Milícias digitais:

fragmentos de pedagogias ciberfascistas

 

 

Digital militia:

fragments of cyberfascist pedagogies

 

 

Milicias digitales:

fragmentos de las pedagogías ciberfascistas

 

 

Felipe Carvalho

Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, Brasil

felipesilvaponte@gmail.com

Fernando Pocahy

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

fernando.pocahy@gmail.com

 

Recebido em 05 de junho de 2021

Aprovado em 26 de novembro de 2021

Publicado em 14 de junho de 2023

 

 

RESUMO

Nesta cartografia online objetivamos compreender de que forma as milícias digitais de extrema direita mobilizam pedagogias ciberfascistas, as operacionalizam, lançam mão de diferentes instrumentos didáticos e definem alvos a serem alcançados. Partimos de estudos pós-estruturalistas para acompanhar linhas e fluxos de subjetivação que possibilitam produzir uma dada realidade (com seus territórios e práticas). As linhas de entrada de problematização são os vídeos com os depoimentos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news e assédios virtuais em 2019; e as reportagens que vão ao encontro dos depoimentos da CPMI. Operamos com as linhas cartográficas utilizando as ferramentas conceituais foucaultianas de discurso e enunciado. Como resultado desta pesquisa, chegamos ao entendimento de que as milícias digitais mobilizam diferentes pedagogias ciberfascistas com vista a governar as condutas dos sujeitos por meio da produção, compartilhamento e viralização de práticas e de conteúdos odiosos, desumanizando o/a outro/a, transformando pessoas em alvos, coisa, objeto, algo inclusive a ser exterminado.

 

Palavras-chave: Pedagogias ciberculturais; Cartografia online; Pedagogias ciberfascistas.

 

ABSTRACT

In this online cartography we aim to understand how the right digital militias mobilize cyberfascist pedagogies, how they use different didactic instruments to achieve their goals. We start from post-structuralist studies to follow the lines and flows of subjectivation that make it possible to produce a given reality (with its territories and practices). The input lines for problematization are videos with the testimonies of the Mixed Parliamentary Inquiry Commission (CPMI) of fake news and virtual harassment in 2019 , as well as the reports that corroborate the CPMI’s testimonies. We operate with cartographic lines using Foucault’s conceptual tools of discourse and utterance. As a result of this research, we came to the understanding that digital militias mobilize different cyberfascist pedagogies in order to govern the behavior of subjects through the production, sharing and viralization of hateful practices and contents, dehumanizing the other, turning people into targets, objects, something even to be exterminated.

 

Keywords: Cybercultural pedagogies; Online cartography; Cyberfascist pedagogies.

 

 

RESUMEN

En esta cartografía en línea, nuestro objetivo es comprender cómo las milicias digitales de extrema derecha movilizan pedagogías ciberfascistas, las operacionalizan, utilizan diferentes instrumentos didácticos y definen objetivos a alcanzar. Partimos de los estudios post-estructuralistas para acompañar líneas y flujos de subjetivación que posibilitan la producción de dicha realidad (con sus territorios y prácticas). Las líneas de problematización son los videos con testimonios de la Comisión Parlamentaria Mixta de Investigación (CPMI) sobre noticias falsas y acoso en línea en 2019, y los informes que respaldan los testimonios de la CPMI. Operamos con líneas cartográficas utilizando las herramientas conceptuales foucaultianas de discurso y enunciado. Como resultado de esta investigación, llegamos al entendimiento de que las milicias digitales movilizan diferentes pedagogías ciberfascistas con el objetivo de gobernar las conductas de los sujetos por medio de la producción, compartición y viralización de prácticas y de contenidos odiosos, deshumanizando al otro, transformando personas en puntos de ataque, cosas, objetos, algo que debe ser exterminado.

 

Palabras-clave: Pedagogías ciberculturales; Cartografías en línea; Pedagogías ciberfascistas.

 

 

 

Tensionamentos iniciais    

 

Diversas culturas contemporâneas vêm sendo marcadas pelas tecnologias digitais em rede, que reconfiguram inúmeras experiências da/na vida cotidiana, como o consumo de produtos e serviços, a produção e divulgação do conhecimento, o modo como nos comunicamos e nos relacionamos com os outros e conosco. Teorizações têm tratado essas formas de cultura em termos de “sociedades de controle” (DELEUZE, 1992), “cultura da conectividade” (VAN DIJCK, 2019), “sociedade em rede” (CASTELLS, 2015), “cibercultura” (LEMOS, 2002) entre outros.

