Interdiciplinariedade no ensino de ciências: Reflexões e desafios de licenciandos em Ciências da Natureza
Interdisciplinarity in science teaching: Reflections and challenges for undergraduate students in Natural Sciences
La interdisciplinariedad en la enseñanza de las ciencias: Reflexiones y desafíos de los estudiantes de grado en Ciencias Naturales
Rayane Ferreira da Silva
Universidade Federal do Vale do São Francisco, Pernambuco, Brasil
rayaneferreira969@gmail.com - https://orcid.org/0000-0001-5764-3945
Gisele Soares Lemos Shaw
Universidade Federal do Vale do São Francisco, Pernambuco, Brasil
giseleshaw@hotmail.com - https://orcid.org/0000-0001-5926-2679
Recebido em 6 de maio de 2021
Aprovado em 02 de julho de 2021
Publicado em 13 de março de 2023
RESUMO
Investigou-se reflexões e desafios de licenciandos em ciências da natureza em meio à realização de sequências didáticas potencialmente interdisciplinares no âmbito de programa de residência pedagógica, entre os anos de 2018 e 2020. Participaram do estudo nove licenciandos do curso de licenciatura em ciências da natureza, da Universidade Federal do Vale do São Francisco, campus Senhor do Bonfim, Bahia. As sequências foram realizadas em duas instituições escolares: numa escola municipal que fica localizada na zona rural do município de Campo Formoso e numa escola da zona urbana localizada em Senhor do Bonfim. A coleta de dados foi realizada por meio de análise de conteúdos provenientes de respostas dos licenciandos participantes às entrevistas e a questionário. As análises geraram as seguintes categorias: 1) Ações potencialmente interdisciplinares; 2) Reflexões sobre modificações da proposta; 3) Desafios e dificuldades. Observou-se preocupações com metodologias de ensino, interação com professores, adaptações no tempo escolar e engajamento dos estudantes das escolas.
Palavras-chave: Ensino de Ciências; Formação; Interdisciplinaridade.
ABSTRACT
Reflections and challenges of undergraduate students in natural sciences were investigated in the midst of conducting potentially interdisciplinary didactic sequences within the scope of the Pedagogical Residency Program, between the years 2018 and 2020. Nine undergraduate students in the undergraduate course in Natural Sciences participated in the study, from the Federal University of Vale do São Francisco, Senhor do Bonfim campus, Bahia. The sequences were carried out in two school institutions: in a municipal school located in the rural area of the municipality of Campo Formoso and in an urban school located in Senhor do Bonfim. Data collection was carried out through content analysis from responses of the licensing participants to the interviews and questionnaire. The analyzes generated the following categories: 1) Potentially interdisciplinary actions; 2) Reflections on changes to the proposal; 3) Challenges and difficulties. There were concerns about teaching methodologies, interaction with teachers, adaptations in school time and the engagement of students in schools.
Keywords: Science Teaching; Training; Interdisciplinarity.
RESUMEN
Se indagaron reflexiones y desafíos de estudiantes de licenciatura en ciencias naturales en medio de secuencias didácticas potencialmente interdisciplinarias en el ámbito de un programa de residencia pedagógica, entre los años 2018 y 2020. Participaron del estudio nueve estudiantes de la carrera de ciencias naturales, de la Universidad Federal de Vale do São Francisco, campus Senhor do Bonfim, Bahía. Las secuencias se realizaron en dos instituciones educativas: en una escuela municipal ubicada en la zona rural del municipio de Campo Formoso y en una escuela en la zona urbana ubicada en Senhor do Bonfim. La recolección de datos se llevó a cabo a través del análisis de contenido de las respuestas de los licenciatarios participantes a las entrevistas y al cuestionario. Los análisis generaron las siguientes categorías: 1) Acciones potencialmente interdisciplinarias; 2) Reflexiones sobre modificaciones a la propuesta; 3) Desafíos y dificultades. Se observaron preocupaciones con las metodologías de enseñanza, la interacción con los profesores, las adaptaciones en el tiempo escolar y la participación de los estudiantes de la escuela.
Palabras clave: Enseñanza de las Ciencias; Capacitación; Interdisciplinariedad.
Introdução
O desenvolvimento de práticas interdisciplinares em escolas é apontado como importante na suplantação de tendências tradicionais de ensino (LIBÂNEO, 2002), mas isso requer a superação de diversos desafios, muitos deles relacionados à formação de professores e a dificuldades instituídas no cotidiano escolar (AUGUSTO; CALDEIRA, 2007; FEISTEL; MAESTRELLI, 2009; SHAW; ROCHA, 2019). As dificuldades em realizar interdisciplinaridade no ensino são diversificadas, que vão desde desafios no entendimento do que esse fenômeno significa até problemas na operacionalização de práticas pedagógicas.
Quando a importância da interdisciplinaridade começou a ser disseminada no Brasil, entre as décadas de 1960 até 1980, havia pouco conhecimento sobre o assunto, pois não tinham muitas pesquisas nessa área, restringindo o acesso das pessoas a esses trabalhos, escassamente divulgados (FAZENDA et al., 2013). Fazenda (2006) tratou da busca histórica pela conceitualização e, também, pela criação de uma diretriz metodológica para facilitar a execução da interdisciplinaridade em ambientes acadêmicos. Entretanto, apesar do surgimento de diversos estudos acerca do tema, esse termo ainda é considerado polissêmico (FEISTEL; MAESTRELLI, 2009), existindo diversos entendimentos sobre o mesmo.
Para Fazenda (2015), a interdisciplinaridade consiste em algo ousado e que impulsiona a busca por conhecimentos novos, o que requer envolvimento cultural daqueles que a realizam, envolvendo uma atitude interdisciplinar (FAZENDA, 2011). Considera-se que a interdisciplinaridade suplanta a mera integração interdisciplinar, pois exige abertura e comprometimento dos envolvidos no processo.
Segundo Augusto e Caldeira (2007), a busca pela interação entre disciplinas e pela contextualização de conteúdos ganha cada vez mais adesão de professores e, assim, a interdisciplinaridade está sendo a cada dia mais inserida no âmbito escolar. Porém, existem algumas dificuldades quanto ao desenvolvimento de ações interdisciplinares por professores. Delizoicov (2009) refletiu sobre a necessidade de mudanças que a educação escolar precisa passar, o que reflete em transformações necessárias em cursos de formação inicial e continuada de professores. Assim, faz-se importante investigar práticas interdisciplinares nesses cursos de formação.
A pesquisa que originou esse artigo justificou-se pela necessidade de investigar processos de formação interdisciplinar de estudantes de licenciatura, principalmente por meio de práticas formativas de caráter reflexivo, realizadas no âmbito de estágios curriculares e em programas de inserção de estudantes de licenciatura em escolas.
