As pr�ticas da progress�o continuada como mantenedoras da barb�rie

The practices of continued progression as maintainers of barbarismo

Las pr�cticas de progresi�n continua como mantenedores de la barbarie

 

 

Emanuel Lucas Batista de Melo

Universidade Nove de Julho, S�o Paulo, Brasil

prof.emanuelmelo@gmail.com - https://orcid.org/0000-0001-8963-8331

Rosemary Roggero

Universidade Nove de Julho, S�o Paulo, Brasil

roseroggero@uol.com.br - https://orcid.org/0000-0003-3084-4979

 

 

Recebido em 10 de mar�o de 2021

Aprovado em 10 de mar�o de 2021

Publicado em 28 de janeiro de 2023

 

 

RESUMO

O objeto de estudo deste artigo s�o as pr�ticas da progress�o continuada adotadas como regime de avalia��o e recupera��o do sistema educacional em ciclos, caracter�sticas da rede estadual de ensino p�blico de S�o Paulo. Esse objeto � problematizado, considerando que, dada a m� forma��o escolar recebida pela imensa maioria dos estudantes, a dificuldade de concorrer a vagas em um mercado de trabalho cada vez mais escasso ser� essa a �nica � ou mesmo, a pior � m�cula deixada pelo modo como se d�o as pr�ticas relativas a essa pol�tica p�blica? Haver� reflexos negativos em outras �reas da vida desses indiv�duos, que n�o apenas a profissional? Os objetivos s�o: identificar e analisar as consequ�ncias da m� forma��o escolar em decorr�ncia das pr�ticas da progress�o continuada em uma escola p�blica estadual de S�o Paulo. A metodologia emp�rica utilizada envolve procedimentos de observa��o participante e retratos sociol�gicos. A an�lise dos dados levantados � feita por meio da Teoria da Pseudocultura, de Theodor Adorno. A an�lise permitiu verificar que a pseudoforma��o mant�m a barb�rie por meio de um profundo estado de aliena��o e regress�o que a impede a emancipa��o dos indiv�duos por meio da escolariza��o.

Palavras-chave: Progress�o continuada; Pseudoforma��o; Barb�rie.

ABSTRACT

The object of study in this article are the practices of continued progression adopted as a system of evaluation and recovery of the educational system in cycles, characteristics of the state public school system in S�o Paulo. This object is problematized, considering that, given the poor school education received by the immense majority of students, the difficulty of competing for vacancies in an increasingly scarce job market will be the only - or even the worst - taint left by the way how are the practices related to this public policy? Will there be negative effects in other areas of the lives of these individuals, other than just the professional? The objectives are: to identify and analyze the consequences of school malformation as a result of the practices of continued progression in a state public school in S�o Paulo. The empirical methodology used involves participant observation procedures and sociological portraits. The analysis of the data collected is done through Theodor Adorno's Theory of Pseudoculture. The analysis allowed to verify that the pseudoformation maintains barbarism through a deep state of alienation and regression that prevents the emancipation of individuals through schooling.

Keywords: Continued progression; Pseudoformation; Barbarism.

RESUMEN

El objeto de estudio de este art�culo son las pr�cticas de progresi�n continua adoptadas como r�gimen de evaluaci�n y recuperaci�n del sistema educativo en ciclos, caracter�sticas de la red estatal de educaci�n p�blica en S�o Paulo. Este objeto se problematiza, considerando que, dada la mala formaci�n recibida por la gran mayor�a de los estudiantes, la dificultad de competir por las vacantes en un mercado de trabajo cada vez m�s escaso ser� la �nica -o incluso la peor- mancha que deje el camino. �Se llevan a cabo pr�cticas relacionadas con esta pol�tica p�blica? �Habr� repercusiones negativas en otras �reas de la vida de estas personas, no solo en la profesional? Los objetivos son: identificar y analizar las consecuencias de la mala educaci�n escolar como resultado de pr�cticas de progresi�n continua en una escuela p�blica estadual de S�o Paulo. La metodolog�a emp�rica utilizada involucra procedimientos de observaci�n participante y retratos sociol�gicos. El an�lisis de los datos recopilados se realiza a trav�s de la Teor�a de la Pseudocultura de Theodor Adorno. El an�lisis permiti� verificar que la pseudoformaci�n mantiene la barbarie a trav�s de un profundo estado de alienaci�n y regresi�n que impide la emancipaci�n de los individuos a trav�s de la escolarizaci�n.

Palabras Clave: Progresi�n continua; Pseudoformaci�n; Barbarie.

 

Introdu��o

������� ��� Com mais de 20 anos de vig�ncia na rede paulista de educa��o b�sica, a progress�o continuada, institu�da pela Indica��o SEE-SP n� 8/97 e pela Delibera��o SEE-SP n� 9/97, trouxe ineg�veis avan�os ao sistema de ensino do estado de S�o Paulo. Substituindo a educa��o seriada pela organiza��o escolar em ciclos, tal pol�tica p�blica visa garantir que a avalia��o do aluno seja realizada por meio da an�lise do processo de ensino-aprendizagem, possibilitando ao estudante o direito de participar de recupera��o, ofertada nas formas cont�nua, paralela e intensiva, em todas as etapas do ciclo, inclusive ao final deste.

