Teorias da Educação e Epistemologia: a questão teórica no espaço acadêmico
Theories of Education and Epistemology: the theoretical issue in the academic space
Teorías de la Educación y Epistemología: la cuestión teórica en el espacio académico
Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil
Recebido em 19 de julho de 2021
Aprovado em 14 de junho de 2023
Publicado em 02 de agosto de 2023
RESUMO
O trabalho se inscreve nos discursos sobre Pedagogia, Currículo, Formação Docente, Filosofia da Educação e os desafios atuais dos Cursos de Licenciaturas. O objetivo geral é analisar a natureza dos debates em torno do pensamento pedagógico brasileiro acerca da relação entre Teorias da Educação e Epistemologia, desde a década de 1970, especificamente, discutindo aspectos relacionados à Abordagem Epistemológica das Teorias da Educação no Brasil. Por fim, essa reflexão pretende propor um debate sobre algumas tendências debatidas nos últimos anos, a saber: primeiro, a ideia de que existe uma epistemologia própria da Educação; segundo, a visão de que a grandeza da Educação se encontra justamente na ausência de especificidade; e, terceiro, a proposição a favor de um possível objeto epistêmico da Educação. À luz desses interesses, indagamos: em que sentido é possível pensar na Educação e na própria questão teórica, no espaço acadêmico brasileiro? Em termos
metodológicos, propomos uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativo-exploratória (MINAYO, 1999), que procura investigar as bases da reflexão pedagógica a partir de uma análise hermenêutico-ontológica (CORETH, 1973), que se volta para o tratamento interpretativo das informações e das contribuições teóricas, à medida que essas pretendem desvendar as estruturas do desenvolvimento da existência do ser humano e estabelecem uma íntima relação entre o sujeito pesquisador e sua pesquisa. Sobre os achados da pesquisa, vimos que suas implicações indicam como é urgente delinear os caminhos da teorização pedagógica, a fim de fortalecer o processo de construção de sentido na e da Educação, que contribui para a humanização do homem, em seus processos e espaços formativos.
Palavras-chave: Teorias da Educação; Epistemologia; Espaço Acadêmico.
ABSTRACT
The work is inscribed in the discourses on Pedagogy, Curriculum, Teacher Training, Philosophy of Education and the current challenges of Licentiate Courses. The general objective is to analyze the nature of the debates around Brazilian pedagogical thinking about the relationship between Theories of Education and Epistemology, since the 1970s, specifically, discussing aspects related to the Epistemological Approach to Theories of Education in Brazil. Finally, this reflection intends to propose a debate on some trends debated in recent years, namely: first, the idea that there is an epistemology of Education; second, the view that the greatness of Education lies precisely in the absence of specificity; and, third, the proposition in favor of a possible epistemic object of Education. In the light of these interests, we ask: in what sense is it possible to think about Education and the theoretical question itself, in the Brazilian academic space? In methodological terms, we propose a bibliographical research with a qualitative-exploratory approach (MINAYO, 1999), which seeks to investigate the bases of pedagogical reflection from a hermeneutic-ontological analysis (CORETH, 1973), which focuses on the interpretive treatment of information and theoretical contributions, insofar as they intend to unveil the structures of the development of human existence and establish an intimate relationship between the research subject and his research. Regarding the research findings, we saw that its implications indicate how urgent it is to outline the paths of pedagogical theorization, in order to strengthen the process of construction of meaning in and of Education, which contributes to the humanization of man, in his formative processes and spaces.
Keywords: Theories of Education; Epistemology; Academic Space.
RESUMEN
El trabajo se enmarca en los discursos sobre Pedagogía, Currículo, Formación Docente, Filosofía de la Educación y los desafíos actuales de las Carreras. El objetivo general es analizar la naturaleza de los debates en torno al pensamiento pedagógico brasileño sobre la relación entre Teorías de la Educación y Epistemología, desde la década de 1970, específicamente, discutiendo aspectos relacionados con el Enfoque Epistemológico de las Teorías de la Educación en Brasil. Finalmente, esta reflexión pretende proponer un debate sobre algunas tendencias debatidas en los últimos años, a saber: primero, la idea de que existe una epistemología de la Educación; segundo, la visión de que la grandeza de la Educación radica precisamente en la ausencia de especificidad; y, tercero, la proposición a favor de un posible objeto epistémico de la Educación. A la luz de estos intereses, nos preguntamos: ¿en qué sentido es posible pensar la Educación y la cuestión teórica misma, en el espacio académico brasileño? En términos metodológicos, proponemos una investigación bibliográfica con enfoque cualitativo-exploratorio (MINAYO, 1999), que busca indagar las bases de la reflexión pedagógica desde un análisis hermenéutico-ontológico (CORETH, 1973), que se centra en el tratamiento interpretativo de la información y aportes teóricos, pues pretenden develar las estructuras del desarrollo de la existencia humana y establecer una íntima relación entre el sujeto de investigación y su investigación. Sobre los hallazgos de la investigación, vimos que sus implicaciones indican cuán urgente es delinear los caminos de la teorización pedagógica, a fin de fortalecer el proceso de construcción de sentido en y de la Educación, que contribuya a la humanización del hombre, en sus procesos y espacios formativos.
Palabras llave: Teorías de la Educación; Epistemología; Espacio Académico.
Introdução
O mestre da mística judaica, Gershom Scholem, narra no final do livro “As Grandes Correntes da Mística Judaica” (1972), a seguinte história:
Quando Baal Schem, fundador do hassidismo, tinha uma tarefa difícil pela frente, ia a certo lugar no bosque, acendia um fogo, fazia uma prece, e o que ele queria se realizava. Quando, uma geração depois, o Maguid de Meitsch viu-se diante do mesmo problema, foi ao mesmo lugar do bosque e disse: “Já não sabemos acender o fogo, mas podemos proferir as preces”, e tudo aconteceu segundo seus objetivos. Passada mais uma geração, o Rabi Moshe Leib de Sassov viu-se na mesma situação, foi ao bosque e disse: “Já não sabemos acender o fogo, nem sabemos as preces, mas conhecemos o local no bosque, e isso deve ser suficiente”; e, de fato, foi suficiente. Mas, passada outra geração, o Rabi Israel de Rijn, precisando enfrentar a mesma dificuldade, ficou em seu palácio, sentado em sua poltrona dourada, e disse: “Já não sabemos acender o fogo, não somos capazes de declamar as preces,
nem conhecemos o local do bosque, mas podemos narrar a história de tudo isto”. E, mais uma vez, isso foi suficiente (SCHOLEM, 1972, p. 350).
