Os conteúdos da Climatologia Geográfica na Educação Básica: análise de três escolas públicas na cidade de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul
The contents of Geographic Climatology in Basic Education: an analysis of three public schools in the city of Três Lagoas, in the state of Mato Grosso do Sul
Ruth Helena Marquezani Rocha
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil
ruthhmrocha@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-0568-3539
Mauro Henrique Soares da Silva
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil
mauro.soares@ufms.br - https://orcid.org/0000-0001-7710-3153
Recebido em 26 de junho de 2021
Aprovado em 09 de outubro de 2022
Publicado em 04 de maio de 2023
RESUMO
Esta pesquisa teve o objetivo de analisar como os conteúdos de Climatologia Geográfica são recomendados nos principais documentos oficiais basilares da Educação, que regem o ensino de Geografia Escolar em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, sendo eles: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul. Além disso, analisou os conteúdos de Climatologia efetuados no ensino de Geografia em três escolas estaduais na cidade de Três Lagoas. A metodologia se deu por meio da análise dos documentos e da sistematização dos conteúdos inerentes à Climatologia identificados. Em seguida, foram analisados 392 planos de ensino de docentes de três escolas estaduais adquiridos junto à Coordenadoria Regional de Educação. Os resultados mostram que, nos PCNs, os conteúdos de Climatologia são apontados em todos os anos seriais do Ensino Fundamental, porém, no Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul, apenas no 6° e 8° ano. Já na BNCC, a Climatologia é abordada no 6°, 8° e 9° ano. Quanto aos planos, menos de 10% dos documentos analisados abordaram conteúdos de Climatologia, e, em uma das escolas, os conteúdos de Climatologia não estão presentes. Contudo, a pesquisa revela uma carência dos conteúdos de Climatologia, tanto nos documentos basilares da educação quanto na prática docente.
Palavras-chave: Currículo; Ensino; Climatologia Geográfica.
ABSTRACT
This study aimed to analyze how the contents of Geographic Climatology are recommended in the main basic official documents of Education, which govern the teaching of School Geography in Três Lagoas, in the state of Mato Grosso do Sul, Brazil namely: the National Curricular Parameters (NCPs), the National Common Curricular Base (NCCB), and the Curricular Reference of the Mato Grosso do Sul State Education Network. Additionally, it analyzed the Climatology contents carried delivered the teaching of Geography in three state schools in the city of Três Lagoas. The methodology was carried out through the analysis of documents and systematization of contents inherent in the identified Climatology. Then, 392 teaching plans of teachers from three state schools acquired from the Regional Education Coordinator’s Office were analyzed. The results show that in the PCNs the Climatology contents are indicated in all grades of Primary School, but in the Curricular Reference of the State Education Network of Mato Grosso do Sul, only in the 6th and 8th grade. In the BNCC, Climatology is addressed in the 6th, 8th and 9th year. As for the plans, less than 10% of the analyzed documents addressed Climatology contents, and, in one of the schools, Climatology contents are not present. Nevertheless, the study reveals a lack of Climatology contents, both in the basic documents of education and in teaching practice.
Keywords: Curriculum; Teaching; Geographic Climatology.
Introdução
O ensino de Geografia é essencial para a formação escolar, visto que os conteúdos dessa disciplina objetivam formar cidadãos que compreendam o mundo e as alterações que acontecem em seu cotidiano, permitindo ser parte dos processos, e não um mero observador. Entende-se, assim, que o ensino de Geografia serve
[...] principalmente para a formação de um sujeito consciente de seu espaço de vivência seja em pequena ou grande escala. A partir do conhecimento geográfico, o sujeito vai não somente conhecer o espaço onde está inserido, como também vai entender suas transformações físicas e sociais, podendo discernir onde essas transformações têm interferências humanas ou naturais. (GOMES E SACRAMENTO, 2018, p. 887).
A partir dessa afirmação, é possível considerar que o ensino de Geografia é essencial na formação de qualquer pessoa, pois ajuda a entender como as relações sociais e de poder acontecem, assim como os modos em que o ser humano altera a natureza, e como a natureza influencia no cotidiano. Consequentemente, o sujeito se torna consciente do espaço de vivência e agente transformador dos espaços do mundo.
Porém, o ensino de Geografia tem enfrentado dificuldades, principalmente quando analisados os recursos didáticos disponíveis para os professores. O material mais utilizado por eles, segundo Roldão (2014), são os livros didáticos, os quais possuem deficiências no suporte ao ensino de conteúdos de Geografia, gerando fragilidades no processo de ensino-aprendizagem diante de situações que vão para além de questões de recursos didáticos. Sobre isso, Silva et al. (2014) afirmam que, com o alto nível de abstração que os currículos de Geografia chegam à escola, tornam-se de difícil compreensão por parte dos alunos, sendo necessário que os professores busquem meios de torná-los mais concretos, trazendo para a realidade dos estudantes os conteúdos ensinados.
Dentre os conteúdos da Geografia Escolar, ressaltam-se aqui os estudos de Climatologia, que iniciaram na Meteorologia, tendo como objeto de estudo os fenômenos atmosféricos, e, ao longo do tempo, passaram a ser parte dos estudos geográficos, nos quais o ser humano é inserido em suas análises, trabalhando a espacialização dos fenômenos atmosféricos a partir da relação estabelecida entre sociedade e natureza. Sobre o estudo do clima, Ferreira (2012) acentua que, sob uma concepção geográfica, ele tem uma conotação antropocêntrica, possuindo, portanto, uma singularidade em relação à Meteorologia, procurando estabelecer, assim, uma relação sociedade-natureza por integrar as diferentes esferas terrestres, visando uma compreensão da organização do espaço e contendo, no estudo do clima, um vetor de grande relevância nas análises espaciais.