Especificamente, destacou-se a importância de fomento à práticas interdisciplinares em escolas públicas, em aulas e projetos ministrados por estudantes do curso de licenciatura em ciências da natureza, que participaram de programa institucional de residência pedagógica da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Parte-se da compreensão de que futuros professores de ciências precisam conhecer, construir e refletir acerca de possibilidades de articulações entre disciplinas, além de utilizar práticas pedagógicas que propiciem a participação ativa de estudantes no processo de ensino e aprendizagem.
No entanto, existem diversos desafios a ser vencidos para a realização efetiva de práticas interdisciplinares. Então, a pesquisa que gerou este artigo investigou reflexões e desafios encontrados por nove licenciandos em formação, participantes do programa residência pedagógica, durante processos de elaboração e desenvolvimento de propostas de sequências didáticas interdisciplinares no ensino de ciências. Essa investigação abrangeu experiências desses estudantes entre os anos de 2018 e 2020 e teve como objetivos específicos: conhecer suas ações potencialmente interdisciplinares; identificar os desafios e dificuldades encontradas por esses licenciandos; e analisar reflexões dos mesmos acerca de possíveis modificações nessas práticas.
A seguir, apresentam-se alguns estudos sobre a importância de práticas interdisciplinares no ensino e acerca de dificuldades envolvidas no processo.
Interdisciplinaridade no Ensino
A efetivação da interdisciplinaridade no ensino em escolas, apesar de ser prática desejada, possui diversos desafios (FERREIRA; MUENCHEN; AULER, 2019; JAPIASSU, 1976; SHAW, 2018; SHAW; ROCHA, 2018). Algumas das dificuldades elencadas por professores e licenciandos acerca dessa prática são relativos a: falta de formação interdisciplinar, necessidade de planejamento em grupo para desenvolver o trabalho interdisciplinar, falta de tempo de docentes, desconhecimento de outras disciplinas, desinteresse de estudantes e má organização do tempo escolar (SHAW; ROCHA, 2019). Por isso, há necessidade de investimentos em práticas interdisciplinares, de valorização dessas práticas pelos professores e de fomento de formações interdisciplinares em cursos de licenciatura (SHAW, 2018).
No sentido de identificar desafios enfrentados por professores e por estudantes de licenciatura na consecução da interdisciplinaridade no ensino são trazidos alguns estudos recentes acerca desse assunto.
Santos et al. (2019), pesquisaram aspectos que potencializam a co-docência na formação de professores e em possibilidades para que ocorra o desenvolvimento de práticas docentes na perspectiva interdisciplinar. Os sujeitos de pesquisa foram duas professoras formadoras, sendo uma delas de Física e a outra de Biologia e dezessete licenciandos dos cursos de Biologia, Física e Pedagogia de uma universidade pública do estado do Rio de Janeiro. O estudo propiciou apresentar aos licenciandos participantes possibilidades de trabalho integrado na perspectiva de projetos, baseados em temas relevantes, além de possibilitar que os professores formadores envolvidos pudessem refletir sobre potencialidades e obstáculos insurgentes em suas próprias práticas, desenvolvendo co-aprendizagens.
A análise de dados do estudo de Santos et al. (2019) ocorreu por meio de informações obtidas em vídeos produzidos durante quatro encontros realizados. Os principais resultados encontrados foram voltados à ampliação de conhecimentos acerca da co-docência, utilizada como meio de ensino. Durante toda a pesquisa, a co-docência foi empregada de modo articulado à interdisciplinaridade, mostrando aos participantes algumas possibilidades de trabalho integrado entre disciplinas. Porém, os autores indicaram que a integração tem que ocorrer por meio da agregação de conhecimentos, não apenas por métodos ou conteúdos disciplinares, ou seja, o professor deve ter domínio de conhecimentos de sua disciplina e de vinculações desses conhecimentos com saberes de outras disciplinas, conforme orientou Fazenda (2011).
Ferreira, Muenchen e Auler (2019) investigaram desafios e potencialidades de professores de ciências da natureza no decorrer de intervenções curriculares baseadas em abordagem temática. A pesquisa em questão teve como participantes treze professores do ensino médio de escolas estaduais do município de Santa Maria, estado do Rio Grande do Sul. O estudo teve como objetivo identificar, analisar e socializar configurações curriculares, na área de ciências da natureza, estruturadas mediante a abordagem temática.
Para obtenção de dados, Ferreira, Muenchen e Auler (2019) utilizaram entrevistas semiestruturadas, analisando as transcrições pelo método de Análise Textual Discursiva (ATD). Os principais resultados encontrados nessa pesquisa indicaram lacunas na formação de professores, tais como a frágil formação fragmentada em cursos de licenciatura e a estrutura curricular educacional compartimentada.
Shaw e Rocha (2017) analisaram tentativas de práticas interdisciplinares em ciências, realizadas por duas licenciandas do curso ciências da natureza da UNIVASF durante seu estágio em duas turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Uma das participantes nunca havia tido contato com a docência, enquanto a outra havia substituído um professor por 15 dias. O tema da sequência didática utilizada foi sexualidade e tentou abranger as disciplinas de Artes, Biologia e Língua Portuguesa.
Os pesquisadores Shaw e Rocha (2017) realizaram entrevistas com as licenciandas antes e depois do estágio curricular. Eles discutiram a importância de se trabalhar a interdisciplinaridade e da utilização da pesquisa no ensino, durante a formação de professores de ciências, por possibilitar criar ambientes de elaboração de atividades e de experimentação interdisciplinares. Observou-se que a comunidade acadêmica, a partir de diálogos com a escola, pode buscar mudanças em realidades universitárias e escolares, por meio da procura pelo enfrentamento de obstáculos encontrados no desenvolvimento de atividades interdisciplinares.
Basso e Abrahão (2018) investigaram o processo de autorregulação da aprendizagem de alunos nos anos iniciais, em processo de alfabetização, fazendo uso de práticas didático-pedagógicas. O estudo foi realizado na região metropolitana de Grenoble, na França, em duas escolas e com diferentes abordagens de ensino. Os sujeitos da pesquisa foram duas classes de primeiro ano, sendo a escola A, com 18 alunos, e escola B, com 25 alunos, totalizando 43 crianças, além de duas professoras encarregadas pelo ensino das diferentes matérias de base (leitura, escrita, matemática, etc.), e professores que participavam eventualmente de atividades com as turmas. A idade média dos alunos foi de 6,1 anos na classe A e de 6,3 na classe B.
Nesse trabalho, Basso e Abrahão (2018) buscaram identificar o sistema de atividades de ensino-aprendizagem para melhor facilitar o desenvolvimento de autorregulação da aprendizagem nas duas classes. Para alcançar seu objetivo, os autores concretizaram um estudo sócio cultural. A análise de dados foi realizada com base em procedimentos abertos exploratórios e múltiplas leituras dos dados coletados. A partir dessa análise, foram elaboradas quatro categorias temáticas que organizaram as práticas observadas.
