O uso das TIC no ensino remoto: entre possibilidades e desafios, o que dizem os docentes?

 

 The use of ICT in remote teaching: between possibilities and challenges, what do teachers say?

 

El uso de las TIC en la enseñanza remota: entre posibilidades y desafíos, ¿qué dicen los docentes?

 

 

Francine da Conceição Queiroz Mota

Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, Pirapora, MG, Brasil

francine.mota@ifnmg.edu.br

 

Caroline Queiroz Santos

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG, Brasil

caroline.queiroz@ufvjm.edu.br

 

Alexandre Ramos Fonseca

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG, Brasil

arfonseca@ict.ufvjm.edu.br

 

Recebido em 06 de setembro de 2021

Aprovado em 08 de setembro de 2022

Publicado em 04 de julho de 2023

 

 

RESUMO

Dentre os desafios enfrentados pelas instituições de ensino na melhoria dos seus processos pedagógicos, destaca-se a problemática referente ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação para a promoção de aulas inovadoras e criativas. No contexto da pandemia de COVID-­19, essas tecnologias permitiram a continuidade das aulas, contudo, exigiram novas habilidades docentes para o seu uso. Nesse cenário, o objetivo deste artigo é identificar as tecnologias digitais utilizadas pelos docentes no ensino remoto e os desafios e possibilidades vivenciadas nessa utilização no processo de mediação da aprendizagem. Partindo de uma abordagem qualitativa, a produção de dados realizou­-se mediante a aplicação de questionários e entrevistas aos docentes das turmas pesquisadas. Os resultados apontam a experimentação de quadros digitais, mapas mentais, murais interativos, plataformas de aprendizagem, dentre outras. Apesar de cumprir a necessidade de dar continuidade às aulas, o uso de tais tecnologias não se traduziu em expressivas ressignificações da prática docente, que centrada no professor, contou com baixo protagonismo e autonomia discente, pouco incentivo à produção autoral de conteúdo e práticas interativas e colaborativas. Nas percepções docentes, destacaram-se as oportunidades multimidiáticas e multiplataformas e de inclusão das tecnologias e as dificuldades mais recorrentes referem-se à avaliação, à gestão do tempo e a produção e edição de videoaulas. Tais percepções permitem a reflexão sobre a importância da construção de habilidades docentes rumo a experiências que melhor se apropriem das possibilidades pedagógicas dos ambientes online no pós-pandemia, na perspectiva de um ensino híbrido.

 

Palavras-chave: Tecnologias de Informação e Comunicação; Ensino Remoto; Ensino Híbrido.

 

ABSTRACT

Among the challenges faced by education to the improvement of its pedagogical processes the problem related to the use of Information and Communication Technologies for the promotion of innovative and creative classes stands out. In the COVID-19 pandemic context, these technologies allowed the continuity of the classes, however, demanded new teaching skills for their use. In this scenario, the objective of this paper is to identify technologies used by teachers in remote teaching and the challenges and possibilities experienced in the use of these technologies in the process of learning mediation. Based on a qualitative approach, the data was collected through the application of questionnaires and interviews with teachers. The results point to the experimentation of technologies such as digital whiteboards, mind maps, interactive murals, learning platforms, among others.  Despite fulfilling the need to give continuity to the classes, the use of these technologies did not translate into relevant re-significations of teaching practices. These still are centered on teachers, with low student protagonism and autonomy, little incentive for authorial content production, and short interactive and collaborative practices. In the teachers' perceptions, the multimedia and multiplatform opportunities and the increase in the use of technologies stood out. The most recurrent difficulties referred to assessment, time management, and the production and editing of video classes. Such perceptions allow us reflection on the importance of building teaching skills towards experiences that better appropriate the pedagogical possibilities of online environments in the post-pandemic, from the perspective of hybrid teaching.

 

Keywords: Digital Information and Communication Technologies; Remote Teaching; Blended Learning.

RESUMEN

Entre los desafíos que enfrentan las instituciones educativas para mejorar sus procesos pedagógicos, se destaca el problema relacionado con el uso de las Tecnologías de la Información y la Comunicación para promover clases innovadoras y creativas. En el contexto de la pandemia del COVID-19, estas tecnologías permitieron la continuidad de las clases, sin embargo, requirieron nuevas habilidades docentes para su uso. En este escenario, el objetivo de este artículo es identificar las tecnologías digitales utilizadas por los docentes en la enseñanza remota y los desafíos y posibilidades que se experimentan en este uso en el proceso de mediación del aprendizaje. Partiendo de un enfoque cualitativo, la producción de datos se realizó a través de la aplicación de cuestionarios y entrevistas a los docentes de las clases encuestadas. Los resultados apuntan a la experimentación de tableros digitales, mapas mentales, murales interactivos, plataformas de aprendizaje, entre otros. A pesar de satisfacer la necesidad de continuar las clases, el uso de tales tecnologías no se tradujo en resignificaciones significativas de la práctica docente, que centrada en el docente, tenía bajo protagonismo y autonomía del estudiante, poco incentivo para la producción autoral de contenidos e prácticas interactivas y colaborativas. En las percepciones de los docentes, se destacaron las oportunidades multimedia, multiplataforma y la inclusión de tecnologías, y las dificultades más recurrentes se refieren a la evaluación, la gestión del tiempo y la producción y edición de videoclases. Tales percepciones permiten reflexionar sobre la importancia de construir competencias docentes hacia experiencias que se apropien mejor de las posibilidades pedagógicas de los entornos en línea en la pospandemia, desde la perspectiva de la educación híbrida.

 

Palabras-clave: Tecnologías de la Información y la Comunicación; Enseñanza Remota; Educación Híbrida.

 

 

Introdução

            A educação enfrenta uma série de desafios na busca de melhorias de seus processos pedagógicos, dentre os quais situa-se a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Há bastante tempo discute-se a necessidade de quebra de paradigmas nos discursos e práticas educativas para uso dessas tecnologias como potencializadoras de metodologias ativas para o desenvolvimento de aulas inovadoras e criativas (DEMO, 2009; BITENCOURTE; HINZ; LOPES, 2018; FERRARINI; SAHEB; TORRES, 2019; STECZ, 2019).

As habilidades no uso das TDIC são reconhecidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como uma das competências gerais da Educação Básica. No ensino médio é previsto o trabalho com essas tecnologias em todas as áreas do conhecimento em relação: à busca crítica de informações, ao reconhecimento dos riscos e vantagens no uso, à apropriação das linguagens midiáticas, à produção de conteúdo em diversas mídias, ao uso de softwares e aplicativos, ao pensamento computacional, dentre outros (BRASIL, 2018).

A discussão acerca do uso das tecnologias pelos docentes ocupou as pautas educacionais nos anos de 2020 e 2021 em razão da pandemia de COVID-19, que ocasionou a suspensão total ou parcial das aulas presenciais. Para a continuidade dos calendários letivos foram adotadas diversas práticas e metodologias, apoiadas nas metodologias digitais, de modo a garantir o distanciamento social. Essa nova forma de organização do ensino foi chamada de ensino remoto emergencial, compreendido por Hodges et. al (2020, p. 7) como uma forma temporária de organização, adequada às circunstâncias de crise, com uso de soluções remotas para acesso à instrução e suporte educacional, até que seja possível o retorno às condições de normalidade

Essa organização do ensino é marcada pelos elementos “temporalidade” e “a-sistematização”, em sua dimensão teórico-prática (LUCAS; MOITA, 2020, p. 4). Tais elementos impuseram reformulações de práticas pedagógicas para o uso das TIC, dentre outras ações, em meio ao caos social e econômico gerado pela pandemia (AGUIAR; PANIAGO; CUNHA, 2020). Assim, as instituições se viram desafiadas a buscar formas para que os estudantes acessem os conteúdos, produzam mídias digitais e façam a mediação da aprendizagem de modo virtual. Em muitos casos, essas instituições ou os próprios docentes não possuíam condições tecnológicas ou técnicas para responder a esses desafios de forma a garantir a equidade e a eficácia dos processos de ensino e de aprendizagem (BASTOS; BOSCARIOLI, 2021). Nesse panorama, este artigo tem como objetivo “identificar as TIC utilizadas pelos docentes no ensino remoto e os desafios e possibilidades vivenciados na utilização dessas tecnologias no processo de mediação da aprendizagem”. Partindo das percepções dos docentes acerca das experiências vivenciadas, a pesquisa norteou-se pela seguinte questão: Quais as limitações e as possibilidades percebidas pelos professores para o desenvolvimento de situações de ensino e de aprendizagem mediadas pelas TIC, numa situação de ensino remoto?