O objetivo desta pesquisa foi analisar os referenciais da Educação Básica no Brasil (PCNs e BNCC), além do documento oficial basilar do estado de Mato Grosso do Sul (Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul), e, a partir disso, identificar os conteúdos de Climatologia efetuados no ensino de Geografia na cidade de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, averiguando a coerência entre os conteúdos aplicados e os sugeridos nos documentos basilares.
2. Metodologia
Inicialmente, foi realizado um levantamento bibliográfico, de modo a dar embasamento teórico para as discussões realizadas neste trabalho, com base em artigos científicos, livros, teses, dissertações e sites.
Após o levantamento bibliográfico, ocorreu a análise dos documentos basilares: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul e Base Nacional Comum Curricular (BNCC), conforme o Quadro 1.
Quadro1 – Detalhamento dos documentos analisados
Documento |
Referência |
Foco de Análise |
Páginas |
PCNs |
Brasil (1998) |
Parte 2 – 3º e 4º ciclo |
51 a 131 |
BNCC |
Brasil (2018) |
Geografia no Ensino Fundamental – Anos Finais |
367 a 395 |
Referencial Curricular do MS |
Mato Grosso do Sul (2013) |
Geografia – Quinto ao Nono ano |
335 a 345 |
Fonte: a autores (2021)
Fischer e Loponter (2020) afirmam os documentos que dizem o que deve ser ensinado e como, o que saber fazer e como fazer, encontramse descritas e detalhadas, especialmente na nova Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil e da Educação Básica (BNCC).podendo citar ainda os currículos escolares, os regimentos e os projetos políticos-pedagógicos (PPP), sendo que tais documentos, de acordo com esses autores, reforçam a ideia de um processo com etapas muito bem definidas, em que se objetiva chegar a um fim comumente tratado em termos de conhecimento, habilidades, atitudes ou competências.
Conforme afirma Girotto (2017), os PCNs se tornaram oficiais no início de 1990, sendo parte de uma série de reformas na educação. Portanto, como primeiro documento a ser elaborado para a identificação dos conteúdos a serem trabalhados nos anos escolares, partiu-se dele para discorrer sobre mudanças que aconteceram com o ensino de Climatologia ao longo dos anos.
Assim como os PCNs, a BNCC foi instituída pela lei, segundo “§ 1º do Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996)”, sendo que já estava prevista nas discussões deste documento oficial, o qual explanava a necessidade de criar um documento com conteúdos mínimos que promovessem uma igualdade no acesso educacional (BRASIL, 1996). A BNCC, por sua vez, teve sua versão final publicada em 2018, após inúmeras polêmicas quanto às mudanças apresentadas em relação aos PCNs.
A elaboração do Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul ocorreu, como previsto nos documentos nacionais, a partir das informações presentes nos PCNs, a fim de estruturar os conteúdos de acordo com as especificidades geográficas locais, conforme a demanda de ensino para cada ano escolar no estado.
Dessa forma, com a investigação dos documentos mencionados, foi realizada a elaboração de três quadros, sendo um para cada documento, com a sistematização das informações encontradas referentes ao ensino de Climatologia, tornando possível a discussão e análise comparativa delas.
Em um terceiro momento, após identificada a posição serial dos conteúdos ligados à Climatologia Geográfica nos documentos basilares, foram analisados planos de ensino de Geografia dos anos escolares do Ensino Fundamental referentes aos anos de 2018 e 2019, com o objetivo de verificar se, no ensino de Geografia aplicado na cidade de Três Lagoas, foi abordado, nesses dois anos, os conteúdos de Climatologia Geográfica sugeridos nos documentos basilares para o ensino.
Essa etapa foi pautada nas considerações de Mello e Zanchetta (2015), que afirmam que “o planejamento de ensino não pode ser compreendido de maneira desvinculada da realidade concreta, onde ocorre o processo de ensino-aprendizagem”. Sendo assim, analisou-se o modo como foram elaborados os planos de aula para compreender se há, de fato, preocupação com trazer para a realidade dos alunos os conteúdos de Climatologia com enfoque no cotidiano ou na realidade local do discente.
Os planos de ensino examinados foram adquiridos junto à Secretaria Municipal de Educação de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, a qual disponibilizou documentos de três escolas estaduais, escolhidas para terem seus planos analisados por serem instituições com vínculos com projetos e ações promovidos pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sendo elas: Escola Estadual Edwards Correa e Souza, Escola Estadual Afonso Pena e Escola Estadual João Magiano Pinto.
3. Resultado e Discussão
3.1 - A Climatologia Geográfica nos Documentos Referenciais para o Ensino Básico
Como primeiros resultados, evidenciou-se que, nos PCNs, na parte direcionada à Geografia, foram identificados conteúdos diretamente voltados à temática do clima, além da possibilidade de trabalhá-la a partir da sua correlação com outros temas (Quadro 2).