Nesse artigo, Basso e Abrahão (2018) descreveram e interpretaram a primeira categoria encontrada, Ensino Interdisciplinar e indicaram que as atividades realizadas por meio desse ensino proporcionaram maiores oportunidades para a evolução de estratégias de autorregulação dos alunos, possibilitando aos professores atuarem como mediadores do processo.
No estudo aqui apresentado, estudantes de licenciatura e professores buscaram trabalhar de forma interdisciplinar, e encontraram diversas dificuldades. Essas dificuldades à reflexão sobre a importância de estabelecer diálogos entre universidade e escolas acerca de problemas envolvidos na consecução da interdisciplinaridade no ensino, em busca de soluções para o enfrentamento dos mesmos.
Caminhos da Pesquisa
A pesquisa realizada possui natureza qualitativa que, segundo Godoy (1995), utiliza dados relatados sobre pessoas, lugares ou processos. Na referida pesquisa foram investigadas reflexões e dificuldades de estudantes de licenciatura que buscaram desenvolver sequências didáticas interdisciplinares em turmas dos anos finais do ensino fundamental no decorrer de sua residência pedagógica em ciências, a partir de seus relatos.
As sequências didáticas constituem organizações de atividades de ensino e aprendizagem que refletem as intenções educativas do professor. O valor de trabalhar com essas sequências se dá, conforme Zabala (1998), pela facilidade de avaliar o processo de ensino aprendizagem e o replanejar, por meio dessa ferramenta:
A identificação das fases de uma sequência didática, as atividades que a conformam e as relações que estabelecem devem nos servir para compreender o valor educacional que têm, as razões que as justificam e a necessidade de introduzir mudanças ou atividades novas que a melhorem (ZABALA, 1998, p. 54-55).
Tendo em vista que o subprojeto ciências da proposta de residência pedagógica da UNIVASF se baseou na perspectiva da docência em ciências por meio da pesquisa no ensino e da interdisciplinaridade, o planejamento por meio das sequências didáticas auxiliou os licenciandos-residentes. No processo de análise e reflexão acerca de suas próprias práticas.
As sequências foram realizadas em duas instituições escolares: numa escola municipal que fica localizada na zona rural do município de Campo Formoso e numa escola da zona urbana localizada em Senhor do Bonfim, ambos no estado da Bahia.
Participaram do estudo nove licenciandos do curso ciências da natureza da UNIVASF, campus Senhor do Bonfim-BA, que fizeram parte do programa institucional residência pedagógica da UNIVASF, na época, especificamente do núcleo nº 6186, do subprojeto ciências. Esse núcleo foi composto por um total de 25 licenciandos em ciências da natureza, três professores das referidas escolas (denominados preceptores) e uma docente orientadora, a segunda autora da referida pesquisa. Porém, do total de licenciandos residentes, apenas nove deles manifestou interesse em participar da pesquisa.
Os estudantes de licenciatura participantes do estudo foram identificados alfanumericamente, pelo uso da letra L acompanhada de numeral entre 1 (um) e 9 (nove), de modo a manter a confidencialidade de suas identidades. Neste estudo, foram tomados cuidados éticos com base na resolução número 510 de 1996 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil, que traz diretrizes para pesquisas que envolvem seres humanos. Essa investigação consiste em recorte da pesquisa A interdisciplinaridade e a pesquisa no ensino de ciências: relações, limites e possibilidades, aprovada pelo Comitê de Ética na Pesquisa (CEP) da UNIVASF (CAEE nº 03143118.4.0000.5196).
A residência pedagógica foi realizada nas escolas no decorrer do período mencionado. Os licenciandos participaram semanalmente de reuniões, aulas, projetos, avaliações e eventos que ocorreram nas instituições escolares envolvidas, sendo preceptorados, em cada escola, por um professor de ciências integrado ao programa.
Ainda, esses licenciandos participaram de curso de formação Interdisciplinar, realizado durante a residência, que teve início em agosto de 2018 e foi finalizado em janeiro do ano de 2019. No decorrer do programa, os participantes estudaram, discutiram, refletiram, planejaram e implementaram sequências pedagógicas interdisciplinares num exercício de pesquisa no ensino. Nesse trajeto, eles se encontraram mensalmente na universidade, onde discutiram textos lidos, apresentaram propostas de sequências didáticas, debateram essas propostas, realizaram intervenções nas escolas, refletiram sobre suas práticas e acerca de aprendizagens dos estudantes das escolas, modificando planejamentos e ações.
A coleta de dados deste estudo foi realizada através de questionário e por entrevistas semiestruturadas, realizados após o final da residência pedagógica. O questionário conteve seis questões abertas e foi previamente testado por pesquisadores da área de ensino e educação e aplicado com uma amostra dos participantes, buscando observar o atendimento aos objetivos específicos do estudo (Quadro 1). Ele foi enviado para cada participante por meio de aplicativo de mensagem WhatsApp e foi preenchido e reenviado por cada um deles pelo mesmo sistema.
Quadro 1 – Perguntas do questionário aplicado no estudo
PERGUNTAS |
Questão 1. Qual ou quais desafios e dificuldades que encontrou durante a aplicação de sua sequência didática potencialmente interdisciplinar? |
Questão 2. Em sua percepção, essa sequência didática ajudou os estudantes a aprenderem os conteúdos previstos? Como verificou isso? |
Questão 3. Se você fosse reaplicar essa sequência com outro grupo de estudantes, modificaria alguma coisa? Explique. |
Questão 4. Os professores regentes que ministram as aulas das disciplinas envolvidas em sua prática potencialmente interdisciplinar lhe ajudaram? Comente, os motivos de ter ou não recebido ajuda. |
Questão 5. Em sua opinião, sua prática foi realmente interdisciplinar? Por quê? |
Questão 6. Você acha que um ensino interdisciplinar acaba sendo mais eficaz do que de forma disciplinar? Comente. |
Fonte: Arquivos das autoras, 2021
As entrevistas semiestruturadas foram realizadas pela orientadora deste trabalho e por duas licenciandas que fizeram parte de programa de iniciação científica da UNIVASF, na época. As entrevistas, feitas individualmente com cada participante, foram gravadas e transcritas.
As respostas dos licenciandos participantes ao questionário e às entrevistas foram analisadas por meio da análise de conteúdo (BARDIN, 2011; MORAES, 1999). Após a coleta de dados e organização dos mesmos, foram realizadas leituras desses materiais que levaram à seleção de unidades de significado. Essas unidades constituem possíveis respostas às questões de pesquisa, que foram destacadas e codificadas, segundo ideia principal contida em cada uma delas. Depois, esses dados foram comparados, agrupados e geraram as categorias: 1) ações potencialmente interdisciplinares, 2) reflexões sobre modificações da proposta e 3) desafios e dificuldades. Essas categorias foram interpretadas à luz de literatura selecionada.
Resultados
Os resultados da análise dos dados são apresentados através das categorias: 1) ações potencialmente interdisciplinares, 2) reflexões sobre modificações da proposta e 3) desafios e dificuldades. A seguir, apresenta-se a descrição e interpretação de cada uma delas.