Na sociedade em rede, produzimos a todo instante uma quantidade infinita de dados sobre nós: o que assistimos, curtimos, quanto tempo ficamos olhando uma postagem, com quem conversamos, compartilhamos.... Expomos nossas “extimidades” (SIBILIA, 2016, p.52): “[...] as confissões diárias de você, eu e todos nós estão aí, em palavras e imagens, à disposição de quem quiser bisbilhotá-las”. Entretanto, esses dados têm sido coletados, às vezes involuntariamente, e usados por grandes empresas e governos nacionais para nos sugerir pessoas e coisas, podendo, inclusive, nos conduzir a posições e modos de consumo (de bens, produtos, ideias), reverberando fortemente nas forças e sistemas políticos, como no caso das democracias.

Pariser (2012), em “O filtro invisível’, como exemplo cita a Google que utiliza sinalizadores (sobre o navegador que a/o usuária/o usa, quais os termos pesquisados, de qual lugar estava conectado etc.) para tentar adivinhar o perfil e as preferências dessas/es usuárias/os e, com isso, recomendar pessoas e coisas. Esse princípio se operacionaliza nos sistemas de recomendação, que se baseiam em várias técnicas, entre elas, uma relacionada à ideia de que “o que é relevante para mim, também pode ser relevante para alguém com interesse similar” (MOTTA et al., 2011, p. 231), que, no ditado popular, equivale a “diga-me com quem andas e eu te direi quem és!”.

Dirk Helbing (2019) argumenta que os dados coletados sobre nós têm contribuído para a formação de um totalitarismo digital, uma vez que “[...] os serviços secretos de hoje e as empresas de Big Data possuem muito mais dados sobre nós do que os necessários para administrar Estados totalitários no passado” (HELBING, 2019, p. 99). Esse tipo de totalitarismo digital tem contribuído para o fascismo digital, cujas características são a vigilância em massa, experimentos antiéticos com humanos, engenharia social, conformidade forçada (Gleichschaltung), propaganda, censura, policiamento, diferente valorização das pessoas, relativização dos direitos humanos...

As ideias de fascismo digital são propagadas diariamente online, experienciadas, compartilhadas e viralizadas por diversos usuários em suas redes sociais. “Os novos fascistas (neofascistas, pós-fascistas ou como se queira chamar) se adaptaram ao mundo contemporâneo e é com esses que devemos nos preocupar centralmente.” (BERTONHA, 2012, p. 107-108) Em nosso contexto, o fascismo digital tem inspirado determinados grupos online a produzirem estratégias para a propagação do pânico moral e do ódio às diferenças por meio de “notícias falsas/fake news” (SANTAELLA, 2018). Esses grupos podem ser compreendidos como milícias digitais: “[...] uma associação de pessoas interligadas de forma mais ou menos flexível e sem um arranjo jurídico legal, que agem de maneira coordenada ou orquestrada na web” (LÔBO; MORAIS; NEMER, 2020, p. 260).

As milícias digitais atuam promovendo diversas ações, entre elas “campanhas de ataques e/ou cancelamento de imagens e reputações de adversários ocasionais” (LÔBO; MORAIS; NEMER, 2020, p. 260). Elas operam a partir de múltiplos instrumentos didático-pedagógicos para formar um modelo de sociedade notadamente marcada pelo racismo, misoginia, patriarcado, classismo, lgbtqia+fobia, xenofobia, capacitismo, etarismo, anticiência, antiambientalismo etc. Estão alinhadas às necropolíticas do nosso tempo, “formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte” (MBEMBE, 2016, p. 146).

Neste artigo, cartografamos ações e instrumentos das milícias online. Uma de nossas compreensões é que tais ações e instrumentos compõem elementos constituintes de “pedagogias ciberculturais”, conforme discutimos adiante. As problematizações e as análises mobilizadas nesta cartografia online buscam indícios de como as milícias digitais de extrema direita mobilizam pedagogias ciberfascistas, as operacionalizam, lançam mão de diferentes instrumentos didáticos e definem alvos a serem alcançados.

 

 

Teorizando as pedagogias ciberculturais

 

Neste artigo, tomamos a noção de pedagogia em articulação com a de “governo” (FOUCAULT, 2006a; Ó, 2009): formas/maneiras/modos específicos de conduzir as/os sujeitas/os a determinadas experiências, condutas, processos formativos, produção de subjetividades. Como “um exercício permanente que entrecruza os comportamentos de todos e cada um de modo homólogo” (Ó, 2009, p. 100).

Há modos específicos de conduzir as/os sujeitas/os que constituem a arte de governar. Foucault (2017), com base nas noções de Guillaume de La Perrière, reflete sobre as diversas maneiras de governar, uma vez que muitos são os governantes (ex. pedagogas/os, docentes) e que estes governam coisas. As ideias de La Perrière se contrapõem ao modelo de governo proposto por Maquiavel (1532) em “O Príncipe”, em que o príncipe é o único em seu principado, não há outro governante; ele exerce seu poder através do território que herdou, que adquiriu. Para La Perrière, conforme analisa Foucault, governar é governar coisas, não território.

