O Tempo Integral na Educação Carioca: Das “Escolas do Amanhã” ao Turno Único

 

Full Time in Carioca Education: From “Schools Of Tomorrow” To Single Shift

Educación a tiempo completo en Río de Janeiro: de las “Escuelas del mañana” a la Jornada Única

 


Rosângela Cristina Rocha Passos Felix

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

rosacris.passos@gmail.com

 


Elisangela da Silva Bernado

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

efelisberto@yahoo.com.br

 

Recebido em 12 de agosto de 2021

Aprovado em 23 de maio de 2022

Publicado em 04 de julho 2023

 

 

RESUMO

O presente artigo apresenta uma discussão sobre a Educação em Tempo Integral no município do Rio de Janeiro, tendo como foco o Programa Escolas do Amanhã (2009) e o Turno Único (2010). Com base nos resultados da pesquisa realizada na Unirio de 2019 ao início de 2021, a partir de uma análise da implementação dessas experiências, ressalta as mudanças paradigmáticas ocorridas em seus moldes, currículos e objetivos. De cunho qualitativo, este texto ancora-se em documentos legais da rede municipal e de outras esferas. Além disso, busca dialogar com os principais teóricos das temáticas: Educação Integral e Educação em Tempo Integral. Diante da análise realizada, foi possível perceber que o Turno Único se apresenta como uma nova perspectiva de educação em tempo integral no município do Rio de Janeiro, se diferenciando de outras, ao apresentar uma visão universalista, enquanto as anteriores apresentavam uma visão mais focalizadora e restrita a determinados grupos. Apesar de percebermos alguns aspectos a serem aperfeiçoados, apontamos para outros aspectos que fortalecem, e firmam o Turno Único como uma política de Estado. Dessa forma, consideramos que a educação em tempo integral no solo carioca, tem se expandido e, apesar de não ter alcançado a universalização no tempo previsto, apresenta indícios de que esse objetivo será alcançado em breve.

 

Palavras-chave: Tempo Integral; Turno Único; Escolas do Amanhã

 

ABSTRACT

This article presents a discussion on Full-Time Education in the city of Rio de Janeiro, focusing on the Escolas do Amanhã Program (2009) and the Single Turn (2010). Based on the results of the survey conducted at Unirio from 2019 to early 2021, based on an analysis of the implementation of these experiences, it highlights the paradigm shifts that have occurred in its molds, curricula and objectives. Qualitative in nature, this text is anchored in legal documents from the municipal network and from other spheres. In addition, it seeks to dialogue with the main theorists of the themes: Integral Education and Full-Time Education. In view of the analysis carried out, it was possible to see that the Single Shift presents itself as a new perspective of full-time education in the city of Rio de Janeiro, differentiating itself from others by presenting a universalist vision, while the previous ones presented a more focused and restricted to certain groups. Despite noticing some aspects to be improved, we point to other aspects that strengthen and establish the Single Turn as a State policy. Thus, we consider that full-time education in Rio de Janeiro has expanded and, despite not having reached universalization in the foreseen time, it shows signs that this objective will be reached soon.

Keywords: Full-Time Education; Single shift; Schools of Tomorrow

 

RESUMEN

Este artículo presenta una discusión sobre la educación a tiempo completo en la ciudad de Río de Janeiro, con foco en el Programa Escolas do Amanhã (2009) y el Turno Único (2010). A partir de los resultados de la investigación realizada en la Unirio desde 2019 hasta principios de 2021, a partir de un análisis de la implementación de estas experiencias, destaca los cambios paradigmáticos ocurridos en sus moldes, planes de estudio y objetivos. De carácter cualitativo, este texto se ancla en documentos legales de la red municipal y de otros ámbitos. Además, busca dialogar con los principales teóricos de los temas: Educación Integral y Educación de Tiempo Completo. En vista del análisis realizado, fue posible percibir que la Jornada Única se presenta como una nueva perspectiva de la educación de tiempo completo en la ciudad de Río de Janeiro, diferenciándose de las demás, al presentar una visión universalista, mientras que la anterior unos presentaban una visión más enfocada y enfocada, restringida a ciertos grupos. Si bien percibimos algunos aspectos a mejorar, señalamos otros aspectos que fortalecen y establecen la Jornada Única como política de Estado. De esta forma, consideramos que la educación de tiempo completo en Río de Janeiro se ha expandido y, a pesar de no haber alcanzado la universalización en el tiempo esperado, muestra indicios de que ese objetivo será alcanzado próximamente.

 

Palabras- clave: Tiempo integral; turno único; Escuelas del mañana.

 

 

 

Introdução

 

     Os conceitos de educação integral e educação em tempo integral por muitas vezes são tratados como sinônimos, se referindo a questão da ampliação do tempo na escola. Entretanto, por mais que se perceba uma grande relação entre a educação em tempo integral com a educação integral, os conceitos se diferem.

Nas décadas de 20 e 30, por meio do pensamento sobre a educação de Anísio Teixeira, que foi um dos participantes do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, um novo paradigma sobre as funções da escola foi levantado, em que

não pode ser uma escola de tempo parcial, nem uma escola somente de letras, uma escola de iniciação intelectual, mas uma escola sobretudo prática, de iniciação ao trabalho, de formação de hábitos de pensar, hábitos de fazer, hábitos de trabalhar e de conviver e de participar em uma sociedade democrática, cujo soberano é o próprio cidadão (TEIXEIRA, 1994, p. 63).