As a��es pedag�gicas propostas permitiram uma diminui��o bastante significativa nos �ndices de reten��o e evas�o escolar, tanto no Ensino Fundamental quanto no M�dio. Os benef�cios observ�veis por meio da progress�o continuada se justificam pela inten��o dessa pol�tica em considerar as diferen�as individuais entre os estudantes e contribuir para a preserva��o de sua autoestima no processo de escolariza��o, al�m de, implicitamente, diminuir as perdas de recursos geradas por reten��o e abandono escolar, no �mbito das recomenda��es de organismos multilaterais como Banco Mundial e Unesco, em encontros internacionais e documentos espec�ficos, conforme afirma Bezerra (2015).

Todavia, grande parte do insucesso do ensino p�blico brasileiro (n�o apenas o de S�o Paulo) passou a ser atribu�do �s pr�prias redes, cujos sistemas de ensino s�o organizados em ciclos e que adotam a modalidade de progress�o continuada no processo de avalia��o. Quer proferida pelo senso comum, quer expressa por opini�es de especialistas em educa��o e em pesquisas acad�micas, � tais a de Bezerra (2015), Anoel Fernandes (2015), Dias (2013), dentre outros � as cr�ticas pautadas em culpabiliza��o do governo de turno pela m� qualidade da educa��o b�sica nacional encontra argumentos no fato de que crian�as e jovens avan�am os ciclos sem que dominem compet�ncias e habilidades b�sicas de leitura e escrita; realidade que se reflete na qualidade de m�o de obra da popula��o escolarizada, bem como em sua qualidade de vida, al�m de tornar-se vis�vel, nacional e internacionalmente, nos resultados de avalia��es internacionais de qualidade educacional, como o PISA1, em que o Brasil tem ocupado as �ltimas posi��es.

Em As Pr�ticas da Progress�o Continuada como Produtoras do Lumpemproletariado, Melo (2020), embasado por pesquisas emp�ricas, desenvolve um estudo no qual demonstra que o problema n�o est� na progress�o continuada em si ou em normativas complementares da Secretaria Estadual de Educa��o, que instituem, conceituam e orientam a modalidade, mas na forma como ela � praticada nas escolas.

A pesquisa, realizada � luz do Ciclo das Pol�ticas P�blicas de Stephen Ball, revela que a autonomia apregoada pela lei se converte em subjetivismo na ado��o de procedimentos docentes que variam conforme seu profissionalismo.

Para os egressos do Ensino Fundamental e M�dio da rede p�blica estadual paulista que recebam esse tipo de educa��o desqualificada por m�s pr�ticas pedag�gicas na progress�o continuada, durante sua vida escolar, muitas dificuldades t�m se mostrado presentes quando concorrem a vagas no mercado de trabalho, o que lhes relega � sobreviv�ncia por meio de trabalhos prec�rios e inst�veis ou outras atividades marginais. Entretanto, ser� essa a �nica � ou mesmo, a pior � m�cula deixada pelo modo como se d�o as pr�ticas relativas a essa pol�tica p�blica? Haver� reflexos negativos em outras �reas da vida desses indiv�duos, que n�o a profissional?

Em vista dessas quest�es, este artigo tem por objetivos: identificar e analisar as consequ�ncias da m� forma��o escolar em decorr�ncia das pr�ticas da progress�o continuada, numa escola p�blica estadual de S�o Paulo e, posteriormente, propor uma discuss�o acerca de suas influ�ncias para a comunidade que frequenta a unidade escolar descrita na pesquisa de Melo (2020).

A metodologia utilizada envolve levantamento bibliogr�fico, observa��o participante e retratos sociol�gicos de estudantes do �ltimo ano do 3o. ciclo do ensino fundamental de uma escola p�blica estadual, no munic�pio de S�o Paulo. A an�lise dos dados levantados � feita por meio da Teoria da Pseudocultura, de Theodor Adorno.

A ESCOLARIZA��O EM CICLOS E A PROGRESS�O CONTINUADA

Jefferson Mainardes (2009), Anoel Fernandes (2015), Vagno Dias (2013), Jos� Bezerra (2015) e Melo (2020) apontam que a escolariza��o em ciclos surgiu como uma proposta inovadora, destinada a superar os principais problemas resultantes do modelo tradicional de avalia��o, que envolvia a verifica��o do rendimento do aluno com base na compara��o ao n�vel exigido para o grupo em que se encontrasse, defini��o preestabelecida dos conte�dos das disciplinas para cada grau, promo��o r�gida e inflex�vel dos estudantes �s s�ries e aos graus seguintes e desperd�cio de recursos p�blicos em decorr�ncia dos altos �ndices de reten��o e evas�o escolar.

������� ��� De acordo Fernandes (2015, p. 21), o Plano de Reforma Langevin-Wallon apresenta, na literatura, a primeira concep��o de escolariza��o em ciclos. Elaborado com a inten��o de reformar o sistema educacional franc�s (da escola maternal ao ensino superior) ap�s a Segunda Guerra Mundial, teve como principais autores os educadores Paul Langevin e Henri Wallon, que presidiram a comiss�o ministerial respons�vel pela constru��o do projeto.