1) Ações potencialmente interdisciplinares
A primeira categoria, Ações potencialmente interdisciplinares, abrangeu ações vivenciadas e relatadas pelos licenciandos participantes do estudo, que planejaram sequências didáticas com a proposta de alcançarem a interdisciplinaridade. Algumas informações sobre as sequências relatadas por eles e analisadas nesse estudo foram dispostas no quadro 2.
Quadro 2 – Ações potencialmente interdisciplinar dos Residentes
RESIDENTE |
DISCIPLINAS ENVOLVIDAS |
CONTEÚDOS |
METODOLOGIA |
L1 |
Ciências, Geografia |
Bioma Caatinga |
Aulas expositivas e dialogadas; Exibição de vídeos; Leitura compartilhada; pesquisas bibliográficas; Apresentação dos resultados da sequência na feira de ciências da escola. |
L2 |
Ciências, Língua Portuguesa, Matemática e Geografia |
Como a Ciências está presente na internet |
Metodologia de aprendizagem por projeto; Produção de textos; Produção de um diário de bordo. |
L3 |
Ciências, Artes, História, Geografia e Química |
Poluição, Meio ambiente e Reciclagem |
Aulas expositivas e dialogadas; Produção de artesanato com materiais reciclados; Aulas práticas; Discussões, pesquisas, produção de modelos didáticos, exibição de vídeos, produção de cartazes, realização de atividades; Apresentação de resultados da sequência em feira de ciências da escola. |
L4 |
Artes, Ciências e Língua Portuguesa |
Microrganismos; Figuras de linguagem; HQs |
Oficinas; Uso de Histórias em Quadrinhos (HQs) e documentários; Acompanhamento e correção de atividades; Apresentação oral das Histórias em Quadrinhos desenvolvidas durante a sequência didática. |
L5 |
Física, Educação Física e Sociologia |
Sistema Osteomuscular |
Aula expositiva dialogada com utilização de slide; Aula expositiva dialogada com utilização de alavancas utilizadas no dia a dia; Aula prática; Exibição de vídeo; Socialização de ideias; Palestra sobre a utilização de anabolizantes; |
L6 |
Língua Portuguesa, Matemática, Ciências e Geografia |
Água, utilização, formas de preservação |
Aulas expositivas e dialogadas; Dinâmica; Realização de atividade em grupo; Discussão entre os alunos; Socialização de resultados. |
L7 |
Ciências, Geografia, História e Educação física. |
Sistema Respiratório, Sistema Cardiovascular |
Exposição dialogada; Discussão; Construção guiada de modelo didático; Prática ao ar livre; Atividade escrita; Exposição do conteúdo com a ajuda de slides e modelos didáticos (gifs). |
L8 |
Geografia, História, Ciências, Língua Portuguesa |
Astronomia: Sistema solar |
Aula expositiva e dialogada; Produção de vídeos; Produção de maquetes; Produção de redações e de desenhos; Atividade escrita. |
L9 |
Etnobotânica, Geografia, Ciências, Artes e Língua Portuguesa. |
Versando e ilustrando a flora da caatinga |
Leitura de folhetos de cordel; Aula expositiva dialogada sobre os conteúdos; Atividade prática de ilustração em EVA; Discussão sobre as plantas trazidas pelos alunos; Atividade de produção de folhetos. |
Fonte: Arquivos das autoras, 2021.
Acerca das ações dos licenciandos, foi observado diversificação de metodologias. Eles foram orientados a investirem no protagonismo de seus estudantes. Apenas os participantes L2 e L4 não mencionaram ter utilizado como metodologia aulas expositivas e dialogadas, buscando trabalhar outras formas de ensino. Porém, deve-se ressaltar que o fato de a maioria dos licenciandos investigados ter utilizado as referidas metodologias não caracteriza que suas aulas tenham sido baseadas em abordagem tradicional de ensino. Esse tipo de abordagem leva em consideração outros fatores do processo de ensino e aprendizagem, tais como relação vertical entre aluno-professor e priorização de atividades que envolvam memorização e cópia (LIBÂNEO, 2002).
Enquanto a licencianda L2 focou na metodologia de aprendizagem por projetos, a partir do desenvolvimento cooperativo de projetos pedagógicos sobre a presença da ciência na internet, L4 priorizou atividades de desenvolvimento de habilidades relativas à produção de Histórias em Quadrinhos (HQs) a partir dos conteúdos Microrganismos; Figuras de linguagem e HQs.
A participante L2 atuou com base na metodologia de ensino por projetos. Ela propôs aos alunos construírem seu conhecimento a partir de pesquisas partindo da temática como a ciência é tratada na internet. O tema foi escolhido em acordo aluno e professores e a atividade através da qual os estudantes deveriam apresentar os resultados do estudo seria por meio de Podcast¹, produzido por eles. De acordo com a proposta, a partir dessas pesquisas é que os estudantes deveriam fazer articulações interdisciplinares. Desse modo, L2 esperou que seus estudantes inter-relacionassem conhecimentos de diferentes áreas autonomamente.
Basso e Abrahão (2018) trataram da necessidade de estimular os estudantes em busca de seus próprios conhecimentos, para que eles sejam responsáveis pelo seu nível de aprendizagem. Para que ocorra esse tipo de processo, é necessário que os docentes recorram a estratégias de ensino que estimulem o desenvolvimento da autorregulação do aluno, isso desde seu processo de alfabetização.
Basso e Abrahão (2018) pesquisaram a autorregulação da aprendizagem de discentes para entenderem qual metodologia de ensino e aprendizagem mais auxiliaria nesse processo. Nesse estudo, atividades realizadas na categoria Ensino Interdisciplinar proporcionaram maiores oportunidades para a evolução de estratégias de autorregulação dos alunos. Porém, para que isso ocorra, é preciso que a proposta de ensino seja interdisciplinar de fato, ou seja, estruturada a partir da interrelação de conteúdos, métodos, pressupostos de disciplinas diferentes (JAPIASSU, 1976).
Os estudantes da licencianda L2 desenvolveram um Podcast a partir de pesquisa realizada, buscando como a ciência é tratada na internet:
O podcast envolvia várias matérias, vários assuntos que estavam ali, muito ligados, então os alunos estavam fazendo de maneira inerente sem entender o que estava acontecendo, a interdisciplinaridade só que estava sendo desenvolvida (L2).
Contudo, apesar de acreditar na efetividade da proposta, L2 afirmou ter se decepcionado durante o processo, por ter realizado o trabalho sem apoio de outros professores, sem apoio da escola, fatos também elencados por Shaw e Rocha (2019) como grande e recorrente dificuldade para realização de práticas interdisciplinares.