 Anísio Teixeira criticava a escola minimalista, focada apenas em “transmissões”, por parte dos professores, de conteúdos escolares a serem testados por meio de exames. Para ele, a educação deveria ser um preparo para a vida, que propiciasse aos alunos uma formação que compreendesse o seu intelecto, o seu preparo para o trabalho, seus aspectos culturais e o reconhecimento como cidadão. Nesse sentido, trabalhar as dimensões intelectuais, culturais, de cidadania etc. seria um grande desafio em uma escola de período parcial.

A partir dessa nova concepção de educação, Anísio, enquanto secretário de Educação e Saúde do Estado da Bahia, inaugurou o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, onde “aos alunos do centro era oferecido um dia completo de permanência em ambiente educativo” (NUNES, 2009, p.125). Surge então, a primeira experiência, no Brasil, de educação em tempo integral, precursora de muitas outras que surgiram posteriormente, das quais podemos destacar: os Cieps- no Estado do Rio de Janeiro, os Ciacs/ Caics- governo federal, os Programas Mais Educação e Novo Mais Educação- governo federal, e no município do Rio de Janeiro, experiências como, o “Escolas do Amanhã” e o Turno Único.

A Educação Integral se refere à formação mais completa possível do ser humano e, de acordo com Coelho (2009), contempla os diversos aspectos dos sujeitos. Outra questão tratada pela autora (2009, p. 93) é “que a extensão do horário deve construir um tempo qualitativo dentro da escola, ou sob sua supervisão, e, nesse sentido, esse tempo qualitativo pressupõe uma formação mais completa para o ser humano- cidadão- aluno”.

Neste artigo, apresentamos uma análise sobre a educação em tempo integral no Rio de Janeiro – do Escolas do Amanhã ao Turno Único - a partir da análise documental e diálogos com referenciais teóricos que tratam sobre a educação em tempo integral.

A Trajetória: Do Programa Escolas do Amanhã ao Turno Único

A discussão sobre ampliação da jornada escolar no Município do Rio de Janeiro, no âmbito do poder legislativo iniciou no ano de 2007, por intermédio do Projeto de Lei Nº 1.376/2007. Nesse cenário, a proposta foi avaliada pelas Comissões de Justiça e Redação; Administração e Assuntos Ligados ao Servidor Público; Educação e Cultura; Direito da Criança e do Adolescente; Finanças, Orçamento e Fiscalização Financeira. O projeto obteve parecer favorável na maioria das Comissões, tendo por parecer contrário apenas a Comissão de Finanças, Orçamento e Fiscalização Financeira. Ressaltamos que esse processo perdurou até o ano de 2009. Após o parecer contrário, foram feitas alterações na proposta, o que resultou na Lei Nº 5.225/2010 que “dispõe sobre a implantação de turno único no ensino público nas escolas da rede pública municipal”:

Art.1° Fica estabelecido o turno único de sete horas em toda a rede de ensino público municipal, no prazo de dez anos, a razão de dez por cento ao ano.

§ 1° O turno único alcançará a educação infantil e o ensino fundamental.

§ 2º Priorizar-se-á as escolas situadas nas Áreas de Planejamento - AP´s, onde forem constatados os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano-IDH.

§ 3º A permanência dos alunos na escola ou em atividades escolares por período superior às sete horas previstas no caput, será optativa, a critério das famílias, dos estudantes e do sistema de ensino.

 

Para melhor ilustrarmos a trajetória das políticas de educação em tempo integral até a implementação do Turno Único, no município do Rio de Janeiro, construímos uma linha do tempo com os principais marcos legais.

 

Esquema 1: Linha do tempo de legislações sobre o tempo integral no Município do Rio de Janeiro.

8 DE MAIO DE 1985- INAUGURAÇÃO DO 1º CIEP-TANCREDO NEVES

Fonte: Elaboração própria a partir dos documentos legais do Município do Rio de Janeiro.[1]

 

A linha de tempo traça a trajetória da perspectiva de educação em tempo integral, que foi se desenvolvendo no município do Rio de Janeiro até o momento, desde a primeira tentativa para a sua implementação, por meio do projeto de Lei N° 1376/2007, as metas inseridas no Plano Municipal de Educação 2008-2018, as parcerias estabelecidas para esse fim, os projetos implementados antes da aprovação da Lei do TU, e por fim, a Lei N ° 5225/2010 que dispõe sobre a implementação do TU.

Consideramos significativo evidenciar de igual modo, o contexto em que tais políticas se delineiam, observando os marcos legais no âmbito Federal do mesmo período.

Esquema 2: Linha do tempo relacionada à legislação sobre educação em tempo integral no Brasil

Fonte: Elaboração própria a partir dos documentos legais do Brasil.

Desse modo, observamos que as discussões sobre a educação em tempo integral, apesar de serem previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), pela Lei 9.394/1996, no cenário do município do Rio de Janeiro, ganham maior notoriedade a partir do ano de 2007, na vigência do Plano Nacional da Educação 2001-2010, e em um ano em que foram instituídas políticas educacionais relevantes para a implementação da educação em tempo integral em todo o território brasileiro, como da Portaria que institui o Programa Mais Educação, o Decreto que implementa o Plano de Metas do Compromisso Todos Pela Educação e a Lei que regulamenta o FUNDEB.

Quadro 1: Marcos legais Nacionais sobre a educação em tempo integral e seus objetivos

Legislação

Ano

Características

1

Lei Federal N° 10.172/2001, de 09 de janeiro de 2001 - Aprova o Plano Nacional de Educação.