������� ��� Desenvolvido de forma democr�tica, o plano teve como principal finalidade propor uma ruptura com a tradicional escolariza��o cl�ssica, baseada na transmiss�o do conhecimento enciclop�dico, viabilizando, assim, que a forma��o do homem passasse a ser associada � sua humanidade, de modo que os interesses e necessidades individuais e coletivos fossem atendidos. Isto posto, preconizava que o ensino da Fran�a fosse dividido em tr�s ciclos, cada um deles com caracter�sticas e objetivos pr�prios:

[...] O primeiro ciclo � dos 3 aos 11 anos, sendo a obrigatoriedade escolar fixada aos 6 anos � tem como objetivo fazer a crian�a compreender o estudo f�sico e humano, permitindo-lhe situar-se no espa�o e no tempo. O segundo ciclo � dos 11 aos 15 anos � � um per�odo de orienta��o, que tem como objetivo possibilitar uma observa��o met�dica das crian�as para descobrir suas aptid�es e permitir sua orienta��o. O terceiro ciclo � dos 15 aos 18 anos � � o per�odo de determina��o, quando ser� consagrada a forma��o do cidad�o e do trabalhador. (FERNANDES, 2015, p. 21-22)

 

Segundo Mainardes (2009, p. 22), as justificativas para a implanta��o do sistema de ciclos descrito pelo plano Langevin-Wallon se fundamentavam nos princ�pios de justi�a, democratiza��o do ensino, desenvolvimento de uma cultura geral s�lida e aperfei�oamento cont�nuo do cidad�o e do trabalhador. Para tanto, indicava, como requisitos necess�rios ao seu sucesso, que o n�mero m�ximo de estudantes por sala n�o excedesse 25 alunos, que o ensino e todas as despesas para com ele fossem gratuitos, que houvesse aumento do n�mero de professores em cada grau, com melhores condi��es de trabalho e sal�rio para eles, e, por fim, a constru��o de novas unidades escolares.

O projeto n�o chegou a ser adotado pelo governo franc�s, todavia, seus fundamentos serviram de refer�ncia para que outros pa�ses criassem e colocassem em pr�tica seus pr�prios sistemas de ensino baseados na escolariza��o em ciclos, sobretudo por terem sido aproveitados por ag�ncias multilaterais como o Banco Mundial, UNESCO e UNICEF para firmar a Declara��o Mundial Educa��o para Todos: Satisfa��o das Necessidades B�sicas de Aprendizagem, durante a Confer�ncia de Educa��o para Todos ocorrida em Jomtien, Tail�ndia, em 1990.

O Brasil j� contava com casos isolados de experi�ncias de escolariza��o em ciclos e n�o-reprova��o e foi um dos pa�ses que aderiu �s recomenda��es indicadas na Declara��o, n�o somente por concord�ncia com seus preceitos, mas tamb�m para atender a requisitos estipulados pelo Banco Mundial para a obten��o de cr�dito internacional, conforme aponta Bezerra (2015, p. 26) � o que acontecia no contexto das pol�ticas neoliberais adotadas pelos pa�ses de capitalismo avan�ado no contexto da globaliza��o dos anos 1990.

Devido a essa press�o, tamb�m foi debatida e promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educa��o Nacional 9.394/1996, fortemente influenciada pela Declara��o Mundial Educa��o para Todos e pelo fato de que o sistema foi adotado na rede municipal de S�o Paulo, em 1992, durante o mandato da prefeita Lu�za Erundina, com Paulo Freire como secret�rio de educa��o.

A partir de ent�o, por meio da LDB, todas as redes de ensino do pa�s passaram a ser incentivadas a se organizarem em ciclos e a praticar a avalia��o no regime de progress�o continuada2, mantendo-se, ainda, o car�ter dessa decis�o como opcional. De acordo com Dias (2013, p. 28), essas recomenda��es entraram em vigor no estado de S�o Paulo, em 1998, tendo como base legal os dispostos na Indica��o SEE-SP n�8/97 e na Delibera��o CEE-SP n� 9/97, conforme j� informado.

O artigo da Indica��o n�8/97 da Secretaria Estadual de Educa��o, assim orienta a elabora��o do projeto educacional das escolas:

Artigo 3� - O projeto educacional de implanta��o do regime de progress�o continuada dever� especificar, entre outros aspectos, mecanismos que assegurem:

I - avalia��o institucional interna e externa;

II - avalia��es da aprendizagem ao longo do processo, conduzindo a uma avalia��o cont�nua e cumulativa da aprendizagem do aluno, de modo a permitir a aprecia��o de seu desempenho em todo o ciclo;

III - atividades de refor�o e de recupera��o paralelas e cont�nuas ao longo do processo e, se necess�rias, ao final de ciclo ou n�vel;

IV - meios alternativos de adapta��o, de refor�o, de reclassifica��o, de avan�o, de reconhecimento, de aproveitamento e de acelera��o de estudos;

V - indicadores de desempenho;

VI - controle da frequ�ncia dos alunos;

VII - cont�nua melhoria do ensino;

VIII - forma de implanta��o, implementa��o e avalia��o do projeto;

IX - dispositivos regimentais adequados;

X - articula��o com as fam�lias no acompanhamento do aluno ao longo do processo, fornecendo-lhes informa��es sistem�ticas sobre frequ�ncia e aproveitamento escolar. (S�O PAULO, 1997)

 

Com a Lei n� 11.274/2006, que alterou a LDB/1996 quanto � dura��o do Ensino Fundamental, ampliando-o de oito para nove anos, em S�o Paulo, essa altera��o foi estabelecida por meio da Resolu��o SE-SP n� 73/2014, alinhando a nova organiza��o escolar com a estrat�gia de avalia��o j� em uso. Assim, o ensino fundamental na rede de ensino p�blico paulista encontra-se organizado em tr�s ciclos (1o ciclo � Alfabetiza��o, do 1o ao 3o ano; 2o ciclo � Intermedi�rio, do 4o ao 6o ano; 3o ciclo � Final, do 7o ao 9o ano), em que a reprova��o escolar por desempenho s� pode se dar no �ltimo ano de cada um deles.