Tratando da interdisciplinaridade na co-docência, o que pode gerar apoio de outro profissional, uma das condições para que aconteça é a empatia, sintonia e afinidade entre os sujeitos. Para que práticas pedagógicas sejam desenvolvidas no âmbito de co-docência é necessário tempo e espaço disponíveis para que os dois sujeitos envolvidos atuem juntos (SANTOS et al, 2019).
Ao contrário de L2, o licenciando L4 recebeu apoio de professores das disciplinas Artes e Língua Portuguesa para realização de oficinas de criação de HQs e de Figuras de linguagem. Esses docentes forneceram materiais para estudo e disponibilizaram tempo de suas aulas, ainda que não tenham podido atuar em co-docência no decorrer de alguma aula. Essa cessão de tempo escolar por esses professores foi possível por L4 ter trabalhado conhecimentos de suas disciplinas, a partir de materiais selecionados pelos docentes. Os estudantes puderam representar conhecimentos sobre microrganismos em HQs que produziram, usando conhecimentos artísticos de diagramação de HQs, além do uso de balões e de conhecimentos sobre figuras de linguagem.
Os dados pesquisados levaram ao entendimento de que o estudante L4 tenha obtido êxito em sua articulação interdisciplinar, que envolveu a integração das disciplinas envolvidas na produção de resultados únicos, provindos dessa integração. Já L2 não parece ter realizado esse processo, pois o movimento de sua turma em pesquisar na internet e produzir o Podcast não propiciou integração de disciplinas, cuja existência é fundamental ao trabalho interdisciplinar (FAZENDA, 2011).
Os participantes L1 e L9 trabalharam tema norteador comum nas sequências didáticas: Bioma Caatinga. Porém, enquanto a L1 abordou a temática de forma mais ampla, trabalhando os conteúdos diversos - Vegetação, Clima, Relevo, entre outros, o participante L9 explorou, especificamente, o conteúdo Flora da Caatinga. A forma como cada participante desenvolveu o tema foi diversificada e as disciplinas envolvidas também foram diferentes.
A participante L1 envolveu duas disciplinas escolares (Geografia e Ciências) na sequência didática, enquanto o L9 envolveu quatro delas (Ciências, Geografia, Língua Portuguesa e Artes). O trabalho de L1 explorou imagens e jogos e L9 empreendeu o desenvolvimento de habilidades dos estudantes relativas à produção de cordéis e à aprendizagem de xilogravuras. Enquanto L1 teve apoio da professora de Geografia e de sua orientadora, uma professora universitária doutora em Biologia, L9 somente teve sessão de aulas para realização de suas atividades. Segundo L9, os professores convidados a participarem da proposta de sequência didática interdisciplinar afirmaram estar com muito trabalho no período. Pelos dados analisados, não foi possível saber se esses trabalhos foram efetivamente interdisciplinares.
Quando questionadas se foram verificadas aprendizagens dos estudantes sobre conteúdos do Bioma Caatinga trabalhados e quais formas de avaliação utilizaram, os participantes L1 e L9 afirmaram que:
Sim. Foi perceptível através dos questionários aplicados previamente e posteriormente à sequência, e ao final da sequência, os resultados foram apresentados pelos alunos em uma feira de Ciências (L1).
Sim. Foi perceptível, após uma ligeira análise dos questionários aplicados antes e depois da sequência, com mudanças nas respostas e presença dos conteúdos abordados (L9).
A estratégia de avaliação de conhecimentos gerais de conteúdos trabalhados por meio de teste, aplicado antes e após as demais atividades da sequência didática, além de outros modos de avaliação (numa abordagem processual e formativa), foi sugerida pela docente orientadora dessa equipe de residentes pedagógicos. Aquela ferramenta avaliativa auxiliou os licenciandos no exercício de pesquisa no ensino. Eles foram incentivados a agir como pesquisadores de suas próprias práticas, pensando seu planejamento a partir da sondagem de conhecimentos dos estudantes e direcionando o processo pedagógico a partir de reflexões sobre suas ações, realizadas tanto na escola, com seu professor preceptor, quanto em encontros na universidade junto à docente orientadora, outros professores e colegas.
Os licenciandos L5 e L7 abordaram o conteúdo curricular Sistemas do Corpo Humano, especificamente, L5 trabalhou o Sistema Osteomuscular Humano e L7 tratou dos Sistemas Respiratório e Cardiovascular Humanos. Apesar de as duas sequências didáticas versarem sobre conteúdos relacionados, as disciplinas envolvidas em cada sequência foram diferentes, além das metodologias, tendo Ciências como única disciplina afim.
O estudante de licenciatura L7 trabalhou a História da Descoberta² das Células, afirmou ter envolvido assuntos da disciplina história articulando com os conteúdos Sistemas Respiratório e Cardiovascular Humanos, de Ciências, e ter promovido a realização de exercícios físicos com os estudantes. Não foi possível identificar em seus relatos se houve integração de matérias.
Já a licencianda L5 articulou o conteúdo Alavancas, de Física; com os assuntos Alongamento e Uso de Anabolizantes, trabalhados em Educação Física; e Sistema Osteomuscular Humano, assunto da disciplina escolar Ciências. Essa participante fez seus estudantes refletirem sobre como funcionam as alavancas do corpo humano, mostrou a importância do alongamento antes da realização de exercícios físicos e os perigos da utilização de anabolizantes em busca do corpo perfeito. O trabalho de L5 integrou conhecimentos e métodos dessas disciplinas, gerando conhecimentos dependentes de todas as disciplinas envolvidas. Nesse trabalho, cada disciplina teve papel importante nas aprendizagens, somente geradas a partir dessa articulação – num trabalho interdisciplinar os ganhos de aprendizagem são resultado da integração das disciplinas envolvidas (SHAW; ROCHA, 2018). Desse modo, considera-se que L5 possa ter realizado um trabalho interdisciplinar, o que pode ser investigado a partir da análise de mais dados sobre a proposta.
Em algumas propostas, os resultados da aprendizagem de estudantes das escolas foram apresentados em feiras de ciências, realizadas em cada uma delas (como foi mencionado nos relatos de L1 e de L3). Cada participante, em sua particularidade, usou das mais variadas metodologias para tornar suas propostas didático-pedagógicas mais dinâmicas e eficientes. De modo geral, os participantes buscaram tornar suas ações mais interessantes para incentivar a motivação dos estudantes das escolas em seu processo de ensino e aprendizagem.
A sequência didática da licencianda L3 envolveu o assunto de Ciências Lixo e Meio Ambiente, articulado a conteúdos e métodos de outras matérias: ao tema Capitalismo e Consumismo, tratados na História e na Geografia; ensinamentos sobre reciclagem e produção de fotografias (desenvolvidos na disciplina Artes); além dos conteúdos Gases (abordando gases contidos no Chorume) e Composição da Camada de Ozônio (a partir de conhecimentos da Química).