2001

“O atendimento em tempo integral, oportunizando orientação no cumprimento dos deveres escolares, prática de esportes, desenvolvimento de atividades artísticas e alimentação adequada, no mínimo em duas refeições, é um avanço significativo para diminuir as desigualdades sociais e ampliar democraticamente as oportunidades de aprendizagem” (PNE, 2001, p.18).

2

Portaria Normativa Interministerial N° 17/2007, de 24 de abril de 2007 - Institui o Programa Mais Educação

 

2007

Art. 1° Instituir o Programa Mais Educação, com o objetivo de contribuir para a formação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações, de projetos e de programas do Governo Federal e suas contribuições às propostas, visões e práticas curriculares das redes públicas de ensino e das escolas, alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes, métodos, processos e conteúdos educativos. Parágrafo único. O programa será implementado por meio do apoio à realização, em escolas e outros espaços sócio-culturais, de ações sócio-educativas no contraturno escolar, incluindo os campos da educação, artes, cultura, esporte, lazer, mobilizando-os para a melhoria do desempenho educacional, ao cultivo de relações entre professores, alunos e suas comunidades, à garantia da proteção social da assistência social e à formação para a cidadania, incluindo perspectivas temáticas dos direitos humanos, consciência ambiental, novas tecnologias, comunicação social, saúde e consciência corporal, segurança alimentar e nutricional, convivência e democracia, compartilhamento comunitário e dinâmicas de redes.

3

Decreto N° 6.094/2007, de 24 de abril de 2007 - Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação.

2007

Art. 2o A participação da União no Compromisso será pautada pela realização direta, quando couber, ou, nos demais casos, pelo incentivo e apoio à implementação, por Municípios, Distrito Federal, Estados e respectivos sistemas de ensino, das seguintes diretrizes: [...]

VII - ampliar as possibilidades de permanência do educando sob responsabilidade da escola para além da jornada regular; [...]

 

Art. 9o O PAR é o conjunto articulado de ações, apoiado técnica ou financeiramente pelo Ministério da Educação, que visa o cumprimento das metas do Compromisso e a observância das suas diretrizes.

4

Lei N° 11.494/2007, de 20 de junho de 2007 - Regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB.

2007

§ 3º Para os fins do disposto neste artigo, o regulamento disporá sobre a educação básica em tempo integral e sobre os anos iniciais e finais do ensino fundamental.

 

 

A Lei estabelece valor diferenciado destinado a alunos matriculados em escolas de horário parcial, das de horário integral, sendo respectivamente R$ 1,00 e R$1,25.

 

 

5

Projeto de Lei N° 8035/2010 - Plano Nacional da Educação 2011 - 2020

 

2010

Meta 6: Oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica.

 

6.1) Manter e ampliar programa nacional de ampliação da jornada escolar, estendendo-a progressivamente mediante oferta de educação básica pública em tempo integral, por meio de atividades de acompanhamento pedagógico e interdisciplinares, de forma que o tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens na escola ou sob sua responsabilidade passe a ser igual ou superior a sete horas diárias durante todo o ano letivo.

6

Decreto N° 7.083/2010, de 27 de janeiro de 2010 - Regulamenta o Programa Mais Educação

 

2010

Art. 3º São objetivos do Programa Mais Educação:

I - formular política nacional de educação básica em tempo integral;

II - promover diálogo entre os conteúdos escolares e os saberes locais;

III - favorecer a convivência entre professores, alunos e suas comunidades;

IV - disseminar as experiências das escolas que desenvolvem atividades de educação integral; e

V - convergir políticas e programas de saúde, cultura, esporte, direitos humanos, educação ambiental, divulgação científica, enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, integração entre escola e comunidade, para o desenvolvimento do projeto político-pedagógico de educação integral. 

Fonte: Elaboração própria a partir dos documentos legais nacionais.

 

Apesar de, na linha do tempo, já constarem as políticas nacionais do período de discussão até a aprovação do Turno Único no Rio de Janeiro, percebemos a importância de explicitarmos as características dessas políticas para compreendermos de forma mais clara, que tipos de interesses estariam alinhados à implementação de uma política de tempo integral na rede municipal do RJ.

Inicialmente, observamos que, apesar do Projeto de Lei N° 1376/2007 ter sido criado no mesmo ano das legislações 2, 3 e 4 do quadro, o projeto é apresentado 3 - 5 meses após a implementação dessas políticas nacionais, o que explicita a influência das políticas nacionais no âmbito municipal. Um ponto relevante destacado no quadro é a relação dessas políticas com o aporte financeiro a estados e municípios, como é o caso do PAR e do FUNDEB.

Nesse sentido, a implementação da educação em tempo integral no município seria mais do que uma influência pelas discussões e implementações de políticas nacionais, mas uma forma de receber maior investimento financeiro para a educação por parte do Governo Federal.

Após o ano de 2007, ainda que o primeiro projeto não tenha sido aprovado inicialmente, a perspectiva de educação em tempo integral passou a integrar documentos como o Plano Municipal de Educação do Rio de Janeiro (PME) 2008 -2018 e fortaleceram políticas que antecederam o Turno Único (TU), como o Programa Escolas do Amanhã em 2009.