Sobre a progress�o continuada, � muito relevante mencionar que seu principal mecanismo de funcionamento � a recupera��o em suas variadas formas, conforme consta na Resolu��o SE-SP n� 6, de 24 de janeiro de 2008: cont�nua (no cotidiano de sala de aula), paralela (em hor�rio distinto �s aulas regulares), intensiva (destinada, em per�odos previamente estabelecidos, aos alunos que apresentarem dificuldades de aprendizagem n�o superadas) e de ciclo (um ano letivo de estudos para atender aos alunos que n�o demonstrarem condi��es de prosseguir para a etapa seguinte).

PROCEDIMENTOS METODOL�GICOS

������� ��� Tendo em vista os objetivos de identificar e analisar as consequ�ncias da m� forma��o escolar em decorr�ncia das pr�ticas da progress�o continuada, numa escola p�blica estadual de S�o Paulo, as metodologias emp�ricas envolveram os procedimentos de observa��o participante e retratos sociol�gicos.

������� ��� Definida por M�nico et al (2017, p. 71) como uma abordagem etnogr�fica na qual o observador participa ativamente junto ao grupo observado para o recolhimento de dados, a observa��o participante foi adotada com a inten��o de acompanhar, de perto, as pr�ticas de recupera��o paralela desenvolvidas pelo grupo de professores das turmas de 9o ano de uma unidade escolar, durante 18 meses (segundo semestre de 2018 e ao longo do ano letivo de 2019), buscando compreender� como se efetiva a pol�tica de progress�o continuada.

������� ��� Sua realiza��o se deu em uma escola p�blica da rede estadual de ensino, sediada na Diretoria Centro da cidade de S�o Paulo. Localizada em um pr�dio sexagen�rio de dois andares, no bairro da Casa Verde Alta (Zona Norte da capital), a institui��o � considerada de porte m�dio, mantendo em atividade, uma m�dia de 12 a 14 turmas de Ensino Fundamental I e II por per�odo (matutino e vespertino), com um total aproximado de 700 alunos.

������� ��� Durante a execu��o dos procedimentos emp�ricos da pesquisa, a institui��o contava com um gerente de organiza��o escolar, tr�s secret�rios, quatro agentes de organiza��o escolar, duas merendeiras e um caseiro no seu quadro de funcion�rios. O corpo docente era composto por 13 professores efetivos de cargo e cerca de outros 22 tempor�rios (o n�mero variava conforme a vig�ncia dos contratos) contratados como ocupantes de fun��o atividade (OFA), enquanto a equipe de especialistas era formada pela diretora, vice-diretora e duas coordenadoras pedag�gicas.

������� ��� O corpo discente era constitu�do por crian�as e adolescentes oriundos de fam�lias de classe baixa que moram nas proximidades da unidade escolar, que comp�em o bairro da Casa Verde Alta: as Vila Santista, Beira Mar, Diva e Prado. Quando indagados, cerca de 60% dos estudantes afirmam morar na Favela do Agreste, uma comunidade muito carente situada entre as Vilas Santista e Beira Mar.

������� ��� N�o h� muitas op��es de lazer e cultura nos arredores; merecem cita��o uma biblioteca p�blica e a Casa Jesus, Amor e Caridade, uma organiza��o n�o governamental popularmente conhecida por �Larzinho�, que oferece diversas atividades, destacando-se as aulas de m�sica. A Casa Verde Alta det�m �ndices consider�veis de criminalidade, sobressaindo-se assaltos e tr�fico de drogas.

������� ��� Conforme consta na hist�ria do bairro, disponibilizada no portal da Prefeitura Municipal de S�o Paulo, essa regi�o recebeu um grande n�mero de ex-escravos e seus descendentes, transferidos das �reas mais centrais da cidade ap�s a aboli��o da escravatura. Devido a isso, a comunidade escolar � predominantemente negra.

������� ��� De acordo com a Urbit3, o atual �ndice de desenvolvimento humano (IDH) da regi�o � de 0.777, ainda considerado como �m�dio�, por�m, pr�ximo de �baixo�. Os dados obtidos por interm�dio do question�rio socioecon�mico preenchido pelos alunos nas avalia��es externas (SARESP e Prova Brasil) corroboram com o IDH apresentado, pois, de acordo com eles, a maioria dos alunos vive com apenas um dos pais em casas com uma m�dia de cinco moradores, com condi��es razo�veis de saneamento b�sico e com uma fonte de renda mensal de at� tr�s sal�rios m�nimos.

A observa��o participante permitiu constatar que as a��es dos professores a respeito dos procedimentos que demandam as orienta��es da progress�o continuada possuem uma infinidade de pr�ticas pedag�gicas e sociais que variam conforme o modo como esses profissionais as interpretam. E isso acontece porque essa pol�tica p�blica � acompanhada ou cobrada pela supervis�o de ensino, por meio do que consta nas normativas que, embora explicitem a import�ncia, as finalidades e as formas de recupera��o da progress�o continuada como direito dos estudantes ao aprendizado, n�o detalham como proceder tais m�todos de recupera��o.