L3 trabalhou com seus estudantes a produção de lixeiras, modo de separação de tipos diferentes de materiais descartados, a produção de sabão com óleo reutilizado e a confecção de ensaio fotográfico sobre o lixo descartado na comunidade à qual pertence à referida escola rural. Porém, não ficou claro, a partir de seus relatos, sobre o quanto cada disciplina de fato contribuiu para a consecução do trabalho, mas há indícios de ter ocorrido integração entre algumas delas (Ciências, Artes, Geografia). Para Fazenda (2011), a integração constitui processo anterior à interdisciplinaridade, onde ocorre ajustamento de disciplinas. Com os dados analisados foi possível verificar essa integração.
No estudo de Santos et al (2019), para evidenciar possibilidades do trabalho integrado a professores em formação, a co-docência esteve junto à interdisciplinaridade, gerando reflexões sobre dificuldades existentes durante a execução das práticas.
Segundo L3, não houve colaboração de outros professores no desenvolvimento da proposta e ela teve problemas pessoais que interferiram em algumas atividades. Contudo, ficou claro que seu trabalho valorizou a cultura local e provocou reflexões importantes nos estudantes acerca de questões ambientais.
O licenciando L6 investiu em leituras, interpretação e produção de textos, trabalhando o tema de Ciências Água e Meio Ambiente. Ele trabalhou o assunto Pontuação, e pediu que os estudantes verificassem isso em suas produções, buscando articular a disciplina Língua Portuguesa.
Segundo L6, a Geografia foi explorada pelas discussões sociais do uso da água em casa e a Matemática foi trabalhada a partir da organização de dados retirados de textos trabalhados acerca da temática mencionada. Com seus relatos, a prática desenvolvida por L6 não pareceu integrar os conteúdos mencionados, que foram trabalhados pontualmente e separadamente, de modo raso. A realização da interdisciplinaridade no ensino requer participação efetiva de cada disciplina envolvida, responsável pelos ganhos gerados, requer interação disciplinar (FAZENDA, 2011; SHAW, 2018).
A licencianda L8 trabalhou Astronomia: Sistema solar, de Ciências, conteúdo favorecedor de articulações interdisciplinares (SHAW; ROCHA, 2017). Ela trouxe à turma a ideia do geocentrismo, trazendo os embates da época (com base em saberes da História).
Além disso, segundo L8, seus estudantes e assistiram a vídeo sobre o eclipse, produziram desenhos (Artes), redação (Língua Portuguesa) e estudaram a organização do sistema solar (Geografia). Ela explicou que eles se mostraram empolgados, ainda que a residente não dispusesse de recursos pedagógicos suficientes à realização de todas as atividades que desejava.
Segundo L8, não foi possível levar os estudantes à universidade para que utilizassem o telescópio, porque ela temeu mau uso por parte deles, que demonstram comportamentos violentos em classe. Apesar de problemas enfrentados por essa licencianda, sua sequência didática parece ter sido promissora ao desenvolvimento de trabalho integrador ou interdisciplinar. Destacou-se a facilidade de interação da residente com seus estudantes, além da curiosidade e empolgação dos mesmos. Porém, não foi evidenciado a exploração dos conteúdos mencionados no âmbito de cada matéria anunciada por ela.
2) Reflexões sobre modificações da proposta
A segunda categoria, Reflexões sobre modificações da proposta, apresenta pensamentos dos licenciandos acerca das ações pedagógicas realizadas e sobre possíveis modificações nos planejamentos das sequências didáticas, em caso de reaplicação das mesmas propostas (Quadro 3).
Seis participantes da pesquisa mostraram interesse em modificar suas sequências em possível reaplicação. As mudanças mais comentadas para serem implementadas foram: estimular a interação com professores e/ou comunidade escolar/pais (L1, L2 e L3); mudanças metodológicas (L3, L5); e tornar as atividades mais atrativas por meio de metodologias mais motivadoras (L7, L8).
Quadro 3 – Categoria 2. Reflexões sobre modificações da proposta e suas subcategorias
CATEGORIA |
SUBCATEGORIAS |
RESPONDENTES |
Reflexões sobre modificações da proposta |
Disponibilização de recursos |
L2 |
Estimular mais interação com professores e/ou comunidade escolar/pais |
L1, L2, L3 |
|
Fomentar participação mais ativa dos estudantes |
L1 |
|
Mudanças metodológicas |
L3, L5 |
|
Mudança no tempo das atividades |
L2 |
|
Tornar atividades mais atrativas |
L7, L8 |
|
Sem mudanças |
L4, L6, L9 |
Fonte: Arquivos das autoras, 2021.
Os licenciandos L4, L6 e L9 indicaram que não fariam modificações no planejamento de suas sequências didáticas, em caso de reaplicá-las com outro grupo de estudantes. De acordo com L4: “Acho que a abordagem que eu utilizei pode ser usada com as demais faixas etárias, uma vez que as Histórias em Quadrinhos são apreciadas também pelos jovens e adultos”.
Em uma possível reaplicação para outra turma de estudante, L1 apontou a necessidades de maior participação de outros professores em sua proposta, o que tornaria as aulas mais interessantes e participativas. Shaw (2018) tratou sobre o trabalho individualista do professor, assim como a falta de vontade de participar de trabalhos coletivos, esses apontados como problemas comuns à consecução de projetos interdisciplinares.
O licenciando L2 foi o que demonstrou mais interesse em concretizar modificações em seu planejamento:
[...] inicialmente em relação à explanação sobre o projeto para a comunidade escolar, pais e demais professores. Modificaria as reuniões e os prazos que estipularia aos alunos. Buscaria disponibilizar mais recursos de pesquisa aos alunos (L2).
L2 apontou ajustes relacionados à divulgação da proposta, para propiciar mais engajamento da comunidade intraescolar e extraescolar, reorganização do tempo escolar e disponibilização de recursos. Tempo escolar, falta de recursos e precariedade no envolvimento foram obstáculos encontrados no desenvolvimento de atividades interdisciplinares no estudo de Shaw e Rocha (2017). Nessa pesquisa, o caso investigado não apontou para efetivação da interdisciplinaridade, mas a experiência contribuiu para a formação das estudantes de licenciatura participantes, no que tange à aquisição de saberes da docência.
L3 e L5 assinalaram a necessidade de ajustes nos planos de aulas, buscando atenderem à realidade de cada turma, além da escolha de metodologias motivadoras para tornarem as atividades didático-pedagógicas atraentes e, desse modo, incentivarem a participação dos discentes. Os participantes L7 e L8 também afirmaram que buscariam tornar suas sequências didáticas mais atrativas, para que houvesse maior participação dos estudantes.
Basso e Abrahão (2018) destacaram a importância da diversificação de práticas de ensino, de modo a atingir a heterogeneidade de estudantes. Segundo os mesmos, essa diversificação permite o ajuste do ensino a diferentes formas de autorregulação da aprendizagem de estudantes, o que pode contribuir na motivação deles. Para esses autores, o ensino interdisciplinar pode propiciar esse movimento de autorregulação (BASSO; ABRAHÃO, 2018).
