Práticas pedagógicas na EJA: o que a sala de aula revela?

 

Pedagogical practices in EJA: what does the classroom reveal?

 

 

Valéria Becher Trentin

Fundação Catarinense de Educação Especial, Santa Catarina, Brasil

trentinluciano@yahoo.com.br - http://orcid.org/0000-0003-2223-7845

 

 

Recebido em 12 de março de 2021

Aprovado em 05 de abril de 2022

Publicado em 27 de dezembro de 2022

 

RESUMO

Diante da diversidade dos sujeitos que compõem a Educação de Jovens e Adultos (EJA), pode-se salientar que esta é uma modalidade de ensino que se insere no cenário educacional com questões específicas quanto às práticas pedagógicas. Com base neste contexto, o presente artigo tem o objetivo de investigar como ocorre a prática pedagógica na EJA. De abordagem qualitativa, foi utilizada a entrevista semiestruturada e a observação participante. A pesquisa teve como sujeitos uma professora e dois jovens matriculados em um Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA), localizado em um município do Estado de Santa Catarina. Constatou-se que a prática utilizada pela professora na EJA é reflexo da cultura escolar construída historicamente, a qual permeia e organiza os espaços escolares, bem como normatiza o trabalho docente e, consequentemente, as relações de ensino e aprendizagem na referida modalidade. No entanto, esta é uma prática que merece ser repensada, uma vez que é destinada a atender os sujeitos que, provavelmente e pelas mais variadas circunstâncias, não tiveram acesso ao sistema educacional ou ainda retornaram às salas de aula em tal modalidade buscando superar as dificuldades vivenciadas no seu cotidiano escolar. Assim, torna-se pertinente refletir sobre a heterogeneidade dos sujeitos matriculados na turma da EJA. Dessa forma, considera-se que essa modalidade de ensino deve possibilitar aos jovens e adultos que lá se encontram os conhecimentos e as habilidades necessárias para exercerem a cidadania.

Palavras-chave: Educação de jovens e adultos. Prática pedagógica. Aprendizagem.

 

ABSTRACT

In view of the diversity that make up Youth and Adult Education (EJA), it can be highlighted that this modality is inserted in the educational scenario with specific questions regarding pedagogical practices.In this context, this article aims to investigate how pedagogical practice occurs in EJA. With a qualitative approach, semi-structured interviews and observation were used.The research had as subjects, a teacher and two young people enrolled in a Youth and Adult Education Center (CEJA), located in a municipality in the state of SC.It was found that the practice used by the teacher at EJA is a reflection of the culture built historically, which permeates and organizes the school spaces, as well as standardizing the teaching work and, consequently, the teaching and learning relationships in the teaching modality.However, the practice in EJA deserves to be reconsidered, as this teaching modality is intended to serve the subjects who, probably and due to the most varied circumstances, did not have access to the educational system or even who returned to the modality rooms, seeking to overcome difficulties experienced in their school routine.Thus, it is pertinent to reflect on the heterogeneity of the subjects enrolled in the EJA class. In view of this heterogeneity, I believe that this type of education needs to enable young people and adults who are there to have the knowledge and skills necessary to exercise citizenship.

Keywords: Youth and adult education. Pedagogical practice. Learning.

 

 

Introdução

Na reforma educacional instituída na década de 1990, a educação de jovens e adultos foi regulamentada por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/96) na Seção V, em seu Art.37º, tornando-a uma modalidade de ensino da educação básica “destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria” (BRASIL, 1996). A referida Lei ainda destaca a Educação de Jovens e Adultos como modalidade de ensino a ser incorporada no conjunto das políticas de educação básica e ofertada regularmente pelos sistemas públicos e privados de ensino.

Mediante a regulamentação da EJA na LDBEN 9.394/96, emerge o desafio da sua reconfiguração, como parte da educação básica, destinada a atender jovens e adultos em suas trajetórias humanas, as quais compõem o processo de formação e aprendizagem. Assim, o intuito desta modalidade atualmente não poderá ser somente o de suprir carências de escolarização, mas de “garantir direitos específicos de um tempo de vida. Garantir direitos dos sujeitos que os vivenciam” (ARROYO, 2006, p.21). No conjunto de tais sujeitos, encontram-se jovens e adultos que buscam, no acesso à educação, meios para dar continuidade ao seu desenvolvimento humano e social.

Diante da diversidade dos sujeitos que compõem a EJA, vale ressaltar que esta modalidade de ensino se insere no cenário educacional brasileiro com questões específicas, no que se refere às práticas pedagógicas.

