Laudo Médico como Elemento (Im)Prescindível na Sala de Recursos Multifuncionais
Medical Report as An Element (Im)Dispensable in the Multifunctional Resource Room
Cássia Vasconcelos de Paulo dos Santos
Universidade Federal de Lavras, Lavras, Brasil
cassiavps@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-1730-185X
Estela Aparecida Oliveira Vieira
Universidade Federal de Lavras, Lavras, Brasil
estela.ap.o.vieira@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-2191-5918
Arlete Vilela de Faria
Universidade Federal de Lavras, Lavras, Brasil
arletev.faria@gmail.com - https://orcid.org/0000-0001-7953-474X
Recebido em 27 de maio de 2021
Aprovado em 03 de outubro de 2022
Publicado em xx de abril de 2023
RESUMO
Este estudo tem por objetivo compreender, na visão dos professores do Atendimento Educacional Especializado da Sala de Recurso Multifuncionais, se o laudo médico é considerado um instrumento imprescindível ou prescindível na realidade vivenciada. Para tanto, se caracteriza como uma pesquisa quanti-quali e exploratória, com base em dados secundários, que teve como participantes 40 professoras que atuavam nas Salas de Recursos Multifuncionais e que fazem parte de uma Secretaria Regional de Ensino do Estado de Minas Gerais. Os resultados apontam que as Salas de Recurso Multifuncionais, no momento da pesquisa, eram frequentadas tanto por estudantes público-alvo da educação especial, como por estudantes com outras especificidades. O que nos levou a questionar a exigência do laudo médico. Os dados da pesquisa apontam que, para alguns professores, a exigência é vista como uma forma de exclusão, já que o acesso ao laudo não é um percurso simples e acessível a todas as famílias, e nem todos os estudantes do atendimento educacional especializado faziam parte do público alvo. Para outros professores, ele é um apoio para a intervenção pedagógica. Ao final foi possível evidenciar que o laudo é um instrumento que, em uma perspectiva inclusiva, deveria servir apenas como complemento. Conclui-se que a maneira como a política atual se estrutura, não resolve o problema dos encaminhamentos, mas sim deixa uma lacuna no atendimento de estudantes que não se enquadram na política de educação especial, sendo ela mais uma vez excludente.
Palavras-chave: Educação Especial. Laudo médico. Atendimento em Sala de Recursos. Políticas Públicas em Educação.
ABSTRACT
This study aims to understand, in the view of the teachers of the Specialized Educational Care of the Multifunctional Resource Room, whether the medical report is considered an indispensable or essential instrument in the reality experienced. To this end, it is characterized as a quanti-quali and exploratory research, based on secondary data, which had as participants 40 teachers who worked in the Multifunctional Resource Rooms and who are part of a Regional Teaching Secretariat of the State of Minas Gerais. The results indicate that the Multifunctional Resource Rooms, at the time of the research, were frequented both by students targeted by special education, as well as by students with other specificities. Which led us to question the requirement of the medical report. The research data indicate that, for some teachers, the requirement is seen as a form of exclusion, since access to the report is not a simple and accessible route for all families and not all students of specialized educational care were part of the target audience. For other teachers it is a support for pedagogical intervention. In the end, it was possible to show that the report is an instrument that, in an inclusive perspective, should serve only as a complement. It is concluded that the way the current policy is structured does not solve the problem of referrals, but rather leaves a gap in the care of students who do not fit the policy of special education, being once again excluding.
Keywords: Special education. Medical report. Service in resource room. Public Policies in Education.
Introdução
No Brasil, o acesso à educação em escolas regulares por estudantes com deficiência se iniciou em meados dos anos 1990, mas já vinha sendo discutido pela agenda educacional desde a década de 1970. Ela era citada nas leis de diretrizes e bases educacionais, porém é somente na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 208, que passa a ser garantida na rede regular de ensino, de preferência. Como quase todo processo de cunho político que envolve questões sociais e estruturais, este ainda se encontra em curso de normatizações e adequações (RIBEIRO, 1993).
Se percorrermos o fio da história veremos que os avanços nos direitos das pessoas com deficiência foram significativos, mas ainda apresentam muitas lacunas. Inicialmente elas vivenciaram um processo educacional longe do ensino regular, eram vistas como pessoas incapazes, improdutivas. Por essas características, elas deveriam ficar em ambientes próprios para que pudessem receber a assistência necessária que precisavam. Isso porque a educação de pessoas com deficiências por muito tempo foi vista como uma intervenção curativa. Na pedagogia, a prática da reeducação proposta consistia em identificar e tratar dificuldades de aprendizagem a partir de ações de medição, de classificação de desvios e de elaboração de planos de trabalho. O enfoque era predominante médico-pedagógico, o que, segundo Drouet (1995), recebeu o nome de “Psicopedagogia Curativa” ou “Pedagogia Curativa” e designava, além de uma ação de reeducação especializada, exercícios de readaptação.
Diniz, Barbosa e Santos (2009) considera esse modelo apresentado acima como biomédico, que sustenta a deficiência como disablism. Sob esse olhar impera a cultura da normalidade do corpo, e esta se constitui na relação de causalidade e dependência entre os impedimentos corporais e as desvantagens sociais vivenciadas. Os autores destacam que esse modelo foi contestado pelo modelo social. Neste último, o social, a deficiência decorre da interação do corpo com os impedimentos e barreiras sociais que restringem a participação plena e efetiva das pessoas na sociedade.
Essas alterações históricas são fruto de mudanças culturais e concepções sociais que impulsionaram, pouco a pouco, uma reconfiguração na estrutura organizacional do ensino (CAMARGO, 2014), até que os alunos com deficiência fossem incluídos nas escolas, na rede regular de ensino. Juntamente ao processo histórico foi necessário a criação de leis específicas que garantissem o direito à educação de qualidade das pessoas com deficiência. Foram estabelecidas um conjunto de normas, em formas de leis, decretos e portarias para garantir os serviços de apoio à educação especial, em busca da eliminação de barreiras e para que o processo de inclusão dos alunos da educação especial nas escolas regulares fosse garantido.