3) Desafios e dificuldades
A terceira categoria, Desafios e Dificuldades, tratou de enfrentamentos encontrados pelos licenciandos no processo de planejamento e de execução de sua sequência didática (conforme subcategorias apresentadas no quadro 4).
Quadro 4 – Categoria 3. Desafios e dificuldades e suas subcategorias.
CATEGORIA |
SUBCATEGORIAS |
RESPONDENTES |
Desafios e dificuldades |
Ajuste no tempo escolar |
L1, L4 e L5 |
Baixa frequência dos estudantes |
L7 |
|
Disponibilidade de Tempo para planejamento |
L2, L3 |
|
Engajamento dos estudantes |
L1, L2; L7 |
|
Entendimento da proposta pelos estudantes |
L6 |
|
Falta de colaboração docente |
L4 |
|
Falta de recursos |
L2, L6 |
|
Inserção no currículo escolar |
L1, L3 |
|
Interrelação disciplinar |
L4 |
|
Problemas pessoais |
L3 |
Fonte: Arquivos dos autores, 2021.
Apesar de existirem trabalhos publicados sobre a interdisciplinaridade no ensino e seus desafios (SHAW; ROCHA, 2019), ainda existem muitos entraves em trabalhar de forma interdisciplinar. Ajustar a proposta ao tempo escolar foi uma dessas dificuldades, como relatado por L1, L4 e L5.
O participante L1 apontou a dificuldade de inserir assuntos importantes para o desenvolvimento da sequência didática interdisciplinar à programação curricular já prevista para a turma. Para L1, que trabalhou sobre o Bioma Caatinga, com uma turma de oitavo ano, foi difícil organizar as aulas de sua sequência didática no horário programado para aulas de Ciências e nos horários de outras disciplinas envolvidas. Segundo o mesmo, isso aconteceu por causa do curto tempo escolar disponível para cumprir o cronograma de conteúdos previstos para a disciplina, além de outros assuntos não programados inicialmente.
O licenciando L4 também mencionou o escasso tempo de aulas, trazendo entraves à execução da sequência: “Acredito que a maior dificuldade foi o tempo de aplicação da mesma, pois, a sequência foi realizada em um período em que ocorreram muitos projetos escolares (L5).
Shaw e Rocha (2019) trataram, dentre problemas encontrados para realização de atividades interdisciplinares, da interferência de outros órgãos da educação nos projetos escolares. Nesse estudo, professores mencionaram que, além de o tempo escolar ser curto, tanto para trabalhar conteúdos da disciplina, quanto para planejamento de proposta interdisciplinar, há excesso de conteúdos curriculares a ser trabalhados, o que se embaraça com projetos pedagógicos exigidos por órgão superiores de educação. Essa dificuldade de disponibilização de tempo também foi evidenciada por L2 e L3, que indicaram o curto tempo para aulas para o planejamento e organização de suas propostas, considerando, ainda, suas atividades acadêmicas.
Já a licencianda L3 mencionou que um de seus problemas foram questões pessoais, além de a mesma ter sentido dificuldade de integrar os conteúdos de Ciências com assuntos de outras disciplinas:
Outra dificuldade encontrada foi o tempo [para] trabalhar de forma interdisciplinar, [o que] requer muito mais tempo e dedicação, pois é necessário estar seguro e entender bem do assunto para trabalhar o mesmo assunto sob a perspectiva de duas ou mais disciplinas e trabalhar as mesmas de forma igual, sem dar mais ênfase a uma ou à outra (L3, grifos nossos).
A realização de uma atividade interdisciplinar requer tempo para planejamento, como qualquer atividade pedagógica a ser desenvolvida em escolas (SHAW, 2018). Ainda, o exercício da interdisciplinaridade no ensino é uma atividade artesanal, que depende do engajamento e da criatividade dos participantes, além do tempo (SHAW; ROCHA, 2018).
Desafios e dificuldades encontradas por licenciandos em lidar com práticas interdisciplinares ocorrem, muitas vezes, como reflexos de fragilidades nos cursos de formação, que muitas vezes não os preparam para enfrentarem problemas do cotidiano escolar. Para esses enfrentamentos, deve-se investir na formação de professores pesquisadores, reflexivos, com capacidade de pensar e repensar sobre práticas inovadoras e solucionadoras de problemas (SANTOS et al., 2019).
Essas habilidades devem ser trabalhadas durante a formação de professores, tanto inicial quanto continuada. Para isso, a formação interdisciplinar e baseada na pesquisa no ensino pode contribuir com o processo de formação de professores de ciências (SHAW; ROCHA, 2017). O que nos leva a refletir nas grandes lacunas e fragilidades que possui a formação dos professores (FERREIRA; MUENCHEN; AULER, 2019).
A falta de engajamento dos estudantes das escolas no início das ações foi dificuldade relatada pelos licenciandos L1, L2 e L7. Salienta-se que esse problema se referiu a dificuldades de adaptação desses discentes às propostas diferenciadas, distantes do ensino mais expositivo e com base na memorização, ao qual estavam acostumados.
L6 relatou a dificuldade encontrada, inicialmente, de os discentes compreenderem sua proposta, além da falta de recursos na escola, que acabaram dificultando a aplicação de algumas ações. A falta de recursos é algo muito real em escolas pública e, talvez, essa indisponibilidade force os professores a trabalharem seus conteúdos de modo expositivo/transmissivo.
Esse problema foi mencionado em caso estudado por Shaw e Rocha (2017) no qual, apesar da legitimidade do problema, eles consideram que estudantes de licenciatura deveriam ser mais flexíveis na resolução desse tipo de questão. Eles ainda apontaram que a precariedade de condições de trabalho também é justificada por muitos docentes para o baixo desempenho de estudantes (SHAW; ROCHA, 2017).
Outra questão envolvida é o fato de propostas interdisciplinares não fazerem parte, comumente, de projetos de cursos de formação inicial, dada a precariedade da formação de professores formadores no que tange à interdisciplinaridade. Esse fato reverbera na disseminação contínua de lacunas e fragilidades na formação dos professores (FERREIRA; MUENCHEN; AULER, 2019; SANTOS et. al, 2019).
Considerações
A investigação de reflexões e de desafios de licenciandos de ciências da natureza no desenvolvimento de sequências didáticas potencialmente interdisciplinares, durante sua residência pedagógica, levou ao conhecimento dessas ações, à análise de suas reflexões e à identificação de desafios e dificuldades encontradas.
Quanto às ações, observou-se que houve uma diversificação metodológica nas propostas, que buscou promover participação ativa dos estudantes nas aulas, envolvendo atividades tais como pesquisas, modelagem, produção de histórias em quadrinhos, produção de cordéis e xilogravuras, reciclagem, criação de PodQuest, dentro outros.