No entanto, destaca-se que, dos conteúdos apresentados para a área de Geografia nos ciclos 3 e 4, presentes nesse documento, apenas 5% estão ligados à Climatologia Geográfica, sendo que, para o 3º ciclo, dos 80 itens, 8 estão ligados às temáticas da Climatologia, enquanto, no 4º ciclo, dos 101 itens apontados como conteúdos geográficos, apenas 2 se interligam diretamente à Climatologia Geográfica.
Quadro 2 – Identificação de Conteúdos de Climatologia Geográfica nos Parâmetros Curriculares Nacionais
CICLO |
EIXOS |
TEMAS |
ITENS |
3° |
Eixo 1 A GEOGRAFIA COMO UMA POSSIBILIDADE DE LEITURA E COMPREENSÃO DO MUNDO |
1 - A construção do espaço: os territórios e os lugares (o tempo da sociedade e o tempo da natureza) |
1 - O ambiente natural e a diversidade das paisagens agrárias no mundo: da coleta nas florestas à irrigação nas áreas semiáridas e desérticas |
Eixo 2 O ESTUDO DA NATUREZA E SUA IMPORTÂNCIA PARA O HOMEM |
2 - Os fenômenos naturais, sua regularidade e possibilidade de previsão pelo homem |
1 - As águas e o clima |
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2 - Circulação atmosférica e estações do ano |
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3 - Clima do Brasil: como os diferentes tipos de clima afetam as diferentes regiões |
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4 - O clima no cotidiano das pessoas |
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5 - As cidades e as alterações climáticas |
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6 - As florestas e sua interação com o clima |
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7 - Previsão do tempo e clima |
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Eixo 4 A CARTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO NA APROXIMAÇÃO DOS LUGARES E DO MUNDO |
1 - Da alfabetização cartográfica à leitura crítica e mapeamento consciente
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1 - A utilização de diferentes tipos de mapas: mapas de itinerário, turísticos, climáticos, relevo, vegetação etc.
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4º |
Eixo 3 MODERNIZAÇÃO, MODOS DE VIDA E A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL |
3 - Ambiente urbano, indústria e modo de vida |
1 - Ritmo urbano: a poluição e qualidade de vida 2 - A poluição do ar e o clima urbano 3 - Espaços livres e paisagens urbanas: áreas verdes nas cidades 4 - Ilhas térmicas no ambiente urbano |
Fonte: Parâmetros Curriculares Nacionais (2013)
No documento acima, no 6° ano, são discutidas as transformações da paisagem diante da construção do espaço, com a compreensão de que os mecanismos do clima, de vegetação, dos solos e do relevo precisam estar comprometidos com uma visão metodológica do significado dos processos naturais, com diferentes formas da sociedade se apropriar de seus recursos. No tema desse ano escolar, a menção à construção do espaço, focando nos conceitos de territórios e os lugares, permite, considerando o item 1 do referido tema, abordar preceitos da Climatologia Geográfica ligados às relações do homem do campo com os elementos e fatores do clima, bem como a dinâmica das paisagens agrárias e sua relação com os aspectos climáticos.
No eixo 2, ainda no 6° ano, são trabalhados, em seu tema, os fenômenos naturais e a regularidade com que eles acontecem, permitindo que o homem possa prevê-los. Um exemplo são os fenômenos de grande e curta duração, que ocorrem a partir das mudanças climáticas e das estações do ano, promovendo diferentes tipos de precipitação, dando exemplos da caracterização dos fenômenos atmosféricos, dos diferentes tipos de precipitação e de mudanças climáticas de longa duração. Além disso, observa-se, ainda, a existência de 7 itens com discussões acerca das previsões dos fenômenos naturais pelos seres humanos diante da observação das sucessões que acontecem nas mudanças de tempo e de clima a partir das estações do ano, possibilitando discutir a ocorrência de certos fenômenos naturais. Isso garante que os alunos reconheçam a sucessão de estações do ano como uma necessidade para a organização de áreas sociais em questões cotidianas e, ainda, que entendam a ocorrência de certos fenômenos naturais que geram consequências consideradas catastróficas, como a formação de furacões, inundações, entre outros.
No 7° ano, é identificada a proposta da utilização de mapas na explicação de fenômenos climáticos, além de diferenciar relevo de vegetação, sendo mapas itinerários, turísticos etc. (BRASIL, 1998, p. 80). Logo, observa-se um duplo processo de aprendizagem, onde se objetiva ensinar Cartografia associada com os diferentes elementos naturais, tornando possível trabalhar aspectos do clima, a atuação dos fenômenos atmosféricos, entre outras formas e assuntos, colocando o ensino da Cartografia como instrumento de aproximação dos lugares e do mundo atrelado ao ensino de Climatologia por meio da utilização de mapas de diferentes lugares, de modo a diferenciá-los, além de associá-los à distribuição regional.
O último item do documento, referente ao 9° ano, está associado ao ensino de Climatologia, sendo que, neste, apenas o eixo 3 possibilita diretamente o trabalho com conteúdos da Climatologia Geográfica, uma vez que trata-se das mudanças climáticas a partir do urbano, mediante a poluição do ar e do clima, discorrendo sobre os problemas ambientais diante da modernização, que modificam o modo de vida dos seres humanos.
Contudo, observa-se que, nos PCNs, os conteúdos orientados para o ensino de Climatologia Geográfica estão concentrados no 3º ciclo, os quais, de acordo com as referências do próprio documento, relacionam-se aos atuais 6º e 7º anos seriados no Ensino Fundamental, sendo que apenas um tema do eixo 3, no 4º ciclo, refere-se às atuais séries do 8º e 9º ano.