O texto do PME 2008-2018 traz como uma de suas metas a expansão no quantitativo de escolas com a do horário escolar ampliado para os alunos. Sinalizamos que o termo “expansão” se justifica por já existirem escolas com atendimento em tempo integral, como os Cieps municipalizados herdados do governo do Estado. Destacamos, mais uma vez, a influência dos Cieps na implementação de políticas de educação em tempo integral no município do Rio de Janeiro. Tal influência é citada como justificativa na implementação do TU, conforme consta no primeiro Projeto de Lei N° 1376/2007 da Secretaria Municipal de Educação (SME):

No programa de estabelecimento dos índices de desenvolvimento da educação básica, instituído pelo Ministério da Educação, em todo o país, duas escolas do Estado Rio de Janeiro, sendo um CIEP, se destacaram com índices acima de oito em um máximo de dez pontos. Ambas as escolas têm o turno único de oito horas instituído.
Se não é um argumento indiscutível, pelo menos, é um forte indício da necessidade da implantação do turno único de oito horas em todas as escolas da Cidade do Rio de Janeiro. Não creio que se possa argumentar contra esse turno único que só trará benefícios à educação básica em nossa Cidade.

 

Outro fator que sinaliza a influência dos Cieps na implementação de políticas de educação em tempo integral no Rio de Janeiro é a preocupação com a infraestrutura das escolas para o atendimento em tempo integral, materializada no Programa Fábrica de Escolas do Amanhã, no ano de 2013, que visa à construção e reforma de escolas para o funcionamento em horário integral.

Meta prioritária para a Prefeitura do Rio, a criação do programa Turno Único na rede municipal está baseada em uma reestruturação das escolas. Para construir as unidades necessárias e adaptar as existentes, a gestão atual criou a Fábrica de Escolas do Amanhã, um programa para construção em série das unidades necessárias para implantar, até 2016, o Turno Único para 35% dos alunos da rede.

A Fábrica de Escolas foi concebida para desenvolver, com estruturas modulares, unidades educacionais modernas, com menor tempo de construção, e obras de acordo com os preceitos de sustentabilidade (CADERNO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO RIO DE JANEIRO, 2016, p. 49).

 

Ao investigarmos a política de TU no município do Rio de Janeiro, percebemos uma complexidade em relação às políticas de tempo integral na rede de ensino. Tal complexidade se dá principalmente pelas múltiplas políticas implementadas em concomitância, como é o caso do Escolas do Amanhã, iniciado no ano de 2009, por meio da Resolução N° 1038/2009.

Art. 3º Dentre as ações que constituem o Programa Escolas do Amanhã, inserem-se:

I – Educação em tempo integral, adotado o conceito de Bairro Educador, instituído pelo Decreto nº 30.934, de 31 de julho de 2009, no qual se mobilizam os recursos existentes.

 

Por serem duas políticas com a pretensão de oferecer aos alunos a educação em tempo integral, incialmente, considerávamos o TU como uma política com perspectiva de ampliação da proposta do Escolas do Amanhã, levando em consideração que o Programa Escolas do Amanhã previa a ampliação do tempo diário para um determinado grupo de escolas, ou seja, uma política focalizadora, enquanto no Turno Único, a pretensão era a ampliação progressiva das escolas em tempo integral até a sua universalização. Entretanto, com o aprofundamento sobre as concepções de educação das duas políticas, percebemos que, apesar de possuírem como objetivo comum a ampliação do tempo diário escolar, elas apresentam concepções de educação em tempo integral distintas.

O Programa Escolas do Amanhã, a primeira política de educação em tempo integral municipal, tinha em sua essência a concepção de ampliação do tempo diário escolar para alunos em situações de vulnerabilidades, com dificuldades de aprendizagem e inseridos em contexto de violência. Nesse sentido, a escola seria um ambiente de proteção social, de assistência e de garantia de direitos como alimentação completa e um local de atividades diferenciadas para alunos com dificuldades na aprendizagem.

A Resolução N° 1038/2009, em seu art. 3º apresenta as ações do Programa, como:

- A mobilização de recursos da comunidade na colaboração da educação dos alunos, no conceito Bairro Educador;

- Atividades no contraturno - é considerado contraturno as atividades após as 7 horas com os professores da rede, por intermédio de outros programas, como o Mais Educação, com os voluntários, mães comunitárias e educadores comunitários;

- Formação específica para professores que trabalham no programa; além de bonificação ”por intermédio da concessão do Prêmio Anual de Desempenho, instituído pelo Decreto nº 30.860, de 1º de julho de 2009”;

- Estabelecimento de parcerias com outras Secretarias municipais, além de Órgãos Estaduais e Federais;

- Criação de laboratórios de ciências e disponibilização de aparelhos tecnológicos em salas de aula (RIO DE JANEIRO, 2009).

 

Conforme citado acima, o Programa Escolas do Amanhã tinha como base o estabelecimento de parcerias de Instituições que seriam responsáveis pelo desenvolvimento de projetos do programa. O quadro n.º 5 trata sobre os projetos inseridos no Programa, seguidos das Instituições responsáveis e os objetivos de cada projeto.

Quadro 2: Projetos inseridos no Programa Escolas do Amanhã

 

Projeto

Responsável/ Tipo de Instituição

 

Objetivo

Bairro Educador

Cieds/ Instituição social sem fins lucrativos

Transformação da comunidade em extensão do espaço escolar, através do modelo de gestão de parcerias, contribuindo para a integração do processo ensino aprendizagem à vida cotidiana.

Mais Educação

MEC/ Governo Federal

Indução para que estados e municípios elaborem agendas de educação integral, ampliando o tempo de permanência dos alunos na escola.