 

Governo é uma correta disposição das coisas de que se assume o encargo para conduzi-las a um fim conveniente [....] governo não se refere de modo algum ao território. Governam-se coisas. Mas o que significa essa expressão? Não creio que se trate de opor coisas a homens, mas de mostrar que aquilo a que o governo se refere é não um território, e sim um conjunto de homens e coisas. Estas coisas, de que o governo deve se encarregar, são os homens, mas em suas relações com as coisas que são as riquezas, os recursos, os meios de subsistência, o território em suas fronteiras, com as suas qualidades, clima, seca, fertilidade etc.; os homens em suas relações com as outras coisas que são os costumes, os hábitos, as formas de agir ou de pensar etc.; finalmente, os homens em suas relações com outras coisas ainda que sejam os acidentes ou as desgraças como a fome, a pandemia, a morte etc. (FOUCAULT, 2017, p. 414-415).

 

Outras discussões sobre tipos de governo atravessam as reflexões de Foucault, como as de François de La Mothe Le Vayer, que são três: “o governo de si mesmo, relacionado à moral; a arte de governar uma família como se deve, referida à economia; enfim, à ciência de bem governar o Estado, refiro à política” (FOUCAULT, 2006a, p. 287). Além disso, a discussão sobre a ideia de governo é mais ampla que as ideias de soberania, formulações jurídicas, políticas de Estado, forças produtivas...

 

[O governo] não se referia apenas às estruturas políticas e à gestão do Estado, mas designava a maneira de dirigir a conduta dos indivíduos ou dos grupos: governo das crianças, das almas, das comunidades, das famílias, dos doentes (FOUCAULT, 1995, p. 244).

 

Ao aprofundar as suas discussões sobre governo, Foucault argumenta que há um “conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, os cálculos e as táticas que permitem exercer essa forma bem específica, ainda que complexa, de poder, que tem por alvo principal a população” (2006a, p. 303), que é a governamentalidade. Essa é operacionalizada de múltiplas formas, instrumentos, técnicas, dispositivos em uma determinada população, que podem se sobrepor, entrecruzar-se, limitar-se, anular-se e, às vezes, se reforçar. Para esse autor, a governamentalidade pode ser entendida como

 

A tendência, a linha de força que, em todo o Ocidente, não cessou de conduzir, e desde muito tempo, à preeminência desse tipo de poder que podemos chamar de “governo” sobre todos os outros: soberania, disciplina, e que, por uma parte, levou ao desenvolvimento de toda uma série de aparelhos específicos de governo [e, de outra parte], ao desenvolvimento de toda uma série de saberes (FOUCAULT, 2006a, p. 303).

 

Acreditamos que a governamentalidade contribui para as análises sobre as pedagogias ciberculturais. Em face das artes de governar, questionamos: como são operacionalizadas essas pedagogias ciberculturais, quais os seus objetivos, os instrumentos usados, como são acionados e se desdobram nas condutas dos/as usuários/as online, quais são os “limites” dessas pedagogias, como e por que elas nos levam a agir, a tomar determinadas posições e decisões, de que maneira reverberam em nossos corpos, práticas, processos formativos e subjetivos?

As pedagogias ciberculturais são operacionalizadas com o apoio de algoritmos. A cada página curtida, cada conteúdo compartilhado, cada texto redigido, cada nova amizade estabelecida com os amigos dos amigos em comum, a/o usuária/o vai deixando um pouco de suas práticas e gostos registrados nas redes digitais, que, por sua vez, são rastreados por algoritmos que têm como objetivo sugerir novas opções de escolhas que se alinhem ao perfil do usuário (além de serem uma invasão de privacidade e de servirem de mecanismo de controle e de vigilância por Estados e empresas). Essa “governamentalidade algorítmica” (SILVEIRA, 2017) movimenta os/as usuários/as em diversas e plurais formas de conhecer e habitar a vida cotidiana em rede. É preciso cuidado, alerta Silveira (2017, p. 272), pois os “algoritmos são invenções e, como toda invenção, guarda as intenções de seus criadores”.

Acrescentamos que as pedagogias ciberculturais operam num fluxo 24/07 (CARRY, 2016), sem cessar. Pressupomos que estão espalhadas por toda a rede, artefatos e corpos, e as encarnamos ao longo da vida por meio de intensos processos formativos e subjetivos. Elas potencializam diversas dinâmicas do conviver com a/o outra/o e múltiplas “aprendizagens ubíquas” (SANTAELLA, 2010), aprendizagens distribuídas em distintos espaços-tempos conectados em rede.

Questionamos como pensar-fazer esta pesquisa com base nas pedagogias ciberculturais. Esse questionamento nos fez tomar posições em relação às epistemologias, metodologias e instrumentos de pesquisa, posições que, obviamente, não são neutras, e se encontram discutidas a seguir.