Cruz (2017, p. 30) afirma que os PCNs possuem competências e habilidades que são destinadas a permitir a formação de cidadãos conscientes da sua realidade espacial, proporcionando que eles compreendam a relação entre a sociedade e a natureza. Essa aproximação é uma das premissas da Climatologia Geográfica, a qual trabalha a compreensão da dinâmica do clima nas escalas inferiores, ou seja, que permite entender a relação de tais elementos com o cotidiano do homem e vice-versa.
Por sua vez, Fortuna (2010, p. 78) afirma que o referido documento valoriza a pedagogia do explicar e compreender as interações entre a sociedade e a natureza de forma processual, lidando com as diversas escalas espaciais e temporais, definindo cada uma delas e realizando a comparação entre ambas, assim, não acredita na mera constatação dos fenômenos que constituem a Climatologia como forma de conhecimento. Outro ponto abordado por Fortuna sobre o ensino de Climatologia é a busca por fazer com que os alunos entendam as ações e interações realizadas pelos seres humanos “na construção das paisagens, territórios, lugares, enfim, na (re)organização espacial.” (FORTUNA, 2012, p. 78).
No entanto, Brito e Ferreira (2012) apontam criticamente as abordagens práticas relacionadas ao documento, afirmando que, de acordo com as colocações presentes nos PCNs (1998), principalmente aquelas direcionadas aos conteúdos do 6° ano referentes ao 3º ciclo, no eixo 2, o conteúdo climático é diverso, privilegiando os estudos nacionais desenvolvidos de acordo com os seguintes temas: as águas, a circulação atmosférica, “o cotidiano das pessoas”, as alterações climáticas e a “previsão do tempo e clima”. Já no 9° ano, o educador trata da modernização, do modo de vida e dos problemas ambientais, buscando construir uma compreensão do ritmo urbano, assim como o conforto ambiental, elementos diretamente proporcionais aos estudos dos impactos de doenças e ilhas térmicas urbanas.
Por sua vez, no Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul, verifica-se que, no 6° ano, os assuntos são relacionados aos aspectos e elementos do clima; já no 8° ano, ao trabalhar a regionalização da Mesoamérica, são discutidos outros conteúdos junto às questões climáticas. Assim, reconhece-se a busca por ensinar a formação do espaço geográfico a partir da correlação dos elementos.
No documento analisado, identificou-se, para os anos escolares especificados no Quadro 3, competências e habilidades que colocam o homem no processo de formação e constituição do espaço geográfico, atrelado à espacialização dos fenômenos e aspectos do clima, sendo o que os alunos precisam alcançar com a explicação e compreensão dos conteúdos. Ainda observando o Quadro 3, nota-se que cada item listado nos conteúdos pode corresponder a mais de uma competência e habilidade a ser atingida, sendo os conteúdos um meio para atingir as habilidades que permitem aos estudantes produzir e construir relações sociais.
Assim,
Os conteúdos que compõem o currículo escolar são recursos que os estudantes têm para participar ativamente da vida em sociedade e as habilidades que desenvolvem permitem-lhes agir sobre tais conteúdos. Habilidades são historicamente produzidas pelos sujeitos e constroem-se nas relações sociais; estão não só ligadas às diversas áreas do conhecimento, mas também ligadas à vida e à formação de valores imprescindíveis à convivência em sociedade. (BRASIL, 2013, p. 14).
Quadro 3 – Conteúdos de Climatologia Geográfica no Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul
Ano |
Conteúdos |
Competências e Habilidades |
6° |
- O Tempo e o Clima - Formações Vegetais - Relações entre Clima e Vegetação - Climatologia de Mato Grosso do Sul |
- Reconhecer que os fenômenos naturais têm influência no cotidiano da população; - Relacionar os climas às formações vegetais; - Localizar os principais tipos climáticos, caracterizando-os; - Compreender as alterações climáticas que ocorrem devido aos fenômenos naturais ou criadas pelo homem. |
8° |
- Regionalização da Mesoamérica: Relevo, clima, hidrografia, vegetação e mudanças ambientais |
- Identificar indicadores socioeconômicos do Subdesenvolvimento; - Analisar os índices de desenvolvimento dos países, reconhecendo as disparidades entre eles; - Diferenciar a regionalização do continente; - Relacionar o clima e a vegetação com o povoamento. |
Fonte: Mato Grosso do Sul (2013)
De forma detalhada, percebe-se que, no 6° ano, a Climatologia é trabalhada por meio de conteúdos relacionados aos aspectos físicos e aos fenômenos naturais entre si. Porém, nas competências e habilidades, observa-se a inserção do ser humano nas relações naturais, de forma a compreender a influência do clima no cotidiano do ser humano e nos demais elementos da natureza.
Já no 8° ano, no conteúdo da regionalização da Mesoamérica, ocorre a correlação entre os tipos de clima, vegetação e relevo e o processo de povoamento, tornando-se, dessa maneira, o único item das competências e habilidades associado à Climatologia Geográfica, uma vez que as demais trabalham questões sociais ou físicas da região separadamente.