Com respeito às práticas pedagógicas, pode-se destacar Pletsch (2014, p.162-163), que menciona que estas são “ações que envolvem a elaboração e a implementação do currículo em suas diferentes dimensões (planejamento, metodologias, estratégias de ensino, avaliação, tempo e espaço de aprendizagem), as quais são, por sua vez, vinculadas ao processo histórico-cultural dos sujeitos partícipes”. Conforme a autora, as práticas pedagógicas envolvem todo o exercício da escola na organização e no desenvolvimento do currículo, dos conteúdos e das formas de transmissão, necessitando abarcar práticas voltadas para a diversidade que visem estabelecer relações entre os diversos atores e os diversos saberes. Implica encontrar sentido para o que se quer e o que se faz, desenvolvendo processos que tornem as aprendizagens significativas, “com ênfase na competência básica de ler, escrever, calcular e na apropriação de conhecimentos que permitam qualificar os alunos para refletirem sobre seu próprio universo, envolverem-se na leitura do mundo e na proposição de ações cidadãs” (FERREIRA, 2003, p. 141). Neste contexto, emerge a seguinte questão: como ocorre a prática pedagógica na EJA? Para respondê-la, tomar-se-ão como referência observações realizadas em sala de aula e recortes dos depoimentos da professora e de dois jovens que frequentam o CEJA em Santa Catarina, articulando-os aos referenciais teóricos que envolvem a prática pedagógica.

O artigo está organizado em três seções. Na primeira, tem-se a metodologia; na segunda, abordam-se as práticas pedagógicas na EJA e, na terceira, as considerações finais.

Metodologia

Com o propósito de investigar como ocorre a prática pedagógica na EJA,foi realizada pesquisa de abordagem qualitativa, em um CEJA localizado no estado de Santa Catarina.

A Secretaria de Educação de Santa Catarina possui 40 Centros de Educação de Jovens e Adultos com projetos diferenciados espalhados por todo o estado. Os CEJAs coordenam as Unidades Descentralizadas (UDs); o núcleo Avançado de Ensino Supletivo (NAES) e a Educação de Jovens e Adultos (Alfabetização, Nivelamento, Ensino Fundamental e Médio). Coordenam, também, o Programa Educação em Espaços de Privação e Liberdade e o Programa Brasil Santa Catarina Alfabetizada.

Para o desenvolvimento da pesquisa, fez-se necessário realizar apresentações formais de acordo com as exigências acadêmicas e do Comitê de Ética em pesquisas com seres humanos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), no 272/2012. O primeiro contato ocorreu com a Gerência Regional de Educação (GERED), ocasião em que, por meio da Supervisora de Ensino, obteve-se a indicação do CEJA da Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina.

Com as informações apresentadas sobre o CEJA, priorizou-se a pesquisa na classe de Nivelamento, por se tratar de uma turma em processo de alfabetização. O Nivelamento, segundo o Projeto Político-Pedagógico do CEJA, tem o objetivo de garantir que os jovens e adultos aprendam a ler e escrever, prosseguindo no ensino fundamental.

Mantiveram-se resguardados, por questões éticas, os nomes dos jovens participantes da pesquisa, sendo utilizado para identificação: Marcos e João.

Marcos tem 20 anos, está matriculado no CEJA desde 2018. É um aluno assíduo, participativo, expressa-se com facilidade e está em processo de alfabetização.  Ele anseia, após o término dos estudos, inserir-se no mercado de trabalho.

João tem 29 anos, está matriculado no CEJA desde 2018. Ainda não é alfabetizado, mas demonstra interesse pela leitura e pela escrita. João nunca exerceu atividades laborais, mas pretende-se inserir no mercado de trabalho.

Além dos jovens, também foi sujeito desta pesquisa 1 (uma) Professora Regente (a qual será nomeada ao longo da pesquisa de PR), visto que ela participa do processo de escolarização na turma de Nivelamento 1º Segmento.

Após o aceite dos sujeitos, foram efetuadas entrevistas semiestruturadas. Segundo Bauer (2002), a entrevista semiestruturada possibilita maior flexibilidade nas respostas, facilitando a exposição do tema proposto. Nesse sentido, elaborou-se roteiro de entrevista que, para Bauer (2002, p. 66), “é parte vital do processo de pesquisa e necessita de atenção detalhada [...]”, pois, por “detrás de uma conversação aparentemente natural e quase casual encontrada na entrevista bem-sucedida, está um entrevistador muito bem preparado”.

Foi realizada a observação por considerá-la um método adequado para se envolver diretamente com a realidade. Optou-se como modalidade a observação participante, com foco na prática pedagógica no contexto da Educação de Jovens e Adultos. Tal escolha se deve ao fato de essa estratégia possibilitar uma interação com a realidade estudada. Ao se remeterem à observação participante, Bogdan e Biklen (2003) a definiram como uma investigação caracterizada por interações sociais intensas, entre investigador e sujeitos, no meio das quais os dados são coletados de forma sistematizada.

A observação participante ocorreu nos meses de abril e maio de 2019, na sala de Nivelamento do CEJA, sendo os dados registrados com o auxílio de filmagens e em diário de campo. A utilização da filmagem tem sido evidenciada em pesquisas que procuram analisar as interações dos atores sociais na escola (PLETSCH, 2005).