No entanto, uma das questões que hoje ainda permeia esse processo de inclusão na prática docente são os diagnósticos clínicos. Um dos questionamentos é a necessidade ou não do laudo médico como base para as práticas pedagógicas realizadas nas SRMs1 e na oferta do Atendimento Educacional Especializado - AEE. Isso porque ainda há uma discussão instalada sobre o modelo biomédico e o modelo social. Por mais que o modelo biomédico tenha sido contestado e não esteja mais presente na concepção atual de deficiência, ele está presente nas políticas estruturantes, pois o próprio repasse de verba educacional (BRASIL, 2011) é vinculado ao laudo médico e não a uma avaliação multidisciplinar.
Nesse cenário, também se coloca a necessidade de reconhecimento e fortalecimento da "acuracidade do professor" na identificação de crianças com dificuldades de aprendizagem e seu encaminhamento ou não para o diagnóstico especializado. Vale dizer que essa avaliação do professor se refere às dificuldades de comportamento e de aprendizagem relacionadas ao processo pedagógico e não a processos etiológicos de classificação de distúrbios, transtornos e deficiências. Os estudantes estão em contato direto com os professores e estes, "talvez possam, com muita propriedade, identificar aquelas que necessitam de recursos especiais de ensino-aprendizagem" (FEITOSA; PRETTE; LOUREIRO, 2007, p. 238). Os autores ainda apontam estudos que demonstram a assertividade do professor no encaminhamento dos estudantes ao profissional especializado, ressaltando a importância do trabalho conjunto entre a escola, a família e os profissionais da saúde.
Segundo as orientações da Nota técnica 04/2014 da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) o atendimento do estudante é pedagógico e não clínico, ou seja, o laudo é um documento complementar. Este procedimento se justifica no direito à educação independente da presença ou não do laudo. Dito de outra forma, a pessoa com necessidade de inclusão “não poderá ter seu direito cerceado pela exigência de laudo médico”, uma vez que o acesso à educação é direito instituído na legislação (BRASIL, 2014, p. 3).
A intervenção do professor é pedagógica e se fundamenta na estruturação de estratégias de aprendizagem que contribuam para o crescimento desse estudante e sua ocupação na sociedade (FEITOSA; PRETTE; LOUREIRO, 2007). Assim, se o laudo se apresenta apenas como caráter classificatório, sem uma discussão que aponte as dificuldades a serem vencidas e as possibilidades de superá-las, o que ele acrescenta para o professor? A ideia é que o percurso do estudante - com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) ou altas habilidades/Superdotação (AH/SD), assim como daqueles com outras dificuldades de aprendizagem - possa ser pensado a partir de um conjunto de atividades, recursos de acessibilidade pedagógica e financiamento conforme as necessidades apresentadas.
Para o modelo social a intervenção pedagógica deve focar nas potencialidades das crianças em interação com o meio e não seus impedimentos. O laudo faz sentido para o pedagogo quando este acrescenta informações que darão suporte a sua intervenção prezando pela equidade, caso contrário, essa será apenas mais uma classificação discriminatória. A Lei 13.146 de 2015 ou Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015, p.1), institui que quando necessária a avaliação deve ser “biopsicossocial, realizada por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar”, para que haja uma classificação das necessidades do estudante com fins de orientação dos serviços e ações. A avaliação da deficiência deverá levar em conta os "impedimentos nas funções e estruturas do corpo", além da influência dos "fatores socioambientais, psicológicos e pessoais" na efetivação ou restrição de atividades.
Santos (2018, p. 8) lembra que atualmente, “em resposta à dicotomia desenvolvida no interior tanto do modelo biomédico quanto do modelo social, sugere-se a incorporação, ao debate teórico sobre deficiência, da abordagem biopsicossocial”. A ideia é uma proposta que una os dois modelos anteriores, utilizando fatores biológicos, psicológicos e sociais. No entanto, como veremos ao longo dessa discussão, este modelo ainda está longe de ser uma realidade. Para isso cabe ao Estado criar instrumentos/sistemas para avaliação da deficiência, sendo este o grande nó atual. Isso porque, atualmente, o que ocorre é uma “certificação da deficiência” para fins de políticas afirmativas e assistenciais, previdenciárias e tributárias. Isso acaba por provocar uma tensão no ambiente escolar, pois a escola e os professores precisam estar aptos a receber estes estudantes, uma vez que a inclusão escolar abrange acolher e intervir nas dificuldades de aprendizagem.
A discussão aqui apresentada, se relaciona com uma avaliação para além de uma “cerificação”, uma avaliação biopsicossocial enquanto processo para estudantes que necessitam de algum tipo de apoio para efetivação do seu processo de aprendizagem. Independente de uma necessidade transitória, ou duradoura, é necessário que haja um sistema de apoio para que os estudantes sejam encaminhados aos serviços adequados conforme as especificidades de cada um. O que não significa que todos precisem de acesso ao AEE, mas que precisam de um atendimento diferenciado. Ademais, é necessário que uma política de cunho educacional inclusiva seja pensada e estruturada para além de recursos previdenciários e tributos. A abordagem deve ser de formação humana, de apoio e preparo deste para sua inclusão na sociedade. O que parece estar ainda em discussão no Senado é o embate entre dois modelos, um centrado no médico enquanto perito para realizar a avaliação e diagnóstico, e outro que vê a necessidade de uma equipe multidisciplinar para efetivar o diagnóstico e propor uma intervenção adequada. Isso porque, para além dos impedimentos causados pela deficiência em si, existe a necessidade de entender e avaliar o impacto desses impedimentos na relação do sujeito com a sociedade. Apontando que uma avaliação unicamente médica pode infringir no erro desta ser apenas física, negligenciando os aspectos social e psíquico - sendo este indicado pela própria Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma maneira de integrar os aspectos físicos, sociais e psicológicos (BRASIL, 2019).