Os dados analisados permitiram sugerir que o licenciando L4 tenha efetivado a interdisciplinaridade no ensino e que a licencianda L5 possa tê-lo feito. Além disso, L3 conseguiu integrar disciplinas Ciências, Artes e Geografia em seu trabalho.
As reflexões dos participantes foram pautadas em possibilidades de mudanças em seu planejamento didático a partir das experiências vivenciadas. As mudanças mais comentadas a ser implementadas foram: estimular a interação com professores e/ou comunidade escolar/pais, reorganização do tempo escolar e tornar as atividades mais atrativas por meio de metodologias mais motivadoras.
Quanto a desafios e dificuldades identificados verificou-se que problemas com tempo escolar e com a falta engajamento de estudantes foram os mais evidenciados. Problemas tais como falta de recursos pedagógicos, baixa frequência dos estudantes nas aulas, falta de colaboração de professores e dificuldades no entendimento das propostas também foram mencionados. Somente um licenciando apontou o exercício da interrelação disciplinar como desafiador.
O estudo teve limitações no que tange à abrangência de fontes analisadas. Devido à disponibilidade de fontes e ao tempo disposto à pesquisa, não foi possível explorar as práticas desenvolvidas pelos licenciandos a ponto de classificá-las como interdisciplinares ou não. Contudo, pesa-se que esse não foi objetivo elencado na proposta, o que possibilita margem ao aprofundamento da análise por meio da avaliação de novos dados.
Mesmo com suas limitações, a pesquisa propiciou contribuições a estudos sobre interdisciplinaridade e formação de professores, no que tange à conhecimento de ações, reflexões de estudantes de licenciatura em processo formativo e desafios da interdisciplinaridade no ensino.
Apesar de dificuldades em trabalhar de forma interdisciplinar, é importante que professores de ciências invistam nessa abordagem e utilizem práticas pedagógicas que propiciem a participação ativa de cada estudante. Essas ações podem favorecer ao indivíduo o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades de resolução de problemas, decorrentes da complexidade da realidade.
Agradecimentos
A CAPES (pelo Programa de Residência Pedagógica), ao CNPQ e à Pró- reitoria de pesquisa da UNIVASF.
Referências
AUGUSTO, Thaís Gimenez da Silva; CALDEIRA, Ana Maria de Andrade. Dificuldades para a implantação de práticas interdisciplinares em escolas estaduais, apontadas por professores da área de ciências da natureza. Investigações em Ensino de Ciências, v. 12, n.1, p.139-154, 2007.
BASSO, Fabiane Puntel; ABRAHAO, Maria Helena Menna Barreto: Atividades de ensino que desenvolvem a autorregulação da aprendizagem. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 495-512, abr./jun. 2018.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011, 229 p.
DELIZOICOV, Demétrio; ANGOTTI, José; PERNAMBUCO, Marta. Ensino de ciências fundamentos e métodos. 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2009, p. 29-42, p. 113-154.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: qual o sentido? São Paulo: Paulus, 2006.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes; VARELLA, Ana Maria Ramos Sanchez; ALMEIDA, Telma Teixeira de Oliveira. Interdisciplinaridade: Tempos, Espaços, Proposições. Revista e-Curriculum, São Paulo, v.3, n.11, set./dez., 2013.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: didática e prática de ensino. Interdisciplinaridade, v. 1, p. 9-17, 2015.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia? São Paulo: Edições Loyola, 2011.
FEISTEL, Roseli Adriana Blümke.; MAESTRELLI, Sylvia Regina Pedrosa. Interdisciplinaridade na formação de professores de ciências naturais e matemática: algumas reflexões. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, Anais... Florianópolis, 2009. 1 CD-ROM.
FERREIRA, MARINÊS VERÔNICA; MUENCHEN, CRISTIANE; AULER, DÉCIO. Desafios e potencialidades em intervenções curriculares na perspectiva da abordagem temática. Revista Ensaio - Belo Horizonte - v.21 - e10499 – 2019.
JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e Patologia do Saber. Rio de Janeiro: Imago Editora LTDA., 1976.
GODOY, Arilda Schmidt. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. RAE - Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 57-63, 1995.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: A pedagogia crítico-social dos conteúdos. Edições Loyola, São Paulo. 2002.
MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999.
PRAIA, João Felix; CACHAPUZ, António Francisco Carrelhas; GIL-PÉREZ, Daniel. Problema, teoria e observação em ciência: para uma reorientação epistemológica da educação em ciência. Ciência & Educação, v. 8, n.1, p.127-145, 2002.
SANTOS, Armando Gil Ferreira et al. A formação de professores de ciências na perspectiva interdisciplinar sobre a flutuação para vida no planeta: pelos caminhos da co-docência. Revista Ensaio, Belo Horizonte, v.21, p. 1- 20, 2019.
SHAW, Gisele Soares Lemos. Dificuldades da interdisciplinaridade no ensino em escolas públicas e privadas: Com a palavra, os educadores. Revista Cenas Educacionais, Caetité, v. 1, n.1, p 19 – 40, jan/jun., 2018.
SHAW, Gisele Soares Lemos; ROCHA, João Batista Teixeira. Tentativa de construção de uma prática docente interdisciplinar em ciências. Experiências em Ensino de Ciências – V12, No. 1, p. 95 – 133, 2017.
SHAW, Gisele Soares Lemos; ROCHA, João Batista Teixeira. Os sentidos da interdisciplinaridade através dos olhares de licenciandas em ciências da natureza: Uma experiência no estágio. Ensino, Saúde e Ambiente, v. 11, p.1, p.13-35, abril, 2018.
SHAW, Gisele Soares Lemos; ROCHA, J. B. T. Visões de professores e estudantes de licenciatura e os desafios da interdisciplinaridade no ensino de ciências. Vidya, Santa Maria, v. 39, n. 1, p. 73-89, jan./jun., 2019.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda., 1998.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)
Notas
1O PodQuest é um arquivo em áudio ou vídeo digital a partir do qual pode-se discutir temáticas específicas. Ver mais em https://novaescola.org.br/conteudo/18378/chegou-a-hora-de-inserir-o-podcast-na-sua-aula, acesso em 19, maio, 2021.
² Destaca-se a palavra descoberta, amplamente utilizada, apesar de atualmente ser inadequada para uso, quando se refere à ciência ou a conhecimentos científicos. O uso dessa palavra para expressar que determinado conhecimento científico foi produzido remete à ideia empírico-indutivista de que o conhecimento está pronto na natureza, porém coberto, e que cabe ao cientista descobri-lo através do uso do método científico. Com o advento da Filosofia da ciência, no século XX, essas ideias, de conhecimento pronto, sobre o individualismo na ciência e sobre o uso de um único método científico, passaram a ser entendidas como errôneas. Ver PRAIA, J. F; CACHAPUZ, A. F. C.; GIL-PÉREZ, D. Problema, teoria e observação em ciência: para uma reorientação epistemológica da educação em ciência. Ciência & Educação, v. 8, n.1, p.127-145, 2002.