Para responder a esta questão, aplicamos questionários e entrevistamos docentes de cursos técnicos integrados ao ensino médio. Os resultados apontam para a necessidade de uma reflexão sobre a importância de construção de habilidades para melhor apropriação das possibilidades pedagógicas das TIC no cenário pós-pandemia. Esse uso deve ser capaz de promover ressignificações das práticas, com maior protagonismo e autonomia discente, incentivo à produção autoral de conteúdo e práticas mais interativas e colaborativas.

            Além desta introdução que apresenta e contextualiza a pesquisa, o texto divide-se em outras quatro seções: A 1ª apresenta as principais características das TDIC, e discute algumas possibilidades e desafios enfrentados pelas escolas na apropriação pedagógica das TDIC. A 2ª apresenta o contexto e os sujeitos envolvidos no estudo, bem como o delineamento metodológico adotado. A 3ª seção apresenta os principais resultados e discussões e, por fim, na 4ª seção são apresentadas as considerações finais.

 

Tecnologias de Informação e Comunicação: entre possibilidades e desafios

Diante da aceleração na propagação das informações ocasionada pelas tecnologias digitais surgiram novas expectativas e necessidades dos estudantes em relação à escola. Isso exige dos sistemas educacionais uma quebra de paradigmas para uma apropriação das potencialidades pedagógicas dessas tecnologias para a oferta de um ensino inovador e criativo (GABRIEL, 2013).

            Dentre as potencialidades das TDIC, destaca-se a facilidade de acesso à informação em diferentes formatos e linguagens (imagens, hipertextos, infográficos, áudios e vídeos), de forma rápida e atraente. Nesse contexto, cabe ao professor um novo papel: mediar o conhecimento, orientando o aluno na interpretação, contextualização e processamento das informações para transformá-las em conhecimento e sabedoria. Isso requer do docente a superação da ideia de linearidade e “rigidez” do texto impresso, para o reconhecimento e valorização das características e configurações trazidas pelas novas linguagens e recursos das TIC (MORAN, 2013).

No trabalho pedagógico, as características das TIC devem ser consideradas pelos docentes em razão de suas potencialidades pedagógicas, como a mobilidade, a conectividade, a interatividade e a hipertextualidade.

A mobilidade proporcionada pelos dispositivos móveis superou a ideia da comunicação presa a lugares fixos, incorporando ao processo comunicativo as novas linguagens, próprias do ambiente informatizado (LUCENA, 2016).  Essa dimensão da mobilidade “[...], cria espaços/tempos híbridos que colocam na berlinda a organização espaço-temporal da escola” (CORDEIRO; BONILLA, 2015, p. 267). Isso ocorre à medida que possibilita maior liberdade aos discentes na realização de suas atividades e tarefas, conforme seu tempo e sem precisar deslocar-se para lugares específicos. Essa mobilidade possibilita, por exemplo, consultas online a bibliotecas ou visitas virtuais a museus.

A conectividade entre docentes e discentes por meio de diversas plataformas e redes propiciou uma comunicação mais fluida e flexível, além do compartilhamento de materiais e produções colaborativas. (CORDEIRO; BONILLA, 2015). Com isso, pode ocorrer alternância no uso dos espaços físicos e virtuais no processo de ensinar e aprender, o que exige “maior flexibilidade espaço-temporal, pessoal e de grupo, menos conteúdos fixos e processos mais abertos de pesquisa e comunicação” (MORAN, 2013, p. 32).

Os dispositivos móveis conectados à Internet por meio da característica da ubiquidade trouxeram a possibilidade de acesso à comunicação em vários lugares e ao mesmo tempo, seja dentro ou fora dos muros escolares. Isso contribui para a intensificação das tomadas de decisão em tempo real, melhorando, portanto, as “decisões pedagógicas” no processo de ensino (SANTAELLA, 2014). Além disso, Souza (2014) identificou que nos ambientes online, a “colaboração”, a “interatividade” e a “coletividade” ganham força se comparados às interações presenciais entre os jovens em sala de aula, ou seja, nas interações online, ocorre o estabelecimento de relações mais colaborativas e coletivas.

Outra possibilidade trazida pelas TIC é a utilização de ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) de forma híbrida ao ensino presencial. Kenski (2003) faz referência à possibilidade de coexistência de ambientes virtuais e “ambientes vivenciais”, por meio da mistura de atividades presenciais e virtuais no ensino. Ela ressalta a possibilidade de interação (síncrona e assíncrona) nos AVA, e a possibilidade de um ambiente rico em mídias (fotos, vídeos, áudios e outros), que podem se articular por meio da hipertextualidade.

A característica da interatividade trazida pela Web foi potencializada pela banda larga e pela mobilidade, possibilitando que nas práticas educativas, as interações sejam mais constantes e dinâmicas. Porém, para o alcance dos alunos em suas dimensões digitais, a comunicação deve ser repensada, já que os meios digitais requerem uma comunicação mais fragmentada, não linear e hipertextual.

A hipertextualidade permite “linkar” as diferentes plataformas e seus conteúdos, dando acesso a uma pluralidade de leituras e discursos, inclusive transcendendo a Web e alcançando os dispositivos digitais em suas diferentes mídias (GABRIEL, 2013). Isso porque o “[...] O hipertexto hoje não precisa mais ser apenas um link na Web, mas pode ser também um QRcode, um SMS, um link em um aplicativo móvel, entre inúmeras outras possibilidades” (GABRIEL, 2013, p. 116). Porém, para essa autora, ao mesmo tempo que a hipertextualidade não linear torna o ambiente de aprendizagem mais rico, ele impõe aos docentes o desafio de pensar em modelos de educação adequados a esse contexto.

O reconhecimento da necessidade de incorporação das TIC no ensino está presente em documentos orientadores da política educacional brasileira como a BNCC e o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014/2024, que trazem recomendações e estabelecem estratégias para incentivo ao uso das tecnologias no cotidiano das escolas (BRASIL,2014).  Porém, o ensino remoto praticado durante a pandemia de Covid-19 evidenciou desafios a serem superados para viabilização de experiências formativas que maximizem as oportunidades digitais propiciadas pelas características das TIC, especialmente em se tratando de instituições de ensino que desenvolveram suas aulas apoiadas nos meios digitais.

Dentre esses desafios, os dados da pesquisa TIC Domicílios 2020, desenvolvida pelo CETIC[1] apontam que, apesar da elevação do acesso e uso da Internet no Brasil, ainda persistem desigualdades digitais históricas como a falta de acesso a dispositivos digitais e à Internet de qualidade. A pesquisa aponta, por exemplo, que o uso exclusivo do telefone celular para acesso à Internet corresponde à situação de 90% dos usuários de Internet das classes DE. Apenas metade dos usuários da classe C e 13% dos domicílios das classes DE possuíam computador em casa (CETIC, 2021).

Em sua pesquisa, Carmo, Paciulli e Nascimento (2020) indicam vários desafios apontados pelos docentes no contexto do ensino remoto, tais como a falta de Internet de qualidade para o discente, equipamentos e estrutura física para o seu uso, denotando uma preocupação com a exclusão dos alunos vulneráveis social e emocionalmente, bem como com a necessidade de maior treinamento em tecnologias pelos discentes (CARMO; PACIULLI; NASCIMENTO, 2020).