Por isso, este estudo tem como objetivo compreender, na visão dos professores do Atendimento Educacional Especializado da Sala de Recurso Multifuncionais, se o laudo médico é considerado um instrumento imprescindível ou prescindível a partir da realidade vivenciada em uma Secretaria Regional de Ensino do Estado de Minas Gerais.
Metodologia
Esta é uma pesquisa mista, de cunho quanti-quali, de base exploratória (SEVERINO, 2007), através da qual buscou-se delinear e levantar informações para compreender a importância do laudo médico nas salas de recursos multifuncionais, se este é considerado um instrumento imprescindível ou prescindível na visão de seus atores. A pesquisa tem origem em um recorte realizado no banco de dados de uma pesquisa que teve como participantes 40 professoras que atuam nas SRMs e que fazem parte de uma Secretaria Regional de Ensino do Estado de Minas Gerais.
Inicialmente foi realizada uma revisão da literatura para apropriação do tema e observação das lacunas apresentadas. A busca por artigos na base Google Acadêmico, entre os anos 2010 e 2019 utilizando os descritores “Atendimento Educacional Especializado” e “Laudo médico”, fazendo uso do operador booleano AND. A pesquisa retornou aproximadamente 1.610 artigos. Foram selecionados 30 estudos, com base no título e resumo. Desses, foram excluídos os textos que não abordavam a temática ou não se tratava de artigos. Em seguida, passando por um refinamento maior, foram utilizados os que apresentaram pesquisa de campo em sua metodologia. Ainda, verificou-se aqueles que mais se aproximavam do tema abordado, ou seja, que tratavam sobre o AEE e o atendimento de estudantes com deficiência com e sem laudo médico nas Salas de Recursos Multifuncionais, levando, por fim, à escolha de 16 estudos. Não se pretendeu com essa etapa realizar uma revisão sistemática e integrativa da literatura, mas sim, construir um referencial que pudesse dialogar com achados, justificando ou contradizendo os mesmos. Em seguida foi realizado o recorte dos dados quantitativos e de entrevistas constantes no banco de dados de uma pesquisa para posterior análise. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo comitê de ética da Universidade Federal de Lavras - UFLA em 15 de dezembro de 2017, conforme Parecer nº 2.442.256.
A análise qualitativa pautou-se no método de análise do discurso proposto por Bardin (2011), e os dados quantitativos foram analisados através do programa Excel, apresentando os resultados em forma de gráficos. Esta etapa resultou na categorização dos achados em unidades que serão apresentadas como subtópicos no item a seguir.
De modo a compreendermos se o laudo médico é um instrumento imprescindível ou prescindível nas SRMs, primeiramente, iremos conhecer alguns aspectos relacionados aos profissionais que atuam nas SRMs pesquisadas por Faria (2019) e sobre os alunos que as frequentam. Participaram da pesquisa 40 professores de salas de recursos de uma Secretaria Regional de Ensino do Estado de Minas Gerais, ou seja, 57,14% do universo amostral. Das professoras entrevistadas 39 atuam na zona urbana, e 1 atua na zona Rural, sendo que dessas, apenas uma professora apontou não ter formação na área da Educação Especial e/ou Educação Especial Inclusiva. Em relação ao tempo de atuação dos professores nas SRMs, este varia entre 1 a 14 anos, sendo que 20,5 % atuam a um ano, 15,4% a dois anos, 17,9% a três anos, 15,4% a quatro anos e 30,8% mais de quatro anos de atuação.
Em relação ao número de estudantes atendidos na SRMs pesquisadas, de um total de 887 estudantes com deficiências, o número de alunos atendidos por cada professor varia de 9 a 43 estudantes. O gráfico traz a relação dos estudantes atendidos na regional de acordo com o tipo de deficiência.
Gráfico 1- Alunos atendidos nas SRMs
Fonte: Autores (2021)
Há a predominância da deficiência intelectual (DI), de estudantes com transtorno do espectro autista (TEA), bem como uma quantidade considerável de estudantes que se enquadram em outras deficiências. Isso porque, além dos estudantes considerados público-alvo da educação especial, nas SRMs pesquisadas por Faria, Vieira e Martins (2021) também são atendidos alunos que não possuem laudo médico, estudantes em processo de avaliação e estudantes que não se enquadram nas categorias de atendimento. Podemos perceber que, no momento da pesquisa, em um total de 887 alunos atendidos nas SRMs, 236 não faziam parte do público-alvo da Educação Especial, fator que nos chamou a atenção. Ao avançarmos na pesquisa foi possível verificar que esta é uma realidade vivenciada não só por estes professores das SRMs vinculadas à Secretaria Regional de Ensino do Estado de Minas Gerais, mas também por professores de outras secretarias e redes de ensino. Os estudantes que não se enquadram no AEE da SRM são aqueles com transtornos funcionais específicos, que englobam desde discalculia, disgrafia, Transtorno do Déficit de Atenção, entre outros. Estes estudantes não necessitam de apoio para avançar no seu processo de aprendizagem? Seria a SRM também uma possibilidade para esses estudantes?
Pletsch, Rocha e Oliveira (2016, p. 116) enfatizam que nas redes municipais da Baixada Fluminense, as SRMs “por estarem sendo consideradas por muitos professores uma "panaceia" educacional”. Em outros termos, as SRMs acabam por receber também estudantes com “dificuldades de aprendizagem”, aumentando o número de atendimentos, causando uma sobrecarga de trabalho para o professor especialista.