Contudo, vale destacar que, de forma indireta, as possibilidades de inter-relação dos conteúdos não são descartadas, cabendo ao docente, de acordo com o apoio pedagógico oferecido pelas infraestruturas disponíveis no sistema de ensino, aplicar ou não a inter-relação desses conteúdos. Fortuna (2010) evidencia que, dentre as várias dificuldades encontradas pelo docente de Geografia, os desafios que chamam mais atenção são: a abordagem dos conteúdos da Climatologia de acordo com as suas mais recentes concepções, diante dos recursos (in)disponíveis na maioria das escolas da rede pública de Ensino Fundamental, e o esforço intelectual a ser feito para sua conotação geográfica, já que, no presente trabalho, trata-se de uma específica disciplina escolar.
Assim, observa-se que, no 6° ano, a Climatologia é trabalhada de forma detalhada, com conteúdos a serem ensinados inicialmente valorizando a compreensão da diferença entre clima e tempo, como se formam e ocorrem os fenômenos naturais, identificando quais são e os lugares onde eles atuam etc. Porém, as ações humanas são reconhecidas como possíveis causadoras de mudanças na natureza e, além disso, a forma como os fenômenos atmosféricos podem influenciar no cotidiano, possibilitando, inclusive, o trabalho com abordagens temporais mais finas em relação aos tipos de tempo (na escala diária e/ou horária).
No entanto, no 8° ano, é colocado o povoamento da Mesoamérica associado ao clima, dando destaque a outras questões a respeito do processo de regionalização, ligado a análises comparativas da Climatologia tradicional, que se referencia em médias para a classificação climática de regiões.
Desse modo, no que se refere à utilização do Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul (2013), a relação entre sociedade e natureza, presente nos conteúdos e habilidades, torna-se ainda mais relevante à medida que o ensino de Climatologia na Geografia possibilita ensinar aos alunos a reconhecer as alterações ao seu redor e a interferir na sociedade, dado que
Os Referenciais Curriculares da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul baseiam-se em princípios e prioridades de democratização, trazem reflexões e orientações metodológicas para o ensino e a aprendizagem dos estudantes, numa pluralidade contextual das áreas do conhecimento para as práticas de ensino, expondo uma visão de planejamento sistêmico e participativo a ser desenvolvido nas escolas. (Mato Grosso do Sul, 2013, p. 6).
Assim, os conteúdos do Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul possuem, em suas habilidades, questões como a de reconhecer a influência dos fenômenos naturais no cotidiano das pessoas, sendo que todos os três anos possuem ao menos uma habilidade que coloque o ser humano associado aos fenômenos naturais, tornando os conteúdos de Climatologia Geográfica possíveis de serem ensinados de forma contínua ao longo dos anos escolares do Ensino Fundamental.
Já a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) se apresenta como um documento basilar mais recente na organização da educação brasileira, por meio da necessidade de criar um conteúdo mínimo obrigatório, oferecendo igualdade no aprendizado em todas as escolas do país, estabelecendo, dessa maneira, alguns conteúdos e suas possibilidades de ensino. Apesar disso, o documento revelou apenas três abordagens com enfoque na temática dos aspectos climáticos (Quadro 4).
Quadro 4 – Conteúdos de Climatologia Geográfica na Base Nacional Comum Curricular
Ano |
Unidades Temáticas |
Objetos do Conhecimento |
Habilidades |
6° |
Natureza, ambiente e qualidade de Vida |
Atividade Humana e dinâmica Climática |
- Descrever os movimentos do planeta e sua relação com a circulação geral da atmosfera, o tempo atmosférico e os padrões climáticos; - Relacionar padrões climáticos, tipos de solo, relevo e formações vegetais. |
8°
|
Natureza, ambientes e qualidade de vida |
Diversidade ambiental e as transformações na paisagem |
- Identificar paisagens da América Latina e associá-las, por meio da cartografia, aos diferentes povos da região, com base em aspectos da Geomorfologia, da Biogeografia e da Climatologia. |
9° |
Natureza, ambientes e qualidade de vida |
Diversidade ambiental e as transformações nas paisagens na Europa, na Ásia e na Oceania |
- Identificar e comparar diferentes domínios morfoclimáticos da Europa, da Ásia e da Oceania; - Explicar as características físico-naturais e a forma de ocupação e usos da terra em diferentes regiões da Europa, da Ásia e da Oceania; - Identificar e analisar as cadeias industriais e de inovação e as consequências dos usos de recursos naturais e das diferentes fontes de energia (tais como termoelétrica, hidrelétrica, eólica e nuclear) em diferentes países. |
Fonte: Brasil (2018)
As abordagens com enfoque na Climatologia, identificadas na BNCC, referem-se aos conteúdos do 6°, 8° e 9° anos, com aspectos da Climatologia identificados em apenas uma Unidade Temática, sendo esta denominada “Natureza, ambiente e qualidade de Vida”, com distinção serial em “Atividades Humanas e Dinâmica Climática” para o 6º ano; “Diversidade Ambiental e as Transformações na Paisagem” para o 8º ano; e “Diversidade ambiental e as transformações nas paisagens na Europa, na Ásia e na Oceania” no 9º ano, abordando a escala climática regional ou mesoclimática nos três objetivos, centrada no conceito de domínios morfoclimáticos, com desdobramentos em relação às suas habilidades específicas mais ligadas ao caráter de localização geográfica.