������� ��� Embora seja tratado por acad�micos como autonomia pedag�gica, no cotidiano das escolas isso pode ser interpretado como mera liberalidade, pois n�o h� acompanhamento e controle efetivos por parte da equipe de especialistas da unidade quanto � qualidade e efetividade das pr�ticas pedag�gicas de seu corpo docente. Parece que o ac�mulo de outras tarefas administrativo burocr�ticas, impedem que haja meios satisfat�rios de as diretoras e coordenadoras fazerem a gest�o pedag�gica da unidade e tomar provid�ncias cab�veis quanto aos que n�o cumprem adequadamente suas fun��es, conforme o projeto pedag�gico.

������� ��� Para fins de registro, o que os professores anotam em seus di�rios de classe � tido como v�lido e oficial, desde que bem descrito, o que funciona como �prova� de que os conte�dos foram ensinados e os processos de recupera��o foram promovidos. Os �nicos envolvidos nesse processo de ensino e aprendizagem que podem testemunhar o contr�rio s�o os alunos; todavia, eles n�o possuem conhecimento e maturidade para analisar o trabalho docente. Ent�o, os professores det�m todo o poder no processo de escolariza��o.

������� ��� Quando da realiza��o dos conselhos de classe, a gest�o escolar recorre � press�o da diretoria de ensino por bons �ndices de fluxo escolar (quanto menos reprova��es, melhor) para que se tenha a aprova��o da maior parte dos alunos, mesmo quando n�o tenham adquirido as compet�ncias e habilidades correspondentes ao ciclo, chegando a concluir o Ensino Fundamental mesmo como analfabetos funcionais ou em n�veis abaixo disso.

� ��������� Al�m da observa��o participante, foram realizadas entrevistas, no molde de retratos sociol�gicos, com cinco estudantes de 9o ano que nunca foram reprovados, mesmo que sempre tenham apresentado baixo rendimento no decorrer de suas trajet�rias. Lahire (2004) define o retrato sociol�gico como uma estrat�gia qualitativa centrada na perspectiva do entrevistado, encarando-o como uma pessoa singular que descrever�, por meio das perguntas, sua trajet�ria de vida e socializa��o, possibilitando ao entrevistador interpretar as varia��es contextuais de comportamentos.

������� ��� Por meio delas, evidenciou-se que esses adolescentes se encontram profundamente alienados em rela��o � sua forma��o, a ponto de n�o conseguirem perceber o qu�o rudimentar e superficial ela foi, bem como o quanto esse fato pode ser prejudicial aos seus futuros. Esse alunos possuem uma defasagem acentuada de aprendizagem, incompat�vel at� mesmo com o n�vel m�dio de desempenho de suas respectivas turmas; contudo, todos, sem exce��o, conclu�ram o Ensino Fundamental por interm�dio de aprova��o no conselho final de classe, sendo considerados �aptos� para prosseguirem seus estudos no Ensino M�dio, a partir do ano posterior.

������� ��� Como possuem um conhecimento muito limitado acerca do universo escolar e de suas possibilidades, a maior parte do que t�m como referenciais de forma��o e educa��o est� restrita �s experi�ncias que vivenciaram at� ent�o na referida unidade escolar. Dessa forma, esses educandos se comparam aos seus colegas de turma e julgam estar em um n�vel intermedi�rio de desempenho, pois n�o fazem ideia de que, os alunos que consideram como os �melhores da sala�, seriam os �medianos� � quando n�o, os mais �fracos� � em outras escolas da pr�pria Diretoria Centro; tampouco sabem que os colegas que apresentam rendimento inferior a eles s�o, na maioria dos casos, alunos de inclus�o com problemas de aprendizagem devidamente diagnosticados.

������� ��� Num primeiro momento das entrevistas, os alunos n�o sabiam ao certo o significado e o funcionamento da progress�o continuada: alguns at� tinham no��o de quais s�ries era poss�vel a reprova��o por desempenho, por�m, n�o conseguiam explicar o porqu� disso e classificaram a pol�tica p�blica como ben�fica e justa. Ap�s a explica��o da lei por parte do entrevistador, quatro dos cinco alunos mantiveram sua posi��o e real�aram que se n�o fosse por essa estrat�gia de ciclos, certamente teriam reprovado em algum momento e abandonado os estudos; apenas um deles, ap�s autorreflex�o, reconheceu que o pouco conhecimento que tinha sobre essa legisla��o o fez relaxar nos estudos e n�o se esfor�ar como deveria, pois tinha a convic��o de que seria aprovado de qualquer forma.

������� ��� Todos alegaram que, por necessidade econ�mica, tentariam trabalhar durante a continua��o dos estudos para ajudar com as despesas dom�sticas. Por�m, nenhum deles tinha um plano ou mesmo a no��o da dificuldade que poderia enfrentar para adentrar no mercado de trabalho com o n�vel de forma��o que t�m. Melo (2020) trouxe estat�sticas do PNAD Cont�nua4 de 2019 � pesquisa que demonstram que indiv�duos nessa faixa et�ria, n�vel e tipo de instru��o s�o os que comp�em o maior �ndice de desempregados ou envolvidos no trabalho informal, prec�rio e insalubre, no estado de S�o Paulo, quando n�o se submetem a outras formas marginais de subsist�ncia, tais como a prostitui��o e o tr�fico de drogas; ou seja, constituem e aumentam o moderno lumpemproletariado.