É possível ler essa narrativa sob diversos modos e pontos de vista. Podemos lê-la em um sentido judaico-espiritual, como uma forma alegórica da literatura, no tom e formato de um conto lúdico-infantil, em termos filosóficos e, até mesmo, em uma perspectiva da História das Teorias Educacionais no Brasil. Revela-se, então, o interesse de interpretar esse texto, tanto por um viés epistemológico quanto pedagógico, a partir de suas formas e modos.
Ao longo da história educacional brasileira, a Educação tem sofrido profundos processos de mudanças e, consequentes, redirecionamentos. Das primeiras incursões até os dias atuais, é possível perceber como os projetos educacionais estão distantes, tanto da fonte do mistério que compreende o Ser humano quanto do fulcro de sua verdadeira formação: a condição humana. Logo, utilizando-se da narrativa judaica supracitada, pouco a pouco e a cada geração, vemos como a Educação se volta e, por vezes, resume-se aos modelos e às tendências teóricas que pretendem, simplesmente, explicar o que é o fogo ou indicar o seu lugar, atentando-se, assim, apenas para a forma de pensar o que é o homem e como deve ser o seu desenvolvimento, não considerando o fato de que o homem ainda pode narrar a história, embora, para alguns, como disse o rabino, “deve ser suficiente” (SCHOLEM, 1972, p. 350).
Ainda assim, do ponto de vista teórico, percebemos o quanto o significado desse “deve ser suficiente” não é tão simples de ser compreendido. O sentido da formação docente depende, justamente, de como se entende a própria noção de suficiência. Portanto, em razão dos descaminhos que provocam essas e outras dificuldades de entendimentos, encontramos não só o problema do monopólio da Pedagogia Tradicional, entre 1545 e 1759, como também as tensões oriundas dos debates entre as Vertentes Religiosas e Leigas da Pedagogia Tradicional, entre 1759 e 1932. Ademais, deparamo-nos com o predomínio da Pedagogia Nova, entre 1932 e 1969, e com a própria configuração da concepção Pedagógica Produtivista entre 1969 e 2001 (SAVIANI, 2007a), além das reconfigurações das Pedagogias Neoprodutivistas e suas variantes atuais (SILVA, 2008; 2018).
Dessa forma, vemos que as propostas e ações no Campo das Licenciaturas sempre foram superficiais e paliativas. Nesse sentido, acrescentamos que, em termos histórico-curriculares, a formação docente esteve voltada, na maior parte de sua carga horária, para as especificidades de cada área, enquanto as disciplinas que são próprias da formação docente passaram a ocupar um lugar marginal no conjunto dos interesses e das exigências dos seus próprios fazeres pedagógicos. Por isso, seja em virtude dos tensionamentos que ocorrem entre as especificidades de cada área ou devido às exigências que envolvem a formação do professor, podemos constatar o quanto as perspectivas epistemológicas, no Nível Superior, passaram, em muitos contextos, à condição de saberes secundários, cederam à crítica de que são de pouca relevância e, por conseguinte, incorporaram os discursos que não farão falta se forem descartadas e/ou retiradas dos currículos. Essas posições, sempre recorrentes em espaços formativos e núcleos políticos, encontram apoio tanto em um pequeno número do público estudantil quanto num certo percentual da população em geral, composta por pessoas de diversas áreas e por alguns representantes dos poderes instituídos que atuam no cenário atual.
Conquanto o papel acerca da compreensão epistemológica tenha se tornado inalterado, temos de convir que sua importância tem sido relegada ao aspecto do senso comum. Assim, compreendemos que a observação de senso comum se constitui em um processo de construção teleológica, que envolve tanto elementos implícitos da cultura de massa quanto aspectos explícitos dos conceitos herdados e transmitidos pelos estratégicos discursos legitimadores da tradição educativa. Portanto, a educação, nos tempos atuais, “[...] não visa a introduzir o jovem no mundo como um todo, mas sim em um seguimento limitado e particular dele” (ARENDT, 2011, p.247) ou, por que não dizer, a educação apenas instaura o jovem no ideológico, eclético, fugaz e ilusório mercado de trabalho.
À vista disso, se as discussões sobre as diferenças entre “o que é necessário” e “o que deve ser suficiente” forem entendidas como um avanço ou a partir das perspectivas das análises das “perdas do fogo”, do “seu lugar” e da “sua fórmula”, ainda em alusão à narrativa de SCHOLEM (1972), então, podemos entender que o
objetivo do ensino nos cursos de formação superior se constitui apenas em uma qualificação profissional e, quiçá, consiste em um simples meio por onde cada aluno deverá se libertar da miséria, que é sobreviver. Com isso, é possível acrescentar que para muitas pessoas, de diversas áreas da sociedade, essa discussão seja de importância primordial e imediata.
Entretanto, ao levarmos em consideração essa situação complexa, questionamo-nos: não seria o momento de problematizar a natureza das exigências, meramente formais, da formação docente, tornando-a atual e adequada aos propósitos humanizadores do ensino? Ora, “ao dizer, ‘mas podemos narrar a história de tudo isto’, o rabino havia, aliás, asseverado exatamente o contrário. ‘Tudo isso’ significa perda e esquecimento, e o que a narrativa conta é precisamente a história da perda do fogo, do lugar e da prece” (AGAMBEN, 2018, p.29). Sendo assim, o que se coloca como desafio não é apenas a discussão sobre o espaço que a Epistemologia ocupa nos Cursos de Licenciaturas, mas o próprio o valor da formação dos professores e suas implicações.