Uerê-Mello

Yvonne Bezerra de Mello

Melhoria e resolução da maioria dos problemas e bloqueios de aprendizagem de crianças e jovens em zona de risco, traumatizados pela violência e com sérios problemas de cognição.

Prêmio Anual de Desempenho

SME/ RJ

Estabelecimento de critérios, padrões e normas de avaliação de desempenho das Unidades Escolares e reconhecimento das equipes escolares, que se destaquem no ensino aprendizagem.

Cientistas do Amanhã

Sangari/ Abramundo

Transformação das aulas em experiências mais ricas, divertidas e estimulantes, com livros, vídeos e materiais de investigação, e estímulo à paixão pelo conhecimento, através de atividades de investigação científica.

Amanhã Digital

Fundação Telefônica Vivo

Incentivo ao uso qualificado dos laboratórios de informática das Escolas do Amanhã.

Mães Voluntárias

SME/ RJ

Sensibilização de alunos e famílias sobre a importância da escola em suas vidas, e monitoramento da frequência e do comportamento dos alunos e suas relações.

PSE

IABAS/ Instituição social sem fins lucrativos

Criação de Núcleo de Educação e Saúde (NES), que se constitui em estratégia suplementar de atendimento à saúde dos educandos matriculados nas unidades escolares.

Segundo Turno Cultural

SMC e SME/ RJ

Oferta de atividades de música, artes cênicas, livro e leitura, artes visuais, dança e audiovisual, integrando cultura e educação.

Fonte: Adaptação quadros 3 e 4 de Christóvão (2018, p. 74-75)

Esses projetos caracterizam o programa como intersetorial[2] e multissetorial, conforme conceitua Cavaliere (2017), que apesar de ser visto como meio de favorecer a educação dos alunos, para além dos conhecimentos escolares, no caso do Escolas do Amanhã, há críticas quanto ao estabelecimento dessas parcerias para a realização dos projetos. Christóvão (2018) aponta para a sobrecarga dos gestores das escolas, assim como outros atores, na efetivação desses projetos dentro da instituição. Além disso, outro ponto destacado pela autora é a falta de acompanhamento por parte da SME, tendo como consequência a diferenciação dos projetos em escolas inseridas no Programa Escolas do Amanhã. Mais um tópico abordado pela autora, o funcionamento de projetos característicos do Programa Escolas do Amanhã, em escolas não comtempladas pelo Programa, o que denota a falta de clareza por parte da SME sobre as características e objetivos do Programa.

O Caderno de Políticas Públicas do Rio de Janeiro (2016, p. 43) apresenta dados significantes do IDEB de escolas inseridas no Programa Escolas do Amanhã, tendo maior crescimento nos anos finais do ensino fundamental, mas demonstrando crescimento também nos anos iniciais.

O avanço das Escolas do Amanhã no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) nos anos finais (6º ao 9º) foi de 33% em 2011, em relação a 2009. Esse desempenho supera o avanço global da rede, que foi de 22%. Nos anos iniciais (1º ao 5º) o crescimento foi de 8,7%, enquanto a rede, como um todo, avançou 6%.

 

Apesar disso, os dados do estudo de Christovão (2018, p. 125), igualmente baseados nos resultados do IDEB de 2007 a 2015, não confirmam esse avanço no desempenho dos alunos.

Ainda que sejam significativos os efeitos da medida do pré-teste, ou seja, o IDEB 2007, sobre os valores do IDEB subsequentes, a implementação do programa Escolas do Amanhã não apresenta efeitos significativos que possam explicar a sua variação, seja nos anos de 2009, 2011 ou 2013 e 2015. Mesmo que fossem significativos, tais efeitos seriam negativos em todos os modelos, para praticamente todos os anos investigados. Isto é, não estaríamos diante dos esperados efeitos positivos do programa sobre os resultados escolares.

 

A descontinuidade do Programa nos leva a refletir sobre a sua real efetividade no que tange aos seus objetivos, tanto no impacto na qualidade[3] da educação, quanto na diminuição das desigualdades.

Considerando o Programa Escolas do Amanhã como uma política de perspectiva compensatória, compreendemos como principal fragilidade a relação político-partidária que se estabelece na criação desses programas. Cavaliere (2015, p. 96) aponta para o risco de descontinuidade desse tipo de política motivado pelo fim do governo que o idealizou. Outro aspecto ressaltado pela autora como um pensamento dos críticos de políticas compensatórias trata-se da reprodução das desigualdades, ao invés de minimizá-las.

Nessa perspectiva, identificamos que a influência dos Cieps nas políticas de educação em tempo integral no Rio de Janeiro desencadeou também uma fragilidade similar:

- O estigma dos alunos inseridos nas escolas inseridas no Programa: os alunos eram diferenciados inclusive pelos uniformes, que continham a identificação do Programa Escolas do Amanhã. Esses alunos eram vistos como alunos que não conseguiam aprender e em grande contexto de pobreza;

 

O Turno Único no Rio de Janeiro: Uma Nova Perspectiva de Educação em Tempo Integral na Rede Municipal de Ensino Carioca

Avançando nos estudos sobre as políticas de educação em tempo integral, discutiremos, a partir de agora a concepção de educação em tempo integral presente no Turno Único, nosso objeto de pesquisa, criado no ano de 2010, que se distingue do Escolas do Amanhã, principalmente por ser uma política de cunho universalista, ou seja, com progressiva ampliação, visando ao alcance de todos os alunos da rede, conforme consta na Lei Complementar Nº 111/2011, de 01 de fevereiro de 2011, que dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável do município do Rio de Janeiro:

Art. 260 No ensino público fundamental e gratuito para todos, a Política da Educação estabelecerá, progressivamente, o turno único de sete horas em todas as escolas, no prazo de dez anos, à razão de dez por cento ao ano, priorizando as Áreas de Planejamento-APs onde foram constatados os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano-IDH.

