Escolas cívico-militarizadas no Brasil: um estado do conhecimento no Brasil

 

Civic-militarized schools in Brazil: a state of knowledge in Brazil

 

Escuelas cívico-militarizadas en Brasil: un estado del conocimiento en Brasil

 

 

Edna Mara Corrêa Miranda

Universidade de Brasília, Brasília, Brasil

ednna_mara@yahoo.com.br - https://orcid.org/0000-0002-9268-4395

 

Francisco Thiago Silva

Universidade de Brasília, Brasília, Brasil

francisco.thiago@unb.br - https://orcid.org/0000-0002-6998-2757

 

Recebido em 08 de junho de 2021

Aprovado em 09 de setembro de 2022

Publicado em 10 de julho de 2023

 

RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar um estado do conhecimento acerca das pesquisas realizadas no Brasil sobre as escolas cívico-militares. Constitui-se comodesdobramento de dissertação que investigou o currículo das escolas militarizadas no Distrito Federal defendida em maio de 2021 no Programa de pós-Graduação em Educação- Modalidade Profissional (PPGE-MP) na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília- UnB. Orientou-se em torno de dissertações e teses de mestrado e doutorado localizados nos Bancos de Teses e Dissertações dos sites Google Acadêmico, Rede Scielo, Banco de Dados da Capes – Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e um Repositório Institucional. Foram encontrados quinze trabalhos, sendo uma tese e quatorze dissertações. Constatou-se que somente as regiões centro-oeste e sudeste já realizaram pesquisas sobre a temática, evidenciando que até o presente momento poucos pesquisadores se interessaram pelo assunto. A militarização das escolas públicas demonstrou ser elemento de reflexão de campos do conhecimento que estão além da Educação, como, por exemplo, Psicologia, Ciências Sociais e Antropologia, contudo ainda não ficou constatada nas pesquisas inventariadas a celeuma da diferenciação entre instituições militares e militarizadas, ponto nevrálgico das políticas e debates para a área.

Palavras-chave: Escolas cívico-militares; Educação; Brasil.

 

ABSTRACT

This article aims to present a state of knowledge about research carried out in Brazil on civic-military schools. It is an offshoot of a dissertation that investigated the curriculum of militarized schools in the Federal District defended in May 2021 in the Graduate Program in Education- Professional Modality (PPGE-MP) at the Faculty of Education of the University of Brasília-UnB.It was oriented around dissertations and theses of master's and doctorate located in the Thesis and Dissertations Databases of google academic sites, Scielo Network, Capes Database – Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD) and an Institutional Repository. Fifteen papers were found, one thesis and fourteen dissertations. It was found that only the Midwest and Southeast regions have conducted research on the theme, showing that so far few researchers have been interested in the subject. The militarization of public schools proved to be an element of reflection of fields of knowledge that are beyond Education, such as Psychology, Social Sciences and Anthropology, however, it has not yet been verified in the inventoried researches the distinction between military and militarized institutions, a nerve point of policies and debates for the area.

Keywords: Civic-military schools; Education; Brazil.

 

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo presentar un estado de conocimiento sobre investigaciones realizadas en Brasil sobre escuelas cívico-militares. Se constituye como un despliegue de una disertación que investigó el currículo de las escuelas militarizadas del Distrito Federal defendida en mayo de 2021 en el Programa de Posgrado en Educación - Modalidad Profesional (PPGE-MP) de la Facultad de Educación de la Universidad de Brasilia - UnB . Se orientó en torno a disertaciones y tesis de maestría y doctorado ubicadas en los Bancos de Tesis y Disertaciones de los sitios web de Google Scholar, Red Scielo, Base de Datos Capes - Biblioteca Digital de Tesis y Disertaciones (BDTD) y un Repositorio Institucional. Se encontraron quince trabajos, una tesis y catorce disertaciones. Se constató que solo las regiones del Medio Oeste y Sudeste ya han realizado investigaciones sobre el tema, lo que demuestra que hasta el momento pocos investigadores se han interesado en el tema. La militarización de las escuelas públicas resultó ser un elemento de reflexión de campos del saber que están más allá de la Educación, como por ejemplo la Psicología, las Ciencias Sociales y la Antropología, sin embargo, la controversia de la diferenciación entre instituciones militares y militarizadas aún no ha sido resuelta. verificado en las encuestas, centro neurálgico de políticas y debates para la zona.

Palabras clave: Escuelas cívico-militares; Educación; Brasil.

 

Introdução

Estado da Arte ou Estado do Conhecimento é a pesquisa ou levantamento realizado em bancos de dados específicos de trabalhos acadêmicos para elencar os trabalhos produzidos anteriormente sobre o tema da pesquisa em curso ou sobre temas aproximados, propiciando que o novo trabalho se realize numa perspectiva diferenciada, evitando abordagens repetitivas. É o primeiro passo para o pesquisador se certificar de que sua proposta de estudo é um campo a ser explorado, das vertentes ainda não investigadas e daquelas que podem ser aprofundadas.

O Estado da Arte é importante para a pesquisa de maneira geral, principalmente em educação, pois abarca a análise e resultados de várias pesquisas de determinada área do conhecimento, constituindo-se, assim, como rica fonte de consulta para outros pesquisadores.

 

Uma pesquisa dessa natureza, embora seja estritamente teórica, tem muito valor ao trazer algumas pistas sobre como cada categoria foi pensada ao longo do tempo. Ao ventilar os debates das respectivas temáticas, é possível demonstrar em quais sentidos elas avançaram e quais elementos ainda podem ser explorados (BORGES; SILVA, 2018, p. 1694).