Outro desafio que se apresenta às instituições de ensino refere-se à formação docente para o uso das TIC. Sobre isso, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), destaca o uso das TIC na escola como uma área de preocupação em razão das desigualdades no seu uso e apropriação. Nesse sentido, apresenta como recomendação às instituições acadêmicas, a proposição de currículos, atividades e materiais de formação em todos os níveis educacionais sobre o uso das TIC (UNESCO, 2019). 

No decorrer do ensino remoto no Brasil, várias pesquisas apontaram fragilidades na formação docente para o uso das TIC. As oportunidades de formação oferecidas aos docentes cumpriram o papel emergencial de garantir a continuidade das aulas nos meios digitais, mas não trabalharam bases teórico-epistemológicas, baseando-se sobretudo na instrumentalização (LEITE; LIMA; CARVALHO, 2020; OLIVEIRA; CORRÊA; MORÉS, 2020; ROCHA ET. AL, 2020).

Silva (2015) e Lucena (2016) advertem para a ineficácia de capacitações centradas no uso “técnico-operacional”, baseadas no modelo instrumental, em detrimento dos aspectos pedagógicos. Essas capacitações desconsideram a importância da discussão e reflexão baseadas na prática pedagógica e do incentivo à autoria e produção de material pedagógico pelos docentes (LUCENA, 2016). Desse modo, compreendemos que a disponibilização da tecnologia, embora impacte as soluções a serem incorporadas pelos docentes em suas práticas, não se constitui em fator exclusivo na determinação de suas formas de apropriação e uso. Sobre isso, Gabriel (2013, p.12) avalia que “[...] as novas tecnologias tanto podem auxiliar como atrapalhar nos processos educacionais. A sua mera presença em si não é uma vantagem, mas o seu uso apropriado o é”. Por isso, é de grande importância a compreensão dos modos de apropriação das TDIC pelos docentes e discentes, para redimensionamento das práticas escolares (CORDEIRO; BONILLA, 2015). 

Em comparação aos métodos tradicionais baseados na exposição e repetição, já existem métodos baseados na aprendizagem ativa, que se mostram mais eficazes para que o aluno construa seu conhecimento, nomeadamente as “metodologias ativas”. Apesar de antigas, advindas de épocas em que sequer existiam tecnologias digitais, elas atualmente vêm se destacando nas discussões educacionais (MALHEIROS,2019). Segundo esse autor, as principais características das metodologias ativas são: professor como orientador, aluno como protagonista, parceria entre professor e aluno, incentivo à autonomia intelectual do aluno, foco no desenvolvimento de habilidades mentais, uso de desafios como caminho para a aprendizagem e valorização da aplicação prática do aprendizado. 

No entanto, Ferrarini, Saheb e Torres (2019) afirmam que apenas o uso das TIC não implica em utilização de metodologias ativas, mas essas tecnologias podem potencializar as metodologias (ativas ou não) utilizadas pelos professores. O uso das metodologias ativas permeadas pelo contexto digital requer a criação de processos dinâmicos de pesquisa, seleção e compartilhamento de conhecimentos (CORDEIRO; BONILLA, 2015). Para as autoras, a maior disponibilização dos conteúdos nas redes exige uma mudança de enfoque no tratamento dos conteúdos: as práticas de memorização e repetição devem ser substituídas pela capacitação do educando para a seleção, análise e síntese das informações, por meio das habilidades de pesquisa, interpretação crítica e recriação. Além disso, é preciso que se valorize iniciativas de produção e curadoria de conteúdo por parte do aluno. Nesse contexto, a formação docente ganha especial relevância. Para Bitencourte, Hinz e Lopes (2018), somente uma formação “concisa”, “contínua” e “permanente” é capaz de gerar inovações pedagógicas efetivas, aproximando as atividades de ensino daquilo que seja significativo ao aluno e consequentemente despertando-lhe maior interesse. É necessário que o professor conheça as especificidades das tecnologias, saiba aliar os objetivos educativos com aquelas mais adequadas, sob o risco de afetar a confiabilidade no uso das tecnologias na educação (KENSKI, 2003). Para desenvolver essas habilidades, o docente precisa de tempo para estudar e conhecer as tecnologias digitais, o que também se constitui em um grande problema no cenário digital: falta tempo para conhecimento das opções de tecnologias disponíveis aos propósitos do ensino e estabelecimento de conexões criativas (GABRIEL, 2013). Esse desafio foi maximizado no ensino remoto emergencial devido à rapidez exigida das instituições de ensino e dos docentes que tiveram que migrar suas práticas para o ambiente digital (BASTOS; BOSCARIOLI, 2021).

Diante do exposto, percebemos que são múltiplas as possibilidades pedagógicas trazidas à educação pelas TIC, mas também são múltiplos os desafios a serem superados para a efetivação de uma educação digital de qualidade, dentre eles, os mencionados: formação docente, distribuição desigual da tecnologia e dificuldades de acesso à internet.  A despeito desses desafios, o cenário de isolamento social imposto pela Covid-19 instigou as instituições de ensino a realizarem as adequações necessárias à continuação das aulas. Esse movimento, inicialmente abrupto e repentino, pode servir de reflexão para a promoção de ações institucionais rumo à uma melhor apropriação do potencial pedagógico das TIC no pós-pandemia.

 

Dimensões contextuais e metodológicas do estudo

            O estudo em tela aconteceu no contexto da pandemia de COVID-19, tendo como lócus o Campus Pirapora do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG). Esse campus oferta cursos superiores, técnicos e cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC). Em 2019 contava com 2.298 estudantes matriculados, sendo: 79.02% em cursos técnicos, 26,5% em cursos de graduação e somente 3,48% nos cursos FIC.

Em razão da pandemia de COVID-19, o Campus Pirapora teve suas aulas suspensas em 18 de março de 2020 (IFNMG, 2020a). Somente após a criação de um comitê de crise e adoção de várias medidas de planejamento e Implementação das Atividades Pedagógicas Não-Presenciais (ANPs), tais como concessão de auxílio digital, empréstimo de tablets aos estudantes[2] e elaboração de regulamentação própria (IFNMG,2020b), é que o calendário foi efetivamente retomado. Assim, de forma remota e com o apoio das TIC, as atividades letivas foram retomadas, em setembro de 2020, ou seja, quase seis meses após a suspensão das aulas pelo Campus (IFNMG, 2020b).

Esse atraso na retomada do calendário letivo sinaliza que mesmo uma instituição federal de educação técnica e tecnológica vivenciou problemas de operacionalização do ensino remoto emergencial, dentre os quais os já conhecidos problemas da educação pública: indisponibilidade de dispositivos digitais e dificuldade no acesso à Internet pelos discentes e docentes, além da falta de capacitação docente para o trabalho com aplicativos e plataformas digitais e ambientes virtuais de ensino.

Em razão desses problemas, o desenvolvimento das ANPs foi precedido por um período de planejamento e reestruturação dos planos de ensino, adequando-os ao novo contexto, pela oferta de formação específica para os docentes e discentes, preparando-os para utilização das plataformas digitais, além do incentivo à troca de experiências entre pares na construção dos materiais didáticos e ambientes virtuais de ensino. (IFNMG, 2020b).

            Nesta pesquisa adotou-se uma abordagem qualitativa, que possibilita a análise e a interpretação dos hábitos, comportamentos e atitudes dos sujeitos pesquisados (LAKATOS; MARCONI, 2011; GIL, 2017). Em relação aos seus objetivos, caracteriza-se como exploratório-descritiva ao buscar compreender um assunto já existente por meio de um olhar atento, sob novo ângulo, oportunizando o conhecimento de novas informações (SORDI, 2013). Dessa forma, a presente pesquisa busca aprimorar ideias, descobrir intuições, características e percepções dos sujeitos em relação ao uso das TIC no ensino remoto.