O MODERNO LUMPEMPROLETARIADO E A PSEUDOFORMA��O

������� ��� Segundo Braga (2012), com a inten��o de chamar a aten��o para o decl�nio social que ocorria e que separava os cidad�os de suas classes originais e os alocava em uma massa totalmente desintegrada e suscet�vel a movimentos reacion�rios, Karl Marx criou o termo �lumpemproletariado� para classificar esses indiv�duos como pertencentes ao �lixo de todas as classes�. Na �poca, pessoas financeiramente falidas, aventureiros egressos da burguesia, criminosos rec�m-sa�dos da cadeia, prostitutas, cafet�es, militares n�o mais aptos ao servi�o militar (devido � incapacita��o f�sica ou psicol�gica), mendigos, dentre outros, se enquadravam nessa categoria.

������� ��� Isso partiu de uma previs�o de Marx, que observou que haveria um aumento exponencial de desemprego, al�m de trabalhadores aceitando atuar em condi��es prec�rias de trabalho, devido a um grande n�mero excedente de m�o-de-obra para atender a demanda do setor industrial. Com o avan�o da sociologia, outros termos foram surgindo, tais como �subproletariado�, �precariado� e �batalhadores�, para diferenciar e classificar esses indiv�duos, em vista de algumas particularidades que tivessem em comum.

������� ��� J� para Lopes (1988) � respaldada nos estudos do soci�logo peruano An�bal Quijano � indiferentemente das caracter�sticas conceituais, todos esses termos apontam para classes que est�o marginalizadas na estrutura geral da sociedade. Todavia, de acordo com Bauman (2010), todas as pessoas, quer perten�am ao lumpemproletariado, subproletariado, precariado, ou qualquer outra varia��o disso, ainda assim, s�o importantes para a manuten��o da l�gica capitalista.

������� ��� Melo (2020) adota o termo �moderno lumpemproletariado� para se referir aos indiv�duos que, na atual contemporaneidade, n�o possuem um emprego est�vel, regulado e assegurado por leis trabalhistas que, para terem alguma fonte de renda que lhes possibilite participar da sociedade como consumidores, se sujeitam a trabalhos insalubres, servi�os eventuais (bicos), empregos informais, prostitui��o ou � pr�tica de atividades criminosas diversas.

������� ��� Muitas condi��es e ocorr�ncias poderiam ser elencadas e discutidas a fim de se obter as respostas aos questionamentos deste trabalho. Todavia, valendo-se da Teoria Cr�tica da Escola de Frankfurt para tal, grande parte desses fatores � se n�o todos � podem ser sintetizados no resultado que decorre quando a educa��o n�o cumpre o seu papel primordial e gera a pseudoforma��o5: � negada a subjetividade

ao indiv�duo e, assim, tanto ele quanto a sociedade n�o conseguem construir autonomia intelectual e se emancipar da domina��o social.

������� ��� De acordo com Adorno (1995a), apesar de toda a evolu��o tecnol�gica e cient�fica produzida pela humanidade, boa parte dos indiv�duos ainda se encontram atrasados em rela��o a sua pr�pria sociedade. E isso n�o se deve ao mero fato de nem todos terem tido a oportunidade de experimentar e conhecer esses avan�os, mas, tamb�m, por terem em si uma agressividade primitiva, um �dio tamanho que os impulsionam ao desejo de destrui��o, denominado pelos frankfurtianos de barb�rie.

������� ��� Superar a barb�rie � uma quest�o decisiva para a humanidade, pois com os constantes progressos tecnol�gicos da civiliza��o, a tend�ncia � que as atrocidades geradas por conta dela tornem-se cada vez mais destrutivas, a ponto de p�r em risco a pr�pria exist�ncia humana. Dada a sua responsabilidade de forma��o de cidad�os, cabe � escola, como institui��o formadora, a incumb�ncia de promover a desbarbariza��o:

 

Enquanto a sociedade gerar a barb�rie a partir de si mesma, a escola tem apenas condi��es m�nimas de resistir a isso. Mas se a barb�rie, a terr�vel sombra a nossa exist�ncia, � justamente o contr�rio da forma��o cultural, ent�o a desbarbariza��o das pessoas individualmente � muito importante. A desbarbariza��o da humanidade � o pressuposto imediato da sobreviv�ncia. Este deve ser o objetivo da escola, por mais restritos que sejam seus alcances e possibilidades. (ADORNO, 1995b, p. 116-117)

������� ��� Pensando nessa dire��o, Roggero (2010, p. 217) afirma que a escola n�o tem conseguido cumprir seu importante papel enquanto institui��o emancipadora. Pelo contr�rio, por ser uma organiza��o a servi�o do capital, h� muito tempo tem servido aos seus interesses, mantendo �muito claros os limites entre os que podem e o que n�o podem ter uma forma��o � se n�o melhor ou emancipat�ria, ao menos com mais acesso e compreens�o dos bens culturais socialmente produzidos�. Dessa forma, em rela��o �s massas, a educa��o tem servido para formar indiv�duos sem autonomia real, agindo como um instrumento eficiente em perpetuar um estado coletivo de aliena��o e estagna��o da subjetividade, dificultando que se tornem sujeitos.