 

Este artigo tem por objetivo apresentar um estado do conhecimento acerca das pesquisas realizadas no Brasil sobre as escolas cívico-militares. Constitui capítulo de dissertação que investigou o currículo das escolas militarizadas no Distrito Federal, defendida em maio de 2021 no Programa de pós-Graduação em Educação- Modalidade Profissional (PPGE-MP)na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília- UnB. Orientou-se em torno de dissertações e teses de mestrado e doutorado localizados nos Bancos de Teses e Dissertações dos sitesGoogle Acadêmico, Rede Scielo, Banco de Dados da Capes – Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e Repositório Institucional de umauniversidade federal.

Os termos utilizados para busca foram: “currículo das escolas cívico-militares”, “escolas militarizadas”, “escolas de intervenção militar”, “escola cívico-militar”, “colégio cívico-militar”. Não foi estabelecido recorte temporal para inclusão das dissertações e teses no corpus analítico, pois constatamos que não há muitos trabalhos realizados sobre essa temática.

Foram encontrados quinze trabalhos, sendo uma tese e quatorze dissertações que foram organizados e analisados com o objetivo de identificar as seguintes categorias: “currículo”, “organização curricular” e “currículo dos colégios cívico-militares”. No banco de dados da Rede Scielo não foi encontrado nenhum trabalho (dissertação ou tese) com a temática ou tema aproximado.

Apresentamos neste trabalho as categorias já investigadas sobre o tema e em que avançaram. Foram organizadas em quadros cronológicos (por banco de dados) e sínteses destacando as problematizações das pesquisas e os resultados encontrados.

Trabalhos publicados na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)

A Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), integra os sistemas de informação de teses e dissertações existentes nas instituições de ensino e pesquisa do Brasil. Estimula o registro e a publicação de teses e dissertações em meio eletrônico. A BDTD, em parceria com as instituições brasileiras de ensino e pesquisa, possibilita que a comunidade brasileira de Ciência e Tecnologia (C&T) publique e difunda suas teses e dissertações produzidas no país e no exterior, dando maior visibilidade à produção científica nacional.

Neste banco de dados foram encontrados onze trabalhos, sendo um no programa de Psicologia e um no programa de Ciências Sociais. Os demais, todos nos programas de Educação, conforme o quadro a seguir.

 

Quadro 1 – Trabalhos ordenados por ano de publicação na BDTD/CAPES - 2011 a 2018

Instituição Ano

Trabalho/

Programa

Autor

 

 

Título

 

 

Orientador

UCG

2011

Tese

Educação

Helena Beatriz de Moura Belle

Escola de civismo e cidadania: ethos do Colégio Beta da Polícia Militar de Goiás

 

Iria Brzezinski

PUC-GO

2012

Dissertação

Educação

Sirley Aparecida de Souza

Violências e silenciamentos: a representação social do fenômeno bullying, entre jovens de uma escola militar em Goiânia

 

Maria Tereza Canezin Guimarães

UFMS

2014

Dissertação

Educação

Jefferson Gomes Nogueira

Educação militar: uma leitura da educação no sistema dos colégios militares do Brasil (SCMB)

 

Lucrécia Sringhetta Mello

UFRJ

2016

Dissertação

Psicologia

Thiago Colmenero Cunha

Paz armada na escola

 

Pedro Paulo G. de Bicalho

PUC-GO

2016

Dissertação

Educação

Rafael José da Costa Santos

A militarização da escola pública em Goiás

 

Eduardo Sugizaki

PUC-GO

2017

Dissertação

Educação

Leandra Augusta de C. Moura Cruz

Militarização das escolas públicas em Goiás: disciplina ou medo?

 

Maria do E. S. R. Cavalcante

UEG

2017

Dissertação

Educação

Nilson Pereira Bezerra

Pacto pela educação: o cumprimento da agenda neoliberal em Goiás e a militarização das escolas públicas

 

Veralúcia Pinheiro

UFSM

2017

Dissertação

Ciências Sociais

Daniel Armando Faber

Entre formação e adestramento: uma análise sociológica do habitus escolar militarizado em um colégio militar

 

 

Ricardo Mayer

PUC-GO

2018

Dissertação

Educação

Maria Eliene Lima

A educação para a cidadania e a militarização para a educação

Antonio da Silva M. Junior

UFG-GO

2018

Dissertação

Educação

Neuza Sousa Rêgo Ferreira

“Gestão militar” da escola pública em Goiás: um estudo de caso da implementação de um colégio estadual da polícia militar de Goiás em Aparecida de Goiânia

 

Miriam Fábia Alves

UFG- GO

2019

Dissertação

Educação

 

Renata Lopes Silva Ribeiro

Fundamentos e práticas do colégio da polícia militar de Catalão: entre fardas, manuais e boletins

 

Juliana P. Araújo

Fonte: Dados da pesquisa. Organizados pelos autores (2021).

 

Nenhum dos trabalhos tratou das categorias propostas: “currículo”, “organização curricular”, “currículo dos colégios cívico-militares”. Tendo como base as palavras-chave dos respectivos trabalhos, os termos mais citados foram: ensino militar, militarização, disciplina, escola pública, militarização da escola pública, cidadania e terceirização.

A preocupação dos pesquisadores girou em torno das questões comportamentais a serem difundidas aos estudantes e das políticas neoliberais aplicadas às questões educacionais. Também é possível identificar que o estado do Goiás é o que mais apresenta pesquisas na área, visto que a realidade da militarização já é prática de governo no estado há alguns anos[1].

As sínteses apresentadas a seguir foram estruturadas textualmente de forma a destacar a problematização proposta por cada trabalho e os resultados encontrados.

Belle (2011) teve por problema de pesquisa: De que modo as políticas adotadas pelo Colégio Beta da Polícia Militar de Goiás refletem nas ações pedagógicas, no contexto escolar e na formação de seus estudantes do 3º ano do Ensino Médio, para levar a efeito a concretude do lema – escola de civismo e cidadania? Os resultados mostram que a instituição escolar é vista por estudantes, pais e professores como a melhor alternativa para a formação dos que buscam o ingresso no Ensino Superior.