Participaram deste estudo 24 professores das diversas disciplinas do currículo (propedêuticas e técnicas) de quatro turmas de 2º ano, uma de cada um dos cursos técnicos integrados ao ensino médio. Os dados foram coletados por meio da aplicação de questionários e realização de entrevistas semiestruturadas. Isso justifica-se em razão de que as entrevistas permitem a exploração de pontos de interesse da pesquisa, além de trazer respostas mais facilmente categorizáveis (SEVERINO, 1996). Para a organização e compreensão dos dados, adotou-se a análise de conteúdo proposta por Bardin (2011), na qual foram identificadas dimensões, categorias, padrões e suas relações, propiciando a realização de inferências sobre os dados levantados.

            Os encaminhamentos metodológicos seguiram alguns passos de execução:

a) Contato com a direção geral do campus para anuência e formalização da pesquisa; b) Submissão e aprovação do projeto de pesquisa por Comissão de Ética em Pesquisa (CEP)[3] da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri;

c) Aplicação dos questionários mediante envio de links de acesso por e-mail ou WhatsApp. Tais links deram acesso primeiramente ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e mediante anuência, o participante era redirecionado eletronicamente ao questionário, disponibilizado no período de 08/01 a 25/03/21.

d) No período de janeiro a março de 2021 foram realizadas as entrevistas, por meio de videoconferências online no Google Meet.

Após a explicitação do contexto, dos sujeitos e do percurso metodológico que caracterizam este estudo, nas próximas seções abordaremos os resultados, de forma a garantir o anonimato dos sujeitos, que serão nomeados por Professor 1(P1), Professor 2 (P2) e assim sucessivamente.

 

O uso das TIC na mediação da aprendizagem no ensino remoto

Analisando os questionários

            Dos 32 docentes que atuam nas turmas pesquisadas, 24 responderam ao questionário, o que corresponde à uma participação de 75%.

Em relação à formação e situação funcional, a maior parte possui formação a nível de mestrado (45,8%) ou doutorado (37,5%). Além disso, o grupo é composto predominantemente por professores do quadro efetivo (70,8%). E, quanto à experiência profissional, a grande maioria (70,8%) atua na docência há mais de 6 anos, sendo que todos que se situam na faixa de menor tempo de experiência – 1 a 3 anos – são substitutos. Mais da metade dos participantes (58,4%) atua na instituição há mais de 5 anos, porém, somente 16,7% deles trabalham na instituição desde a sua implantação.

            Abordaremos neste artigo aspectos referentes ao uso pedagógico das TIC na relação aluno-professor-conhecimento.

            Perguntados sobre os recursos didáticos utilizados em sua prática antes do ensino remoto, ainda no ensino presencial, as respostas dos docentes apontam a predominância do uso de material impresso, quadro e pincel e projetor multimídia. Além disso, evidenciou-se uma baixa utilização de recursos da Internet, tais como games, usados por apenas 16,7% dos docentes, e animações e simuladores por 12,5%. A lousa digital era utilizada por somente 8,3% dos docentes e os laboratórios de informática pela metade dos professores, em sua maior parte das disciplinas técnicas dos cursos. Somente 27,3% dos docentes das disciplinas propedêuticas relataram utilizar esses espaços no ensino presencial.

            Esses dados evidenciam que no ensino presencial, apesar de utilizarem dispositivos digitais em aula, sobretudo o notebook e o projetor multimídia, não havia uma expressiva utilização dos recursos disponíveis no meio online para disponibilização de conteúdos pelos professores. Os conteúdos circulavam principalmente por meio de suporte físico: material impresso, quadro e giz. Somente metade dos professores indicaram o uso de AVAs, sendo citados dois: Google Classroom e o Moodle. Já as redes sociais Youtube, Instagram e Facebook foram citadas por apenas 8,4% dos respondentes.

            Essa situação sofreu uma mudança radical na transição para o ensino remoto. Os dados da pesquisa apontam que as ANPs foram totalmente desenvolvidas por meios digitais, utilizando atividades síncronas e assíncronas, sem fornecimento de material impresso. Várias TIC foram utilizadas no processo de ensino, de modo especial o Google Meet, para o desenvolvimento de aulas ao vivo, geralmente gravadas e disponibilizadas no Classrroom, que por sua vez era usado para as interações assíncronas e para entrega e recebimento de atividades. Além das aulas gravadas no Meet, havia uso expressivo de videoaulas, próprias ou de terceiros, disponibilizadas aos alunos na Internet.

            No contexto do ensino remoto, o notebook foi o dispositivo mais utilizado, citado por 95,8% dos docentes, seguido pelo smartphone (83,3%). Os menos utilizados foram o tablet, citado por apenas 16,6% e o desktop (8,3%). Embora se observe uma elevada utilização do smartphone, nenhum professor relatou sua utilização de forma exclusiva. Comparando-se esses dados com a utilização dos dispositivos no ensino presencial, observou-se uma elevação na utilização do smartphone em 33,3% e do tablet, em 16,6% e do notebook em 4,1%.

O tablet foi utilizado principalmente por professores das disciplinas exatas, pois permite o uso de pincel para demonstração de cálculos matemáticos e expressões, além de um recurso prático para gravação de videoaulas, como evidenciado no relato:

Então eu comecei a produzir videoaulas no notebook e foi um desafio. Um dos colegas sugeriu a utilização de um tablet. O tablet me ajudou demais, me fez utilizar o recurso tecnológico como se eu tivesse utilizando um quadro de pincel. Então, isso aí facilitou bastante [...], porque eu tinha a opção de compartilhar a tela do tablet, e, o meu tablet tinha uma canetinha, que quando eu escrevia no tablet lá, os alunos conseguiam ver o que eu estava escrevendo, então eu consegui utilizar o tablet como se fosse um quadro com pincel (P9)

 

            Em sua pesquisa, Oliveira, Corrêa e Morés (2020) recomendam momentos de reflexão e diálogo como estratégias de formação docente para compartilhamento e problematização de estratégias didáticas. Elas defendem que o uso das TIC deve extrapolar a adoção de ferramentas para fazer mais do mesmo, entendendo que é necessário buscar estratégias didáticas para o envolvimento discente com as atividades, além da promoção de interação e interatividade entre os conteúdos, garantindo um ensino mais dialógico.

Quanto aos softwares ou aplicativos utilizados no ensino remoto, os docentes elencaram várias ferramentas, categorizadas e apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1 – Softwares ou aplicativos educacionais específicos usados pelos professores no ensino remoto

GRUPO

FERRAMENTAS

DOCENTES QUE INDICARAM O USO (%)

Ferramentas Google

Classroom

54,2

Meet

20,8

Drive

4,2

Apresentações

4,2

Heart

4,2

Quadros digitais

Squid

4,2

Whiteboard

4,2

Ferramentas de uso específico em determinadas disciplinas

Codeskulptor

4,2

Eberick, Geoslope e Gawacwin

4,2

Geogebra

8,4

Mapas mentais

Coogle

4,2

Plataformas de aprendizagem baseada em jogos

Kahoot

16,8

Mentimeter

4,2

Plataformas de estudo

ChatClass

4,2

Quizlet

4,2

Mural interativo

Padlet

8,4

Simulações Interativas

PhET Colorado

4,2

Redes sociais

Facebook e Instagram

4,2

Ferramentas de edição e gravação de vídeos

OBS Studio, Kdenline, Wondershare e ADV gravador de tela

4,2

Fonte: Elaborada pelos autores.

A tabela evidencia uma preferência pela utilização do Google Classroom e do Google Meet, tendo inclusive uma previsão regimental dessas tecnologias pela instituição pesquisada (BRASIL, 2020b). O uso dessas tecnologias é visto positivamente por diversos autores, seja por potencializar o desenvolvimento de habilidades comunicativas, colaborativas, do pensamento crítico e da criatividade (WITT, 2015) ou por ampliar as possibilidades de interação, organização e orientação personalizada dos estudos (SCHIEHL; GASPARINI, 2016).