Nas habilidades do primeiro objetivo, é trabalhado o tempo atmosférico e os padrões climáticos na perspectiva da circulação atmosférica diante dos movimentos de rotação da Terra, e, ainda, são relacionados os tipos climáticos, tipos de solo e formação vegetal. Nas habilidades do segundo objetivo, é trabalhada a Climatologia junto com aspectos da Geomorfologia e da Biogeografia por meio da Cartografia, de modo a identificar as paisagens da América Latina e de seus diferentes povos. Já no terceiro objetivo, as habilidades compreendem a regionalização climática na Europa, na Ásia e na Oceania, acentuando o caráter escalar mesoclimático e, portanto, permitindo a relação com a Cartografia, além de evidenciar a interconexão dos elementos físicos da natureza com os processos de uso da superfície nos distintos modos de produção priorizados em cada região.
Segundo Azambuja (2019, p. 3647),
Para o 6º Ano a BNCC propõe um conteúdo na direção da apropriação de conceitos e linguagens necessários para a apropriação do raciocínio geográfico. Não define uma escala geográfica específica, e sim, indica para estudo relacionado ao reconhecimento e identidade dos lugares, dos elementos físico-naturais e das alterações socioculturais ocorridas nesse meio, decorrentes da ocupação humana. É uma iniciação ao pensamento geográfico incluindo ainda elementos de alfabetização cartográfica.
Portanto, verifica-se que, desde os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) até a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ocorreu uma redução dos conteúdos no Ensino Fundamental relacionados à Climatologia, culminando em barreiras nas reflexões necessárias para a formação do pensamento geográfico.
Observa-se, assim, que os princípios do raciocínio geográfico, na BNCC, guardam pouca relação com aquilo que se considera como pensamento geográfico, segundo o ponto de vista de toda a tradição da história dessa disciplina desde que se estabeleceu como ciência no final do século XIX. Na verdade, os principais conceitos são tratados no documento a partir dos temas apresentados nas Unidades Temáticas, nos Objetos de Conhecimento e nas Habilidades, que perpassam todos os conteúdos dos Anos Iniciais e dos Anos Finais do Ensino Fundamental (MUSTAFÉ, 2019, p. 30).
Conforme Almeida (2002), os PCNs servem como uma referência para o estabelecimento de currículos de cada estado, sendo ainda aberto e flexível, contribuindo para a elaboração de conceitos durante as aulas, porém, ainda permitindo e respeitando a diversidade presente em cada realidade, não deixando de considerar as diferentes culturas e costumes de cada lugar do país. Em suma, a organização dos conteúdos de Climatologia nesse documento permitem ao docente a inserção de reflexões na escala do local, mais apropriada aos preceitos da Climatologia Geográfica, ou seja, tem como foco compreender e entender como usar os conteúdos em seu dia a dia, diante da realidade local de cada escola.
Por outro lado, a BNCC busca determinar para todos os estados do país conteúdos mínimos obrigatórios, no entanto, muitas vezes, o que é considerado essencial pode não ser relevante para uma determinada região do país. Em relação aos PCNs, os conteúdos se apresentam mais generalizados, com enfoques regionais mais acentuados na escala mesoclimática, dificultando as adaptações dos conteúdos específicos de acordo com cada demanda da escala local.
O Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul, por sua vez, apresenta uma redução dos conteúdos em relação aos PCNs, e, ainda, a concentração da distribuição desses conteúdos referentes à Climatologia para o 6° e 8° ano seriais do Ensino Fundamental, permitindo lacunas no processo de educação serial continuada. Cabe destacar que o referido documento ainda será adaptado à BNCC, o que pode implicar no empobrecimento dos conteúdos do documento, limitando o ensino e o aprendizado da Climatologia Escolar no Mato Grosso do Sul.
3.2 - O Ensino de Climatologia Geográfica em Três Lagoas
Na análise dos planos de ensino, focou-se nos documentos do Ensino Fundamental dos segmentos do 6° ao 9° ano, buscando identificar o ensino da Climatologia Geográfica na prática escolar, uma vez que, nos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1998, os conteúdos de Climatologia no Ensino Fundamental estão concentrados no 6° e 7° ano, com inferências de temáticas ligadas ao clima urbano no 8º e 9º ano; no Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul, de 2013, estão no 6° e 8°ano; e, por fim, na Base Nacional Comum Curricular, de 2018, os conteúdos de Climatologia estão dispostos no 6° e 8° ano.
Os planos de ensino analisados são de três escolas do município de Três Lagoas-MT, referentes aos anos de 2018 e 2019, sendo que, da escola Edwards Correa e Sousa, foram adquiridos 38 planos para análise; da Escola Estadual João Magiano Pinto, foram analisados 179 documentos; e, da Escola Estadual Afonso Pena, foram 122, totalizando 392 planos de ensino analisados, sendo trabalhado, do total de planos, no 6° ano, 8 turmas; no 7° ano, 11 turmas; no 8° ano, 13 turmas; e, no 9° ano, 11 turmas.
Evidencia-se que a diferença entre o número de planos das escolas validado pelo sistema e disponibilizado para a pesquisa, de acordo com informações da coordenadoria de educação do município, pode acontecer por três possíveis motivos: 1) a perda de prazo de envio dos planos, pois as escolas podem escolher se vão enviar diariamente, semanalmente, quinzenalmente ou uma vez por mês, porém, dentro do prazo escolhido por cada escola, existe um período para abrir e fechar o sistema; 2) a mudança de turmas ou escolas que um professor dá aula, pois essas mudanças geram a necessidade de um novo acesso ao sistema de envio dos planos, ou o professor perde a senha e, no prazo para enviar, ainda não tinha sido gerada uma nova; 3) o acúmulo de atividades e demandas diárias dos professores diante do número de turmas e cargas horárias que eles possuem.