������� ��� Adorno (2010) nomeia esse tipo de forma��o concedida �s maiorias de pseudoforma��o, ressaltando seu imenso potencial destrutivo por manter vigente o estado geral de conformismo. E apesar de toda a informa��o que � difundida, quer por meio de pol�ticas e reformas p�blicas, quer por interm�dio de divulga��o de trabalhos de uma gama infind�vel de intelectuais, ainda assim � a semiforma��o que domina a consci�ncia atual por ser transmitida a partir de uma estrutura mais eficaz em atingir �s massas, cujo principal recurso, possivelmente, sejam os meios de comunica��o populares:

Mas os m�todos dirigistas, com os quais, apesar de tudo, as massas s�o mantidas sob controle, pressup�em tal concentra��o e centraliza��o, que n�o t�m s� o seu lado econ�mico, mas tamb�m seu lado tecnol�gico, como se poderia demonstrar nos meios de comunica��o de massa, nos quais a tecnologia permite que a escolha e a apresenta��o da not�cia e do coment�rio a partir de poucos pontos sejam suficientes para tornar homog�nea a consci�ncia de in�meras pessoas. (ADORNO, 1986, p. 72)

������� ��� Por sua vez, Bauman (2013), em seus ensaios sobre educa��o, traz um olhar mais contempor�neo sobre as consequ�ncias negativas que derivam da incompet�ncia da escola em formar e preparar seus jovens para o futuro �incerto� que os aguarda. Segundo o soci�logo, nas �ltimas d�cadas a institui��o deixou de lado muitos assuntos importantes � constitui��o da subjetividade e manteve seu foco em �adestrar� os educandos ao consumo, com a clara inten��o de manter e propagar a l�gica capitalista.

������� ��� Filhos de pais que foram acostumados a encarar o estudo como uma forma quantificada de se conseguir bons empregos e, consequentemente, um poder aquisitivo maior � justamente em uma sociedade que valoriza o indiv�duo por aquilo que ele det�m � a atual gera��o que em breve entrar� na vida adulta contempla um mundo totalmente mudado e cheio de crises, que apresentar� uma realidade para a qual eles n�o foram preparados para viver. Referindo-se aos europeus, o autor afirma:

 

Mas � bom lembrar tamb�m que grande parte da presente gera��o de jovens jamais experimentou grandes priva��es, como uma depress�o econ�mica prolongada, desprovida de perspectivas e com desemprego em massa. Eles nasceram e cresceram num mundo em que podiam se abrigar sob guarda-chuvas socialmente produzidos e administrados, � prova de ventos e tempestades, que pareciam estar ali desde sempre para proteg�-los do mau tempo, da chuva fria e dos ventos gelados. Um mundo em que cada manh� prometia um dia mais ensolarado que o anterior e mais rico de aventuras agrad�veis. (BAUMAN, 2010, p. 71)

 

 

������� ��� Para Adorno (1995c, p. 150), mesmo que os jovens n�o consigam perceber (devido ao seu estado de aliena��o) o qu�o danosa pode ser a educa��o fr�gil que recebem, inconscientemente agem com �hostilidade frente a mesma, com rancor frente �quilo de que s�o privados�. Segundo ele, esse � o prov�vel motivo da exist�ncia de um n�mero incont�vel de pessoas, principalmente entre os adolescentes, ter avers�o � escola e ao ensino.

������� ��� Isso posto, � dif�cil conceber que ocorra, t�o cedo, a forma��o para a autonomia e a emancipa��o em larga escala; tampouco � dadas as proje��es econ�micas, sociais e pol�ticas futuras � que a barb�rie regrida ou desapare�a t�o cedo. Segundo Roggero (2010), enquanto a forma��o servir para manter os indiv�duos sob dom�nio, � imposs�vel de se pensar que a humanidade atinja estados de liberdade e autonomia, em que cada pessoa tenha o reconhecimento de sua pr�pria subjetividade:

O pensamento �, ent�o, um dos elementos b�sicos da consci�ncia e a verdadeira liberdade passa pela ruptura com as estruturas b�sicas de domina��o. Mas a pr�pria l�gica em que se desenrola o desenvolvimento humano tem sido impeditiva disso e cada nova gera��o � exposta �s mesmas estruturas, como forma de condicionar seu comportamento. Da� n�o termos uma forma��o que possibilite a autonomia e a liberdade, mas uma pseudoforma��o, que nos mant�m regredidos em rela��o � nossa pr�pria humanidade. (ROGGERO, 2010, p. 192-193)

 

������� ��� De acordo com a autora, � fun��o da Teoria Cr�tica lutar por essa humanidade real e, assim como ensinam seus principais te�ricos, isso se dar� por meio do conhecimento. Para Adorno (1995d) � um deles � as tentativas de emancipar o homem s�o pass�veis de resist�ncia, portanto, repress�es vindas dos poderes constitu�dos s�o comuns; todavia, � fundamental que as pessoas esclarecidas lutem por uma educa��o para a compreens�o das contradi��es sociais, que desperte nos indiv�duos a consci�ncia da necessidade de sua supera��o.

 

CONSIDERA��ES FINAIS

������� ��� Este artigo teve por objetivo principal identificar as consequ�ncias mais significativas da m� forma��o escolar em decorr�ncia das pr�ticas da progress�o continuada e propor uma discuss�o acerca de suas influ�ncias para as novas gera��es formadas com base nessa estrat�gia de educa��o em ciclos, descritas na pesquisa de Melo (2020) em escola da rede estadual paulista. Conforme p�de ser observado por meio da Teoria Cr�tica nas vozes de Adorno, assim como � luz de uma sociologia contempor�nea, representada por Bauman, Bezerra, Fernandes e Dias, a falta de empregabilidade n�o � a �nica e nem a pior sequela que seguir� os egressos da rede estadual de ensino p�blico que receberam esse tipo de educa��o ao longo de sua trajet�ria escolar b�sica.