 

Cartografia online

 

A presente cartografia online é produzida a partir dos princípios éticos e epistemológicos da cartografia (DELEUZE; GUATTARI, 1995); nós a entendemos como mapa político-processual: aberto, “conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 22). A cartografia é a produção de uma dada realidade (desejo) – é um conjunto de múltiplas linhas diversas operando simultaneamente. “As linhas são os elementos constitutivos das coisas e dos acontecimentos.” (DELEUZE, 1992, p. 47). Pensamos as linhas como vias de entrada/abertura para problematizações sobre o presente. “Partimos do pressuposto que as linhas são constituídas por representações, significações, fluxos e se produzem (também) desde rupturas e descontinuidades.” (CARVALHO; POCAHY, 2020, p. 63).

De acordo com Deleuze e Guattari (1996, p. 83), somos segmentarizados por todos os lados e em todas as direções, e “a segmentaridade pertence a todos os estratos que nos compõem. Habitar, circular, trabalhar, brincar: o vivido é segmentarizado espacial e socialmente”. Além disso, “toda sociedade, mas também todo indivíduo, são, pois, atravessados pelas duas segmentaridades ao mesmo tempo: uma molar e outra molecular” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 83). As segmentaridades molares são as linhas duras das macropolíticas (como as políticas de Estado), estão relacionados aos sistemas de representação e aos movimentos de territorialização. Já as segmentaridades moleculares são as linhas flexíveis das micropolíticas, da política das massas, que tendem à multiplicidade, não fazem referência aos sistemas de representação e sim aos fluxos de desejos e crenças, e aos movimentos de desterritorialização.

 

As linhas molares referem-se a um tempo porvir, já determinado. Elas funcionam como possíveis que se tornam reais (DELEUZE, 2006), tendo uma e apenas uma forma de efetuarem-se. As linhas moleculares referem-se a um devir aberto e indeterminado. Elas funcionam como virtuais que se atualizam. Cabe salientar que as linhas molares não dizem respeito a indivíduos, mas a fluxos capilarizados (SARAIVA; LOCKMANN, 2019, p. 220).

 

Com as linhas cartográficas, buscamos montar um mapa político-pedagógico de como as milícias digitais, especialmente aquelas de cunho bolsonarista, mobilizam determinadas práticas, as operacionalizam, lançam mão de diferentes instrumentos, definem alvos a serem alcançados... Nossa ideia é mostrar fragmentos de como essas milícias operam na macropolítica da vida cotidiana por meio de fluxos distribuídos e conectados em rede. Uma outra ideia que se atrela a essa primeira proposição é a de pensar como as operações dessas milícias em rede reverberam na micropolítica cotidiana, na pulsação dos desejos das massas, contribuindo para uma multiplicidade de experimentações fascizantes em espaços-tempos online desterritorializados.

Para acompanhar as movimentações e operações das milícias digitais, imergimos nos fluxos das timelines de alguns sistemas de redes sociais mobilizados por elas, que por sua vez são também alguns dos sistemas mais utilizados culturalmente em nosso contexto, como Facebook, WhatsApp e Twitter. Numa de nossas imersões na timeline do Facebook, mais precisamente no dia 30 de outubro de 2019, nos deparamos com fluxos apresentados por essa rede sobre a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news e assédios virtuais, que estava ocorrendo no Senado Federal e sendo transmitida pela TV Senado através do YouTube. Atravessados por esse fluxo, acompanhamos a sessão dessa CPMI então exibida em rede, a princípio para compreender e refletir sobre as atuações das milícias digitais a partir dos depoimentos proferidos, o que poderia contribuir para a cartografia que nos propusemos a produzir. Naquele dia, o depoente era o deputado federal Alexandre Frota (eleito pelo PSL-SP, hoje filiado ao PSDB-SP), que depôs por mais de cinco horas trazendo inúmeros indícios de operações das milícias digitais. Continuamos seguindo os desdobramentos dessa CPMI para buscar mais elementos para compor a nossa cartografia, e encontramos fragmentos numa outra sessão, também no Senado Federal, ocorrida no dia 4 de dezembro de 2019, a partir dos relatos da depoente Joice Hasselmann, deputada federal (PSL-SP), que depôs por mais de nove horas. Ao acompanhar esses dois depoimentos, notamos que eles são fecundos de elementos para a cartografia e os tomamos como linhas de entrada de problematização, pois são depoimentos de ex-aliados ressentidos com o governo Bolsonaro, que atuaram de dentro do governo e junto ao governo e hoje fazem parte de um movimento dissidente do bolsonarismo, porém alinhado a moralidades específicas da extrema direita e do neoliberalismo.

Outras linhas de entrada de problematização que trouxemos junto aos depoimentos são reportagens publicadas por diversos meios de comunicação que tratam de fake news, assédios online e financiadores, e que ratificam os fatos narrados pelos depoentes na CPMI, a saber: o uso do computador do Senado Federal como provedor de página de fake news pelo jornal O Globo online (2020); Polícia Federal identifica Carlos Bolsonaro como chefe do esquema criminoso de fake news pelo Uol Notícias (2020); e o financiamento de empresários, publicado pela CONJUR (2020).