A pesquisa revela que a formação ofertada é propedêutica, não há preocupação de integrá-la à formação profissional; atua com privilégios e ordenamento operacional próprios, sustentada em princípios burocráticos; se declara uma escola democrática; atende as classes médias e as menos favorecidas. Constatou-se que a excelência na qualidade de ensino não se deve ao rigor disciplinar e o atendimento à hierarquia da Polícia Militar do Goiás (PMGO), mas ao corpo docente com formação compatível com as disciplinas em que atua; a quantidade e a qualidade tanto do corpo docente quanto das equipes didático-pedagógica e de apoio técnico-administrativo e de gestores; recursos financeiros e de infraestrutura acima dos padrões mínimos definidos pelas diretrizes estaduais.

Souza (2012) levantou as seguintes questões: Quais tipos de bullying estão presentes de forma mais recorrente no interior da escola? Quais as representações sociais que os jovens possuem acerca das manifestações do bullying? A disciplina rigorosa adotada pelo colégio militar seria capaz de amenizar ou mesmo erradicar este tipo de violência do espaço escolar? Seus resultados evidenciam que as práticas violentas percebidas entre os jovens por trás de uma cortina de elementos disciplinares rigorosos adotados pelos agentes pedagógicos do Colégio Militar acontecem no recôndito das salas de aula, nas mais variadas formas invisíveis de coação, o que Bourdieu chamou de violência simbólica.

Aponta que as manifestações frente ao fenômeno bullying ora são relegadas ao descaso, minimizando-se às consequências do ato violento, reduzindo esse tipo de agressão a meras brincadeiras, ora radicalizando o fato, adotando políticas e programas anti-bullying do tipo “tolerância zero” (suspensões arbitrárias, advertências verbais e escritas, com efeito meramente disciplinar, convocação dos pais ao colégio para informar as ocorrências dos fatos, o que acentua e corrobora para o aumento dos constrangimentos tanto de agressores quanto de vítimas).

Nogueira (2014) problematizou a atuação do ethos como orientação da escola militar na formação de seus alunos. Os resultados revelam que o ethos militar é trabalhado diuturnamente por meio da utilização da indumentária (farda), da padronização da aparência e do comportamento dos alunos, na distribuição dos estudantes numa complexa estrutura hierárquica e na aplicação de um rígido sistema disciplinar, tudo dentro de uma malha discursiva e simbólica que conjugam ao culto das tradições militares com técnicas de ensino eminentemente militares. Nesse processo de assimilação de preceitos atinentes ao ethos militar, o sujeito acaba defendendo os valores e princípios próprios da instituição Exército Brasileiro como se fossem seus.Todas essas práticas vão sutilmente introjetando valores militares aos indivíduos envolvidos nesse processo e esses acabam por não perceber o quanto são determinantes em seus comportamentos, discursos e visões de mundo.

Cunha (2016) tem por problematização: Como foi construída a noção de que uma política pública que institui o policiamento ostensivo nas escolas estaduais do Rio de Janeiro é a atual “solução” para o manejo de situações de conflito escolar? Sua pesquisa mostra o reforço na criminalização da pobreza, a figura do criminoso comum é materializada também no estudante de Ensino Médio da rede pública estadual de ensino do Rio de Janeiro – homem, adolescente, negro, pobre, morador de favela. A atuação do sistema de controle social produz um efeito multiplicador de vigilância sobre toda a sociedade e, sobretudo, um efeito intimidador e disciplinar sobre aqueles que estão dentro das normas, integrados diretamente aos processos produtivos.

Santos (2016) investigou a vertiginosa e recente aceleração da transferência da escola pública para a gerência da Polícia Militar, processo que vem sendo chamado pela população, pelos professores da rede pública, bem como pelos pesquisadores, de “militarização da escola pública”. Seus resultados demonstram que a análise sobre o ensino militar dos CPMG possibilita aproximá-los do Colégio Militar do Exército Brasileiro porque eles seguem uma matriz comum de educação regulada na doutrina das Forças Armadas, com a predominância da hierarquia e da disciplina, além da obediência servil aos profissionais militares.

Apesar da similaridade entre ambos, a pesquisa mostra haver pontos de distinção. Ao contrário dos Colégios Militares, que preparam jovens para a carreira militar, os CPMG não estão a serviço de formar nem estudantes para compor as Forças Armadas, nem para a carreira da Polícia Militar, entretanto, implantam valores e práticas militares no cotidiano e na formação de civis. Revela a complexidade histórica da questão militar na sociedade brasileira a partir da reflexão sobre a formação do Estado de Goiás, da Polícia Militar de Goiás e da escola pública. Expõe o enraizamento de uma concepção militar de sociedade introduzido nas instituições e na cultura da escola pública goiana que ora se encontra como terreno fértil para um sistema militar de ensino.

Cruz (2017) teve como problema de pesquisa: Será que esse novo modelo de escola pública está caminhando para o futuro que almejamos, de uma escola aberta às diversidades, ou está retrocedendo a uma visão tradicional e arcaica de educação? Seus resultados mostram que parte da sociedade foi seduzida em relação a essas escolas militares, que apresentam resultados favoráveis nas avaliações estaduais e nacionais. Aponta que esses resultados não podem ser atribuídos somente a uma gestão militar, mas às melhores condições que são oferecidas a estas escolas, ao contrário da realidade de uma escola pública “normal”. Alerta ainda, para o fato de que o processo de militarização das escolas públicas pode ser considerado uma forma contemporânea de terceirizar a educação no estado de Goiás.

Constatou que a transformação de escolas públicas em colégios da Polícia Militar, perdendo as características de instituição pública como consta na Constituição Brasileira, na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) corrobora para o processo de exclusão dos estudantes, reforçada pela cobrança de mensalidade e de uniforme, bem como por ignorar a pluralidade e subjetividade dos indivíduos. Conclui que esse processo de militarização das escolas públicas pode ser considerado uma forma contemporânea de terceirizar a educação no estado de Goiás.