Práticas pedagógicas na EJA

 

Iniciam-se discussões ressaltando que as práticas pedagógicas envolvem todo o exercício da escola na organização e no desenvolvimento do currículo, dos conteúdos e nos modos de pensar e agir, ao mesmo tempo que remetem ao espaço escolar, motivo pelo qual precisam ser entendidas em sua singularidade, uma vez que, quando se pesquisa a escola, se está

[...] diante das práticas curriculares que são o exercício característico da escola na organização e no desenvolvimento do currículo, ou seja, dos conteúdos de sua transmissão, o que inclui atividades e tarefas propostas, bem como acompanhamento dos alunos no processo ensino-aprendizagem[...] (LUNARDI-MENDES, 2005, p.4).

            É, portanto, por meio das práticas que se percebe o que a escola prioriza na seleção e na organização dos saberes. Para conhecer o que é priorizado na turma do Nivelamento Nível 1 do CEJA, perguntou-se à professora participante da pesquisa acerca das suas práticas pedagógicas. Obteve-se dela a seguinte resposta:

 

“Bom!! Eu faço meu plano semanal. Aqui na turma, eu tenho que trabalhar com língua portuguesa, matemática e o estudo da sociedade e da natureza, mas eu dou ênfase na leitura, na escrita. [...]” (PR).

 

A PR relata, em sua fala, que organiza as atividades semanalmente e trabalha com a turma em consonância com a matriz curricular, a linguagem, as ciências humanas, a matemática e as ciências da natureza, dando ênfase à leitura e à escrita. Todavia, vislumbra-se que, das atividades que envolvem a leitura e a escrita, possam emergir conteúdos os quais, em uma perspectiva interdisciplinar, abarquem as áreas da matemática, das ciências naturais e da sociedade, possibilitando que as disciplinas dialoguem e contribuam para a formação dos sujeitos na EJA. Além disso, essas atividades interdisciplinares e variadas, de acordo com Sérgio (2008, p. 4), oportunizam “[...] a apropriação da leitura e da escrita, bem como de outros conhecimentos que lhes deem autonomia, favorecendo o resgate da sua identidade enquanto cidadão [...].”

Porém, ao explicar “eles têm que ler e escrever, então trabalho, no Nivelamento, mais o português. Também ensino um pouco a matemática”, a PR torna perceptível a presença de um conflito entre o proposto pela matriz curricular e o que de fato a escola faz. Sobre este conflito, Sacristán (2000) cita a existência de um currículo prescrito (presente nos textos oficiais do Estado) e de um currículo em ação (presente nas práticas pedagógicas da escola). O currículo em ação, segundo Lunardi-Mendes (2005), auxilia na compreensão da organização escolar como um movimento socialmente construído, que traz à tona as dimensões política e histórica e que abarca processos de seleção, distribuição e organização do conhecimento a ser trabalhado na escola.

Assim, a partir de um currículo em ação, compreende-se que o CEJA em estudo prioriza, na turma do Nivelamento, a língua portuguesa e a matemática, fragmentando as disciplinas das outras áreas do conhecimento, tornando o percurso formativo um acúmulo de etapas e fases, conforme se pode observar na fala da PR:

 

 “Então trabalho, no Nivelamento, mais o português. Também ensino um pouco a matemática. Mas o português eu trabalho todo dia mesmo. As outras disciplinas eu não trabalho”.

 

O professor, ao restringir a ação pedagógica à língua portuguesa e à matemática, mutila os saberes desses sujeitos que frequentam a EJA, pois há fragmentação do conhecimento e da vivência social e cultural. A fragmentação anunciada na fala da PR contraria a Proposta Curricular de Santa Catarina, a qual frisa que a articulação das diferentes áreas do conhecimento contribui para a formação dos sujeitos (SANTA CATARINA, 2014), revelando a distância entre a orientação presente no documento e o que a professora representa em sua fala.

No que concerne à importância da articulação entre as diferentes áreas, a Proposta Curricular Nacional para a Educação de Jovens e Adultos, 1º Segmento (2001), evidencia que

[...] o grau de domínio da leitura e escrita da língua, bem como das operações e instrumentos matemáticos condicionem parcialmente as opções metodológicas do educador para abordar temas das ciências naturais e sociais, partilhamos do ponto de vista de que é possível e desejável introduzi-los desde o início do processo de alfabetização [...] (BRASIL, 2001).

 

Embora a leitura, a escrita e os conceitos matemáticos sejam fatores importantes na EJA, pois muitos jovens e adultos retornam às salas de aula fortemente motivados por esses aprendizados, há a necessidade de que tais aprendizados ocorram de forma articulada, haja vista que os referidos sujeitos “[...] precisam relacionar os conteúdos escolares com aquilo que já conhecem” (BRASIL, 2001, p.167) para que se apropriem dos conhecimentos e trilhem caminhos para a autonomia, com condições para o integral exercício da cidadania.