Milanesi e Cia (2017, p. 73) revelam que as professoras das SRMs de um município de médio porte no interior de São Paulo, "trabalhavam com diferentes tipos de deficiências e transtornos globais de desenvolvimento”. A sala de recurso recebe alunos que ainda estavam passando pelo processo de avaliação, ou mesmo que não possuíam deficiência e com outras especificidades.
Na análise do banco de dados construído por Faria (2019), pode-se observar que duas das professoras entrevistadas expõe essa realidade.
Professora C: Então a gente às vezes fica naquela expectativa, e é difícil da gente ver a resposta. Porque tem uns que chegam... assim, a maioria é o Déficit de atenção dos meninos que frequentam aqui, e a maioria é menino... não meninas, {então} e a hiperatividade, que é aquele desassossego!
Professora D: Aqui nessa sala eu tenho 03 autistas, um auditivo, 02 intelectuais, e a maioria é dificuldade de aprendizagem com TDAH. É bem diverso. E um com baixa visão.
Um aspecto importante sobre esta grande demanda é entender o porquê destes estudantes serem encaminhados para as SRMs, mesmo não fazendo parte do público que, por lei, têm direito ao AEE. Alguns estudos apresentam elementos que devem ser considerados na busca da estruturação de políticas públicas que visem a organização do AEE. Por exemplo, a pesquisa realizada por Oliveira e Manzini (2016, p. 566), sobre o encaminhamento de estudantes para as SRMs, em que a principal justificativa dada pelas professoras da sala regular para encaminhar os alunos que não faziam parte do público-alvo da educação especial era a de que o aluno apresentava “dificuldades em acompanhar a aprendizagem da classe regular”.
A pesquisa de Silva e Ribeiro (2017) relata que o encaminhamento ocorreu quando professoras da sala regular consideravam que o aluno tinha algum “problema”. Ou, como aponta Milanesi e Cia (2017), quando mesmo os alunos não fazendo parte do público-alvo da educação especial, eram autorizados pelo próprio município a participarem das SRMs e receberem o AEE.
Em nossa pesquisa constatamos que, de todas as SRMs pesquisadas, 19% atendiam mais estudantes que não faziam parte do público-alvo da educação especial do que estudantes considerados público-alvo. A partir desses dados, uma possível hipótese poderia estar relacionada a uma confusão normativa gerada pela antiga Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), de 2008 (Brasil, 2008) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 (Brasil, 2017). A PNEEPEI, com o intuito de apresentar maiores condições inclusivas e de equidade propõe a inserção de estudantes com transtornos funcionais específicos na escola, o que engloba a dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, transtorno de atenção, hiperatividade, dentre outros. Esta política traz um novo formato para o atendimento pedagógico de estudantes com necessidades educacionais especiais a partir dos serviços de apoio especializado: o AEE que é oferecido nas SRMs. No entanto, o conteúdo desta política se sobrepõe a LDB ao incluir os alunos com transtornos funcionais específicos como um público a ser atendido pela educação especial em articulação com o ensino comum, gerando um impasse na interpretação dos direitos dos alunos com transtornos funcionais específicos, pois, apesar de serem citados na Política, não são citados na LDB.
Como observado, vários podem ser os motivos que levam ao encaminhamento dos alunos que não fazem parte do público-alvo da educação especial para as SRMs, mas será que todos estes estudantes realmente necessitam estar nesse espaço? E quando estão nas SRMs têm suas necessidades atendidas? Para Barbosa, Nascimento, Cavalcante e Silva (2019), estudantes com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), apesar de não fazerem parte do público-alvo, são inseridos constantemente nas SRMs e necessitam estar nestes espaços por serem estudantes que, devido ao seu perfil, diariamente se deparam com barreiras educacionais e sociais - e o AEE pode auxiliá-los a ultrapassar essas barreiras e enfrentar suas dificuldades.
Para Oliveira e Manzini (2016) é necessário que sejam criadas políticas que atendam as especificidades destes alunos e que garantam seu direito a uma educação de qualidade. Ademais, para que tenhamos uma educação de qualidade ela necessita ser condizente com as necessidades dos estudantes, devendo possibilitar o seu desenvolvimento.
No Estado de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2020), a opção também foi por seguir a LDB. Portanto, somente os alunos com deficiência, TGD, AH /SD poderão receber o AEE. Neste caso, fica vedada a oferta do AEE aos estudantes que não são público-alvo da Educação Especial nas SRMs. Isso nos leva a pensar sobre qual o tipo de atendimento que a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais oferecerá aos estudantes que não fazem parte do público-alvo da educação especial? Refletir sobre como os estudantes com Dislexia e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, a partir da instituição desta normatização, terão suas necessidades atendidas?
Um exemplo de política que pode ser estruturada e implementada, é o programa desenvolvido em Portugal. Segundo Rodrigues e Nogueira (2011, p. 8), a Lei estabelece que seja criado um documento orientador que estabeleça “respostas educativas e respectivas formas de avaliação para cada aluno”.
Tal documental legal circunscreve a Educação Especial aos alunos com Necessidades Educativas Especiais de Caráter Permanente (NEECP), formalizando a separação entre a Educação Especial - exclusiva para os alunos que apresentem NEECP identificados por referência à CIF – e os Apoios Educativos, que prestam atendimento aos restantes alunos com dificuldades escolares (RODRIGUES; NOGUEIRA, 2011, p. 8).
Entendemos que o ambiente educacional é um espaço em que as necessidades dos estudantes são diversas, e que, proporcionar uma educação que de fato atenda às necessidades de todos os educandos é algo complexo, por envolver diferentes atores. Porém, olhar para as especificidades dos estudantes, compreendendo que cada um aprende no seu tempo e do seu modo, que não existe um modelo padrão de estudantes, contribui para que haja uma mudança significativa no modo como a escola vê seus estudantes.