Bezerra (2017) problematiza: Quais motivos levaram à adoção da gestão militar para as escolas públicas estaduais? São resultados de sua investigação: as ações do Estado, para a efetivação do Pacto pela Educação, sintonizam-se com a lógica neoliberal e as necessidades do mercado que exigem uma escola adequada aos novos padrões de acumulação econômica.

A pesquisa demonstra que diante do caráter essencialmente excludente da reforma educacional de Goiás, as propostas de melhoria apresentadas não contemplam a rede pública de educação em sua totalidade; ao invés disso, estabelece a competição como norma para deixar fora da escola milhares de crianças e jovens considerados inábeis ou sem recursos para atender às novas exigências das escolas terceirizadas. As concepções que retiram o caráter universal que a educação pública deve ter não deixam dúvidas quanto aos interesses alheios ao desenvolvimento de uma educação voltada para a formação do espírito crítico e autônomo do homem.

Faber (2017) propôs em sua pesquisa investigar a “bagagem” disposicional de indivíduos que se movimentam entre dois espaços sociais distintos de formação intelectual. Os resultados mostram que se destaca no CMSM a existência de uma “pedagogia do treinamento” que tem por função substituir um corpo despreparado por outro acostumado, habituado ou com reflexos condicionados. Por meio da ação pedagógica, os indivíduos tanto atualizam disposições prévias quanto adquirem novas disposições que passarão a ser compreendidas como evidentes, naturais, fazendo com que os agentes ajam de determinada maneira sem necessidade de lembrar explicitamente das regras que os conduzem.

A pesquisa revela que o ensino militar institucionalizado opera como uma engrenagem que legitimamente mantém os privilégios sociais de classe. Além de disfarçar formas de transmissão hereditária de capital, dando ares de meritocracia ao processo de reprodução social, a escola cumpre importante papel de convencimento da validade do discurso hegemônico pautado pela ideia de “conquista”. A dissimulação dessa transmissão de capital cultural legitimada pela escola por meio de uma suposta igualdade democrática tem papel fundamental nas estratégias de transmissão hereditária de capital, possibilitando às elites reproduzirem seus privilégios não sob a forma de hereditariedade, mas sob a aparência de meritocracia.

Lima (2018) problematiza como se processa a educação cidadã definida nos atos normativos dos Comandos de Ensino da Polícia Militar de Goiás (CEPMG), a qual apresenta como objetivo principal “formar cidadãos participativos, reflexivos e autônomos de seus direitos e obrigações”. Seus resultados mostram que o sentido formativo de cidadania que os CEPMG querem estabelecer é aquele que se molde aos valores militares, servis, patriotas, obedientes à ordem instituída e que não se insurja contra a política dominante; defende modelo de sociedade autoritário; a passividade e a alienação dos cidadãos formados nos CEPMG contribuirão para mais controle social, a perpetuação exploratória do sistema capitalista e a naturalização de injustiças e desigualdades sociais.

Ferreira (2018) parte da seguinte questão: Quais os desdobramentos deste modelo de “Gestão Militar” para a formação dos sujeitos, da qualidade da educação oferecida e da participação das famílias no processo de acompanhamento da vida escolar dos alunos atendidos nos colégios geridos pela Polícia Militar de Goiás? São resultados de seu estudo: os CEPMG contam com uma estrutura física e perfil de aluno e de famílias diferenciados das demais unidades da rede; essa política tem contribuído para transferir a responsabilidade do Estado pela manutenção do espaço físico da escola para a comunidade escolar; o repasse das Escolas Estaduais para a gestão da PM de Goiás pode ser compreendido como uma espécie de “atestado” da incapacidade dessa secretaria e, por extensão, dos professores em administrar e gerir suas próprias escolas; o projeto de implementação deste modelo de ensino e seu deslocamento para bairros chamados pela PM de “zonas quentes” ou “áreas de risco” precisa ser melhor analisado.

Revela que os alunos atendidos nesses colégios não são aqueles que mais precisariam da educação como porta de saída da criminalidade; o CEPMG acaba não atendendo aos adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social da região onde são implementados que, por não aprovarem o modelo militar ou por não se enquadrarem no mesmo, acabam se direcionando para outras regiões da cidade.

Ribeiro (2019) propõe a seguinte questão: como se constitui o pedagógico do CEPMG de Catalão? Os resultados de sua pesquisa evidenciam as influências do pensamento liberal como base para o projeto educacional que encontra lastro no processo político de privatização da educação onde a presença dos militares adiciona o formato marcado pela disciplina e pela hierarquização (que além de aceitos, são valorizados).

Demonstra que no bojo dessa sistemática emerge a redução da atuação de professores e educadores em prol de uma educação para além dos muros da escola e dos projetos futuros de adequação ao sistema, o que determina a redução da própria função da educação. Minimiza essa interpretação a observação de que o colégio estudado: é um lugar diferenciado que funciona em tempo integral; é valorizado pela comunidade; conta com recursos e parcerias, com organização e uma gestão focada em resultados expoente do pensamento neoliberal de educação. Neste sentido é uma instituição cujo projeto não coaduna com o que educadores e pesquisadores críticos esperam enquanto educação pública nacional, ou seja, aquela que promova a transformação social ou pelo menos a redução das desigualdades.

           Constatou-se a preocupação dos pesquisadores com o tipo de formação ofertada aos estudantes em consonância com a defesa da militarização das escolas públicas e a padronização do comportamento dos jovens. No entanto, o estudo do Currículo não foi considerado pelas pesquisas como parte do trabalho pedagógico que orienta as ações formativas dos educandos – o foco maior se deu nas questões comportamentais e institucionais do processo de militarização.