Para operarmos com as linhas cartográficas traçadas, utilizamos as ferramentas conceituais foucaultianas de discurso e enunciado. Partimos do pressuposto, junto com Foucault (2008), de que o discurso, além de traduzir as lutas e os sistemas de dominação, também é aquilo por que se luta e de que queremos nos apoderar, que potencializa a produção de um/a sujeito/a ideal e um imaginário social. O discurso refere-se também ao “conjunto de sequências de signos, enquanto enunciados, isto é, enquanto lhes podemos atribuir modalidades particulares de existência” (FOUCAULT, 2008, p. 122), ele é composto por átomos de enunciados. O enunciado não se reporta a um âmbito fundador, mas sim a outros enunciados com os quais estabelece correlações, conexões, rupturas e exclusões; “como um grão que aparece na superfície de um tecido de que é o elemento constituinte” (FOUCAULT, 2008, p. 90).

Sublinhamos que as linhas cartográficas traçadas aqui estão situadas em uma rede cibercultural de práticas; mas não qualquer prática, e sim aquela constituída discursivamente, composta por “regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram [...] as condições de exercício da função enunciativa” (FOUCAULT, 2008, p. 133).

Aprofundaremos, a seguir, as nossas discussões cartográficas online.

 

 

Milícias digitais na/em rede

 

Iniciamos as nossas discussões com o depoimento do deputado federal Alexandre Frota (PSDB/SP) na CPMI. A despeito de o deputado federal Frota (PSDB/SP) compor uma linha similar à de Bolsonaro e ter sido um de seus apoiadores, cabe-nos apreciar e analisar, não sem espanto, a dissidência ou disputa pelo poder, sendo o próprio deputado suspeito de manejar o dispositivo que denuncia:

 

Temos a tarefa de investigar o modus operandi de milícias digitais, tão comum nas redes sociais. Ataques combinados, fogo amigo, assassinato de reputações, fake news, ameaças contra aliados, contra mulheres, contra os nossos filhos ou qualquer um que não aceite compactuar com que eu chamo hoje de seita. Um terrorismo virtual, assédio digital, que vai aos extremos, pessoas que atuam de maneira perversa em cima da intimidação. De amadores iludidos, passaram a assessores parlamentares credenciados e remunerados, saíram do esgoto, ratos de web. Essa milícia virtual existe, está clara e é de conhecimento nacional e da maioria que quer enxergar o que vem acontecendo. São responsáveis por muitos problemas que acontecem com suas ideologias, indicações de cargo, fomento da raiva e do ódio. (Deputado federal Alexandre Frota PSDB/SP, 2019)

 

Esse depoimento é um fragmento que nos ajuda a entender alguns dos objetivos das milícias digitais bolsonaristas: promover o terrorismo e o assédio nas redes sociais, independente de quem seja, bastando ser contrário às “necropolíticas” (MBEMBE, 2016) operacionalizadas pelas milícias.

Num outro trecho do depoimento, o deputado Frota relata que a composição dessas milícias é formada por três assessores que estariam atuando de dentro do gabinete da Presidência da República propagando e viralizando o terror, o medo e o ódio, o que levou esse gabinete a ser chamado de “gabinete do ódio” (FROTA, 2019). O deputado relata que esses assessores não só comandam as milícias digitais como também controlam os perfis falsos em/na rede, atuando dentro do próprio gabinete da Presidência e contando com a coordenação de Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República:

 

Os meninos do Bolsonaro, como ele próprio gosta de chamar e já conhecidos nas mais diversas reportagens de revistas de cunho nacional, trabalham com perfis falsos, em excesso. Sabemos o quanto é grave a existência da rede de intrigas de Bolsonaro, que produz material em escala atacando quem estiver na frente ou venha a discordar, venha a fazer o contraditório [...] São muitos perfis! Bolsoneias, Bolsonaro 2.0 [...] Eles [os meninos do Bolsonaro] estão também, também, em gabinetes de deputados, aqui na Câmara, usam as horas vagas para atacar, criam grupos no WhatsApp e operam dessa maneira [...] Aqui eu tenho todos os conceitos de milícias virtuais utilizados atualmente e aí tem vários aqui, tem os formadores de opinião, tem os youtubers, tem aqui os bloguesferas, tem aqui a mídia e tem os políticos que concordam com o que é feito [...]  Vêm de dentro do Palácio do Planalto os três personagens que vieram das redes bolsonaristas e tiveram oficializadas as suas redes de ataque com dinheiro público. E quem coordena? Carlos Bolsonaro. Direto do Rio de Janeiro, ele coordena realizando reuniões e disparando via WhatsApp os seus comandos. (Deputado federal Alexandre Frota – PSDB/SP, 2019)

 

Uma reportagem publicada pelo jornal O Globo online (2020) revela que um computador do Senado Federal foi usado para criar um perfil no Instagram para propagar fake news. Uma outra reportagem, divulgada pelo site Uol Notícias (2020), destaca que a Polícia Federal identifica Carlos Bolsonaro como chefe do esquema criminoso de fake news. Essas duas reportagens reforçam os relatos do deputado Frota. Acreditamos, inclusive, que o referido deputado, ao expor em seu relato fragmentos das ações das milícias digitais bolsonaristas e torná-las públicas somente agora, já é marcado por um ato criminoso, dado que ele sabia dessas ações das milícias bolsonaristas e compactuava com elas, mesmo em silêncio.

