Formação de educadores para atuar na educação em valores morais

 

Training educators to work on education in moral values

 

Leandra Lúcia Moraes Couto

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil

leandrabj@hotmail.com - http://orcid.org/0000-0002-2706-6240

 

Heloisa Moulin de Alencar

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil

heloisa.alencar@ufes.br - https://orcid.org/0000-0001-8164-3849

 

Mayara Gama de Lima

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil

mayara.lima@ufes.br - https://orcid.org/0000-0002-9298-7732

 

Recebido em 07 de março de 2021

Aprovado em 12 de maio de 2021

Publicado em 21 de novembro de 2022

 

RESUMO

O estudo objetivou proporcionar aos profissionais da educação momentos de reflexão sobre conteúdos teóricos e metodológicos da área da educação em valores morais, bem como acerca de suas concepções, juízos e práticas pedagógicas, que auxiliassem os referidos profissionais a adquirir competências e conhecimentos necessários ao trabalho no campo em pauta. Para tanto, realizou-se um curso de formação com 14 profissionais de uma escola pública municipal de ensino fundamental localizada em Vitória, Espírito Santo, Brasil. Entre os resultados, ressalta-se que os participantes adquiriram maior compreensão sobre o papel da escola na formação moral dos alunos e sobre a elaboração de projetos de educação em valores morais. Ademais, a maioria mencionou que após a formação passou a se sentir preparada para trabalhar com o tema em pauta. Conclui-se que as intervenções com educadores devem abarcar as motivações deles para participar de cursos e para aprender os conteúdos sobre a educação em valores morais.

 

Palavras-chave: Psicologia moral; Educação em valores morais; Formação continuada.

                                                             

ABSTRACT

The study aimed to provide education professionals with reflection on theoretical and methodological content in the area of education in moral values, as well as on their conceptions, judgments and pedagogical practices, which would help these professionals to acquire the necessary skills and knowledge to work in this field. For this purpose, a training course was held for 14 professionals from a municipal public school in Vitória, in the state of Espírito Santo, Brazil. Among the results, it is noteworthy that the participants acquired a greater understanding of the role of the school in the moral formation of students also on the development of education projects in moral values. Furthermore, most educators mentioned that after training they felt prepared to work with the topic at hand. It is concluded that interventions with educators must cover their motivations to participate in courses and to learn the contents about education in moral values.

 

Keywords: Moral Psychology; Education in moral values; Continuous Training.

 

 

Introdução

            Este trabalho versa sobre a formação dos educadores para conduzir práticas de educação em valores morais (ou educação moral) nas escolas. São apresentados dados de uma pesquisa realizada em uma instituição municipal de ensino fundamental de Vitória, Espírito Santo, que consistiu no desenvolvimento de uma intervenção, no formato de curso de formação, com o objetivo de proporcionar aos participantes aprendizados sobre conteúdos teóricos e metodológicos da área da educação em valores morais, bem como reflexões acerca de suas concepções, juízos e práticas pedagógicas. Partiu-se do pressuposto de que tais momentos poderiam auxiliar os profissionais da educação a adquirir competências e conhecimentos necessários para atuar na educação em pauta.

A educação em valores morais pode ser compreendida como as práticas de ensino que almejam constituir indivíduos autônomos, aptos à cooperação (PIAGET, 1996). Tal concepção tem como base o pressuposto de que os indivíduos passam por um desenvolvimento moral (PIAGET, 1994), isto é, não nascem sabendo avaliar o que é certo e errado, justo ou injusto. Pelo contrário, tais juízos são construídos no decorrer do processo de socialização.

A partir de seu estudo pioneiro, Piaget (1994) defendeu que o desenvolvimento do juízo moral envolve duas tendências morais diferentes: a heteronomia e a autonomia. A heteronomia se caracteriza pelo realismo moral, o qual tem três características: 1) todo ato revelador de uma obediência às regras ou aos adultos que as impuseram é considerado bom; 2) as regras são interpretadas literalmente, e não em sua essência e 3) os atos são julgados por suas consequências e não pela intencionalidade dos indivíduos. Na heteronomia as normas morais ainda não são elaboradas pela consciência. Portanto, não são entendidas com base em sua função social. Por sua vez, a autonomia moral consiste na superação desse realismo moral. Ela é a moral da justiça e do respeito mútuo, em que prevalecem as relações de cooperação. Assim, a criança liberta-se da obediência estrita às regras e passa a julgar a partir de princípios, compreendendo e interpretando as regras.

As concepções de Piaget (1994) foram discutidas e refinadas por diversos estudiosos, que trouxeram importantes contribuições para a área da moralidade. Como exemplo cita-se La Taille, pesquisador que buscou contribuir para uma questão que, segundo ele, Piaget e outros autores deixaram em aberto: a compreensão das raízes afetivas da ação moral. De acordo com La Taille (2006), para compreender os comportamentos morais dos sujeitos é preciso conhecer a perspectiva ética adotada por eles. Por isso, o autor estabelece definições distintas para os conceitos de moral e ética, pois, para ele, essa diferenciação é essencial para a compreensão psicológica das condutas morais.