Apesar disso, vários estudos apontam a preocupação com potenciais efeitos negativos dessas TIC. Teräs et. al (2020) e Cruz e Venturini (2020) discutem a questão da acelerada transição do ensino para os meios digitais no ensino remoto, inclusive, com adoção e produtos e serviços oferecidos gratuitamente pelas empresas, sem muita reflexão sobre as consequências disso. Esses autores alertam para essa “generosidade” dessas empresas, que pode escamotear seu objetivo natural: o aproveitamento dos dados gerados pelos usuários para fins comerciais e consequentemente, na geração de lucros. E, no cenário da pandemia, isso potencializou-se pela urgência e pressões pela manutenção do calendário escolar, o que comprometeu a participação da comunidade escolar nas decisões de cunho educativo, havendo grande interferência do setor privado (CRUZ; VENTURINI, 2020; PORTES; PORTES, 2021).

Dessa forma, as instituições de ensino ao adotarem as ferramentas tecnológicas comerciais contribuem para o aumento do capitalismo de vigilância, por meio do qual são coletadas informações por empresas de tecnologia, que são utilizadas para comunicação e produção de conhecimento para a elevação de seus lucros (CRUZ; VENTURINI, 2020).

Além do capitalismo de vigilância, outro desafio apresentado no cenário do ensino remoto refere-se à plataformização da educação. Esse fenômeno decorre da imposição de aplicativos e plataformas aos docentes, como única possibilidade de continuidade do ensino, aumentando o controle e a fiscalização de sua rotina laboral. Nessa situação são exigidas respostas instantâneas desses docentes, por vezes invadindo seus momentos de ócio e descanso, gerando uma elevada carga de trabalho, levando-os ao adoecimento (CILINDRO; HETKOWSKI, 2021). Dessa forma, o fato de estar ausente do espaço físico escolar não significa necessariamente redução do trabalho, pelo contrário, elevou-se a responsabilização docente, o que “tende a fortalecer a intensificação e a autointensificação do trabalho, aumentando a exaustão docente” (SARAIVA; TRAVERSINI; LOCKMANN, 2020, p. 18).

Apesar do uso preferencial das ferramentas Google (Meet e Classroom), observa-se na Tabela 1, a experimentação de uma variedade de ferramentas pelos docentes, embora de forma dispersa. Essa tendência merece destaque, haja vista que muitos professores estão saindo de sua “zona de conforto”. Mesmo na situação adversa da pandemia, eles buscaram incluir as TIC em sua prática, muitas vezes através de processos autoformativos, como evidenciado nas entrevistas, o que se constitui em um indicativo de uma busca por maior inovação e criatividade ao fazer pedagógico.

Esse dado suscita a questão do professor como ativista digital e a importância do desenvolvimento de competências que o habilitem tanto a produzir material autoral, quanto a selecionar recursos de terceiros disponíveis na Internet. Sobre isso, Pretto (2012, p.105) ressalta a importância dos professores nesse processo, que não devem se constituir “em meros usuários de conteúdos produzidos e distribuídos pelas redes de informação e comunicação”, mas devem integrar essa comunidade, o que colaboraria para a instalação de “uma dinâmica de produção permanente, e um círculo virtuoso de produção em rede de culturas e de conhecimentos”.

Não obstante tenham sido introduzidas novas TIC, prevaleceram as aulas expositivas e resolução de exercícios, em detrimento do uso de atividades mais interativas e colaborativas e baseadas no incentivo à produção e curadoria de conteúdo pelo aluno para publicação na Internet.

Em relação a isso, investigou-se as percepções docentes acerca das “TIC na relação aluno­/professor/­conhecimento”. Primeiramente, perguntamos a frequência com que usavam a Internet no planejamento e desenvolvimento de suas aulas. As respostas foram organizadas nas Tabelas 2, 3 e 4, sendo cada uma com enfoque em um aspecto específico da prática docente.

Os dados da Tabela 2 apontam que a maior parte dos docentes usam a Internet com frequência (ao menos uma vez por semana) na realização de atividades referentes ao planejamento e gestão do ensino, destacando-se a utilização de salas virtuais (83,2%) e rotina burocrática (75%).

 

Tabela 2 – Frequência de utilização da Internet para realização de atividades de planejamento/gestão do ensino (%)

FREQUÊNCIA

ASPECTOS

Rotina burocrática

Pesquisa de material

Salas virtuais

Uso do e-mail *

Nunca realizei

-

-

-

4,2

Realizei poucas vezes na docência

-

-

8,4

16,6

Ao menos uma vez a cada três meses

8,4

4,2

8,4

8,4

Ao menos uma vez por mês

16,6

29,1

-

8,4

Ao menos uma vez por semana

75

66,7

83,2

62,4

* Uso do e-mail para comunicação e envio de materiais.

Fonte: Elaborada pelos autores.

Contrastando com a tendência apontada na Tabela 2, os dados apresentados na Tabela 3 demonstram que a utilização da Internet para produção autoral de materiais não é uma prática frequente, excetuando-se a produção de slides, cuja produção semanal foi apontada por 62,4%. Ademais, observa­-se uma menor frequência em relação à produção de vídeos, áudios e especialmente de apostilas. Aliado a isso, um aspecto evidenciado pelos dados da Tabela 3 refere-­se à reduzidíssima frequência de utilização de ambientes digitais, tais como blogs, sites ou páginas em redes sociais para divulgação dos trabalhos dos discentes: 79% afirmaram nunca ter mantido ou mantido poucas vezes na sua trajetória docente tais ambientes, para os referidos fins.

Esses dados apontam que mesmo transitando nos meios digitais, é relevante que se considere como docentes e discentes se colocam diante da produção de material digital, verificando se eles se posicionam para além de consumidores de conteúdos nesses meios. Nesse sentido, a escola tem importante papel no incentivo à produção autoral de conteúdo pelo discente, nas diferentes mídias, de forma integrada à sua proposta pedagógica, colaborando para o desenvolvimento das habilidades midiáticas dos estudantes, preparando-os para a vivência plena e produtiva na sociedade digital (TAROUCO; ABREU; ALVES, 2017).

Com a maior disponibilização de conteúdos na Internet, é requerida uma mudança no tratamento dos conteúdos: as práticas de memorização e repetição devem ser substituídas pela capacidade de seleção, análise e síntese das informações, exercitando as habilidades de pesquisa, interpretação crítica e recriação. Além disso, é preciso que se valorize iniciativas de curadoria de conteúdo por parte do aluno (CORDEIRO, BONILLA, 2015).

Tabela 3 – Frequência de utilização da Internet para produção de material (%)

FREQUÊNCIA

MATERIAL

Apostilas

Slides

Vídeos e áudios

Blog, site ou rede social **

Nunca realizei

16,6

-

8,4

70,6

Realizei poucas vezes na docência

25

4,2

25

8,4

Ao menos uma vez a cada três meses

12,6

8,4

8,4

4,2

Ao menos uma vez por mês

20,8

25

20,8

8,4

Ao menos uma vez por semana

25

62,4

41,6

8,4

Fonte: Elaborada pelos autores.

Os dados da Tabela 4 por sua vez indicam uma baixa frequência de utilização da Internet pelos docentes para o exercício das habilidades discentes relacionadas às práticas de pesquisa e publicação autoral na Internet. O desenvolvimento dessas habilidades está previsto na BNCC, que prevê “a apropriação das linguagens das tecnologias digitais e a fluência em sua utilização” (BRASIL, 2018, p. 466). Essa diretriz requer das escolas um maior investimento no letramento midiático e na possibilidade de acesso às práticas da cultura digital como determinante para uma aprendizagem autônoma e significativa para os jovens. Neste trabalho, adotamos o conceito de letramento digital como capacidade de leitura, utilização, interação e produção com e a partir das multimídias, como defendido por Costa, Duqueviz e Pedroza (2015), que baseadas nas ideias de Buckingham (2005), afirmam:

O letramento das mídias digitais, além de considerar a leitura e a escrita, deve enfatizar a leitura crítica e a produção criativa e cabe à escola desenvolver o letramento digital, o que os estudantes realmente precisam saber a respeito das mídias para que sejam críticos quanto à produção, à divulgação e o consumo das informações, bem como nas implicações dos seus significados (COSTA; DUQUEVIZ; PEDROZA, 2015, p. 607).