O depoimento proferido deixa vestígios de como “os meninos do Bolsonaro” operam em/nas redes, ou seja, como praticam as suas ações pedagógicas deformativas, com seus meios e fins específicos: “ensinar à sociedade” modos de vida fascizante. Esses ensinamentos se alinham a experimentos antiéticos com humanos, policiamento, vigilância em massa, relativização dos direitos humanos, conforme discutido por Helbing (2019). Ademais, essas ações se realizam por meio de estratégias para a desdemocratização em prol dos princípios dos ‘homens de bem’, movimento de afirmação do estado patriarcal e teocrático que tem colaborado para a efetivação de linhas duras na macropolítica da vida cotidiana, sobretudo para pavimentar um ideal de sujeito, sociedade, cultura, modos de existir...

O excerto do depoimento de Frota exibe como as milícias digitais bolsonaristas se articulam para minar a democracia de dentro para fora. Elas se utilizam das próprias instituições públicas para implodi-las e para atacar, agredir, assediar múltiplos “inimigos”, principalmente as pessoas que compõem essas instituições e os serviços prestados por elas. Essas milícias contam com as intermediações e o apoio de representes políticos eleitos pelo voto popular, que, por sua vez, facilitam a efetivação da destruição da democracia.

Há outros movimentos dessas mesmas milícias que operacionalizam formas de governar (ações e instrumentos didático-pedagógicos) de fora para dentro, das redes digitais para as instituições, promovendo a desdemocratização contando com o financiamento de diversos empresários (CONJUR, 2020). As milícias digitais bolsonaristas e os seus representantes reivindicam um Estado com amplo acesso à cidadania para si e para os seus aliados políticos, econômicos e ideológicos. Todas/os que são contrárias/os a essa forma de governar a/o outra/o podem se tornar alvo do ódio e da vontade de extermínio.

Ampliando as nossas discussões, trazemos o depoimento da deputada federal Joice Hasselmann (PSL/SP) para mostrar como são tratadas as questões relacionadas ao funcionamento, valor e forma de organização das milícias digitais bolsonaristas:

 

Eu estou contra uma organização criminosa que funciona de maneira coordenada, alguns fazem com dolo, outros fazem simplesmente pelo efeito manada [...] Em média, para fazer um disparo, um disparo por robôs [...] gastam-se vinte mil reais. Vocês imaginem quantos disparos, quantas hashtag, quantas informações. Eu estou falando só do disparo do robô [...] Vocês imaginem o que está por trás, a produção, o pensamento, enfim, né?! (Deputada federal Joice Hasselmann – PSL/SP, 2019).

 

O depoimento de Hasselmann vai ao encontro do deputado Frota. Em outro trecho do depoimento, ela detalha como são operacionalizadas as ações didático-pedagógicas desses ataques das milícias na/com a rede:

 

Escolhe-se um alvo. O alvo é escolhido. Combina-se o ataque e há, inclusive, um calendário de quem ataca, quando. E aí quando esse alvo está escolhido, entram as pessoas de verdade e entram os robôs. Por isso que, em questão de minutos – minutos: cinco, dez minutos –, às vezes, a gente tem uma informação espalhada para o Brasil inteiro. Parece realmente que o Brasil inteiro está discutindo aquela informação. E é uma sensação, isso também é fake, é uma sensação que é passada para que muitos fiquem atemorizados, aterrorizados com o levante da internet [...] Vou trazer uma outra informação. Uma coisa importante é que muitas dessas páginas e perfis que postam conteúdos nem sempre são fakes, alguns são fakes, outros são difamatórios [...] Muitos [conteúdos] são de agressão. Eles postam em algumas páginas, aí uma hora depois, por exemplo, deletam, só que depois que foi delatado, já está circulando nas redes e nos grupos do WhatsApp. Então não tem mais como você segurar a informação e nem tem como fazer uma errata (Deputada federal Joice Hasselmann PSL/SP, 2019).