Portanto, ao deslocarmos a questão, entre o necessário e o suficiente, do campo do senso comum para o âmbito da realidade em que vivemos, vemos que essa discussão assume uma função de natureza multifacetada, a saber, de dimensões social, política, existencial e humana, sobretudo em um período da história em que as democracias estão sob ameaças - os discursos sectários atravessam todos os níveis dos imaginários sociais, as posturas de ódio se multiplicam e os acordos se rivalizam, seja no Brasil ou em outras partes do mundo.
Porquanto, diante dos descaminhos do tempo presente, o debate entre a Formação Docente e a Epistemologia se torna urgente e necessário. Nesse sentido, o texto oferece tanto um recorte sobre o modo como a questão epistemológica vem sendo tratada no país, nos últimos anos, quanto procura apresentar algumas perspectivas para a formação docente, sob a ótica da Filosofia da Educação. Assim, os sentidos implicados nesses dois movimentos pretendem delinear, sinteticamente, tanto o caráter específico da teorização pedagógica, bem como examinar as condições em que a prática docente pode contribuir para fortalecer o processo de construção de sentido na e da Educação.
Por esse motivo, o objetivo geral da discussão consiste em analisar, a partir da década de 1970, a natureza dos debates em torno do Pensamento Pedagógico brasileiro acerca da relação entre Teorias da Educação e Epistemologia. Especificamente, pretende discutir alguns aspectos relacionados à Abordagem Epistemológica das Teorias da Educação no Brasil. À luz desses interesses, indagamos: em que sentido é possível pensar a Educação e a própria questão teórica no espaço acadêmico brasileiro? Em termos metodológicos, propomos uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativo-exploratória (MINAYO, 1999).
Procuramos, ainda, investigar as bases da reflexão pedagógica a partir das análises hermenêutico-ontológica de Emerich Coreth (1973) e sua perspectiva do horizonte. Principalmente, quando se volta para o tratamento interpretativo das informações e contribuições teóricas, à medida que visa desvelar as estruturas do desenvolvimento da existência do Ser humano e estabelecer uma íntima relação entre o sujeito pesquisador e sua pesquisa.
Nesses termos, consideramos que é necessário refletir no Campo da Educação sobre as antigas, mas sempre atuais, tensões entre: teoria e prática; saber e fazer; fundamentação versus reflexão; pensamento e vida; existência e subsistência. Assim, propomos pensar sobre as diferenças entre a polemização e a problematização dos pensamentos e dos fazeres pedagógicos, com vista à construção de uma possível síntese entre Epistemologia e Educação. Por fim, apresentamos as considerações e algumas indicações dos achados dessa pesquisa.
Educação: entre a polemização e a problematização do pensar pedagógico
Desde o início do século XX, o pensamento educativo brasileiro foi atravessado por teorias, tendências e projetos que pretendiam responder às exigências de um mundo marcado por transformações nas áreas políticas, urbanas, industriais, tecnológicas, culturais e educativas. Dessa forma, falamos acerca de três perspectivas: I. sobre os modos como a Economia interferiu na organização do ensino; II. da maneira como a cultura letrada implicou a relação entre a demanda e a oferta da educação, quer em seu aspecto potencial quer em seus quadros de procuras efetivas de escolas; e, III. da forma como o sistema político impactou os processos de expansão e as reformas educacionais. Porquanto, essas variáveis servem para sintetizar, grosso modo, a forma como se estruturou a sociedade e o imaginário educativo brasileiro desse tempo.
As incursões pelo campo da História da Educação Brasileira nos ajudam a elucidar, a princípio, como os sentidos de Epistemologia e de Educação aparecem sob as condições de categorias complexas, mas também como serviram para, em períodos recentes e contextos imediatos, pôr em relevo o modo como a ideologia que alimenta esse sistema foi favorecida por uma realidade marcada por desníveis educacionais, desigualdades sociais, discursos de controle e pela supremacia de um determinado grupo de pessoas sobre os diversos campos dos saberes e classes da sociedade em geral.
Do ponto de vista pedagógico, as disputas englobavam as tendências da Pedagogia Tradicional versus as Pedagogias Novas (SAVIANI, 2008), enquanto no campo educacional os debates se davam entre as Ciências e a própria Educação. Essa nova forma de agregar as diferentes concepções foi chamada de Tendências Pedagógicas e se constitui em um tríplice movimento de polemização. Quais são essas tendências? A primeira se refere ao ato de legitimar algumas perspectivas teóricas em detrimentos de outras; a segunda concerne a tentativa de aglutinar o pensamento pedagógico em certas abordagens, que invisibilizam ou diminuem o grau de importância de outros modos de se conceber e fazer a Educação[1] e a terceira se relaciona a “uma forma de leitura que torna visível um modelo dualístico de pensar a educação que se configurou historicamente, de fato e de direito, como uma verdadeira tendência do campo acadêmico brasileiro” (FREITAS, 2017, p.194).
Nesses termos, e não casualmente, uma parte significativa das abordagens que tratam da Filosofia da Educação também se propôs a discutir a relação entre Educação e Filosofia, sobretudo, como procedimentos analíticos dualísticos ou campos meramente complementares. Ao tomarmos como referências os embates entre Educação e Filosofia, das últimas décadas, vemos que duas obras se destacaram, a primeira, de natureza polemizadora - Filosofia da Educação, que fora organizada em 1980 por Ari Pedro Oro e Urbano Zilles e, a segunda, de caráter problematizador, Educação Progressiva: uma introdução à filosofia da educação, publicada em 1934 pelo filósofo, educador e estadista Anísio Teixeira.