 

Tabela 4 – Frequência de utilização da Internet para o desenvolvimento das habilidades digitais discentes (%)

FREQUÊNCIA

ASPECTOS

Para realização de pesquisas na Internet

Para produção e publicação de trabalhos na rede

Nunca realizei

8,4

12,5

Realizei poucas vezes na docência

12,5

16,6

Ao menos uma vez a cada três meses

20,8

12,5

Ao menos uma vez por mês

37,5

50

Ao menos uma vez por semana

20,8

8,4

Fonte: Elaborada pelos autores.

Em sua pesquisa, Carmo, Paciulli e Nascimento (2020) apontam que mais de 60% dos docentes dos Institutos Federais já receberam alguma formação para o uso das TIC. Sobre isso, perguntamos aos docentes se os mesmos se consideravam aptos a esse uso, ao que   a maioria (75%) se considera parcialmente apto. Somente 6 docentes se julgam totalmente aptos.

Além disso, solicitamos que indicassem seu campo de domínio[4] na utilização pedagógica das TIC em cinco aspectos (média geral de domínio dos participantes informada entre parênteses): Conhecimento de recursos digitais, tecnológicos e plataformas de ensino e avaliação (3,83); Utilização e manipulação de ferramentas e Conteúdos Digitais (3,87); Adaptação dos conteúdos a serem ensinados para os meios digitais (3,45); Identificação das ferramentas que melhor se adequem aos objetivos educacionais e às necessidades dos alunos (3,62); Gravação e edição de videoaulas (2,79). A distribuição dos docentes por nível de domínio, encontra-se representada no Gráfico 1.

Gráfico 1 – Níveis de domínio docente na utilização pedagógica das TIC no ensino remoto

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

Nesse gráfico é possível observar um menor domínio em relação à habilidade de gravação e edição de videoaulas, com uma maior concentração dos docentes nos níveis mais elementares de domínio. Nesse aspecto, apenas 01 professor se julga totalmente apto. Nos demais aspectos houve maior concentração de respostas nos níveis 3 e 4, indicando um bom nível de domínio na utilização pedagógica das TIC no ensino remoto, na percepção dos docentes pesquisados.

 

Analisando as entrevistas

            Dentre os objetivos pretendidos na realização das entrevistas semiestruturadas, abordaremos as percepções docentes quanto aos desafios na utilização das TIC e sua influência nos processos de ensinar e aprender.  Responderam às entrevistas 17 professores, o que corresponde a 70,8% dos docentes que atuam nas turmas pesquisadas. Após realizadas as entrevistas, passou-­se à análise de conteúdo, mediante a codificação e agregação dos dados em unidades de registro, de acordo com os elementos semânticos.  Nessa codificação surgiram várias categorias, sendo as tratadas no âmbito deste artigo explicitadas no Quadro 1.

 

Quadro 1 – Categorização dos excertos das entrevistas

Categoria

 

Subcategorias

Pontos positivos percebidos no uso das TIC no ensino remoto

Agilidade e alcance

Flexibilidade temporal

Autonomia discente

Recursos multimidiáticos e multiplataformas

Ferramentas de engajamento discente

Pontos negativos percebidos no uso das TIC no ensino remoto

Imediatismo

Fragmentação do conteúdo

Dificuldades pessoais e/ou relacionadas à instituição enfrentadas no ensino remoto

Produção e edição de videoaulas

Avaliação da Aprendizagem

Tempo

Conhecimentos de Informática

Condições de Trabalho

Disciplinas exatas

Internet

Dificuldades relacionadas a aspectos ou comportamentos discentes

Ausência social ou virtual

Práticas de “cola” ou plágio

Procrastinação

Ambiente doméstico desfavorável

Letramento digital

Fonte: Elaborada pelos autores.

Alguns aspectos apontados pelos docentes no uso das TIC no ensino remoto podem representar ganhos em comparação às suas práticas no ensino presencial. Dentre esses ganhos, foi reconhecida pelo P1, a agilidade propiciada pelas tecnologias, que possibilita o alcance de um maior número de pessoas ao mesmo tempo, representando ganho de tempo na realização de diversas atividades, quando afirma que “[...] com a tecnologia a gente consegue fazer ‘n’ coisas e de uma forma mais rápida e que abrange muita gente. É fantástico!” (P1). Já P6 ressaltou a flexibilidade temporal possibilitada pela gravação das aulas síncronas, concebido positivamente por trazer maior liberdade aos discentes, permitindo-lhes maior adequação do seu tempo para assistir as aulas, melhor atendendo seu cronograma de estudos:

Carece de você estar fazendo muitas coisas ao mesmo tempo e o tempo acaba sendo curto na verdade, então você tem essa flexibilidade para estar estudando no horário que seja melhor, que adeque melhor à sua rotina. E, eu observei isso no ensino, né, principalmente aí no escopo do integrado, onde trabalhei esse último módulo. [...] E a aula tem essa flexibilidade, tá lá gravada, né? (P6)

 

Outro aspecto positivo evidenciado foi a elevação da autonomia discente, citada pelo P10, o qual percebeu “maior autonomia no processo de aprendizagem”, descentralizando um pouco mais o trabalho do professor na gestão de conteúdos. Nessa percepção, a disponibilização antecipada do conteúdo aos alunos, permite-lhes melhor gerenciamento do seu ritmo em função dos materiais disponibilizados (leituras, materiais complementares, slides, videoaulas, dentre outros).

A autonomia discente é uma questão importante a ser pensada, especialmente no âmbito do ensino médio, no qual espera-­se que o estudante seja mais proativo e autônomo. Nesse sentido, faz-­se necessária uma reflexão docente sobre o seu fazer pedagógico, para introdução de mudanças em suas práticas, rumo à ruptura do modelo de ensino transmissivo e construção de novos modelos, que devem distanciar­-se da perspectiva de “[...] ensinar tudo pronto o tempo todo e para todo o tempo” (SANTOS; LUCENA, 2019, p. 132).

Também como benefício do uso das TIC no ensino remoto, quatro professores apontaram a possibilidade de uso de diversas mídias e plataformas. Para eles, aos alunos foi oportunizada uma maior acessibilidade ao conteúdo, de acordo com os diferentes estilos de aprendizagem, já que o conhecimento pôde ser explorado por meio de diferentes linguagens e suportes (texto escrito, vídeos, imagens, mapas mentais) como expresso no relato:

E, também tem coisas no meio digital que facilitam o aprendizado, né? As animações né, os recursos computacionais que a gente tem hoje. Hoje eu enxergo a (pausa) juventude aí, vamos falar assim, muito mais visual, tem um aprendizado visual, diferente talvez da nossa geração, né? Porque a gente era mais debruçar em cima do livro [P6).

 

Conforme Tarouco, Abreu e Alves (2017), ensinar com multimídias possibilita recursos relevantes ao processo de ensino, promovendo um aprendizado mais efetivo, eficiente e atrativo, aliando informações verbais e visuais. No entanto, é necessário que se construa um bom planejamento, que sejam feitas opções conscientes e significativas, não sobrecarregando os estudantes com informações irrelevantes.

Em relação aos pontos negativos no uso das TIC no ensino remoto, para o P6, elas incentivam o imediatismo por parte dos alunos, que em razão da grande variedade e disponibilidade de informações na Internet, procuram respostas rápidas e imediatas para as suas dúvidas, sem um tempo maior de leitura, reflexão, elaboração e reelaboração do conhecimento.