E os alunos sem laudo? Como fica essa questão?
Nas SRMs pesquisadas por Faria (2019), 214 estudantes recebiam o AEE sem possuir o laudo médico. Essa não exigência do laudo médico nos leva a levantar a hipótese de que esses estudantes tanto podem fazer parte do público-alvo da educação especial, como também podem não fazer. Para além, nós temos em âmbito internacional e nacional legislações que dispõe sobre a importância de incluir todos os estudantes na rede regular de ensino e fornecer a eles o suporte necessário para promover seu desenvolvimento e aprendizagem.
Gráfico 2- Professores que atendem estudantes sem diagnóstico ou que não se enquadram nas categorias de atendimento (deficiência, TEA/TGD, altas habilidades)?
Fonte: Autores (2021)
Através do nosso estudo fica evidente o grande número de estudantes que eram, até então, atendidos sem laudo - representando 67,5% dos estudantes atendidos.
Um dos meios de promover o desenvolvimento e aprendizagem é por meio do AEE aos estudantes público-alvo da educação especial, definidos como estudantes com deficiência, TGD e AH / SD (BRASIL, 2017). No entanto, quando estamos diante de uma demanda espontânea nos cabe questionar se isso torna a educação especial excludente? Se observada sob a ótica internacional e a definição de educação inclusiva, sim. Pois esta se funda no preceito de que um modelo educacional fundamentado na concepção de direitos humanos deve comungar igualdade e diferença como valores indissociáveis, seja no espaço escolar ou fora dele (SILVA NETO et al., 2018). Deve-se entender que educação especial é parte da educação inclusiva, sendo a política direcionada a esta última modalidade. Havendo assim a necessidade de reestruturação na forma como esta é organizada e não na simples exclusão ou inclusão via laudo.
A nota técnica 04/2014 (BRASIL, 2014, p.1) é clara ao pontuar que “a avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar”. Devendo a equipe ser formada também por assistente social, pedagogo e psicólogo. A avaliação realizada por estes profissionais deve considerar: “os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; a limitação no desempenho de atividades; e a restrição de participação” dos estudantes.
Para Oliveira e Manzini (2016, p. 561) é importante identificar os alunos que frequentam as SRMs. Essa identificação está diretamente relacionada à definição “da deficiência, transtorno, altas habilidades/ superdotação e as dificuldades de aprendizagem”. Outro ponto levantado é que a não identificação desses estudantes está relacionada “a matrícula duplicada, ao recebimento de verbas2 e ao papel do laudo, cuja necessidade para matrícula é um ponto de muita controvérsia”.
Algumas professoras participantes da pesquisa de Silva e Ribeiro (2017) e de Tartuci, Flores, Bergamaschi e Deus (2014), e gestoras participantes da pesquisa de Pletsch e Paiva (2018) defendem o uso do laudo. Nas pesquisas é justificada a exigência pela necessidade de realização da matrícula e/ou encaminhamento dos alunos para as SRMs. Para estes pesquisadores o laudo médico é necessário para comprovar quais estudantes podem ou não receber o AEE, evitando que estudantes que não fazem parte do público-alvo frequentem as SRMs. Alguns professores e professoras reforçam que não se sentem à vontade em avaliar os estudantes, que esta função não cabe a eles, mas a um médico ou a uma equipe da área da saúde juntamente com a(o) psicopedagoga(o). Que mesmo possuindo formação, sendo especialista em Educação Especial, não cabe a elas falar se o estudante tem ou não uma deficiência.
Além disso, as professoras apontam que o laudo é importante para direcionar a prática pedagógica, pois apresenta a deficiência do estudante, e assim é possível trabalhar a partir da necessidade, dificuldade dele (SILVA; RIBEIRO, 2017). Desta forma, o laudo é colocado como um norte, ajudando na elaboração de estratégias de intervenção nas SRMs, pois senão o trabalho fica baseado no achismo “do que o pai ou a que a mãe falou” (TARTUCI et al., 2014, p.76) ou no da própria professora especialista (SILVA; RIBEIRO, 2017, p 155).
Para as gestoras o laudo também “é importante para evitar o aumento artificial de alunos com deficiência nas SRMs e evitar distorções nos dados do Educacenso3”. A justificativa da importância desse laudo é porque, como não há nas escolas uma discussão sobre as possibilidades que a Nota Técnica 4/2014/ MEC/SECADI/DPEE traz - por exemplo, discutir a não exigência do laudo com base nas possibilidades de abordagens pedagógicas ou “como o de realizar um estudo de caso como uma medida prévia ao encaminhamento ao AEE” - os professores acabam encaminhando uma grande quantidade de estudantes com “suspeita de deficiência intelectual” para serem atendidos nas SRMs (PLETSCH; PAIVA, 2018, p. 1049). Seria então justificada a utilização do laudo médico nas SRMs para identificação dos alunos público-alvo da educação especial em detrimento da discussão das necessidades de aprendizagem dos estudantes que necessitam de inclusão?
Para Silva e Ribeiro (2017, p. 158) a defesa do laudo como instrumento de identificação dos alunos público-alvo da educação especial “é compreensível, pois se não houver critérios, todos os alunos que apresentem algum distúrbio no processo de ensino aprendizagem, serão considerados como sujeitos com disfunções biológicas". Porém, quando ele é utilizado para organização do trabalho pedagógico, ele pode ser prejudicial, por não apresentar possibilidades. Quando o estudante é analisado apenas a partir de questões biológicas, a aprendizagem dele pode estar prejudicada. Isso porque a aprendizagem é social, e, ao serem indicadas apenas suas limitações, nego suas potencialidades e o impacto do ambiente em seu desenvolvimento.