Na base da primeira obra, “Filosofia da Educação” (ORO; ZILLES, 1980), encontramos os indícios de uma discussão que sofre, tanto com as confluências do seu próprio tempo quanto com as faltas de referências que pudessem servir de orientações crítico-reflexivas para os Cursos de Filosofia da Educação e de Formação de Professores. Ao pretender pôr em relevo as forças e as tensões entre a Filosofia e a Educação, dizemos que essa última possui conteúdo que, por vezes, oscila entre uma e outra área. Especificamente, falamos acerca de um tipo de esforço que busca restabelecer a visão unitária do mundo, a partir de um viés teológico-confessional, como também baseada em uma concepção que postula que o homem é um ser puramente bidimensional. Sobre os sentidos dessas lacunas antropoconceituais, acrescenta-se;
[...] em resumo, o conceito e a prática da educação como processo cultural de aperfeiçoamento do homem dependem da concepção teórica de homem, sociedade e mundo que a fundamentem. Daí, indiscutível a importância da Antropologia Filosófica e das demais disciplinas filosóficas que tentam ou contribuem para elaborar uma visão global do homem. Talvez, a causa mais profunda da patologia crônica resida na ausência quase total da Filosofia no campo da educação [...] (ZILLES, 1980, p.17).
Dizemos que, de modo geral, as temáticas principais tratam a Filosofia e a Educação como campos independentes, como concepções teóricas distintas e de pouca incidência de uma sobre a outra. Assim, pode-se dizer que as fases de desenvolvimento desses pensamentos pretendem responder aos problemas que são próprios de cada campo específico e das tensões pedagógicas oriundas de suas respectivas épocas. Falamos ainda, acerca da paradoxal situação em que, por um lado a sociedade se sente exigida a explicitar os valores e as normas que as rege, enquanto por outro lado, a busca é pela construção de uma base epistemológica que sirva de lócus interpretativo do homem e de sua cultura, “desde a técnica até a meditação transcendental” (RABUSKE, 1980, p. 33).
Em termos gerais, “a origem e a natureza, desta construção, explicam a diversidade de abordagens e eventuais repetições” (ZILLES, 1980, p. 7). Tais situações nos ajudam a entender como as tendências, na área da Filosofia da Educação, pretenderam formular e estabelecer uma certa ordem de prioridades nesse período. Desse modo, temas como Ideologia e Educação, Educação e Universidade, A Filosofia da Educação em Paulo Freire, Os Primitivos e a Educação, Educação e Sociedade Alternativa representam, de forma ampla, os modos de como a tendência polemizadora da Educação tratou e discutiu as visões fragmentadas entre o homem e o mundo e, consequentemente, entre a Filosofia e a Educação.
Quanto ao livro, “Educação Progressiva: uma introdução à filosofia da educação” (1934 / 1950), vemos que Anísio Teixeira retoma suas bases e princípios pedagógicos já expressos em outras produções. Seu objetivo era demonstrar a íntima relação que há entre Filosofia e Educação, conforme as influências da corrente Filosófico-pragmática de John Dewey (1859 – 1952). De acordo com esses termos, Teixeira, no desejo de se contrapor à Pedagogia Tradicional, propôs um projeto de Educação para a vida e um tipo de formação que fosse capaz de preparar a juventude, tanto para o mercado de trabalho como para enfrentar os problemas não resolvidos pela sociedade brasileira - principalmente, com vistas à democracia. Tal projeto não teria outro fim senão alcançar níveis profundos de mudança e significação.
Entretanto, ao rejeitar a tese da moral tradicional de que a atividade humana precisa ser regida por uma visão religiosa-transcendental, Teixeira pontuou que a escola precisa ser laica, pública e gratuita. Mais ainda, que a formação escolar deve ser capaz de dar ao homem a devida condição para construir seu próprio mundo e que a democracia deve se assentar na experiência humana, tal como as Ciências e outros Campos de saberes (DEWEY, 1971). Portanto, “se em relação à ciência o que se busca é a verdade, no sentido de sua objetividade verificável, em relação à filosofia o que se busca é penetrar no sentido íntimo e profundo das coisas” (TEIXEIRA, 1950, p. 166).
Conforme a compreensão de Teixeira, as mudanças supracitadas são necessárias e devem ocorrer porque na Filosofia não se buscam verdades absolutas, no sentido estrito do termo, mas a construção de valores humanos - existenciais, históricos e legitimamente construídos. Dessa forma, ao pretender construir experiências significativas é que a Filosofia não pode se confundir com uma simples forma de pensar os homens, as instituições e suas respectivas realidades. Sobre a natureza da Filosofia, esse teórico acrescenta:
Filosofia tem assim tanto de literário quanto de científico. Científicas devem ser suas bases, os seus postulados, as suas premissas; literárias ou artísticas as suas conclusões, a sua projeção, as suas profecias, a sua visão. E, nesse sentido, filosofia se confunde com a atividade de pensar, no que ela encerra de perplexidade, de dúvida, de imaginação e de hipotético. Quando o conhecimento é suscetível de verificação, transforma-se em ciência, e enquanto permanece como visão, como simples hipótese de valor, sujeito aos vaivéns da apreciação atual dos homens e do estado presente de suas instituições, diremos, é filosofia (TEIXEIRA, 1950, p. 168).
Nesse sentido, o papel da experiência educativa é atribuir significado sobre aquilo que é específico do campo da Educação, bem como sobre o sentido do filosofar diante do mundo, buscando preparar o indivíduo para enfrentar outros problemas e situações no futuro da realidade imediata (DEWEY, 1959). Pensar a Educação, nesses termos, comporta, em si, uma reivindicação que se traduz na preocupação, segundo a qual é importante não só ensinar Filosofia como também aprender a pensar (CHARLOT, 2000). Além disso, tal ação implica em apontar caminhos por onde cada pessoa consiga desvelar a existência “[...] em sua totalidade, em uma visão tão completa e coerente quanto possível” (TEIXEIRA, 1950, p. 165).
