitura, aqui performada em narrativas ficcionais por Latifa, Cláudia Ayana e Pedro Henrique, marcam o ser-sendo na produção do conhecimento de muitas mulheres e homens pretas e pretos na universidade; marca o porvir do conhecimento produzido a partir das experiências pretas. Sigamos!

 

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Notas



[1] In respect and appreciation for the copyright production of Brazilian black scholars, the concept of “escrevivência” in Portuguese will not be translated. “Escrevivência” is a concept that was brought up by Conceição Evaristo through a neologism between the terms escrever (write) and vivência (personal living experience), implying writing as a political act for black women whose self-writing is, at the same time, arranged by a collectivity and pervaded by social, racial and gender relations.

 

[2] Conceito discutido por Lélia Gonzalez (1988/2018a) que versa sobre as conexões entre experiências de resistência, de luta e de inscrição de um complexo cultural na América a partir dos povos originários e afrodiaspóricos.

 

[3] Sobre o movimento de Anistia no Brasil:  Araújo; Silva; Santos (2013) e Montenegro; Araújo; Rodeghero (2012). Com relação ao movimento em favor das eleições Diretas e convocação da Assembleia Constituinte (1988): Carvalho (2001), Reis (2014). Renovação teórico-metodológica, vide: Gomes (2004) e Rubim (1996).

 

[4] A sociedade brasileira é constituída por, no mínimo, três matrizes civilizacionais: a indígena, a africana e a europeia ocidental. No entanto, há uma hierarquização da matriz civilizacional europeia ocidental sobre as outras duas. Os movimentos sociais negros e indígenas lutam há mais de 500 anos contra essa hierarquização e contra a subalternização de seus povos pela lógica colonial, ainda incrustada em nosso país.

 

[5] Aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFPel, por meio do parecer número 4.127.275.

 

[6] Altera a Lei nº 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir e tornar obrigatória o estudo da História e Cultura da África e Afro-Brasileira nos currículos da Rede de Ensino.

 

[7] Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas.

 

[8] Passagem da faixa que dá título ao CD gravado por Chico César, em 2002, “Respeitem meus cabelos, brancos”. Nesse artigo a expressão "com veludo nos tamancos" alude ao processo de silenciamento, de invisibilização e apagamento de corpos-políticos pretos no espaço universitário - um tamanco com veludo na sola não produz barulho ao tocar o chão contribuindo, portanto, com a manutenção do silêncio em sala de aula.

 

[9] Embarcações que, no tráfico negreiro, fizeram a travessia do Atlântico transportando africanos sequestrados e escravizados do Continente Africano para as Américas, além de transportarem produtos e mercadorias para a Europa.1538, primeiro desembarque de escravizados documentado (JOFFILY, 2000)

 

[10] Em vários momentos de A memória, a história e o esquecimento, Ricoeur (2007, p.510; 74) ao se referir a Weinrich (1999) observa ser esse autor de fundamental importância para entender e propor a “[...] arte [do esquecimento] como que simétrica a ar memoriae [arte da memória] celebrada por Frances Yates. Enquanto [...] essencialmente uma técnica de memorização mais [do] que um abandono à rememoração e seus lampejos espontâneos, a arte oposta seria letatécnica”. Não enquanto algo decorado [...] da dialética do mestre discipulo que dependem [de] os exercícios de memorização inscritos num programa de educação, de paidéia”. A arte do esquecimento proporcionaria lidar não só com o excesso, mas também com a insuficiência da memória enquanto narrativa manipulada.

 

[11] Conforme Moore (2012), a visão negrofóbica encontra-se inscrita em escala mundial em todos os povos euro-semitas da Europa e do Oriente Médio.

 

[12] Obra de Modesto Brocos, de 1895, que aborda o processo de branqueamento da sociedade brasileira.

 

[13] Para maior entendimento, vide as teses aprovadas no I Congresso do Negro Brasileiro realizado em 1950, no Rio de Janeiro, e as questões sobre o ensino da história da África e da diáspora africana (NASCIMENTO, 1982; 1980). Estas teses foram apresentadas por Abdias Nascimento, enquanto Deputado Federal pelo PDT, na forma de projeto de Lei 1332/1983 (Ações Compensatórias) e, ainda que aprovado nas várias comissões, nunca chegou a ser votado pelo Congresso Nacional (BRASIL, 1983; FLORES; MELO, 2014).

 

[14] “UOLOFES (Ouolof, Woloff). Povo oeste-africano localizado na região da Senegâmbia e em partes da atual Mauritânia. Origens. Segundo algumas teorias, os uolofes e os sereres, a eles aparentados, seriam originários da região do Futa Toro, ao norte do Rio Senegal, de onde, pressionados por fulas e berberes, teriam migrado para o sul. Outras hipóteses consideram-nos um amálgama de diversos povos, como sereres, tuculeres, fulas, saracolés, etc (LOPES e MACEDO, 2017, p. 163).