Já para Pasian, Mendes e Cia (2019, p. 8), de acordo com uma pesquisa realizada por elas com 1.202 professores de SRMs, de 20 estados e em mais de 100 cidades, a dificuldade em identificar os alunos com AH/SD e DI:
[...] está relacionada à formação dos profissionais que atuam com estes alunos, pois se tratam de casos subjetivos, uma vez que muitas vezes não acarretam mudança nos aspectos físicos do aluno. Quanto aos casos de TGD, estes podem se mostrar muito diversos, variando as características e as necessidades em demasia, de tal forma que há dificuldade em se definir o diagnóstico exato (PASIAN; MENDES; CIA, 2019, p.8)
Na pesquisa realizada por elas, mais da metade dos professores demonstram dificuldade em identificar/encaminhar alunos com TGD, AH / SD e com DI, sendo que “a dificuldade mais expressiva foi em diagnosticar suspeita de AH/SD (67%) seguido de TGD (57%) e deficiência intelectual (52,3%)”. Podemos dizer que isso revela, por um lado, a necessidade da realização da avaliação biopsicossocial dos estudantes por uma equipe multidisciplinar e, por outro, uma falha na formação desses professores? Cabe ao professor a identificação e avaliação pedagógica das dificuldades de aprendizagem. Considerando as especificidades, o diagnóstico é clínico, mas a avaliação da aprendizagem é pedagógica. A dificuldade de identificar o estudante que precisa frequentar a SRM entre as próprias professoras da escola é evidenciada através do relato da Professora G, a entrevistada relata que:
Professora G: [...] Sem falar que muitos regentes não dão o suporte que a gente necessita. Acha que a sala recurso é uma sala de reforço que eu tenho obrigação de sanar aquela dificuldade e eles não colocam na cabeça que aquele menino tem algum tipo de deficiência intelectual, né... um autismo e que não se sana essa dificuldade assim de uma hora para outra, é tudo no tempo dele (FARIA, 2019, p.194).
Este relato demonstra as dificuldades do professor da sala comum em compreender o objetivo da SRMs, ou é um pedido de ajuda para apoiar um processo de ensino e aprendizagem ao qual ele não está dando conta? Por isso a defesa da avaliação biopsicossocial, realizada por uma equipe multidisciplinar de forma multidimensional. Esta avaliação não foca somente nos aspectos corpóreos, para a determinação da incapacidade, mas compreende um conjunto complexo de condições e interações, muitas delas criadas pelo ambiente social e cultural.
Dessa forma, na prática o laudo médico, se realizado de forma isolada do contexto, configura-se muito mais uma questão burocrática do que um instrumento que norteia a prática profissional. Nesse caso estará atrelado à uma categorização dos estudantes, guiada pela visão reducionista que prioriza rotulações em detrimento de intervenções educacionais (SILVA; RIBEIRO, 2017; OLIVEIRA et al., 2016).
Para as professoras que acham a exigência do laudo desnecessária, elas acreditam que, se ele é exigido, deveria ser garantido pelo poder público. Principalmente porque tem estudantes carentes que não têm condições de conseguir o laudo anualmente para comprovar a deficiência, ficando impedidos de frequentar as SRMs. Além disso, questionam a exigência do laudo para a realização da matrícula dado que, se a criança nasceu com a deficiência e esta deficiência é evidente, não tem por que exigir o laudo anualmente, uma vez que ele não se altera, sendo, portanto, uma exigência desnecessária (TARTUCI et al., 2014).
Segundo Tartuci et al. (2014, p. 81), as professoras, quando atendem alunos sem laudo, sabem das dificuldades enfrentadas por eles e “são cúmplices para proporcionar a aprendizagem da criança em questão”. Essas professoras chegam a recorrer junto com as famílias e associações, bem como a entidades para conseguir que essa criança tenha, inclusive, condições mais dignas de sobrevivência - “[…] são, nesse sentido, humanizadoras das condições que se sobrepõem à burocracia da escola”.
Outro aspecto que inviabiliza a utilização do laudo é com relação à forma como é produzido. Muitas vezes referido laudo é confeccionado pelos profissionais da área da saúde de forma descontextualizada (PLETSCH; PAIVA, 2018), e fragilizada por estar longe da realidade social a que pertencem os estudantes. Normalmente são fechados e não explicativos, assim se tornam frágeis as formas como são apontadas as deficiências e sua aproximação com o processo de aprendizagem e desenvolvimento do estudante. Vale dizer que nos laudos constam o código da Classificação Internacional de Doenças (CID) e as solicitações para os demais atendimentos especializados (ANACHE; RESENDE, 2016, p. 580).
Esses apontamentos demonstram que a discussão sobre receber estudantes nas SRMs sem ou com o laudo médico requer um avanço político e estrutural e pede cuidado e atenção no processo de avaliação e encaminhamento. Isso porque a exigência do laudo está relacionada ao acesso ao sistema de saúde, podendo denotar “imposição de barreiras ao acesso dos alunos público-alvo da educação especial aos sistemas de ensino, configurando-se em discriminação e cerceamento de direito” (BRASIL, 2014, p. 3). Neste sentido o papel da equipe multiprofissional se torna de grande relevância, pois será formada por profissionais capacitados para avaliarem os estudantes a partir de questionamentos sobre seu histórico de vida. Poderão perceber as dificuldades e as potencialidades que eles possuem, sendo possível identificar a necessidade ou não deste estudante em receber o AEE. A avaliação realizada pela equipe multidisciplinar pode contribuir para retirar da escola, ou ao menos minimizar, a dependência do laudo médico, principalmente porque muitas professoras veem o laudo como o principal meio de avaliação dos estudantes.