Portanto, ao tratar sobre a relação entre Educação e Filosofia, Anísio Teixeira nos explicita os lineamentos gerais e específicos dessa possível e íntima relação. Ademais, segundo esse teórico, a Educação, enquanto processo de formação humana, não pode prescindir de uma reflexão cujo escopo seja o desvendamento dos sentidos do mundo e da realidade. Por outro lado, a Filosofia aparece como uma postura crítica, que pretende iluminar os rumos da prática social pedagógica. Logo, de cunho propositadamente político, o livro “problematiza” o debate entre Educação e Filosofia na primeira metade do século XX.
Assim, ao seguirmos essas linhas de considerações acerca das diferenças discursivas entre o olhar que polemiza e a visão problematizadora da Educação, compreendemos que se faz necessário questionar as tendências usuais de quadros, rotulações e classificações. “Em outros termos, admitimos que esse modo de tratamento das teorias filosóficos-educacionais contribui para cristalizar posições instáveis, simplificando-as e, no limite, excluindo o estudo de determinados autores e pensamentos” (FREITAS, 2017, p.195).
Para culminar, ressaltamos que é preciso que cada autor, categoria e pensamento sejam objetos de avaliações profundas e examinados a partir de suas especificidades, por meio de olhares amplos e análises abrangentes. Em outras palavras, é necessário respeitar as etapas históricas dos seus desenvolvimentos e valorizar seus horizontes metodológicos e perspectivas dialógicas. Portanto, mais adiante, em relação ao diálogo entre Filosofia e Educação, o foco das discussões se projeta como um esforço para uma possível síntese.
Epistemologia e Educação no Brasil: incursões para uma síntese
O debate acerca das Concepções, Correntes e Tendências Pedagógicas, na Teoria da Educação brasileira, ainda continua em aberto e suscitando múltiplas reflexões. A relação entre Epistemologia e Teoria da Educação tem despertado muitas discussões e tensões, mas também outras possibilidades de análises, pesquisas e redirecionamentos. Neste contexto, observa-se que o debate que começou na década de 1970, sobre o estatuto epistemológico da Pedagogia, tem provocado novas reverberações e causado grandes impactos nos Cursos e Formações dos Profissionais da Educação. Neste caso, compreendemos que isso é importante e que contribui para mobilizar pontos de vistas diferentes, intercambiar olhares amplos, mediar distintos caminhos e realizar novas proposições.
Assim, do ponto de vista geral e diante das posições dos últimos anos, percebemos que as compreensões sobre Epistemologia e Educação dividem-se, basicamente, em três possibilidades de análises e grupos, a saber: 1) há os que partilham da ideia que existe uma especificidade epistemológica própria da educação (SAVIANI, 2007b; 2008); 2) existem os que pensam que a grandeza da educação encontra-se justamente na ausência de especificidade (GALLO, 2017); 3) vemos a posição dos que se movem em torno de um possível objeto epistêmico da Educação (RÖHR, 2008; 2013).
Nesse sentido, o debate evoca dois movimentos que se entrelaçam de forma contraditória na realidade atual: I. O movimento dos professores que enxergam nisso a vitalidade do Pensamento Pedagógico no Brasil; e, II. O movimento dos educadores que se posicionam a favor de uma concepção do educar que consiga assimilar novas e duras experiências da condição humana e os ajude a construir uma visão coerente acerca da relação entre Epistemologia e Educação no Brasil, assim como suas implicações para as formações dos professores.
Sobre a primeira posição supracitada, que partilha da ideia que existe uma especificidade epistemológica própria da educação, citamos como referência a obra “A pedagogia no Brasil: história e teoria” (SAVIANI, 2008), decorrente da fala de abertura do I Simpósio de Epistemologia e Teorias da Educação – EPISTED, promovido pelo Grupo de Pesquisas Paidéia - UNICAMP, em novembro de 2005. Nesse trabalho, o professor Dermeval Saviani identifica as diferentes Teorias Educacionais, destaca o caráter específico da Teoria Pedagógica, indica um certo percurso histórico dos problemas da Educação e examina as condições em que a Pedagogia pode se constituir como uma Teoria Científica da Educação.
Para Saviani (2008), as principais concepções de Educação aparecem agrupadas em seis grandes tendências, quais são: a) A Concepção Humanista Tradicional - desdobrada nas vertentes religiosa e leiga; b) A Concepção Humanista Moderna; c) A Concepção Analítica; d) A Concepção Produtivista; e) A Concepção Crítico-reprodutivista; f) A Concepção Dialética e/ou Histórico-Crítica. À vista disso, essas tendências se articulam e se transpõem em formas das seguintes áreas: 1. Área Correspondente à Filosofia da Educação; 2. Área da Teoria da Educação; Área 3. Prática Pedagógica.
Nesse sentido, o foco principal de Saviani (2008) consiste em debruçar-se sobre a Concepção Dialética ou Histórico-Crítica porque entende que a diferença dessa para as demais se encontra no modo como as três áreas suprarreferidas se articulam, tornam-se recíprocas, complementam-se e constroem, entre si mesmas, intenções emancipadoras. Portanto, ao privilegiar a relação educador-educando, o autor entende que a natureza científica dessa abordagem se constitui em uma teoria que se estrutura a partir, e em função, da prática pedagógica. Mais ainda, que a função da prática deve ser o lócus de toda Pedagogia que se pretende científica e orientadora da atividade educativa. Ainda conforme Saviani:
A educação, como ponto de partida e ponto de chegada, torna-se o centro das preocupações. Note-se que ocorre agora uma profunda mudança de projeto. Em vez de se considerar a educação a partir de critérios sociológicos, psicológicos, econômicos etc., são as contribuições das diferentes áreas que serão avaliadas a partir da problemática da educação. O processo educativo erige-se, assim, em critérios, o que significa dizer que a incorporação desse ou daquele aspecto do acervo teórico que compõe o conhecimento científico em geral dependerá da natureza das questões postas pelo próprio processo educativo. Parece ser esse o caminho por meio do qual poderemos chegar a uma ciência da educação propriamente dita, isto é, autônoma e unificada (SAVIANI, 2007c, p. 24).