 

 

Nesse aspecto, compreende-se que ensinar jovens e adultos implica desenvolver competências que permitam a eles aprendizagens significativas. Para tanto, incide em refletir sobre a seguinte questão: quem são os jovens e os adultos que frequentam a EJA?

A resposta para esta questão remete às relações sociais com as quais interagem tais sujeitos, já que “ o jovem e o adulto retornam à escola motivados pelas mais diversas razões: o sonho de conquistar melhores salários, a ameaça do desemprego, a necessidade de contribuir mais eficazmente na formação dos filhos, a realização pessoal, entre outros fatores de peso neste processo.” (SANTA CATARINA, 1998, p.38). A resposta também se encontra nas relações sociais desses sujeitos, cabendo ao professor compreender o sentido da escolarização para o jovem e o adulto, pois, ao compreendê-lo, interpreta a sua realidade, conhece suas expectativas, podendo intervir no processo histórico e social.

Nessa perspectiva, há que se considerar uma formação integral que reconheça o ser humano como sujeito que executa, “por meio do trabalho, as condições de (re)produção da vida, modificando os lugares e territórios de viver, revelando relações sociais, políticas, econômicas e culturais [...]” (SANTA CATARINA, 2014, p. 26).

Contudo, para que se estabeleça uma formação integral, com aprendizagens significativas que propiciem a autonomia do público-alvo da EJA, também é primordial considerar, nas práticas pedagógicas, as  especificidades que envolvem os sujeitos, como, por exemplo, as destacadas por Oliveira (2001):a faixa etária, o contexto sociocultural e o ético-político.

Referente a esse aspecto, durante as observações realizadas na turma de Nivelamento, verificou-se a oferta de atividades destinadas às crianças que frequentam a escola regular, mesmo se constatando, em sala, a presença de jovens e adultos. A oferta de tais atividades evidencia, de acordo com Oliveira (2007, p.88), que esse seja, “possivelmente, um dos principais problemas que se apresentam ao trabalho na EJA

A problemática apontada por Oliveira (2007) faz parte do processo histórico da EJA no cenário brasileiro, em que predominam concepções que visam a uma educação compensatória, com propostas e práticas infantilizantes, conforme se pode observar na afirmação da PR: “A gente que trabalha na EJA, busca as atividades para eles nos livros do ensino regular, porque eles tão na mesma fase dos alunos que tão lá”.

Na fala da professora, tem-se a representação social sobre as atividades na EJA, a qual, segundo Jodelet (1993, p.22),

 

[...] é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e compartilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designado como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, essa forma de conhecimento é diferenciada entre outras do conhecimento científico (JODELET, 1993, p.22).

 

Diante da representação social verificada na fala da professora, compreende-se que as atividades infantilizantes na EJA vão além da ação visível. Para melhor elucidar esse aspecto, recorreu-se aos ensinamentos de Sacristán (1999) sobre a prática:

[...] a prática é a cultura acumulada sobre as ações das quais aquela se nutre. Agimos a partir das ações, porque o fazemos a partir de uma cultura. A prática é a cristalização coletiva da experiência histórica das ações, é o resultado da consolidação de padrões de ação sedimentados em tradições e formas visíveis de desenvolver a atividade. Pode-se adotar o sentido que também é dado em sociologia ao termo prática: ações sociais rotineiras próprias de um grupo. Assim como ocorre com a ação das pessoas, a prática tem uma continuidade temporal inevitável e não é um simples passado ao qual se olha como um objeto petrificado, pelo contrário, continua sendo operacional, organizando a ação dos membros que compartilham a cultura (SACRISTÁN, 1999, p. 73).

 

Com o auxílio de Sacristán (1999), apreende-se que as práticas da PR na EJA não são ações individualizadas, mas o reflexo da cultura escolar que, construída historicamente, permeia e organiza os espaços escolares e normatiza o trabalho docente e, em consequência, as relações de ensino e aprendizagem, fazendo com a que a educação se torne homogênea no sentido de serem utilizadas as mesmas atividades para todos, sem respeitar as especificidades da modalidade.

Contrariando essa homogeneidade, defende-se que esses sujeitos precisam ser vistos como possuidores de conhecimentos e experiências, e não como meros reprodutores de atividades infantilizadas, mesmo que não tenham “[...] vivenciado um processo longo de educação sistemática através da escola [...]” (LOPES, 2008, p.103).

A importância da oferta de atividades conforme a especificidade do público da EJA é assim descrita por Oliveira (2001, p.60):

O adulto está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de um modo diferente da criança e do adolescente. Traz consigo uma história mais longa [...] de experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas. (OLIVEIRA, 2001, p.60)

 

Na mesma direção indicada por Oliveira (2001), Lopes (2008, p.104) aponta que “[...] escolarizar jovens e adultos, independentemente da etapa em que esteja atuando o professor, não é reproduzir ou adaptar o ensino de crianças [...]”, mas, sim, definir, a partir dos saberes escolares, objetivos e estratégias para a vida adulta e, sobretudo, incorporar novos saberes e novas competências próprias para a idade. Nessa incorporação, há que se reconhecerem os saberes e as experiências desses sujeitos, pois eles trazem consigo uma história de conhecimentos e reflexões sobre o mundo que remetem ao desejo de aprender.