 

Trabalhos publicados no Banco de Dados do Google Acadêmico

Google Acadêmico é um sistema do Google que oferece ferramentas específicas para que pesquisadores busquem e encontrem literatura acadêmica como artigos científicos, teses de mestrado ou doutorado, livros, resumos, bibliotecas de pré-publicações e material produzido por organizações profissionais e acadêmicas.

Foram encontradas três dissertações. Nenhuma delas abordou o “Currículo” das escolas militarizadas. As palavras-chave destacam os termos “Polícia Militar”, “Disciplina”, “Violência”, “Militarização da escola”, “Reforma administrativa do Estado”, “Gestão Pública Compartilhada”, “Militarização escolar” e “Gestão educacional”. O quadro a seguir apresenta os resultados.

 

Quadro 2 – Trabalhos ordenados por ano de publicação- Google Acadêmico - 2016 a 2020

Instituição/ Ano

 

Trabalho/

Programa

 

Autor

 

 

Título

 

Orientador

UnB

2016

Dissertação

Antropologia Social

Nicholas Moreira Borges de Castro

“Pedagógico” e “disciplinar”: o militarismo como prática de governo na educação pública do estado de Goiás

Schoter Simião

Universidade de Taubaté

2018

Dissertação

Educação

Jefferson Fernando Ribeiro Cabral

A militarização da escola: um debate a ser enfrentado

Elisa Maria A. Brisola

UFRRJ

2020

Dissertação

Educação

Carlos Henrique Avelino Veiga

Militarização de escolas públicas no contexto da reforma gerencial do Estado

José dos Santos Souza

Fonte: Dados da pesquisa. Organizados pelos autores (2021).

 

Castro (2016) tem como questão problema: Por que o governo estadual está ampliando esse formato institucional? O que está em jogo quando a Polícia Militar se torna responsável pela administração de uma escola pública? Sua pesquisa revela que as categorias nativas “disciplinar” e “pedagógico” ganhavam sentidos dissonantes, mas complementares na construção do espaço e das relações entre os diferentes sujeitos no ambiente escolar. Noções como “disciplina”, “cidadania” e “militarização” possuem sentidos específicos nesse contexto, devendo-se considerar os símbolos e lógicas que permeiam o militarismo enquanto uma cultura institucional e uma tecnologia de poder que é ponto central na constituição de uma prática de governo voltada a repensar as bases do modelo de educação pública moderna no Brasil, visto que o militarismo é um modelo totalizante e hierárquico de manutenção de uma ordem social. Aponta que os Colégios da Polícia Militar configuram um modelo que opera tanto em nível “disciplinar” como “pedagógico”, que se entrecruzam e se dissolvem um no outro, na medida em que a disciplinarização carrega consigo uma pedagogia.

Cabral (2018) tem como questão: Qual a percepção dos profissionais da educação que convivem com a realidade da violência no ambiente escolar, em um município da Região metropolitana do Vale do Paraíba, acerca da militarização das escolas? Sua investigação mostra que não há consenso na percepção dos professores acerca da violência na sociedade e no ambiente escolar, sobretudo no que se refere ao papel da família e da escola. A violência da escola é atribuída à ausência de valores na família; percebe-se uma leitura distante da realidade vivida por muitas famílias trabalhadoras residentes nas periferias às quais sofrem processos de desemprego ou informalização/ precarização no trabalho, ao mesmo tempo em que convivem cotidianamente com a violência do tráfico de drogas e a ausência efetiva do Estado, bem como a diversidade nas formas de sua organização; observa-se contradições nas formas de compreender o fenômeno diante da complexidade da violência e da indisciplina na escola – para alguns professores a militarização da escola pode gerar mais disciplina; para outros, pode inibir a criatividade dos alunos e a socialização dos mesmos. Outros acreditam que a militarização é a solução para a indisciplina.

Veiga (2020) propõe explicar a relação entre reforma administrativa do Estado e a propagação da gestão compartilhada de escolas públicas com as corporações militares no país. Seu estudo revela que os estados brasileiros que possuem os programas educacionais mais consolidados na gestão compartilhada com instituições militares são: Goiás, Minas Gerais, Bahia, Roraima, Amazonas, Tocantins e Rondônia. Nestes, ressalta-se: o excesso de rigor na aplicação de normas e condutas sociais pautadas na ordem e disciplina militar; a cobrança de mensalidades a títulos de voluntárias; a existências de reserva de vagas; o apoio de parte da sociedade.

Mostra que a reforma gerencial do Estado, diante da perspectiva da manutenção da hegemonia burguesa, tem possibilitado a implementação de parcerias público-público e público-privadas a partir da militarização das escolas públicas como estratégia de controle social sobre as populações mais vulneráveis da sociedade por meio do uso da coerção, em detrimento da mediação e do convencimento. Para isso, utiliza-se da pedagogia militar como estratégia e encontram nos segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora o ambiente fértil para a construção do consenso em torno da ideia de que a pedagogia militar é uma alternativa de garantia do acesso ao ensino de qualidade. Revela ainda que os estados brasileiros que possuem os programas educacionais mais consolidados na gestão compartilhada com instituições militares são: Goiás, Minas Gerais, Bahia, Roraima, Amazonas, Tocantins e Rondônia; o excesso de rigor na aplicação de normas e condutas sociais pautadas na ordem e disciplina militar; a cobrança de mensalidades a títulos de voluntárias; a existência de reserva de vagas; o apoio de parte da sociedade.

A análise dos estudos mostra que foi preocupação dos pesquisadores investigar o processo de militarização das escolas públicas enquanto políticas públicas voltadas à propagação da gestão compartilhada de escolas públicas com as corporações militares no país.