À guisa de solução para o dilema que afeta os programas de formação de professores, Saviani acredita que a Cientificidade da Educação irá adquirir um lugar próprio e específico no sistema geral das Ciências propriamente ditas. Ao ser indagado sobre a especificidade da cientificidade da Teoria Pedagógica, o teórico ainda acrescenta:
Se a educação, pertencendo ao âmbito do trabalho não-material, tem a ver com ideias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, habilidades, tais elementos, entretanto, não lhe interessam em si mesmos, como algo exterior ao homem. Nessa forma, isto é, considerados em si mesmos, como exterior ao homem, esses elementos constituem o objeto de preocupação das chamadas ciências humanas, ou seja, daquilo que Dilthey denominou ‘ciências do espírito’, por oposições às ‘ciências da natureza’. Diferentemente, do ponto de vista da educação, ou seja, da perspectiva da pedagogia entendida como ciência da educação, esses elementos interessam enquanto é necessário que os homens os assimilem, tendo em vista a constituição de algo como uma segunda natureza (SAVIANI, 2008, p.139).
Em tese, não deixa de ser plausível e possível tal constatação. No entanto, cabe-nos questionar: a Pedagogia, nos termos acima colocados, não precisaria definir-se de modo mais preciso para adquirir o caráter de Ciência? E, na esteira dessa constatação, é possível que ao tornar-se Ciência a Educação se transforme em mais um paradigma? Ou, quiçá, não será a própria Educação mais do que um simples paradigma? No entanto, ao contrário dessa primeira posição, o professor Sílvio Gallo afirma, em um segundo momento, “[...] que a grandeza da educação reside justamente nesta falta de especificidade, que faz dela uma área aberta” (GALLO, 2017, p.168). Situada no texto intitulado “A Filosofia e Formação do Educador: desafios para as licenciaturas”, a fala do estudioso pretende confrontar antigos dilemas e históricos preconceitos acerca do lugar da Filosofia nos programas e propostas de formação de professores no Brasil.
Assim, ao levar em consideração os processos e mudanças em torno do papel da Filosofia na formação docente das últimas décadas, Gallo (2017) destaca como pontos de atualização do debate alguns aspectos, a saber: I) as mudanças nos espaços e modos de se conceber a formação do professor; II) o trato do ensino de Filosofia nos Cursos Superiores de Pedagogia; III) as transformações paradigmáticas no campo teórico; IV) as revisões nos estatutos de diversos tipos de saberes; e, V) as contribuições da própria Filosofia da Educação para os enfrentamentos dos problemas educacionais no cenário atual do mundo.
Assim sendo, o teórico supraindicado nos diz que diante de uma realidade crescentemente tecnológica, “decifrar seus enigmas é a condição de sobrevivência que nos impõe, não os reconhecer, negá-los ou não os resolver é abdicar às possibilidades do humano” (GALLO, 2017, p. 170). Logo, muito mais do que propor práticas interdisciplinares, o autor advoga a favor da busca por vivências não disciplinares. Além disso, também considera que esse ponto de vista será profícuo para o Campo da Educação poque é capaz de promover tanto o rompimento com o Paradigma Científico-Positivista quanto servir para habilitar a própria Educação a enfrentar as formas e as estruturas de compartimentalizações, às quais está submetida, nos mesmos moldes do que acontece com o Campo da Ecologia.
Dessa forma, na busca por uma perspectiva abrangente, o teórico sugere a possibilidade de um novo paradigma: o Estético. Trata-se, sobretudo, de um conjunto de abordagens transversais que propõem pensar e fazer a Educação a partir dos aspectos políticos, artísticos, éticos, filosóficos e científicos. Tal abordagem implica ainda em um tipo de olhar por onde a Educação é capaz de dar ‘ao admirável mundo novo’ atuais respostas para os problemas do homem na contemporaneidade. Conforme Félix Guattari (1992) uma das principais referências do próprio Gallo nessa compreensão é:
[...] produzir novos infinitos a partir de um mergulho na finitude sensível, infinitos não apenas carregados de virtualidades, mas também de potencialidades atualizáveis em situação, se demarcando ou contornando os Universais repertoriados pelas artes, pela filosofia, pela psicanálise tradicionais: todas as coisas que implicam a promoção permanente de outros agenciamentos enunciativos, outros recursos semióticos, uma alteridade apreendida em sua posição de emergência – não xenófoba, não racista, não falocrática -, devires intensivos e processuais, um novo amor pelo conhecido .... Enfim, uma política de uma ética da singularidade, em ruptura com os consensos, os ‘lenitivos’ infantis destilados pela subjetividade dominante (GUATTARI, 1992, p.147).
Novas propostas sempre sugerem outras perguntas. Então, questionamo-nos: mas, se não há uma epistemologia própria da Educação, o que seria esse novo pensar paradigmático? A ideia de romper e substituir um paradigma por outro já não é, em si mesma, uma postura positivista? E, afinal, em que consiste o sentido de um arcabouço teórico, cuja racionalidade pretende-se prática-operativa?
Por último, e, em um terceiro momento, encontramos as reflexões em torno de um possível objeto epistêmico da Educação (RÖHR, 2008). Antes de tudo, é preciso refletir se as determinações que trazemos acerca da Educação não dificultam sua própria teorização. Então, nota-se objetivamente, que há um certo sentimento de desistência em atribuir à Educação um objeto epistêmico próprio. No entanto, “[...] como é possível fazer Ciência sobre Educação se dela não temos uma definição clara? Se for esse o critério, as demais Ciências também estariam na mesma situação complicada” (RÖHR, 2013, p. 151). Não será esse o problema da Psicologia quando tenta definir o que é a psique humana? Mais ainda, um empecimento dos historiadores quando pretendem dizer o que é a História? Ou, até mesmo, um embaraço para a Sociologia, quando deseja explicar o que é a sociedade e o próprio fato social?