O uso do laudo na estruturação da intervenção
Pensar a estruturação do laudo a partir de uma equipe multiprofissional auxiliará na elaboração do Plano de Desenvolvimento Individualizado dos Estudantes. Para Poker, Martins, Oliveira, Milanez e Giroto (2012)
[...] por meio dos dados coletados no processo de avaliação, é possível decidir quais são os melhores recursos, atitudes, estratégias e metodologias, bem como quais objetivos e conteúdos devem ser desenvolvidos, de forma a preencher as necessidades e interesses do aluno, dando-lhe uma resposta educativa adequada às suas possibilidades, favorecendo seu pleno desenvolvimento [...]. Com base nos dados coletados na avaliação, o professor é capaz de planejar e oferecer respostas educativas específicas adequadas e diversificadas, que proporcionam, para o aluno, formas de superar ou compensar as barreiras de aprendizagem existentes nos diferentes âmbitos. Assim, a escola organiza-se, propiciando as melhores condições possíveis de aprendizagem (POKER et al., 2013, p. 22-23).
Após a realização da avaliação de identificação dos estudantes deve-se, então, pensar na sistematização do Plano de Desenvolvimento Individual (PDI). Este é um documento obrigatório, elaborado para realizar o acompanhamento do desenvolvimento e aprendizagem do estudante da educação especial (MINAS GERAIS, 2020). O objetivo do PDI é atender às necessidades de cada estudante, para que sejam superadas ou compensadas as barreiras de aprendizagem diagnosticadas e, principalmente, que as barreiras sejam transpassadas pelo próprio estudante. Sua elaboração deve ser com base na história de vida e acadêmica do estudante, sendo necessário apresentar a avaliação diagnóstica pedagógica, planejamento, acompanhamento e avaliação final. Sobre a realização da avaliação e a elaboração do PDI, as professoras participantes desta pesquisa relatam que:
Professora A: Na verdade os professores regentes de aula que fazem o PDI. Aí a gente trabalha em cima daquela dificuldade que eles passam para a gente. Aí, a avaliação acaba sendo deles, mas aí na primeira semana que a gente vai conhecer o aluno, acaba que a gente faz como se fosse uma entrevista [...] Aí junta a dificuldade, a entrevista que a gente conheceu, e começa o trabalho.
Professora C: [...] tem o Guia de Orientação da educação especial, e agora, esse ano passado, foi em julho, veio o guia para construção do PDI. Eu segui ele todinho, eu elaborei o modelo novo que vai ser o primeiro ano que a gente tá usando.
Em relação a como elaboram seu plano de ensino e seu plano de aula, o estudo aponta da seguinte forma:
Professora A: Então, minha elaboração se dá em cima do PDI que as professoras regentes me passam. Aqui a gente faz semestral. Elas entregaram no início do primeiro semestre, [...] e a gente fez os planos do primeiro semestre.
Professora B: Então, o plano de ensino a gente segue... o professor monta o planejamento pra aquele aluno, e a gente vai tentando adaptar atividades em cima do planejamento do professor. Só que é igual eu te falei, tem alguns que não conseguem seguir o planejamento do professor, aí a gente vai montando de acordo com a necessidade.
Professora D: [...] em cima da avaliação diagnóstica que eu dou no começo, quando o aluno chega até mim, e o PDI que o professor monta pra mim. [...] faço um plano de ação, um plano de adequação. Aí, eu trabalho esse plano de adequação com o aluno o ano todo. Eu vou variando durante as sessões que ele vem, o atendimento [...] de acordo com as dificuldades que ele vai tendo [...].
Professora E: Plano de ensino é de acordo com as deficiências e as habilidades. A gente faz uma avaliação inicial das habilidades e das dificuldades dos meninos, e aí eu monto para a PAEE [...] em cima do que é necessário ser trabalhado com esses meninos durante o ano. O plano de aula depende muito da necessidade. Eu tento seguir o plano PAEE, mas às vezes surgindo alguma demanda imediata de... às vezes algum conteúdo complementar, alguma coisa ao longo do ano eu vou adaptando.
Professora F: A partir da avaliação deles - dos alunos, porque existe uma habilidade que eles precisariam ter para aquela série, mas também existe o perfil com que eles chegaram naquela série. Então, é a partir da avaliação deles que o planejamento é feito.
Pelas respostas das professoras é possível perceber que tanto a elaboração do PDI, quanto a realização da avaliação e do planejamento das ações que serão desenvolvidas com os estudantes parece ser um trabalho isolado. Desse modo, é como se cada professora fizesse a sua parte e, ao término, transferisse para a outra, essa que recebe irá executar, realizar a parte que lhe cabe. Parece não haver uma colaboração, uma articulação dos professores da sala comum e da SRMs na tomada de decisão sobre as atividades que serão desenvolvidas com os alunos. A Professora B, citada acima, aponta que o professor que monta o planejamento, ela, professora da SRMs, adapta, mas que tem estudantes que não conseguem seguir o que foi planejado pelo professor, então ela monta o seu plano de acordo com as necessidades dele. Ainda de acordo com os apontamentos das professoras, é possível perceber que, em algumas escolas, a avaliação e o PDI são realizados pela professora regente, em outras, a própria professora da SRMs.
O estudo aponta que alguns professores da sala comum pensam que seu papel é de identificar o estudante e encaminhá-lo para a SRMs, não se comprometendo com o processo de alfabetização de seus discentes, deixando essa função para o professor especialista. E que o professor especialista, dentre suas inúmeras atribuições, assume a responsabilidade pela alfabetização, o que na realidade deve ocorrer na sala de aula regular. Nesse sentido, é importante destacar que, diferentemente do que vem sendo realizado, o que realmente precisa ser feito é uma articulação entre esses professores para a elaboração dos planejamentos e atividades que serão realizadas nas SRMs (GIROTO; SABELLA; LIMA, 2019).