Para Oliveira (2017), as TIC e a Internet trouxeram desafios no que concerne à relação dos jovens e adolescentes com o tempo, os quais não têm muita paciência para esperar. Esse imediatismo e a possibilidade de contar com múltiplas informações na rede tira o professor da centralidade do processo de aprendizagem e a memorização de informações perde todo o sentido (CORDEIRO; BONILLA, 2015). Isso demanda processos mais ativos e reflexivos e um maior protagonismo do aluno na própria aprendizagem (SANTOS; LUCENA, 2019).

A fragmentação do conteúdo nos meios digitais é outro ponto negativo apontado:

[...] isso dificultou um pouco a (pausa) concatenação do conteúdo, a (pausa) possibilidade deles fazerem um sentido, sem ficar aquele conteúdo talvez fragmentado. Eu acredito que as tecnologias tenham talvez, feito com que o conteúdo para alguns alunos, tenha ficado um pouco solto, porque eram várias disciplinas, com muitas atividades e eu acho que eles ficaram bem perdidos, alguns me relataram isso (P10).

 

No relato é possível inferir que essa fragmentação talvez se relacione em maior grau com a organização disciplinar adotada, com o desenvolvimento concomitante de várias disciplinas em múltiplos ambientes digitais, do que com o ambiente online propriamente dito. Koch e Machado (2017) asseveram que não havendo uma seleção adequada, várias fontes de informação, embora sejam um fator de motivação, podem confundir e dispersar a atenção dos estudantes, o que exige um maior rigor no planejamento e organização dos ambientes e conteúdos digitais.

No âmbito pessoal ou institucional, as percepções docentes apontam que as dificuldades mais recorrentes referem-­se à produção e edição de videoaulas e à gestão do tempo, ambas apontadas por 47% dos professores, seguida da avaliação da aprendizagem, apontada por 41,1%.

Dentre as dificuldades na produção de videoaulas próprias, situam-se em maior medida, as dificuldades de gravação e edição, citadas por 35,3% dos professores. No entanto, para P11, sua dificuldade embora relacionada à edição de vídeos, vai além disso, refere-se à habilidade de gravar aulas atrativas e interessantes. Apesar de disponibilizar a gravação do encontro síncrono, julga ser bastante “maçante” para o aluno assistir a um encontro síncrono de forma não resumida. Além das dificuldades de edição, P16 ressalta a dificuldade ocasionada pela falta de equipamentos apropriados e de intimidade com a câmera: “Quanto à produção de material, foi uma dificuldade que eu tive, continuo tendo, por não ter equipamentos específicos para isso e também por não ficar muito à vontade para fazer filmagem em câmeras [...]”.

Em relação às dificuldades de avaliação da aprendizagem mencionadas pelos docentes, foi citada a diversificação das formas de avaliação, por P5: “Eu senti dificuldade de avaliar, principalmente a turma de 2º ano, que era a primeira turma, eu não consegui diversificar as formas de avaliação”. Além da diversificação, foram citadas dificuldades relacionadas a aspectos atitudinais dos alunos: “cola na Internet” ou “cópia dos colegas”, como relatado por quatro professores e exemplificado no excerto a seguir:

Então eu fico penando para saber como é que eu consigo avaliar um determinado conteúdo, me avaliar e avaliar o estudante, para que eles não tenham essas respostas prontas, para que eles possam construir a resposta, ir atrás da resposta, parar, pensar, questionar e não simplesmente ter isso pronto na Internet (P11).

 

P9 ressalta a dificuldade em encontrar ferramentas apropriadas para a avaliação da sua disciplina (área de exatas), especialmente no que se refere à escrita de expressões matemáticas, o que o levou a adotar em seu trabalho a prática de envio de provas em PDF para que os alunos resolvessem, fotografassem e o encaminhassem.

De modo geral, não foram relatadas experiências inovadoras em relação às práticas avaliativas, que se centraram-se predominantemente no instrumento prova. Apenas dois professores citaram duas TIC que propiciaram maior interatividade: Kahoot e Padlet. De igual forma, não houve por parte dos participantes a indicação de experiências significativas na oferta de feedbacks constantes e produtivos aos alunos nos meios digitais, inclusive através do Google Classroom, pelo contrário, P12 aponta sua dificuldade em dar feedback atempadamente aos alunos.

As referências docentes sobre a gestão do tempo se relacionaram principalmente ao tempo destinado às suas disciplinas no âmbito das ANP. As disciplinas geralmente eram desenvolvidas em quatro ou cinco semanas letivas, nas quais eles trabalhavam os conteúdos previstos nos planos de ensino, como relatado por P5: “[...] e tem também o tempo muito curto. No integrado, quatro semanas para você ver uma disciplina de 80h, eu acho um pecado”. Esse curto espaço de tempo, nas concepções docentes inviabilizam a exploração do potencial das TIC em sua plenitude.

Ainda sobre isso, P12 lembra sua atuação prévia na EaD, na qual atuavam vários profissionais (tutor, professor conteudista, etc.), que facilitam o trabalho do professor. No ensino remoto, coube ao professor esses “múltiplos papéis”, atuando em diversas frentes: como tutor – no atendimento ao aluno na grande parte do tempo, seja pelo Classroom ou pelo WhatsApp –, como conteudista – adequando, adaptando e construindo material de aula. Isso acabou sobrecarregando o professor e demandando uma grande carga horária de trabalho, que por vezes dificulta o processo de capacitação.

A maior parte dos professores citou ao menos uma dificuldade relacionada ao comportamento discente e suas condições de participação, destacando-se as práticas de cola ou plágio, citada por 64,7% dos docentes. Embora não sejam  exclusivas do ambiente digital, nele foram maximizadas. Para tentar contornar tal dificuldade, adotaram-se estratégias, como a entrega de atividades manuscritas, fotografadas e enviadas ao professor, além da diversificação dos instrumentos avaliativos, dentre outras.

47% dos participantes apontaram a questão da ausência social/virtual discente como um fator dificultador do trabalho docente, especificamente no que se refere à infrequência dos estudantes nos encontros síncronos. Também foram apontadas a procrastinação discente e o ambiente doméstico desfavorável ao estudo, citados respectivamente por 11,8% e 5,9% dos participantes.

Castaman e Rodrigues (2020) destacam esse movimento de não proatividade dos discentes no contexto do ensino remoto, porém pontuam que tal comportamento não é exclusividade desse contexto, mas resquício do modelo presencial e consequência de um ensino transmissivo, centrado ora no professor, ora nos métodos, ora nas metodologias ou no conteúdo, mas, raramente no discente. Para esses autores, a ausência social/virtual e a procrastinação dos estudantes podem estar relacionadas à capacidade de autonomia e autogestão discente em relação ao seu processo de aprendizagem, indícios de baixa proatividade. De tal forma, se queremos alunos proativos e participativos, as metodologias adotadas precisam se adequar a esse objetivo (MORAN, 2015). Isso exige um movimento de reflexão docente quanto ao modelo de ensino adotado, no sentido de distanciar-se de práticas que priorizem a “ensinagem” dos conteúdos prontos e acabados na maior parte do tempo (SANTOS; LUCENA, 2019) para uma concepção de aprendizagem ativa, conforme defendido por Ferrarini, Saheb e Torres (2019):

“[...] pode-se afirmar que aprender de forma ativa envolve a atitude e a capacidade mental do aluno buscar, processar, entender, pensar, elaborar e anunciar, de modo personalizado, o que aprendeu. Muito diferente da atitude passiva de apenas ouvir e repetir os modelos prontos (FERRARINI; SAHEB; TORRES, 2019, p. 5]

 

O desenvolvimento da autonomia discente se insere no contexto das finalidades do Ensino Médio, previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que traz em seu Art. 35, inciso III “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (BRASIL, 1996). No entanto, essa autonomia não é dada, deve ser construída pelo estudante através do incentivo do professor (BITENCOURTE; HINZ; LOPES, 2018), que deve superar a atuação como transmissor de conhecimentos e assumir as “funções de motivador, de criador de recursos digitais, de avaliador de aprendizagens e de dinamizador de grupos e interações online” (MOREIRA; SCHLEMMER, 2020, p. 354). Ressaltamos que ao se trabalhar as mídias digitais na educação “[...] não se pode confundir o respeito à autonomia do aluno com a não orientação do professor”, pois cabe ao docente o planejamento, o estabelecimento de objetivos, recursos e a proposição de situações de aprendizagem e critérios avaliativos claros.