Dito isso, evidencia-se aqui que a análise dos planos de ensino identificou a presença de conteúdos da Climatologia Geográfica sendo trabalhados em apenas 33 planos de ensino em todas as escolas analisadas, sendo 8 planos referentes ao planejamento dos conteúdos do 6º ano, 3 no 7° ano, 17 no 8° ano e 4 no 9° ano (Gráfico 1).
Gráfico 1: Planos de aula com conteúdos de Climatologia
Na Escola Estadual João Magiano Pinto (Jomap), em 2018, foram identificados 6 planos de ensino no 8° ano com menção a conteúdos de Climatologia; desses, 3 trabalhavam a relação do clima e da vegetação com o povoamento diante do processo de globalização e do surgimento dos blocos econômicos. Outros 2 planos discorriam sobre a relação do clima e do povoamento com a vegetação na regionalização da América Latina, e o último discutia sobre o clima e a vegetação no povoamento da América Central.
Na mesma escola, porém no ano seguinte, em 2019, foram identificados 7 planos com abordagens da Climatologia Geográfica, e, entre eles, 2 estavam no 6° ano, sendo que um trabalhava a diferença entre clima e tempo, seguida pela discussão da relação do movimento da Terra com os fenômenos atmosféricos, enquanto o outro abordava a influência dos fenômenos atmosféricos no cotidiano, de modo a explicar a diferença entre clima e vegetação.
Nessa escola, no 7° ano não foi encontrado nenhum conteúdo que deixasse claro o ensino de Climatologia. Já no 8° ano, verificou-se a existência de 3 planos com esse enfoque, dos quais 2 trabalhavam a relação do clima e da vegetação com o povoamento no processo de regionalização do continente americano, e, o terceiro, o clima e a vegetação na globalização e formação de blocos econômicos, gerando mudanças ambientais globais. Além disso, no 9° ano, foram identificados 2 planos com conteúdos de Climatologia Geográfica, sendo um sobre a Ásia e seus antecedentes históricos, relacionando clima, hidrografia e relevo, e outro sobre o espaço natural da Oceania, destacando a importância da hidrografia dentro de uma ilha de calor, e, em sequência, trabalhou ainda a questão sobre como o clima se comporta com a brisa oceânica constante.
Na Escola Estadual Afonso Pena, nos planos analisados do ano de 2018, foram identificados 10 planos que abordaram o ensino de clima; 2 estavam no 6° ano, e focaram no clima e nas formações vegetais. Além disso, sobre o tema atmosfera, no 7° ano, foram identificados 3 planos: um deles trabalhava o clima e a vegetação na região Nordeste e os outros dois trabalhavam a perspectiva da Amazônia. Já no 8° ano, foram identificados 4 planos; 2 trabalhavam a regionalização da América, relacionando o clima com o povoamento; outro discorria sobre o clima e a vegetação na regionalização do Brasil; e o último colocava na metodologia exercícios que levassem os alunos a refletirem se as pessoas pensam no clima da América do Sul. Por fim, no 9° ano, os 2 planos identificados tinham como enfoque o clima e a vegetação da África, destacando a resolução de exercícios reflexivos na metodologia e discutindo os tipos de clima da Ásia, relacionando as formações vegetais presentes no continente.
No ano seguinte, em 2019, no 6° ano, 4 planos foram identificados. Um deles associava na metodologia a classificação dos fusos horários com as faixas climáticas; os outros 3 planos discorriam sobre a relação do clima e da vegetação no conteúdo referente à atmosfera; e 2 deles diferenciavam clima e tempo. No 7° e 8° anos, não foi identificado nenhum plano de Climatologia, porém, no 9° ano, um plano foi encontrado, relacionando o clima e a vegetação com o continente africano e seus biomas.
Na Escola Estadual Edwards Correa e Souza, foram identificados, no ano de 2018, 2 planos no 8° ano. Eles trabalhavam aspectos físicos como relevo, clima, vegetação e hidrografia, relacionados diretamente com a influência no processo de povoamento do continente americano. Em suma, os 2 planos identificados não estavam trabalhando especificamente o mesmo conteúdo, pois, em um, trabalhava-se a regionalização do continente americano, e, no outro, a América Anglo-saxônica e as relações estabelecidas entre os países que a compõem.
Em 2019, foram encontrados outros 3 planos no 8° ano do Ensino Fundamental, e todos eles trabalhavam o clima, a vegetação e a hidrografia associados à regionalização da América.
Vale ressaltar que a elaboração dos planos aqui discutidos teve como base o currículo do estado de Mato Grosso do Sul, o qual foi elaborado a partir dos PCNs. Estes, por sua vez, de acordo com Steinke (2012), abordam os conteúdos de Climatologia de modo a não incentivar o ato de apenas descrever os fenômenos, mas possui como foco pedagógico trabalhar a relação entre sociedade e natureza, realizando a contextualização de modo a caracterizá-las e, assim, diferenciar uma da outra, atribuindo significados com os estudos em diferentes escalas espaciais e temporais.