Nesse cenário, em consonância com a Lei Nº 5.225/2010, a educação em tempo integral é apresentada ainda como prioridade em áreas conflagradas, mas com uma perspectiva de ampliação e até mesmo com meta para o funcionamento de todas as escolas ao longo de dez anos. Para a efetivação e ampliação dessa política, o município passou por algumas adequações, como:

- Construção e ampliação de escolas – por meio do Programa Fábrica de Escolas/Fábrica de Escolas do Amanhã[4];

- Concurso para professores de 40 horas – Lei N° 5.623/2013, de 01 de outubro de 2013;

-  Migração de professores da rede de 12, 16 e 22 horas para 40 horas - Decreto N° 38302/2014, de 14 de fevereiro de 2014.

As adequações da rede municipal carioca de ensino para a implementação da política de Turno Único (TU) evidenciam a intenção de seguir o exemplo das ações consideradas como êxito do modelo dos Cieps e outras experiências, como o Mais Educação, mas retificar alguns aspectos vistos como prejudiciais à continuidade e ao alcance dos objetivos dessas políticas. Dentre eles, os principais: a ampliação da jornada escolar aconteceria com atividades dentro da instituição escolar - escola de tempo integral (CAVALIERE, 2007), com o intuito de não depender de forma efetiva dos espaços parceiros, onde a escola teria condições de garantir espaços apropriados para as atividades do currículo de 7 horas diárias; e que os atores responsáveis pelas atividades propostas seriam os professores efetivos, por meio da ampliação da jornada dos professores para 40 horas, evitando, assim, a descontinuidade das atividades por motivo de falta de parceiros/ oficineiros.

A Construção e a ampliação/adequação de escolas por meio do Programa Fábrica de Escolas/Fábrica de Escolas do Amanhã foram estratégias usadas pela prefeitura para a expansão da oferta de matrículas em Turno de 7 horas na rede municipal carioca. O Caderno de Políticas Públicas (2016, p. 49) traz como

Meta prioritária para a Prefeitura do Rio, a criação do programa Turno Único na rede municipal está baseada em uma reestruturação das escolas. Para construir as unidades necessárias e adaptar as existentes, a gestão atual criou a Fábrica de Escolas do Amanhã, um programa para construção em série das unidades necessárias para implantar, até 2016, o Turno Único para 35% dos alunos da rede (Rio de Janeiro, 2016).

Além disso, o documento cita que, em 2013, houve um “estudo detalhado das regiões, que resultou na divisão da cidade em 232 microrregiões (p.7)” para que os estudantes pudessem estudar em escolas do próprio bairro. Ressaltam, ainda, que as “reformas e construções de novas escolas criam a estrutura necessária para a consolidação do Turno Único do 1º ao 9º ano”.

No que tange à concepção de educação da política de TU, ela emerge tendo como foco principal os resultados nas avaliações de larga escala nacionais e internacionais. Tal objetivo é citado em diversos documentos voltados ao TU. Como exemplo, podemos trazer a Lei Nº 5215/2011, que trata o Plano Plurianual 2011-2013, no que tange às Escolas de Tempo Integral, apresenta como resultados esperados:

Melhoria na qualidade do ensino público com alcance de níveis de desempenho equivalentes aos dos países da OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - e adequação à legislação carioca, com as escolas municipais adotando o padrão de 7 horas de ensino. Alcançar a melhor nota na Prova Brasil em 2015 entre as redes municipais de ensino do País.

O mesmo texto consta no Plano Plurianual 2014-2017. Outros documentos como o Caderno de Políticas Públicas do Rio de Janeiro (2016) apresentam o mesmo teor de educação em tempo integral, configurando a permanência de uma visão focada nos resultados das avaliações externas. Além disso, desde o anúncio da implementação do TU, são utilizados os termos “mais tempo de português, matemática e ciências”, o que se pode configurar oferecer mais do mesmo. Ou seja, oferecer mais tempo de conteúdo das disciplinas mencionadas.

No entanto, outras concepções de educação em tempo integral são encontradas relacionadas ao Turno Único, como podemos observar na página eletrônica da SME - o RioEduca[5]:

Desde de 2011, a Secretaria Municipal de Educação, sempre comprometida com a educação plena de seus alunos, no viés da educação integral em tempo integral, apresenta como mote da proposta de Turno Único, trabalhar com os alunos de forma omnilateral - refere-se a uma formação humana oposta à formação unilateral provocada pelo trabalho alienado. Nesse sentido, apresenta três eixos de organização: excelência acadêmica, autonomia e educação para valores.

O texto, ainda que não tenha sido datado, encontra-se junto a matrizes curriculares do ano de 2014 e apresenta a perspectiva de educação integral e de educação em tempo integral. Termos como “qualidade” e “desempenho” nas avaliações externas não são encontrados nesses escritos que, possivelmente, são do mesmo ano de vigência do Plano Plurianual 2014-2017 do município do Rio de Janeiro. No entanto, as matrizes curriculares do mesmo período apontam para perspectivas que se distanciam da educação integral e ratificam a massificação de conteúdos testados nas avaliações de larga escala.