Porquanto, conforme o educador Röhr (2010), o impasse da problemática suprarreferida se encontra no fato de partirmos sempre dos conhecimentos que dispomos de outras áreas sobre Educação. Ou seja, que o problema está em considerarmos a Educação como área meio e não como um fim ou, até mesmo, em propormos abordagens interdisciplinares sem as considerarmos como centro do diálogo. Nesse processo, embora se reconheça o valor das contribuições dos outros campos científicos, esse teórico afirma que é preciso atribuir à Educação autonomia para aceitar, ou não, o que as áreas afins dizem, pensam e determinam sobre o que ela seja e/ou a que se propõe, afinal.
Portanto, o objeto epistêmico não pode ser concebido fora ou para além da tríade: Educando, Educador e Meta Pedagógica. Para Röhr (2013), ao pretender constituir a Educação como objeto epistêmico próprio é preciso reconhecer que educar é contribuir para a humanização do homem. Em tese, a construção do objeto epistêmico se constitui, para esse autor, a partir de três aspectos fundantes, são estes: 1) da postura do educador – que não deve colocar a intenção do educar acima dos seus interesses pessoais; 2) da condição existencial do próprio educando – enquanto principal beneficiado; e, 3) da própria tarefa pedagógica – cuja intenção do educar é tornar o homem humano. Assim sendo, a Educação, enquanto processo de formação humana e núcleo gerador de sentido, não pretende tornar o homem pronto, concluído e acabado, mas aproximá-lo da sua existência possível, visa, ainda, levá-lo tanto ao desvelamento da sua própria consciência como a um integral e multidimensional amadurecimento humano.
Para tanto e no desejo de contribuir com as discussões em torno das questões epistemológicas, Ferdinand Röhr (2013) se distancia dos modismos, visões e versões contemporâneas acerca do que é o homem, sua constituição e os caminhos espirituais de sua própria formação. De acordo com esse educador, o Ser humano é constituído por cinco dimensões básicas: 1) a dimensão física, que inclui a corporalidade físico-biológica; 2) a dimensão sensorial, que se expressa através dos nossos sentidos; 3) a dimensão emocional, que abrange a vida da nossa psique; 4) a dimensão mental, que comporta os fulcros dos nossos pensamentos, memórias, dúvidas e questionamentos; e, 5) a dimensão espiritual, chamada também de transcendente por dois motivos, primeiramente porque ultrapassa e vai além da realidade empiricamente verificável e em segundo lugar porque só a identificamos quando estamos diante das situações-limite, e procuramos corresponder incondicionalmente aos valores éticos e às compreensões filosóficas com os quais nos identificamos e estamos comprometidos (RÖHR, 2010).
Nesse caso, na perspectiva espiritual, “[...] o caminho da realização é a união que alcançamos entre todas as dimensões, sempre de novo” (RÖHR, 2013, p. 171) e integralmente. Nesse contexto, integralidade não significa completude, acabamento, perfeição e/ou totalidade. Pelo contrário, o objetivo da visão integral é nos ajudar a compreender que o papel da consciência é lançar luz sobre o nosso modo próprio de existir, consiste em esclarecer a existência e o lugar onde a formação humana se realiza enquanto alcance do sentido da vida.
Sobre o sentido do Educar, Röhr propõe duas vias de análises, as Teorias da Correspondência e a Teoria da Irreverência. A primeira se refere às Teorias Educacionais que se fundamentam em um sentido da vida predeterminado, estabelecido e predefinido. Por essa via, todo o esforço do aluno se resume em procurar corresponder e atingir os fins externamente propostos. Sendo assim, “[...] essas teorias supõem que o educador já encontrou o sentido da vida e se utiliza de meios pedagógicos, impositivos ou não, para ajudar o educando a reconhecer esse sentido como válido e verdadeiro, e segui-lo” (RÖHR, 2013, p. 17).
Em contrapartida, a Teoria da Irreverência consiste em ajudar o educando a enxergar que seu desvelamento resulta da sua própria busca e indica que é tarefa do indivíduo amadurecer humanamente e agir de acordo, consciente e coerentemente. Trata-se, sobretudo, de uma tarefa objetiva, mas que deve ser assumida subjetivamente. Por conseguinte, passar das forças que influenciam, externamente, o homem à consciência de si mesmo implica em sair de uma concepção fragmentária, incoerente, desarticulada, desagregada, mecânica, passiva e simplista da vida à visão aberta, coerente, original, intencional e ativa acerca do ser humano.
Assim, diante dessas reflexões, Röhr (2013) reconhece que sua pretensão é problematizar certas concepções. Nesse sentido, questionamos: até que ponto as leituras multidimensional e integral do Ser humano auxiliam nos estudos sobre as Teorias Pedagógicas existentes no cenário brasileiro? E, à propósito, o diálogo entre Educação e Espiritualidade constitui um projeto viável para uma sociedade cada vez mais técnica, tecnológica e capitalista? Por que a intuição e a dimensão espiritual não se configuram em um novo paradigma dogmático? E, por fim, em que sentido a proposição de Röhr contribui para a ressignificação da tarefa pedagógica na contemporaneidade?
Dessas perspectivas, pode-se dizer que pensar a relação entre Teorias da Educação e Epistemologia comporta uma reivindicação em que é importante afirmar não só a necessidade de se mapear as Tendências Teóricas como também é preciso identificar os sentidos formativos de cada uma das suas abordagens. Conquanto nenhuma perspectiva deva ser tomada como uma metanarrativa da Educação, temos de convir que suas pressuposições nunca devem prescindir de uma intencionalidade que limite nossa apreensão da realidade ou, até mesmo, impeça-nos de olhar para além do imediatamente dado. Assim, no interesse de não pretender transmitir receita é preciso acrescentar que Teoria é pura responsabilidade (BUBER, 2011).
Ora, diante dessas discussões, é possível compreender a dimensão problemática que reveste a discussão em torno da relação entre Epistemologia e Educação e analisar, na prática, como é percebido o desafio do educador brasileiro. Contudo, sobre as tendências referidas, sintetizamos: que a primeira supõe que o caminho procedimental consiste na retomada das principais concepções de Educação com o fim de sistematizar seus mais importantes conceitos e formas de aplicações pedagógicas; que a segunda procura realçar a necessidade da estetização da Educação e seus processos formativos e, por fim, que a última se ancora em uma visão integral do Ser humano e coloca-se a favor, tanto de uma ética pedagógica quanto de uma Educação ética e geradora de sentidos humanos.