������� ��� Segundo o referencial te�rico selecionado para este trabalho, a pseudoforma��o que � ofertada �s crian�as e adolescentes tem servido para mant�-los em um estado de aliena��o e de submiss�o aos poderes constitu�dos, perpetuando-se a l�gica da domina��o social sob o capitalismo contempor�neo. Com isso, � negada a constitui��o da subjetividade a esses educandos, tornando invi�vel que desenvolvam autonomia e emancipa��o; dessa forma, permanecem regredidos e incapazes de superar a barb�rie.

������� ��� De acordo com os frankfurtianos, na barb�rie condensam-se os principais problemas enfrentados pelos seres humanos, residindo apenas nesse �nico termo, portanto, a resposta ao principal questionamento desse trabalho. Entenda-se, pelo conceito, tudo aquilo que impede o homem de ser realmente livre e manifestar a sua subjetividade: a domina��o, os mais variados tipos de viol�ncia, a guerra, todos os preconceitos, racismo, fome, e as demais mazelas da sociedade que j� deveriam ter sido superadas em vista de todo avan�o tecnol�gico, cultural e cient�fico alcan�ados.

������� ��� Nas comunidades onde residem alunos como os da escola pesquisada por Melo (2020), todos esses problemas podem ser facilmente observados, manifestos sob a forma de agress�o (f�sica, verbal e emocional), medo e rancor (de pol�cia, pol�ticos e demais figuras que denotem autoridade), racismo, xenofobia, homofobia, intoler�ncia religiosa, criminalidade (sobretudo, o tr�fico de drogas), entre outros que fazem parte do cotidiano dessas pessoas.

������� ��� Por mais que estejam �acostumados� a essa realidade, n�o significa que se orgulhem dela, tendo em vista que possuem a refer�ncia de outros modelos, observados, principalmente, por meio do que assistem na televis�o. Antes, para muitos, � motivo de vergonha e raz�o de demonstrarem uma autoestima t�o baixa a ponto de se sentirem culpados e conformados com a situa��o em que vivem, como se ela fosse algo inerente aos seus destinos e independente de seus objetivos e ambi��es. Assim, naturaliza-se a barb�rie.

������� ��� Tal qual um ciclo vicioso, o comportamento dessa comunidade acaba devolvendo � escola as consequ�ncias negativas da pr�pria forma��o que dela vem recebendo. Para a maior parte dos estudantes, o estudo n�o tem sentido algum para aquilo que almejam, pois, pertencentes a uma gera��o extremamente imediatista, enxergam no crime (ou em outras atividades marginais de subsist�ncia) a forma mais r�pida de conquistar os seus sonhos de consumo; provavelmente, esse � o t�pico caso de sucesso que mais t�m como exemplos pr�ximos de si.

������� ��� �Outros m�todos de sucesso apresentados a eles s�o encarados como �alternativos� e vistos com desconfian�a, pois demandam tempo, dedica��o e investimento em estudo e qualifica��o. Como tamb�m se pode observar em outros territ�rios do pa�s, onde a grande maioria � negra e pobre, apenas esse modelo de vida (o que conhecem) faz sentido, e � mais f�cil e pertinente adequar-se a ele do que tentar vivenciar outros, experimentando outras possibilidades, especialmente por meio do conhecimento, pois se acham indignos e incapazes disso.

������� ��� De acordo com Roggero (2010), trazer � reflex�o a pr�xis da forma��o desses indiv�duos j� �, por si s�, um ato de resist�ncia contra a barb�rie. Contudo, para que essa possibilidade se efetive, de modo que gere conscientiza��o e quebre o estado de dom�nio e aliena��o em que as massas se encontram, � preciso que haja mudan�as nas pol�ticas p�blicas educacionais e na l�gica que rege a cultura dessa sociedade. Portanto, questionar e repensar algumas das pol�ticas educacionais e as pr�ticas que as efetivam, principalmente a progress�o continuada adotada na rede de ensino p�blico paulista, � de fundamental import�ncia, pois os danos � forma��o que derivam de suas m�s pr�ticas, t�m mantida a sociedade regredida e muito distante de seus potenciais.

 

Refer�ncias

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Notas

[1] Sigla para Programa Internacional de Avalia��o de Estudantes (ou Programme for International Student Assessment, em ingl�s). � um estudo comparativo internacional que mede o desempenho de estudantes na faixa et�ria de 15 anos. � realizado pela Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico (OCDE) a cada tr�s anos. Fonte: http://portal.inep.gov.br/pis

2 O termo surgiu como uma deriva��o de nomes empregados para nomear outras modalidades de avali��o, tais como a �avalia��o cont�nua e qualitativa� e o pejorativo �promo��o autom�tica�. (Dias, 2013, p. 9)

3 Empresa que coleta e divulga dados geoespaciais a partir de uma metodologia pr�pria, baseada na coleta de dados dos distritos e setores censit�rios. Fonte: http://urbit.com.br

4 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), � um trabalho feito trimestralmente para produzir indicadores de m�dio e longo prazo referentes � for�a de trabalho e outras informa��es necess�rias ao desenvolvimento socioecon�mico do Brasil. Fonte: https://www.imb.go.gov.br/

5 Em outras tradu��es, o termo pode aparecer como �semicultura�, �pseudocultura� ou �semiforma��o�.