 

O depoimento da deputada Joice (PSL/SP) não só mostra como funcionam as práticas pedagógicas dessas milícias como expõe quais são os instrumentos didáticos em/na rede mobilizados por elas: as tecnologias de governo, que são “aqueles meios a que, em determinada época, autoridades de tipo diverso deitam mão para moldar, instrumentalizar e normalizar a conduta de alguém” (Ó, 2009, p. 105). O depoimento evidencia como essas milícias atuam em conjunto, colaboração e parceria, para atacar de forma coordenada, a partir de múltiplas redes e mecanismos, e com cronograma estabelecido. Essas atuações das milícias digitais bolsonaristas têm pontos de conexão em comum com as milícias urbanas, conforme nos ajuda a pensar Lôbo, Morais e Nemer (2020, p. 264):

 

[...]  como  a  conexão  com  a  política  por  meio  da operação das novas TICs para atingir seus objetivos, utilizando a violência não-física, mas de qualquer  forma  capaz  de  constranger  atitudes  e  práticas  no  âmbito  da  tomada  de  decisão política, muitas vezes pelo medo imposto àqueles tidos como inimigos do regime – agora não mais com o objetivo apenas imediato de controle de um território, mas com fins estratégicos de dominação e operacionalização de um projeto político de longo prazo.

 

Uma outra discussão importante, que aparece no depoimento da deputada, é o uso em larga escala de robôs (bots) para produzir a sensação de todos estarem falando do mesmo assunto. Apostamos que essa sensação reverbera na micropolítica da vida cotidiana produzindo também uma anestesia em nossos corpos, como se não pudéssemos nos movimentar e ao mesmo tempo como se estivéssemos todos sem saída, imobilizados, inclusive com a democracia totalmente perdida. Já em outras pessoas, essa sensação as energiza, as vitaliza, faz aflorar as pulsações de desejos (ainda) mais desumanos, potencializando uma multiplicidade de experimentações fascizantes.

Em outro trecho do depoimento, a deputada discute os perfis do presidente Jair Bolsonaro e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) relacionados à utilização de robôs:

 

Eu analisei dois perfis, por óbvio, né!? Os dois perfis mais importantes, o do presidente e o do Eduardo Bolsonaro. Ali a análise que foi feita por esse software [referindo-se à análise de rede social] sobre os dois perfis pelo Twitter, através do aplicativo Botometer.org, que é usado para verificar a atividade de uma conta e atribuir uma pontuação com base na probabilidade de a conta ser um robô – também conhecido como bot – e dos 5,4 milhões de seguidores, no caso do presidente da república, 1.402.017 milhões são robôs. No caso do Eduardo, 468.775 mil são robôs [...] Ou seja, nós temos quase dois milhões de contas de robôs em duas contas do Twitter (Deputada federal Joice Hasselmann PSL/SP, 2019).

 

O depoimento da deputada Joice Hasselmann (PSL/SP) possibilita a compreensão de como os representantes políticos do nosso país, por meio de seus perfis no Twitter, buscam moldar o comportamento de seus seguidores com a colaboração de robôs, que atuam distribuindo a desinformação em massa, diariamente, repetidas vezes, em rede, na macropolítica dessa rede social. É preciso ressaltar que eles, representantes políticos, utilizam o Twitter como um canal de comunicação direta com os seus seguidores, inclusive, convocando-os a colaborar com as ações online, sobre diversos suportes, linguagens e mídias. Como exemplo dessas ações, tivemos as manifestações antidemocráticas em plena pandemia da Covid-19 pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do STF, a volta do AI-5, militares nas ruas e no poder, ataques a cientistas e docentes, e tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.

 O depoimento da deputada nos remete às discussões de que “nem softwares, nem algoritmos neles contidos são neutros. Eles geram efeitos e foram criados e desenvolvidos para determinadas finalidades” (SILVEIRA, 2017, p. 271). Estas podem ser tanto para o bem como para o mal, para ampliar a democracia – no sentido de pensá-la como algo que está sempre em construção, aberto, não acabado – ou para contribuir para o processo de desdemocratização, potencializando inúmeros ataques.

Nos trechos dos depoimentos reproduzidos do deputado e da deputada, é interessante notar como se contradizem ao dizer a verdade, justamente porque não estão realizando um trabalho ético, apenas uma manobra de governo, um gesto cínico, raivoso, perseguindo rotas igualmente antidemocráticas, reacionárias e neoliberais. Cabe destacar que ambos os deputados participaram do golpe de 2016 e atuaram na campanha eleitoral de Jair Bolsonaro à presidência da República.