 

Trabalhos publicados no Repositório Institucional da Universidade de Brasília- UnB

O repositório institucional da Universidade de Brasília é um conjunto de serviços oferecidos pela Biblioteca Central para a gestão e disseminação da produção científica da mesma. Todos os seus conteúdos estão disponíveis publicamente, e por estarem amplamente acessíveis proporcionam maior visibilidade e impacto da produção científica da instituição. Sua missão é armazenar, preservar, divulgar e dar acesso à produção científica da Universidade em formato digital. As palavras-chave revelam os termos: “Militarização do ensino”, “Gestão democrática” e “Escolas de Goiás”. O quadro a seguir apresenta o trabalho encontrado.

 

 

 

 

Quadro 3 – Trabalhos ordenados por ano de publicação -Repositório Institucional da Universidade de Brasília- UnB - 2019

Ano

 

Trabalho/

Programa

 

Autor

 

 

Título

 

Orientador

2019

Dissertação

Educação

Weslei Garcia de Paulo

Militarização do ensino no estado de Goiás: implementação de um modelo de gestão escolar

Erlando da Silva Rêses

Fonte: Dados da pesquisa. Organizados pelos autores (2021).

 

Paulo (2019) propõe analisar o processo de militarização do ensino público de escolas de Goiás, que se iniciou em 1999 e vem sendo ampliado desde meados de 2015, como ação de controle social, transformando-se em políticas públicas, afastando a gestão escolar de uma gestão democrática e implementando um modelo da cultura do medo pela imposição de normas e valorização da meritocracia e da hierarquia. Constatou que as cidades goianas em que se localizam as escolas pesquisadas possuem as mesmas características socioculturais, regiões periféricas, com alto índice de criminalidade e com ausência de políticas públicas em cultura e saneamento básico.

Mostra que os estudantes das escolas estaduais militarizadas, entregues ao controle total da Polícia Militar de Goiás, passam a usar fardas, ingressam na instituição escolar por meio de sorteio, aprendem exercícios físicos militares e possuem disciplinas e formação baseada no regime militar semelhante aos quarteis. A gestão, antes formada por professores da rede estadual, foi substituída por militares fardados e armados. O corpo de coordenação passou a ser compartilhado entre pedagógico e disciplinar, sendo o segundo formado por militares, e os docentes são proibidos de irem em assembleias e passam a usar jalecos brancos. Não existe Grêmio Estudantil ou debates coletivos. Essa política segue a agenda de um novo cenário político brasileiro onde o presidente busca aprovação da mesma medida em nível nacional, juntamente com outras ações que visam o engessamento da educação, alinhando-as a uma tendência neoliberal tecnicista, como a Escola Sem Partido e a Reforma do Ensino Médio.

Os estudos aqui apresentados apontam que poucas universidades brasileiras têm investigado a militarização; os capítulos destes trabalhos mostram que o interesse dos pesquisadores girou em torno de poucas categorias do vasto campo de investigação que esse projeto tem a revelar como, por exemplo, o currículo, as verbas destinadas ao programa, a forma de contratação dos militares e tantas outras.

Para melhor visualização, apresentamos os títulos dos capítulos dos trabalhos analisados categorizados por aproximação temática (Quadro 4).

 

Quadro 4 – Capítulos categorizados por aproximação temática

·   Contexto social e político da educação escolar Brasileira

·   Reflexão sobre a educação no Brasil para compreensão do atual cenário dos colégios militares do estado de GO

·   CPMG: os significados de um modo de governo

·   O significado social, político e cultural da escola pública sob a gestão dos militares

·   A militarização das escolas públicas: programas educacionais em desenvolvimento no país

·   Ponto de partida da pesquisa: o processo de militarização das escolas públicas como objeto de análise Revisão da literatura sobre militarização de escolas públicas

·   O processo histórico da militarização do ensino

·   A transformação de escolas públicas em escolas públicas militarizadas

·   Cultura militar, segurança pública e suas repercussões na educação básica brasileira

·   Militarização para a educação

·   Criação e implantação dos colégios militares no estado de Goiás

·   Os colégios da polícia militar em Goiás

·   Implantação de um CEPMG em Aparecida de Goiânia: análise de uma trajetória

·   Proposta da reforma na educação do estado de Goiás

·   Militares e educação em Goiás: caminhos e descaminhos

·   Juventudes e violências: construindo e ressignificando conceitos

·   Desvelando o campo escolar e seus atores jovens

·   “Apesar da vigilância e da limpeza, os alunos continuam deixando suas marcas”: discursos criminalizantes sobre a juventude escolar fluminense

·   Mídia, medo e ordem: dissensos sobre polícia, segurança e violência – reverberações na escola

·   Bullying: a miséria da violência entre jovens

·   No meio de disputas, brigas e tensionamentos: como lidamos com os conflitos no chão da escola

·   O colégio Beta da polícia militar no sistema estadual: constituição e dinâmica do projeto pedagógico

·   O pedagógico no sutil universo das relações interpessoais

·   Desvendando o ethos do colégio beta da polícia militar de Goiás

·   O caso de um habitus escolar militarizado e suas disposições

·   Impacto da gestão compartilhada com os órgãos militares nas escolas públicas brasileiras

·   A gênese do colégio da polícia militar em tempo integral nos textos orientadores

·   Militarização e elitização do estado e da escola pública

·   Formação escolar distinta

·   Educação para a cidadania

·   Rituais na construção da identidade CPMG: tensões e efeitos

·   Concepções teóricas do Estado Moderno

·   Da palmatória à polícia: genealogia das lógicas disciplinares na escola

Fonte: Dados da pesquisa. Organizados pelos autores (2021).

O próximo quadro (Quadro 5) apresenta as palavras-chave dos resumos das obras analisadas e quantas vezes foram repetidas.