Ainda sobre os desafios educacionais na contemporaneidade, vemos como o Educador é chamado a pensar em sua própria formação e a trabalhar, tanto a partir do velho dilema entre Teoria e Prática bem como baseado em certas concepções, que não conseguem responder aos dilemas da sua presente época (TREVISAN, 2011). Conquanto pese sobre tal a responsabilidade de se tornar um pesquisador de sua própria prática, há que se pontuar o grande risco que corre ao desprezar o desafio de educar o homem novo a partir das concepções e visões de um mundo velho. Enfim, é necessário entender que a Educação é o ponto onde decidimos o que fazemos de nós mesmos - humana, existencial, histórica, política e socialmente. Nos dizeres de Hannah Arendt (2011), Educação é o lugar onde nos abandonamos ou nos engajamos, “[...] a fim de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-nos com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum” (ARENDT, p. 247).
Considerações Finais
“De fato o pensamento pedagógico brasileiro é uma obra de arte coletiva” (GADOTTI, 2004, p. 22). No entanto, ao falarmos sobre o debate atual das Correntes e Tendências da Educação pretendemos tão somente demonstrar a vitalidade do Pensamento Pedagógico no Brasil. Em todas as sínteses existem pressupostos teóricos que influenciam e, em alguns casos, determinam certas escolhas, por parte dos autores, entre o que é essencial e secundário. Todavia, tudo que é escrito é lido sob a dupla ótica do autor e do leitor, posto que o lido sempre é visto em função do presente de quem o lê e interpreta-o. Implica dizer que o dito neste texto não pretende ser a última palavra sobre o assunto nem estabelecer critérios de valoração sobre os autores, suas obras e ideias discutidas.
À luz desses e dos novos interesses, buscamos indagar: como lidar com os tensionamentos entre os Paradigmas da Filosofia e as Teorias Educacionais? E, à propósito (TREVISAN, 2006), quais são as novas perspectivas que surgem a partir da noção de cultura? Mais ainda, conforme as problematizações de Charlot (2000; 2005), quais são os saberes necessários para a formação do professor, para sua prática profissional e para sua vivência fundamental?
Ora, o presente trabalho é resultado das discussões e pesquisas realizadas no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Núcleo de Educação e Espiritualidade, e dos estudos apresentados no Fórum das Licenciaturas da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE, entre 2019 e 2020. No entanto, ao fazermos este percurso, vimos que as tensões que atravessaram as décadas de 1970 até 2010 ainda reverberavam no atual cenário educacional e, pode-se dizer, com todos os seus desafios - para as formações profissionais dos educadores e implicações para os processos de construção e constituição do estatuto epistemológico; para os exercícios das práticas docentes e para os critérios e as formulações dos Cursos de Licenciaturas na atualidade (SILVA, 2019).
Sobre a organização dos tópicos e da temática, dizemos que seu conteúdo procurou respeitar a natureza do debate. Que sua estrutura não é fixa ou pretensamente construída para afirmar ou negar certos conteúdos, perspectivas, projetos, tendências ou possibilidades teórico-metodológicas, pois, as análises surgiram do diálogo do grupo de estudos e das experiências que foram partilhadas e socializadas espontaneamente. Mais ainda, que nossa intenção não é estabelecer consensos, concluir as discussões ou formar partidos. Antes, o propósito é fomentar a reflexão, aprofundar a visão que temos da Educação, atualizar as leituras, incentivar novas pesquisas científicas, contribuir para aprofundar nossa visão de mundo e ampliar os olhares que elaboramos acerca do Ser humano e dos caminhos possíveis de sua própria formação e realização existencial.
Sobre os achados da pesquisa, vimos que suas implicações indicam como é urgente delinear os caminhos da teorização pedagógica a fim de fortalecer o processo de construção de sentido na e da Educação, quando pretende a humanização dos homens, dos seus processos e espaços formativos, tal como indicado pela tendência multidimensional e integral do Ser humano (SILVA; CORDEIRO, 2021).
Na tentativa de circunscrever em poucas palavras, no espaço deste artigo, as relações entre Epistemologia e as Teorias da Educação, dizemos ainda, que seu caráter é geral, provisório e fragmentário e que outras pesquisas estão em curso com o fim de contribuir e aprofundar esse debate. Entretanto, “[...] me parece – e peço a compreensão do leitor, se esta minha esperança for demasiadamente pretenciosa – que esse começo consiga libertar-nos de muitas limitações da empostação pedagógica atual para nos conduzir ao campo aberto de novos questionamentos” (BOLLNOW, 1971, p. 234).
Referências
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Notas
[1] Como exemplo desta forma de leitura, citamos o que aconteceu com o Pensamento Filosófico-pedagógico de Otto Friedrich Bollnow (SILVA, 2018). Diante desse cenário, Dermeval Saviani relaciona as contribuições de Bollnow às nuanças pedagógicas denominadas de “concepção humanista moderna de filosofia da educação” (2008, p. 49). Essas formas de categorização são fruto da compreensão histórica de um determinado momento, em que se acreditou que a divisão e/ou tensão entre a Pedagogia Tradicional e a Pedagogia Nova acabava dissolvendo a especificidade da contribuição pedagógica, como um dos caminhos viabilizadores do processo de redemocratização do país e de superação de suas desigualdades sociais (SAVIANI, 2005). O pensamento pedagógico de Otto Friedrich Bollnow chegou ao Brasil na década de 1970 através da tradução da obra “Pedagogia e Filosofia da Existência: um ensaio sobre formas instáveis da educação” (1971). Em virtude das tensões que marcaram o processo de ditadura político-militar no Brasil (1960 - 1980), as tendências marxista e gramsciana passaram a exercer hegemonia no campo educacional.