Tal desejo foi destacado por Marcos: “Eu tô aprendendo a ler, pra eu poder ler o que está escrito nas coisas, nas farmácias, no mercado... Lá em casa minha mãe lê um pouco. Sabe, eu pego o ônibus, mas se eu ler, vou poder ler o que está escrito no ônibus”.

Ao analisar a fala de Marcos, constata-se que a busca pelo aprendizado da leitura está intrinsecamente relacionada às necessidades do cotidiano e à influência do meio sociocultural em que ele está inserido, ou seja, como já mencionado anteriormente, às especificidades dos sujeitos. Perante esse entendimento, compreende-se que os jovens e adultos que chegam à EJA são

[...] sujeitos sócio-culturais (sic), com um saber, uma cultura e também com um projeto, mais amplo ou mais restrito, mais ou menos consciente, mas sempre existente fruto das experiências vivenciadas dentro de um campo de possibilidade de cada um. E a escola é parte do projeto dos alunos (DAYRELL, 1996, p.144).

 

As palavras de Marcos expressam que esse jovem ingressou no CEJA com um projeto do qual a escola é parte integrante. Em outras palavras, ele objetiva aprender a ler, que é o mesmo objetivo da prática da PR, manifestado em sua fala, já citada, de que “eles têm que ler e escrever[...]”.Pondera-se, no entanto, que, para que o objetivo do jovem e da professora seja alcançado, torna-se indispensável o entendimento docente de que não basta ler e escrever, que é preciso apropriar-se da leitura e da escrita, explorando a sua função social. Com tal entendimento, a sala de aula converte-se em “lócus de socialização de saberes, de estudo organizado dos acontecimentos, de iniciação à pesquisa e de incentivo à leitura científica do mundo” (SANTA CATARINA, 2014, p.26).  Para além do que revelaram as falas de Marcos, cabe, nesse momento, apresentar o contexto da sala de aula, evidenciado durante as observações realizadas na turma de Nivelamento e registradas no diário de campo:

Durante as várias observações e filmagens das aulas, a professora manteve sempre a mesma rotina. Escrevia o texto e as atividades de português e matemática no quadro e pedia que os alunos as copiassem e resolvessem” (Diário de Campo, 27.04.2019).

Notou-se, igualmente, que a rotina da turma permaneceu, durante o período de observação, centralizada na PR, com carteiras dispostas uma atrás da outra, e que ela concentrou, em sua prática pedagógica, estratégias que visavam ao cumprimento mecânico das atividades. Entende-se que essa prática não seja a mais adequada para que Marcos atinja a meta de “[...] poder ler o que está escrito nas coisas, nas farmácias, no mercado...[...] no ônibus” (Marcos), pois o jovem busca, na escolarização, a construção, a partir de saberes diversos, de um presente melhor e de um futuro mais digno, e não um processo repetitivo.

Marcos, em sua fala, denota que tem consciência da função social da leitura, bem como clareza de que, em uma sociedade grafocêntrica, a leitura perpassa várias situações diárias e que, por conseguinte, saber ler torna-se necessário. Levado, então, por tal necessidade, busca, na escolarização, a possibilidade de aprender meios de dialogar sobre o mundo e com o mundo, sendo a leitura “o meio de que dispomos para adquirir informações e desenvolver reflexões críticas sobre a realidade” (INFANTE, 2000, p.57). 

Cabe refletir que, enquanto o jovem almeja dialogar com o mundo, a prática da PR é pautada em conteúdos de livros didáticos do ensino regular, como já assinalado por ela. São conteúdos que priorizam atividades que envolvem o pintar, o colar, o ligar, o completar e o somar. Essas atividades, centradas em uma “única forma de aprender e explorando capacidades de memorização, leva a um modelo curricular estático, gerando, com isso, uma estabilidade nas práticas curriculares desenvolvidas” (LUNARDI-MENDES, 2011, p.178.

            Contrário ao observado, entende-se que as práticas, ao serem norteadas pela interação do professor com os alunos, deixam de ser estáticas e centralizadas apenas no professor.  Passam a ser dinâmicas, problematizadoras e voltadas para o sujeito que aprende. Sob esse ângulo, o professor apresenta intencionalidade nas atividades, o que visa ao desenvolvimento das potencialidades dos alunos e à autonomia de pensamento. Libâneo, com base na teoria de Vygotsky, afirma que

aprender é uma atividade eminentemente sociocultural, ou seja, há uma determinação social e histórico-cultural da formação humana, ela não é um processo natural, espontâneo, ela implica uma ação pedagógica, uma intencionalidade, um ensino sistemático. O aluno aprende na escola quando os outros, inclusive professores e o próprio contexto institucional e sociocultural, o ajudam a desenvolver suas capacidades mentais, com base nos conhecimentos, habilidades, modos de viver, já existentes na ciência e na cultura (LIBÂNEO, 2011, p. 92).