Em busca de uma maior compreensão quanto aos objetivos e compreensões de educação presentes no TU, buscamos observar as matrizes curriculares dos últimos anos, iniciando pelo ano de 2012[6] até a mais recente, do ano de 2020. Observamos que a matriz curricular do ano de 2012 divide o Ensino Fundamental I em 2 partes: Casa da alfabetização: 1º ao 3º ano; e, Primário: 4º ao 6º ano (experimental). Conforme podemos acompanhar nos quadros 6 e 7:

Figura 1: Matriz curricular da Casa da alfabetização 2012

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Resolução SME Nº 1178/2012 (Rio de Janeiro, 2012)

 

Figura 2: Matriz curricular do Primário em Turno Único 2012

Fonte: Resolução SME Nº 1178/2012 (Rio de Janeiro, 2012)

 

Comparando os dois quadros, percebemos que as disciplinas de ciências, geografia e história são incluídas somente a partir do 4º ano de escolaridade, sendo assim os primeiros anos focalizados na alfabetização em língua portuguesa e matemática.

A Resolução da SME Nº 1317/2014 apresenta uma nova matriz curricular para o Ensino Fundamental I, denominando desde o 1º até o 5º ano como “Primário”, conforme podemos observar no quadro 8:

 

 

 

Figura 3: Matriz curricular do Primário em Turno Único 2014

Fonte: Resolução SME Nº1317/2014 (Rio de Janeiro, 2014)

 

Com a unificação do Primário na rede municipal, a matriz apresentada acima (com base no diário oficial do município) nos direciona a entender que as disciplinas de ciências, geografia e história foram inseridas nas turmas desde o 1º ano de escolaridade. No entanto, no site oficial da Secretaria Municipal de Educação[7] apresenta uma matriz distinta, com o mesmo número de Resolução e com a mesma data.

Figura 4: Matriz Curricular Primário em Turno Único 2014 -1º ao 3º anohttp://antigo.rioeduca.net/admin/_m2brupload/_fck/Raphaella/Novos/20150519201232.png

Fonte: http://antigo.rioeduca.net/programasAcoes.php?id=91

 

Figura 5: Matriz Curricular Primário em Turno Único 2014 - 4º ao 6º ano (experimental)http://antigo.rioeduca.net/admin/_m2brupload/_fck/Raphaella/Novos/20150519201241.png

Fonte: http://antigo.rioeduca.net/programasAcoes.php?id=91

Compreendemos, então, que a unificação se deu somente na nomenclatura, permanecendo assim a inclusão das disciplinas de ciências, história e geografia somente a partir do 4º ano de escolaridade. Consideramos importante destacar essa questão no sentido de refletirmos sobre como o “mais tempo” trazido pela política de Turno único foi considerado durante a construção dessas matrizes curriculares. Os dados apontam para o risco do “mais do mesmo”, o que contradiz os objetivos demonstrados por algumas ações da política, como: construção e ampliação de escolas, investimento em equipamentos, quadras, etc. Seria tanto investimento para os alunos passarem 7 horas diárias dentro da sala de aula com mais conteúdo de língua portuguesa e matemática?

Seguimos com a observação da matriz curricular disponível na Resolução Nº 1427/2016:

Figura 6: Matriz curricular Primário em Turno Único 2016

Fonte: Resolução SME Nº 1427/2016 (Rio de Janeiro, 2016)

A matriz curricular de 2016 apresenta duas mudanças relevantes para a nossa discussão. A primeira delas é a definição da quantidade de tempos em que as turmas são atendidas pelos professores generalistas, o que antes parecia ser definido de acordo com os tempos em que não eram atendidos pelos professores de outras disciplinas. Ou seja, em uma escola onde há carência de professores de disciplinas, o professor generalista assume a turma e supre a carência com mais tempos de português, matemática (no caso das turmas de 1º ao 3º ano) e ciências, geografia e história (nas turmas de 4º ao 6º ano).

Dessa forma, ao quantificar os tempos das disciplinas pelos quais o professor generalista é responsável, a matriz curricular de 2016 avança na busca da resolução de um grande conflito com a categoria supracitada: o cumprimento do 1/3 de planejamento.

A segunda mudança apresentada nessa matriz é a inclusão da disciplina “Projeto de Vida”, algo que demonstra uma preocupação com a massificação dos conteúdos chamados de “Base” e se apresenta como uma possibilidade de maior diversificação da aprendizagem. No entanto, ressaltamos que não foram encontrados documentos que revelem sobre o que trata a disciplina.

Para concluirmos essa análise sobre as matrizes curriculares da rede municipal do Rio de Janeiro, observaremos as últimas publicadas, a partir das Resoluções Nº 115/2019 e Nº 187/2020:

 

Figura 7: Matriz curricular Primário em Turno Único 2019

Fonte: Resolução SME Nº 115//2019 (Rio de Janeiro, 2019)

A matriz curricular de 2019 diferencia-se das demais em sua nomenclatura, que extingue o termo “Primário” para se referir aos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) e passa a ser denominado por Ensino Fundamental I. Essa mudança se estendeu a Matriz curricular do ano de 2020, conforme podemos observar na figura 9.

Figura 8: Matriz curricular Primário em Turno Único 2020

Fonte: Resolução SME Nº 187/2020 (Rio de Janeiro, 2020)

Apesar de na figura 9 não constar o quantitativo dos tempos a serem ministrados pelos professores generalistas, essa informação é citada no texto da Resolução Nº 187/2020.