As reportagens e os depoimentos cartografados contribuíram para que chegássemos ao entendimento de que as milícias digitais bolsonaristas mobilizam e constituem pedagogias ciberfascistas com objetivos de educar a sociedade em rede, operacionalizadas para governar as condutas das/os sujeitas/os por meio da produção, compartilhamento e viralização de práticas e de conteúdos odiosos, desumanizando a/o outra/o, transformando-a/o em coisa, objeto, algo sem vida. Por meio das reportagens e dos depoimentos, é possível observar os instrumentos que essas milícias compartilham para efetivar as suas pedagogias ciberfascistas diretamente nas/os usuárias/os, conduzindo-as/os a uma determinada forma de pensar e habitar a vida cotidiana fascizante. Para isso, elas lançam mão das práticas da cibercultura, entre elas o produzir, compartilhar, distribuir e viralizar a informação em rede (LEMOS, 2002). Entretanto, é preciso problematizar essa prática de difusão de informações e os conteúdos dessas “informações”, pois não são informações; são, na verdade, desinformações, algumas são criminosas, difamatórias ou desumanas. Cabe ressaltar que as tecnologias digitais em rede “serviram ao exercício de táticas milicianas para a gestão da disputa eleitoral, e, na sequência, para a disseminação de projeto de poder demarcado por suporte ideológico” (LÔBO; MORAIS; NEMER, 2020, p. 265).

Acrescentamos que as ações e os instrumentos didático-pedagógicos dessas milícias digitais têm como objetivo conduzir, coordenar e controlar a conduta das pessoas para odiar todas/os aquelas/es contrárias/os a suas ideias e desejos. Essas ações nos remetem às ideias do fascismo contemporâneo discutidas por Bertonha (2012, p. 108), para quem “um novo Hitler é impossível, mas um disfarçado de democrata, midiático e que aproveite a crise do sistema para subverter, na prática, a democracia, é algo mais do que possível, senão provável”.

Destacamos a importância de atentarmos às ações e aos instrumentos das pedagogias ciberfascistas em nossas movimentações diárias, principalmente para que percebamos seus lances na composição das arenas e dos agenciamentos discursivos que provocam em nossas vidas, nas relações com a/o outra/o e com as instituições democráticas. Entendemos que é preciso cuidado diário em nossas ações cotidianas para que não pratiquemos essas pedagogias. Odiar a/o outra/o nos é ensinado em múltiplos espaços-tempos e por variadas nuances dos (micro)discursos cotidianos, que, por sua vez, ratificam um ideal de sociedade, incessantemente, 24/07 (CARRY, 2016).

Produzimos um mapa, apresentado na Figura 1, em que detalhamos como as pedagogias ciberfascistas vêm se constituindo no presente, considerando a particularidade do contexto nacional, porém mediado por fluxos ciberculturais globais conectados em rede. Partimos do entendimento de que as milicias digitais são ensinantes que, assim como outros, mobilizam diversos elementos das pedagogias ciberfascistas.

 

Figura 1 – Mapa político-pedagógico: componentes das pedagogias ciberfascistas

Fonte: Carvalho (2021).

 

Nesta cartografia online, compreendemos que o conjunto de enunciados propagados contribui para o entendimento de como a nossa democracia é frágil. Vivemos numa sociedade em rede que vem sendo constituída por múltiplas formas de “governamentalidade algorítmica” (AMADEU, 2017), as quais podem contribuir para processos deformativos em nosso tempo, potencializando práticas que podem vir a enfraquecer e minar os laços sociais e democráticos.

Por outro lado, temos também acompanhado movimentos em rede que têm produzido múltiplas linhas de fuga que desafiam essas pedagogias ciberfascistas: são movimentos formados por redes insurgentes, de afeto e de solidariedade que buscam ampliar possibilidades de convivência com as diferenças/na diferença e com a democracia no presente (CARVALHO; POCAHY, 2020b; 2020c).

 

 

Conclusão

 

Na tessitura da cartografia online que apresentamos neste artigo, mapeamos fragmentos de estratégias, astúcias, práticas, meios e objetivos mobilizados pelas milícias digitais bolsonaristas para agenciar as suas pedagogias ciberfascistas. Mapeamos, também, como essas pedagogias ciberfascistas se constituem e tomam corpo em nossa “sociedade em rede” (CASTELLS, 2015). Ninguém está livre dessas pedagogias e de sua força viral. Todos nós somos atravessados por elas diariamente, por mais que tentemos nos desviar. Elas ganham potência com a ajuda de robôs e vêm ao nosso encontro.

A cartografia realizada nesta pesquisa nos conduziu a inúmeras experiências formativas que deixaram registros em nossos corpos, nos afetando e nos deslocando. A partir dela produzimos diferentes modos de conhecer e estar no mundo. Apostamos na ideia de que cartografar online é produzir mapas sociais das pulsações dos desejos – que nas sociedades em rede são produzidos em espaços sociotécnicos moventes, em constante processo de construção e desconstrução.

Na produção desta pesquisa, aprendemos que as formações históricas e as práticas ciberculturais são meios importantíssimos para compreender o presente e os processos subjetivos. Elas nos fornecem indícios de como somos constituídos, quais pedagogias e processos formativos atuam sobre aquilo que dizemos ser, no que nos tornamos, compartilhamos, nos engajamos, na maneira como nos relacionamos e vivemos em coletivos.

 

 

Referências

 

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