 

O entendimento de Libâneo (2011) com relação ao aprender ratifica que a aprendizagem ocorre a partir de práticas que “ofereçam condições [...] e instrumentos que desenvolvam conceitos a partir das suas próprias percepções.” (SANTA CATARINA, 2014, p.146). Nessa conjuntura, compreende-se que a aprendizagem na EJA vá muito além da mera reprodução de atividades e que a aprendizagem, independente do nível ou modalidade, requer conteúdos e atividades significativas que promovam a elaboração de novos conhecimentos.

A elaboração de novos conceitos em uma perspectiva histórico-cultural organiza-se por meio das interações sociais, pelas práticas pedagógicas exercidas pelo professor e por aprendizagens mediadas, pois somente a partir da “interação do sujeito com outros capazes de mediar informações necessárias, em um ambiente favorável e estimulante, é que o desenvolvimento cognitivo acontece” (TURRA, 2007, p.300). Para ilustrar os aspectos apontados nas atividades ofertadas pela PR, selecionou-se a imagem exposta na Figura 1.

 

Figura 1 – atividades de leitura e escrita na turma de nivelamento

Fonte: Acervo da pesquisadora

 

Partindo da análise das atividades expostas na Figura 1, pode-se afirmar que as propostas desenvolvidas na turma do Nivelamento, em sua maioria, proporcionam o desenvolvimento de conhecimentos elementares mediante instruções simples (ligar e ordenar), e não de processos complexos necessários para a elaboração de conceitos.

Infere-se que a elaboração de conceitos no processo de escolarização envolve entender as relações presentes entre conceitos cotidianos (espontâneos) e conceitos científicos. Os conceitos cotidianos são concebidos por meio de enlaces reais-imediatos, mais concretos, estabelecidos com o meio, ou seja, com os saberes as experiências. Os conceitos científicos ocorrem via aprendizagens escolares, estabelecendo relações mentais ou lógico-verbais para sua elaboração (VYGOTSKY, 2008).

O que se percebe, ainda, é que as atividades são ofertadas em quantidade, mas não em qualidade. Há informações nas atividades, mas não há elaboração de conhecimentos pelos jovens e adultos. Essa constatação converge com Oliveira (2001), segundo a qual “dizer algo a alguém não provoca aprendizagem nem conhecimento, a menos que aquilo que foi dito possa entrar em conexão com os interesses, crenças, valores ou saberes daquele que escuta” (OLIVEIRA, 2001, p. 239).

Sobre a prática, também merece ser descrita a grande preocupação com o processo mecânico de leitura e escrita: “Eles têm que ler e escrever [...]”. A leitura e a escrita, na visão de Soares (2008), é um processo que envolve a dimensão linguística, a qual faz a passagem da oralidade para a escrita; a dimensão cognitiva, que proporciona atividades mentais em interação com a escrita, tanto na aquisição do código quanto na produção do seu significado; e a dimensão sociocultural, que revela a funcionalidade e a adequação da leitura e da escrita nas práticas sociais.

Ratifica-se que a leitura e a escrita sejam processos importantes para os jovens e os adultos que se encontram no CEJA e que, entretanto, nesse processo, torna-se necessário que os sujeitos façam uso das práticas sociais que os envolvem, sendo capazes “de produzir sentido para a linguagem, e, assim, chegar as suas próprias descobertas, análises e sentidos” (SHIMAZAKI, 2006, p. 87).

            Porém, apesar de a PR revelar grande preocupação com a leitura e a escrita, não se observou, em sala de aula, o uso de práticas sociais que envolvessem esse processo. Isso pode ser constatado na descrição que se fez sobre o referido aspecto:

“Os textos são escritos no quadro, lidos pela professora e, em seguida, pela turma e ou/individual. Verificou-se somente a leitura dos textos escritos no quadro. Após a leitura conjunta ou individual, o texto é copiado pelos alunos. Não se viu, em momento algum, interpretação textual e produção textual realizada pelos jovens e adultos” (Diário de Campo, 03.05.2019).

Após preencher o quadro com textos, a PR se dirigia aos jovens e adultos e dizia: “Prestem bem atenção!! Para não copiarem errado.” Essa fala da professora sugere que a sua principal preocupação era a de que a atividade passada fosse devidamente cumprida. Além de alertar verbalmente os jovens e os adultos para que copiassem corretamente, ela passava de carteira em carteira averiguando a cópia e solicitando a eles que fizessem as correções necessárias.