As turmas de Ensino Fundamental I com funcionamento em turno único terão 26 horas semanais de efetivo trabalho escolar com o Professor Generalista (Professor II ou Professor de Ensino Fundamental – Anos Iniciais), durante as quais serão contemplados os currículos das disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia. (Rio de Janeiro, 2020)

Um outro diferencial desse documento é a inclusão das disciplinas de ciências, história e geografia dentro do currículo de todas os anos do Ensino Fundamental I. Algo que não era previsto na matriz curricular de 2012, gerou dúvidas na matriz curricular de 2014 (por apresentar 2 versões) e não demonstrou clareza no documento de 2016.

O último ponto que destacamos no novo currículo carioca destinado aos anos iniciais do ensino fundamental é a inclusão das disciplinas: EAC (Estratégia de Aprendizagem Carioca), Projeto de Vida Sustentável e Xadrez. Algo que, como mencionado anteriormente, pode contribuir para um currículo mais diversificado, respondendo à crítica do “mais do mesmo” e também à articulação para o cumprimento do 1/3 de planejamento do professor generalista.

É importante destacar também, que as matrizes curriculares do Ensino Fundamental I extinguem a divisão das disciplinas por “Base Nacional” e “Parte Diversificada”, algo entendido como uma hierarquização entre as aprendizagens mais importantes e as menos importantes.

As poucas diretrizes em relação ao Turno Único, que não são tão claras quanto a perspectiva de educação a que se propõe, podem provocar o desencontro de sentidos, a desconfiguração e um possível insucesso da supracitada política carioca.

Diante do exposto, percebemos que, a partir de 2009, as políticas de educação em tempo integral protagonizaram o cenário da rede municipal de educação do município do Rio de Janeiro. Ainda que, incialmente, tenha emergido, por meio de uma bandeira político-partidária, foi se delineando como uma política de Estado a partir da Lei do Turno Único. No entanto, alguns desafios ainda precisam ser superados, como uma regulamentação que estabeleça a concepção de educação contida no TU, no sentido de evitar concepções dúbias, gerando dúvidas e inseguranças em relação à política.

No cenário atual, percebemos o fim do Programa Escolas do Amanhã, com foco nas escolas em contextos de vulnerabilidades; e, a ampliação da política de Turno Único nas escolas municipais cariocas. Tal ampliação mostra-se ainda muito inferior às metas estabelecidas que visavam a oferecer o tempo integral em todas as escolas do município em dez anos – prazo que se finda no ano de 2021; e mostra-se a frente da meta nacional disposta no PNE 2014-2024 que visa a “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as) da educação básica”, conforme podemos observar nos dados apresentados na figura abaixo:

Figura 9: Percentual alunos matriculados em tempo parcial e tempo integral

Fonte: Site da Prefeitura[8]. A última atualização foi em Janeiro/2021.

 

Podemos notar que o município alcançou mais de 10 pontos percentuais da meta no atendimento a alunos em tempo integral em relação à meta nacional, possibilitando um alcance de maior número até o ano final de vigência do PNE 2014-2024.

Algumas Considerações

Diante do exposto neste artigo, consideramos que a política de Turno Único no município do Rio de Janeiro é um marco para a educação carioca. Isso porque foi pensada estrategicamente para que fosse consolidada como uma política de Estado, ainda que tenha sido usada como uma política de Governo. Afirmamos isso com base nas principais ações da política, das quais destacamos duas como principais: a construção e a ampliação de escolas e o aumento da carga horária dos professores para 40 horas.

No entanto, percebemos que existem algumas questões a serem respondidas que provavelmente podem favorecer o fortalecimento do Turno Único e o sucesso no alcance dos seus objetivos. Dentre essas questões, citamos como principais, as levantadas nesta discussão, são elas: 1. Clareza a respeito da concepção de educação de tempo integral ao qual o TU pretende alcançar; e, 2. Elaboração e divulgação de documentos norteadores que regulamentem a política de TU, que versem sobre os seus objetivos, metas, e que sirvam como uma diretriz para os atores que entregam essa política para a população.

Bibliografia

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_______________Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Brasília, 2007c. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11494.htm

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____________ Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de que trata o art. 212-A da Constituição Federal; revoga dispositivos da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14113.htm#art53

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TEIXEIRA, Anísio. Educação não é Privilégio. 5ª ed. Organização e apresentação de Marisa Cassim. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994.

 

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[1] Apesar da primeira caixa de texto na linha do tempo não apresentar uma legislação, consideramos relevante destacar a criação do primeiro Ciep no Rio de Janeiro, um marco para a Educação em Tempo Integral no Estado e no Município do Rio de Janeiro.

 

[2] Pela parceria entre órgãos públicos, empresas privadas e sociedade civil.

[3] Qualidade mensurável por indicadores, como o IDEB.

[4] São encontrados os dois termos nos documentos legais.

[5]http://antigo.rioeduca.net/programasAcoes.php?id=91#:~:text=Rede%20Municipal%20de%20Ensino%20do%20Rio%20de%20Janeiro&text=O%20artigo%2036%20do%20parecer,hor%C3%A1ria%20anual%20de%201.400%20horas.

 

[6] Nos anos de 2012 e 2013 inicia-se a expansão do TU para escolas do Ensino Fundamental I- Primário Carioca. Antes somente os Ginásios Cariocas eram atendidos pela política em questão.

[7] Rioeduca.

[8] http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/educacao-em-numeros