Nas orientações disponibilizadas pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais para a construção do PDI, está descrito que ele deve ser elaborado por todos os profissionais envolvidos no processo de escolarização dos estudantes. A Resolução SEE nº 4.256/2020 reforça o que foi especificado nas orientações disponibilizadas pela Secretaria e traz ainda que os professores da sala comum devem elaborar o PDI “em conjunto com o especialista da educação básica e com o professor do atendimento educacional especializado” (MINAS GERAIS, 2020, p.2). Quanto ao Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE), este sim é de responsabilidade do professor da SRMs. O professor da sala recurso tem dentre suas funções tanto a elaboração quanto a execução do PAEE, de forma a identificar as necessidades educacionais dos estudantes e assegurar que estas necessidades sejam atendidas.
O processo de avaliação é, portanto, a base para o atendimento que será ofertado aos estudantes da educação especial. Esse processo deve se dar para além de um laudo, não devendo ficar a cargo de apenas um profissional, contemplando, assim, as necessidades dos estudantes. Para tal, esse processo precisa envolver vários atores: escola, professores, família e equipe multiprofissional. Em uma avaliação baseada apenas em critérios clínicos pode não ser possível identificar as reais necessidades educacionais dos alunos, o que, consequentemente, pode vir a prejudicar o seu desenvolvimento. Assim, o planejamento das atividades a serem desenvolvidas nas SRMS, como o PDI e o PAEE deveriam ser elaborados a partir da avaliação multidisciplinar de cada sujeito em suas particularidades. Portanto, é necessário um maior envolvimento dos profissionais na avaliação dos alunos e políticas públicas eficientes, tornando possível a realização de uma avaliação biopsicossocial, capaz de detectar as potencialidades e necessidades dos alunos. Fica então uma questão a ser pensada, se a caminhada não deveria seguir uma abordagem biopsicossocial? Nessa abordagem o laudo seria o fator norteador da conduta, uma vez que o caráter social, humano e a integralidade estariam presentes. As estratégias de intervenção e a abordagem pedagógica não seriam pensadas de maneira isolada.
Considerações Finais
O laudo parece-nos ser, portanto, a partir da realidade vivenciada pelas professoras e gestoras, uma dicotomia no ambiente educacional, se apresentando ora como um instrumento excludente, ora como instrumento balizador do acesso às SRMs. Algumas professoras e/ou gestores apontam o laudo como um instrumento essencial na realização do trabalho nas SRMs, e uma das justificativas dada é a de não permitir o aumento artificial de matrículas de estudantes fora do público-alvo nas SRMs. Outras professoras veem como burocrático e excludente a utilização do laudo, e ainda temos aquelas que acham importante a sua realização para apoio na intervenção.
Nesta pesquisa ficou evidente, tanto na revisão quanto nos dados coletados, que parte significativa dos estudantes atendidos na SRMs não fazem parte do público-alvo da educação especial. As revisões das políticas nacionais inclusivas demonstraram que elas ainda não conseguem responder a real demanda da população. Com relação ao uso do laudo, deste ser um instrumento imprescindível ou prescindível nas SRMs, foi possível perceber que, em uma perspectiva inclusiva, ele deveria servir apenas como complemento, cabendo à própria escola a organização do atendimento quando percebida a necessidade de uma intervenção diferenciada, entendendo esta como abordagem pedagógica. Para isso seria necessária uma revisão da articulação interna, o que inclui a demanda de tempo, preparo, reuniões, bem como uma revisão na política de financiamento.
Portanto, acreditamos que o laudo médico não deve ser um instrumento obrigatório para acesso dos educandos nas SRMs e nem o único meio de avaliação dos estudantes. O diagnóstico clínico é um instrumento complementar e deve-se tomar cuidado para que não se construa uma pedagogia prescritiva. Este é diferente da avaliação diagnóstica realizada pela equipe pedagógica que visa identificar as características de aprendizagem do estudante, dificuldades e habilidades, para direcionar o trabalho do professor.
O que nos leva a concluir que o que prescinde na realidade não é o laudo, mas sim a avaliação do professor para evidenciar a necessidade ou não de uma abordagem pedagógica diferenciada no processo de ensino aprendizagem. E a posteriori o encaminhamento para uma equipe multidisciplinar que estruture de forma integral este olhar para o estudante. É necessário que essa abordagem permita a identificação de suas necessidades, da família, da escola e professores. É necessário que o estudante seja entendido para além de um ser biológico, ou seja, também um ser social - o meio e as intervenções são agentes modificadores e constituintes de suas características pessoais, hábitos e estilos de vida.
Assim, a implementação de uma política que se fundamente no modelo biopsicossocial deve rever a atual política normativa de acolhimento dos estudantes no cenário educacional. Este estudo ainda é inicial, mas aponta a necessidade da reestruturação local e nacional para intervenções pedagógicas integradoras. O estudo nos traz alguns questionamentos e dá ênfase a lacunas a serem trabalhadas no ambiente escolar e político, como o atendimento dos estudantes que possuem dificuldades de aprendizagem ou transtornos funcionais específicos e, no entanto, não podem frequentar um atendimento educacional voltado para suas demandas.
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Notas
[1] “Salas de Recursos Multifuncionais são espaços dentro das escolas regulares dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do atendimento educacional especializado” (BRASIL, 2011, p. 1).
2 “Art. 9º - Para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), será admitida a dupla matrícula dos estudantes da educação regular da rede pública que recebem atendimento educacional especializado. A dupla matrícula implica o cômputo do estudante tanto na educação regular da rede pública, quanto no atendimento educacional especializado” (BRASIL, 2011, p.1).
3 O Educacenso é um sistema informatizado de levantamento de dados do Censo Escolar. O Censo escolar é o principal instrumento de coleta de informações da educação básica e a mais importante pesquisa estatística educacional brasileira. As matrículas, e os dados escolares coletados servem de base para o repasse de recursos do governo federal e para o planejamento e divulgação de dados das avaliações realizadas pelo Inep” (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2020, p.1).
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