Além dessas dificuldades, três docentes levantaram a questão do letramento digital discente. Para P3, P12 e P17, os alunos são bem desenvoltos no uso de tecnologias na sua vivência social, em grande parte, nas redes sociais. Entretanto, quando as TIC são usadas numa perspectiva mais didática, surgem muitas dificuldades, mesmo em questões básicas dos programas e aplicativos apresentados, como se observa no excerto:

Eles estão tendo uma certa dificuldade em interagir com essas tecnologias e com qualquer coisa que seja diferente do popular, quero dizer, WhatsApp, Instagram, Facebook [...].Eu trabalho por exemplo com aplicativos online para desenvolvimento de algoritmos e desenvolvimento de diagramas, que enriquecem muito o ensino-­aprendizado, mas eles têm muita dificuldade, inclusive para fazer o básico: para abrir esse programa, para ter curiosidade de saber quais são aquelas ferramentas, para conseguir fazer uma exportação de arquivo, anexar um arquivo no e-mail (P3).

 

Esses comportamentos discentes no ensino remoto sinalizam a necessidade de maior amadurecimento e construção de hábitos de estudos pelos estudantes, especialmente no que concerne ao aprendizado nos meios online, que ocorre de forma totalmente distinta do ensino presencial. Sobre isso, Behar (2020) salienta a importância da construção de habilidades comunicativas, de autogestão, de autodisciplina, de organização, dedicação e responsabilidade.

 

Considerações Finais

A pandemia de Covid-19 trouxe importantes lições para a educação ao lançar luz sobre antigos problemas da educação pública, a nível nacional, os quais dificultam a efetivação de uma educação digital de qualidade, como a desigualdade no acesso aos dispositivos digitais e à Internet de qualidade pelos discentes e docentes. Esses problemas representam uma forma de intensificação das desigualdades sociais e educacionais num pós-pandemia, pois, as condições de acompanhamento do ensino remoto baseado exclusivamente nos meios digitais, certamente influenciarão o desenvolvimento das aprendizagens dos estudantes no seu percurso escolar, promovendo atrasos no seu desenvolvimento acadêmico em comparação com aqueles que tiveram melhores condições de participação.

Além disso, há que se considerar que a apropriação das potencialidades pedagógicas das TIC consiste em si mesmas em um grande desafio, e, não sendo dadas as condições de formação docente, tem-se a reprodução de práticas tradicionais nos meios digitais, não representando ganhos pedagógicos.

Nesse sentido, é preciso que se estabeleçam reflexões acerca dos modos de ser aluno e de ser professor frente às TIC e aos seus usos, bem como em relação às necessidades de planejamento para o uso ótimo de suas possibilidades e potencialidades.  Esse planejamento envolve não apenas a questão do conhecimento e uso operacional dessas TIC, mas também suas escolhas frente aos objetivos e fins pretendidos, levando-se em conta o papel discente na relação com essas tecnologias de modo a desenvolver maior autonomia, empoderamento e proatividade discente na produção do conhecimento.

A pesquisa demonstrou que apesar do uso predominante das ferramentas Google Classroom e Google Meet, várias outras ferramentas foram utilizadas pelos professores no ensino remoto: Kahoot, Quizz, Padlet, Mapas Mentais, Google Forms, dentre outras. Esse é um aspecto bastante positivo, que denota que essa experimentação deu-se de forma reflexiva por parte de muitos docentes, que buscaram no decorrer de seus relatos, justificar essas escolhas. Esse é um movimento bastante promissor para as práticas pós-­pandemia, pois ao realizar suas escolhas metodológicas, inclusive as TIC, é importante que o professor não as faça de maneira aleatória, mas apoiado na sua práxis pedagógica, escolhendo os meios mais eficazes para promoção da aprendizagem

Quanto ao feedback e acompanhamento da aprendizagem, os resultados indicam que a avaliação foi um ponto bastante crítico no ensino remoto em relação: à diversificação dos instrumentos, às práticas de cola e plágio, maximizadas no ambiente online, além do desconhecimento de ferramentas apropriadas às práticas de avaliação nas disciplinas exatas.

O ensino remoto possibilitou o surgimento de novas práticas e modos de disponibilização de conteúdo, novas formas de comunicação e interação com os alunos e dos alunos entre si, mediadas pelas TIC, porém essas práticas não propiciaram ressignificações significativas do processo de ensino, que permaneceu centrado numa ótica transmissiva.

No entanto, o ensino remoto propiciou a tomada de consciência de muitas possibilidades das TIC para o processo de ensino e aprendizagem. De acordo com as percepções docentes, elas permitiram o alcance de um maior número de pessoas ao mesmo tempo, conferindo maior agilidade na realização de diversas atividades, trazendo as possibilidades multimidiáticas e multiplataformas que colaboraram na diversificação das linguagens na apresentação do conteúdo, aproximando­-o das vivências sociais e dos diferentes estilos cognitivos de aprendizagem.

Dentre os desafios impostos pela utilização das TIC destacaram-se na percepção dos participantes: a produção e edição de videoaulas, a gestão do tempo e a avaliação da aprendizagem nos meios digitais, além de aspectos relacionados à postura discente (ausência social e virtual, práticas de cola e plágio e procrastinação) e às suas condições de participação (ambiente doméstico desfavorável e letramento digital).

Diante disso, ressaltamos a importância de que seja considerado no trabalho docente a utilização de metodologias ativas, de ferramentas interativas e colaborativas e ao desenvolvimento da autonomia intelectual discente.

Também no âmbito da participação discente, a falta de letramento digital dos alunos, apontada como uma dificuldade no uso das TIC no ensino remoto, nos leva a refletir sobre a falsa concepção de que por lidarem com as tecnologias no seu cotidiano e estarem imersos na cultura digital, os alunos já estejam plenamente aptos a utilizar de forma consciente as TDIC nas situações de estudo. Isso aponta às escolas a necessidade de oportunizar situações de ensino e aprendizagem das habilidades para o letramento digital.

Diante do exposto, compreendemos que as reflexões advindas do uso das TIC no ensino remoto, abrem aos professores novas possibilidades no uso dessas tecnologias no cenário pós-­pandemia, tendo em vista uma utilização mais efetiva e eficaz das mesmas, na perspectiva do ensino híbrido.

 

Referências

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Notas



[1] O Centro Regional de Estudos para o desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC. BR) é um departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br), que tem como missão monitorar o acesso, o uso e a apropriação das tecnologias de informação e comunicação por meio de pesquisas, para a produção de indicadores para planejamento e monitoramento das políticas públicas de desenvolvimento da Internet no país.

² Disponível em: https://www.ifnmg.edu.br/mais-noticias-pirapora/562-pirapora-noticias-2020/25581-campus-pirapora-divulga-quinta-lista-dos-discentes-selecionados-para-receber-os-tablets-3. Acesso em: 19 abr. 2021

[3] Projeto aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da UFVJM, sob o CAAE nº 37626620.3.0000.5108

[4] Para classificação do seu campo de domínio, os professores deveriam escolher um número numa escala de 0 a 5, na qual o número 0 (zero) equivale a não apto e o número 5 equivale a totalmente apto.

 

 

 

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