Conforme Silva (2017, p. 115), os principais conceitos e aprofundamentos da Climatologia são trabalhados no Ensino Fundamental II, no 6º ano. De acordo com os PCNs (1998), para o ensino de Geografia, os conteúdos básicos da Climatologia estão inseridos no 3° ciclo do Ensino Fundamental (correspondente aos atuais 6° e 7° anos), no entanto, em nossas análises, foram identificados conteúdos de Climatologia no 4º ciclo, sendo esses diretamente ligados com as escalas de análise da Climatologia Geográfica. Além disso, no Referencial da Educação do Estado de Mato Grosso do Sul, tais conteúdos também foram encontrados sugeridos para 8º ano. Nos planos de ensino das escolas estaduais do município de Três Lagoas, no ano de 2019, não foram identificados conteúdos de Climatologia para o 7º ano em nenhuma escola analisada, e, no ano de 2018, apenas uma abordou esse tema no ensino de Geografia.
De acordo com Celestino e Fialho (2014), nos 6° e 7° anos do Ensino Fundamental, o limite cognitivo do aluno, ou seja, a capacidade de compreensão das coisas, já permite trabalhar questões mais complexas como debater questões relacionadas à Climatologia, abordando maneiras de se realizar a previsão do tempo e a influência do relevo na formação de um clima, com o objetivo de despertar nos alunos a percepção do tempo atmosférico ao seu redor.
Com a realização da análise dos resultados, identificou-se que os conteúdos de Climatologia presentes nos planos de ensino estavam em concordância com o previsto no Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul, que coloca os aspectos físicos do clima no 6° e 8° ano seriado do Ensino Fundamental e aborda questões relacionadas ao clima nas discussões sobre a colonização e o povoamento da América Anglo-saxônica. Os anos a serem trabalhados também estão de acordo com a BNCC, que prevê o seu ensino no 6° e 8° ano do Ensino Fundamental.
Observa-se, dessa forma, que, no Ensino Fundamental, os aspectos do clima são trabalhados de forma correlacionada com os elementos da natureza e a influência da ação humana, porém não deixa nítida a relevância da dinâmica climática no cotidiano.
Nos planos encontrados, o ensino de Climatologia, especificado ou citado, nos itens de habilidades ou nos conteúdos, estava, conforme destaca a BNCC, apenas no 6°, 8° e 9° ano do Ensino Fundamental. Contudo, apenas em 2018 foram identificados, na escola Afonso Pena, 3 planos que apresentavam Climatologia no 7° ano, não estando de acordo com o apresentado na BNCC.
Outro ponto da análise digno de reflexão encontra-se no 8° ano, ao trabalhar o clima abordando o conteúdo da América Anglo-saxônica, o que não é discutido nos estudos dos demais países, enfatizando questões sociais, econômicas e políticas, citando o tipo de clima de cada região, sem a preocupação de como o clima e a vegetação influenciaram no processo de povoamento, entre outras questões.
4. Considerações Finais
Os resultados permitiram observar as mudanças que ocorreram ao longo da elaboração dos documentos aqui analisados no que diz respeito aos conteúdos de Climatologia na Geografia Escolar.
No primeiro documento, os PCNs, identificou-se que o ensino de Climatologia é discutido no 6°, 7°, 8° e 9° ano do Ensino Fundamental, uma vez que há indicações de conteúdos para o 4º ciclo. Já no Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul, elaborado com o objetivo de atender às especificidades regionais, apresentam-se algumas alterações em relação ao documento anterior, uma vez que discute os conteúdos ligados à Climatologia Geográfica no 6° e no 8° ano escolar. Por sua vez, na BNCC, o documento aborda a Climatologia no 6°, 8° e 9° ano.
As mudanças evidenciadas entre os dois principais documentos – PCNs e BNCC – revelam uma redução dos conteúdos relacionados à Climatologia. Nesta última, as referências escolares são de macro e mesoclimáticas, dificultando as reflexões e inserções no âmbito do local e do cotidiano escolar. Sendo assim, torna-se ainda mais significativa a importância dos documentos regionais específicos, tais como os Referenciais Curriculares Estaduais. Porém, no caso de Mato Grosso do Sul, o documento já apresenta limitações conteudistas em relação à Climatologia Geográfica e à concentração dela em duas séries escolares, prejudicando o ensino e o aprendizado da Climatologia Geográfica Escolar de modo serial e contínuo.
Com a análise dos planos, foi possível notar que, em todas as três escolas, houve números diferentes de planos trabalhando Climatologia em número de anos do Ensino Fundamental ou em quantidades identificadas em cada um.
Contudo, as escolas analisadas apresentaram planos de ensino de Geografia compatíveis com o Referencial Curricular do Estado de Mato Grosso do Sul, concentrando os conteúdos de Climatologia no 6º e 8º ano serial, sendo que só uma das escolas ministrou conteúdos de Climatologia no 7º ano, apenas em 2018, e em outra escola analisada os conteúdos estavam aplicados apenas no 8º ano.
Esses resultados revelam, principalmente, uma carência dos conteúdos de Climatologia Geográfica no ensino de Geografia Escolar no município de Três Lagoas, sobretudo no que se refere à aplicação serial, contínua e correlacional dos conteúdos. Cabe ainda ressaltar a necessidade de aprofundamento das análises, abordando outras escolas estaduais além das municipais e privadas para se ter uma visão global do ensino de Climatologia na Geografia Escolar na cidade de Três Lagoas, no estado de Mato Grosso do Sul.
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