 

Quadro 5 – Palavras-chave agrupadas por aproximação temática

Criminologia

Democracia e burocracia

Disposições

Psicologia

Juventude

Relações de poder

Resistência

Distinção Social

Polícia

Polícia Militar

Pacto pela Educação

Políticas Educacionais

Fundamentos da educação

Terceirização

Terceirização

Gestão escolar

Gestão Democrática

Gestão Pública Compartilhada

Gestão Educacional

Disciplina

Disciplina

Disciplinar

Controle disciplinar

 

Colégio Militar

Colégio Militar

Colégio cívico militar

Colégio da Polícia Militar

Reforma Administrativa do Estado

Gerencialismo

Prática de Governo

 

Educação Militar

Educação Militar

Ensino militar

Bullying

Violências

Violência

Qualidade da Educação

Qualidade de ensino no Colégio da Polícia

Formação Militar

Habitus

Ethos

Civismo e cidadania

Cidadania

Práticas pedagógicas

Pedagógico

Reprodução Social

Sociedade

Educação

Educação

Militarização

Militarização

Militarização

Militarização Escolar

Militarização Escolar

Militarização da Escola

Militarização da educação

Militarização do ensino

Militarização escola pública

Militar

Escola

Escola

Escola Pública

Escola Pública

Escola Pública

Escolas de Goiás

Silenciamentos

Medo

 

Direitos Humanos

Desenvolvimento Humano

 

Fonte: Dados da pesquisa. Organizados pelos autores (2021).

 

O quadro a seguir (Quadro 6) apresenta o número de estudos realizados por estado da federação e por universidade revelando que a região centro-oeste apresenta o maior número de pesquisas sobre as escolas militarizadas.

 

Quadro 6 – Quantidade de trabalhos por universidades e estados da federação- 2011 a 2020

Estado

Instituição

Quantidade de trabalhos

Total de trabalhos

Goiás

PUC-GO

4

8

UFG

2

UEG

1

UCG

1

Mato Grosso do Sul

UFMS

2

2

Brasília

UnB

2

2

Rio de Janeiro

UFRJ

1

2

UFRRJ

1

São Paulo

Universidade do Taubaté

1

1

Total

15

Fonte: Dados da pesquisa. Organizados pelos autores (2021).

 

É preciso considerar na leitura do quadro acima que o estado de Goiás iniciou o processo de militarização das escolas públicas na década de 1990, o que pode ter contribuído para que haja mais pesquisas nesta região.

O quadro revela ainda que não há nenhuma pesquisa realizada nas regiões norte, nordeste e sul do país. Nestas regiões houve ampla adesão ao Programa Nacional das escolas cívico-militares implementado pelo governo federal em 2019.

Ressalte-se que o estado da arte se preocupou com pesquisas Stricto Sensu, não foram considerados artigos e outros trabalhos que existem em grande número. Esses dados constituem relevantes fontes para novos estudos do tema, a implementação das escolas cívico-militares em caráter nacional, teve início no ano de 2020.

 

Considerações Finais

Este artigo teve como objetivo apresentar um estado do conhecimento acerca das pesquisas realizadas no Brasil sobre as escolas cívico-militares.Contemplou dissertações e teses de mestrado e doutorado localizados nos Bancos de Teses e Dissertações dos sites Google Acadêmico, Rede Scielo, Banco de Dados da Capes – Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e Repositório Institucional da Universidade de Brasília. Foram encontrados 15 trabalhos, sendo uma tese e 14 dissertações.

A análise dos trabalhos permite dizer que o campo do Currículo não constituiu campo de interesse investigativo no processo de militarização das escolas públicas no Brasil. As problemáticas das pesquisas evidenciam que foram priorizadas até o momento as questões comportamentais e as políticas educacionais neoliberais, assim destacaram-se as categorias: ensino militar, disciplina, hierarquia, ethos militar, militarização da escola pública, terceirização.

Percebe-se uma constante preocupação dos autores com o tipo de formação ofertada aos estudantes nessas escolas, sem, no entanto, relacionar a isso a seleção de conhecimentos válidos para tal propósito. Não foram encontrados estudos voltados para as verbas destinadas ao programa, a forma de contratação dos militares, formação dos militares para atuarem na educação e outros pontos que merecem atenção, visto que essa política é destinada aos jovens da periferia, acusados de serem violentos e perigosos. “[...]militarização das escolas públicas, apresentado pelo governo federal, como solução para os problemas educacionais sob o discurso de que os jovens são violentos e perigosos [...](MIRANDA, 2022, p.).

Os estudos aqui apresentados apontam que poucas universidades brasileiras têm investigado a militarização. Verificou-se que Goiás possui o maior número de pesquisas na área, o que pode ser justificado pelo fato de que a militarização já é prática de governo no estado há alguns anos[2]. Os autores investigaram a agenda neoliberal e as políticas educacionais no estado, no entanto, destacam-se os estudos centrados na disciplina, no medo, na gestão militar e na militarização como forma de violência.

Constatou-se que as escolas cívico-militares constituem amplo campo de investigação, o número total de pesquisas realizadas evidencia que até o presente momento poucos pesquisadores se interessaram pelo assunto. No entanto, demonstrou ser essa temática elemento de reflexão de campos do conhecimento que estão além da Educação, como, por exemplo, Psicologia, Ciências Sociais e Antropologia.

Com a ampliação do número de escolas cívico-militares pelo país, é possível que se amplie também o número de estudos da temática, já que as condições materiais impostas por essas políticas acabam por inquietar e incitar educadores e outros interessados a buscar respostas às contradições entre o que é defendido e o que de fato acontece nestas escolas, sobretudo nas relações políticas e epistemológicas entre a natureza das instituições militares e militarizadas, inquietação fundamental que não foi problematizada no inventário de pesquisas elencados.

 

Referências

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BEZERRA, Nilson Pereira. Pacto pela educação: o cumprimento da agenda neoliberal em Goiás e a militarização das escolas públicas. 2017. 119 f. Dissertação (Mestrado em Educação, Linguagem e Tecnologias) – Universidade Estadual de Goiás, Anápolis, GO, 2017.