No que concerne à escrita especificamente, avalia-se que esta não se resume à cópia, haja vista que é um processo no qual se torna fundamental a interação dos alunos com contextos “sociointeracionais em que possam construir sentidos nas relações com o outro, mediadas pela escrita, quer o professor atue como escriba e leitor, quer os alunos já consigam usar a escrita de modo mais autônomo e menos heterônomo.” (SANTA CATARINA, 2014, p.123).

Desse modo, o que importa, nesse processo, é que o domínio da escrita se dê em favor dos seus usos sociais, com textos que representem a amplitude da cultura escrita e o cotidiano, a fim de que tenham significado para tais sujeitos.

A ausência dos usos sociais da escrita também foi evidenciada por João: [...]é meio chato, sabe, a gente só copia do quadro o que a professora escreve. [...].” Ao encontro do mencionado por João, Marcos relatou que “[...] todo dia a gente copia atividades de português, chega doer a mão. A gente escreve muito”.

Obteve-se a confirmação do anunciado pelos dois jovens nas observações realizadas. As atividades que envolvem a cópia foram frequentes, ocupando um tempo considerável das aulas, conforme registros de observação no Diário de Campo:

“A professora pediu para os alunos copiarem do quadro (Aula de português, 04.04.2019). [...] a maioria segue copiando os exercícios (Aula de português, 27.04.2019). [...] a professora preenchia o quadro enquanto os alunos copiavam em silêncio” (Registro Aula de Português, 27.04.2019). 

“Nesta aula, foi colocado para os alunos o assunto através de um exercício feito no quadro, o qual os alunos copiam atentamente. A professora pede para prestarem atenção. Outros exercícios são passados no quadro. Os jovens e adultos apresentavam-se cansados” (Registro de Aula, 03.05.2019).

Por intermédio da fala dos jovens e da observação em sala, constatou-se que a prática centrada em atividades de memorização pode gerar frustração e desinteresse, o que, no limite, leva à evasão da modalidade. Nessa direção, verificou-se, em registro no Diário de Classe da PR, que o número de jovens e adultos que frequentavam a turma de Nivelamento teve uma redução significativa em 2019 (fevereiro-maio).  A evasão, segundo Azevedo (2006), tem sido um dos maiores desafios enfrentados pelas escolas, sendo que as causas abrangem os fatores sociais, culturais, políticos e econômicos, como também a escola, a qual tem contribuído, a cada dia, por meio de práticas pedagógicas ultrapassadas, para que o problema se agrave.

O anunciado por Azevedo (2006) permite que se levante a possibilidade de que a evasão da modalidade no CEJA, em particular na turma de Nivelamento nos primeiros meses do ano de 2019, tenha se dado pelo motivo de esses sujeitos chegarem à escola e encontrarem a mesma escola que os excluiu e com propostas pedagógicas que não contemplam as suas expectativas. Para Barreto; Barreto (2005), em tal circunstância, a escola desencanta o sonho do aluno jovem, sendo que, nesse desencanto, ele retoma a condição de potencial aluno da EJA, lugar em que toda aprendizagem, ou melhor, toda atividade que visa à aprendizagem necessitaria ter significado.

Nessa direção, compreende-se que a escolarização dos jovens e adultos ganha sentido se o aprendizado transpassar atividades centradas na memorização. Torna-se imprescindível, na escolarização, o desenvolvimento de novas habilidades cognitivas de compreensão e de elaboração conceitual, em que haja criação de motivações para que esses jovens se transformem e transformem o meio onde vivem.

Assim, cabe salientar que, nos momentos de leitura coletiva ou individual, não se observou preocupação da professora em ouvir, dos jovens e dos adultos, o entendimento, as relações e os significados que eles atribuíram ao texto, ou seja, as práticas sociais que envolvem a leitura. A professora, ao se preocupar, demasiadamente, com as materialidades da escrita (forma, letra e composição), deixou de lado a possibilidade de dar sentido e significado à atividade, como também dinamicidade àquilo que os alunos estavam aprendendo. O que se percebeu foi que, para a PR, o importante era praticar a leitura e a escrita.

Sobre a importância dada pela professora à materialidade da escrita, vale destacar que não se pode ignorar o significado de uma atividade, especialmente em uma turma de alfabetização na qual são “significativamente mais importantes a busca, a investigação, a análise, a comparação e a discussão de palavras, letras, textos, no sentido de reconhecer e se nomear práticas sociais de leitura e de escrita [...]” (FERRI e HOSTINS, 2008, p. 244).

Sob esse viés, tornam-se essenciais práticas pedagógicas capazes de ampliar as estruturas linguísticas e conceituais, respaldadas no processo de elaboração conceitual dos alunos. Esse tipo de prática, não se verificou na turma de Nivelamento, pois a professora trabalhou a leitura e a escrita como um conhecimento desconectado, sem se preocupar com o significado e o valor social desses processos.