 

BORGES, Lívia Freitas Fonseca. SILVA, Francisco Thiago. Currículo e ensino de história: um estado do conhecimento no Brasil. In:Educação e Realidade, Porto Alegre, v, 43, n. 4, p. 1693-1723, out./dez. 2018. Disponível em:https://www.scielo.br/pdf/edreal/v43n4/2175-6236-edreal-2175-623676735.pdf. Acesso em: Acesso em: 20 jun. 2019.

 

CABRAL, Jefferson Fernando Ribeiro. A militarização da escola: um debate a ser enfrentado. 2018. 144 f. Dissertação (Mestre em Desenvolvimento Humano) – Universidade de Taubaté, Taubaté, 2018. Disponível em: https://mpemdh.unitau.br/wp-content/uploads/2016/dissertacoes/mdh/Jefferson-Fernando-Ribeiro-Cabral.pdf. Acesso em: 20 set. 2019.

 

CASTRO, Nicholas Moreira Borges de. “Pedagógico” e “disciplinar”: o militarismo como prática de governo na educação pública do estado de Goiás. 2016. 109 f. (Dissertação Mestrado em Antropologia Social) – Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em:

https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/22204/1/2016_NicholasMoreiraBorgesdeCastro.pdf. Acesso em: 20 set. 2019.

 

CRUZ, Leandra Augusta de Carvalho Moura. Militarização das escolas públicas em Goiás: disciplina ou medo? 2017. 177 f. Dissertação (Mestre em História) – Pontifica Universidade Católica de Goiás, Goiânia,2017. Disponível em: http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/handle/tede/3746. Acesso em: 20 set. 2019.

 

CUNHA, Thiago Colmenero. Paz armada na escola. 2016. 113 f. Dissertação (Mestre em Psicologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em:https://www.academia.edu/25597586/Disserta%C3%A7%C3%A3o_PAZ_ARMADA_NA_ESCOLA_UFRJ_PPGP_2016. Acesso em: 20 set. 2019.

 

FABER, Daniel Armando. Entre formação e adestramento: uma análise sociológica do habitus escolar militarizado em um colégio militar. 2017. 150 f. (Dissertação Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufsm.br/handle/1/14504. Acesso em: 20 set. 2019.

 

FERREIRA, Neusa Sousa Rêgo. “Gestão militar” da escola pública em Goiás: um estudo de caso da implementação de um colégio estadual da polícia militar de Goiás em Aparecida de Goiânia. 2018. 196 f. Dissertação (Mestre em Educação) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2018. Disponível em:https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/9043. Acesso em: 20 set. 2019.

 

LIMA, Maria Eliene. A educação para a cidadania e a militarização para a educação. 2018. 187 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifica Universidade Católica

 

de Goiás, Goiânia, 2018. Disponível em:http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/bitstream/tede/4051/2/
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NOGUEIRA, Jefferson Gomes. Educação militar: uma leitura da educação no sistema dos colégios militares do Brasil (SCMB). 2014. 149 f. Dissertação (Mestre em Educação) – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, 2014. Disponível em: https://ppgedu.ufms.br/files/2017/06/Educa%C3%A7%C3%A3o-Militar-Uma-Leitura-da-Educa%C3%A7%C3%A3o-no-Sistema-dos-Col%C3%A9gios-Militares-do-Brasil-Scmb-Jefferson-Gomes-Nogueira.pdf. Acesso em: 20 set. 2020.

 

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RIBEIRO, Renata Lopes Silva. Fundamentos e práticas do colégio da polícia militar de Catalão: entre fardas, manuais e boletins. 2019. 190 f. Dissertação (Mestre em Educação) – Universidade Federal de Goiás, Catalão, GO, 2019. Disponível em:https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/9961. Acesso em: 20 jan. 2020.

 

SANTOS, Rafael José da Costa. A militarização da escola pública em Goiás. 2016. 131 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifica Universidade Católica de Goiás, Goiânia,2016. Disponível em:http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/handle/tede/3515. Acesso em: 20 set. 2019.

 

SOUZA, Sirley Aparecida de. Violências e silenciamentos: a representação social do fenômeno bullying, entre jovens de uma escola militar em Goiânia. 2012. 140 f. Dissertação [Mestrado em Educação] – Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2012. Disponível em: http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/handle/tede/1066. Acesso em: 20 set. 2019.

 

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Notas



[1]  Um dos primeiros Estados brasileiros a implantar unidades educacionais com gestão compartilhada com a Polícia Militar (desde a década de 1990), Goiás possui integrada à rede pública estadual 60 Colégios da Polícia Militar (CEPMGs) em 47 municípios goianos. A Secretaria de Educação do Estado de Goiás tem aprovadas por lei 36 escolas cívico-militares. Com o programa do governo federal, dois novos CEPMGs deverão ser implantados em 2020. Disponível em: https://site.educacao.go.gov.br/educacao/escolas-civico-militares-de-goias-um-modelo-de-referencia-para-o-brasil/. Acesso em: 28 mar. 2020.

 

 

[2]  Um dos primeiros Estados brasileiros a implantar unidades educacionais com gestão compartilhada com a Polícia Militar (desde a década de 1990), Goiás possui integrada à rede pública estadual 60 Colégios da Polícia Militar (CEPMGs) em 47 municípios goianos. A Secretaria de Educação do Estado de Goiás tem aprovadas por lei 36 escolas cívico-militares. Com o programa do governo federal, dois novos CEPMGs deverão ser implantados em 2020. Disponível em: https://site.educacao.go.gov.br/educacao/escolas-civico-militares-de-goias-um-modelo-de-referencia-para-o-brasil/. Acesso em: 28 mar. 2020.