Dessa maneira, pode-se ressaltar que o pensar a alfabetização na EJA requer o entendimento de que os sentidos e os significados evoluem e se transformam na dinâmica das relações sociais, uma vez que a “leitura do mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE, 1987, s/p.). De acordo com o autor, a leitura do mundo consiste na interpretação crítica e analítica a partir da percepção do indivíduo e da maneira como este aprendeu a se relacionar no mundo e com o mundo. Portanto, a aprendizagem da leitura e da escrita é muito mais que escrever e ler, como ocorreu com a atividade, já apresentada na figura 1.

“No meio do mar tem A. No meio do céu tem E. No meio do rio tem I. No meio do sol tem O. No meio da lua tem U.” (Trecho extraído da figura 1)

 

Com base no trecho supracitado, pode-se inferir que, mais do que escrever que “No meio do mar tem A”, e assim sucessivamente, os jovens e os adultos necessitam “escrever a sua vida e ler a sua realidade, o que não será possível se não tomarem a história em suas mãos para, fazendo-a por ela serem feitos e refeitos.” (FREIRE, 1987, p.13). Em outras palavras, a aprendizagem significativa da leitura e da escrita ocorre a partir do momento em que o professor propicia conhecimentos que permitam “[...] qualificar os alunos para refletirem sobre seu próprio universo, envolverem-se na leitura do mundo e na proposição de ações cidadãs” (FERREIRA, 2003, p. 141).

Pode-se compreender que, na EJA, torna-se indispensável o entendimento da alfabetização como uma produção humana na busca por significados que apresentem uma importante funcionalidade social. Também, que a alfabetização colabora para a elaboração de conceitos necessários para que aconteça o letramento, pois, mesmo que esses processos sejam distintos, são indissociáveis. Isso porque “a alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto das práticas sociais, ou seja, em um contexto de letramento e por meio de atividades de letramento; este, por sua vez, só pode desenvolver-se na dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita” (SOARES, 2004, p. 97).

Da mesma forma, o processo de escolarização que abarca a leitura e a escrita (alfabetização e letramento) e os conhecimentos científicos contribui para “o desenvolvimento integral da pessoa, visto que, atendendo aos objetivos educacionais, possibilita a potencialização de suas capacidades e desenvolvimento de funções mais superiores enquanto requeridas para integração social” (FERREIRA, 1987, p. 13).

Mediante o contexto observado, pode-se deduzir que a prática pedagógica da EJA estrutura-se nas vivências, nas interações, nas comunicações cotidianas e se traduzem nas ações e verbalizações dos sujeitos integrados nesta realidade, isto é, na cultura escolar.

Considerações finais

A pesquisa possibilitou reflexões sobre a prática pedagógica do professor na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a compreensão do conflito entre o proposto na matriz curricular e o que de fato a escola faz, revelando a distância entre a orientação presente nos documentos e a prática da escola, percebendo-se, assim, que o posicionamento da escola e do professor influencia e define o caminho para a escolarização.

Essa definição de escolarização evidenciou disciplinas fragmentadas e atividades infantilizadas, o que tornou o percurso formativo um acúmulo de etapas e fases, desvinculado da vivência social e cultural dos jovens e adultos, sendo ofertadas a eles as mesmas propostas destinadas às crianças que frequentam a escola regular.

Todavia, vale enfatizar que tais práticas não são individualizadas, mas um reflexo da cultura escolar que, construída historicamente, permeia e organiza os espaços escolares, bem como normatiza o trabalho docente e, consequentemente, as relações de ensino e aprendizagem, em que abarca uma educação homogênea no sentido de utilizar as mesmas atividades para todos, sem respeitar as especificidades dessa modalidade.

 Diante desse contexto, arrisco-me a dizer que as práticas escolares, em especial na Educação de Jovens e Adultos, suscitam a ilusão de homogeneidade, a qual se fortalece cotidianamente por meio da uniformização do conhecimento, da produção solitária, da execução formal das tarefas e da ausência de colaboração.

No entanto, essa ilusão merece ser repensada, pois a EJA institui-se como modalidade de ensino destinada a atender os sujeitos que, provavelmente e pelas mais variadas circunstâncias, não tiveram acesso ao sistema educacional ou ainda que retornaram às salas de aula na referida modalidade buscando superar as dificuldades vivenciadas em seu cotidiano escolar. Assim, torna-se pertinente refletir sobre a heterogeneidade dos sujeitos matriculados na turma da EJA, que vai além da diversidade de idade, expandindo-se para a diversidade cultural, as trajetórias educacionais, as experiências e os desejos. Perante essa heterogeneidade, considera-se que tal modalidade de ensino necessita possibilitar aos jovens e adultos que lá se encontram os conhecimentos e as habilidades necessárias para exercerem a cidadania.

 

           

 

          Espera-se que a presente pesquisa possa oferecer aos professores reflexões acerca de suas práticas pedagógicas e que possibilite a construção e reconstrução de novos saberes, no sentido de aprimorarem o processo de ensino e aprendizagem na EJA.

 

Referências

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