De acordo com o referido estudioso, moral e ética são palavras frequentemente empregadas como sinônimas, sendo que ‘moral’ foi herdada do latim e ‘ética’ do grego. Dessa maneira, há autores que empregam indistintamente os aludidos termos, mas também há quem estabelece diferenças de sentindo entre os conceitos. A partir de autores como Comte-Sponville e Ricoeur, La Taille (2006, 2016) reserva os dois termos a dimensões distintas da vida humana. Por convenção, ele define a moral como um conjunto de regras e princípios que devem ser obrigatoriamente observados. Já a ética é definida como a ‘vida boa’, com e para outrem em instituições justas. Com relação aos conteúdos dos planos moral e ético, La Taille afirma que se deve definir conteúdos para a moral, pois é ela que confere às opções de vida boa as condições necessárias para que mereçam o nome de ética. O autor escolhe três virtudes morais como conteúdo da moral: justiça, generosidade e honra. Assim, na perspectiva de La Taille, não é qualquer personalidade que poderá ser chamada de ética. O autor ressalta que dependerá dos valores que são centrais na personalidade dos indivíduos, isto é, se são condizentes com a moral ou não. Nesse sentido, a teoria de La Taille é universalista, no sentido de que valores morais (como a justiça, a generosidade e a dignidade humana) são entendidos como desejáveis para qualquer cultura. Portanto, se difere das teorias relativistas, que defendem não haver moral universal possível. 

Com relação aos contextos de desenvolvimento moral, entende-se que os diversos espaços nos quais os indivíduos estão inseridos influenciam tal desenvolvimento. No entanto, o contexto escolar é destacado por estudiosos como um espaço relevante para esse tipo de formação (GARCÍA; PUIG, 2010; GOERGEN, 2007; LA TAILLE, 2009, 2013; MARQUES; TAVARES; MENIN, 2017; PEREIRA; BRONZATTO; CAMARGO, 2016; PUIG, 1998). Umas das razões apontadas pelos autores para justificar a relevância da escola na formação moral dos indivíduos diz respeito ao fato de que esta promove a convivência diária entre os jovens, impondo normas comuns e uma vida coletiva (MARQUES; TAVARES; MENIN, 2017). Assim, os colégios são constituídos de maneira a poder formar os indivíduos para a vida em sociedade (LA TAILLE, 2009). Além disso, se discute que a escola inevitavelmente lida com valores, ou seja, ela sempre educa em valores. “A reflexão não deve, portanto, se dar sobre o fato de a escola trabalhar, ou não, valores, mas sim sobre ‘quais’ e como trabalhá-los” (LA TAILLE, 2013, p. 8).

Em consonância com tais autores, a legislação brasileira propõe que valores morais sejam abordados nas escolas (BRASIL, 2000, 2007, 2017, 2018).  A educação em valores morais, da forma como a concebemos, é indicada na referida legislação desde o final dos anos 1990, por meio da inclusão da ética como um dos temas transversais preconizados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 2000). Outra iniciativa governamental, realizada no início dos anos 2000, trata da proposta de inclusão nas escolas da Educação em Direitos Humanos, em que os princípios e os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) são foco de discussão e possíveis incorporações pelos alunos (MENIN et al., 2014). Porém, como afirmam Menin et al. (2014), embora a educação em valores morais seja preconizada pela legislação brasileira e indicada por diversos autores da área, iniciativas como a do tema transversal ética e da Educação em Direitos Humanos parecem não ter mudado as rotinas das escolas quanto às práticas de educação em valores morais.

Em relação à legislação brasileira, é importante citar também o livro Ética e cidadania: construindo valores na escola e na sociedade do Ministério da Educação (BRASIL, 2007, p. 9), no qual consta que a escola deve ter “um papel fundamental na construção de valores de ética e de cidadania que auxiliem os membros que ali convivem a pautarem sua vida pessoal e coletiva no respeito às diferenças provocadoras de exclusão”. Ademais, destacam-se: 1) a Lei 13.663/2018 (BRASIL, 2018), que inclui entre as atribuições das instituições de ensino a promoção da cultura da paz e medidas de conscientização, prevenção e combate aos diversos tipos de violência, principalmente o bullying; e 2) a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017), que estabelece 10 competências gerais que devem ser desenvolvidas ao longo da educação básica, de maneira integrada ao currículo, entre as quais constam aquelas que possuem relação direta com a proposta da educação em valores morais, por exemplo: empatia, diálogo, cooperação, pensamento crítico e autonomia.

Com base no exposto, considera-se que a educação em valores morais deve ser abarcada de forma sistemática no contexto escolar, com ações programadas e direcionadas para o desenvolvimento de indivíduos autônomos, de personalidades éticas (LA TAILLE, 2006; PIAGET, 1994). Muitos são os temas e as práticas pedagógicas que podem ser adotadas com esse fim (BRASIL, 2000; COMTE-SPONVILLE, 2016; LA TAILLE, 2009; PIAGET, 1996; PUIG, 1998).

Quantos aos temas, é importante que os conteúdos tenham relação com situações práticas, com a vivência pessoal e cultural dos alunos. Nesse sentido, as motivações e as finalidades das experiências de educação em valores morais devem estar fundamentadas em problemas do contexto e do entorno escolar, ou seja, devem buscar a solução de problemas sociomorais contextuais (MENIN; BATAGLIA, 2013). Como possibilidades, citam-se os seguintes temas: justiça, generosidade, dignidade/honra, respeito ao outro, autorrespeito, boa-fé, verdade e tolerância (COMTE-SPONVILLE, 2016; LA TAILLE, 2009).

Já em relação aos procedimentos, Piaget (1996) afirma que se deve privilegiar os métodos ativos, que são aqueles que buscam não impor pela autoridade o que a criança pode descobrir por si mesma e almejam criar um meio social no qual ela possa fazer as experiências desejadas. Assim, qualquer que seja o procedimento adotado, defende-se uma educação em valores morais baseada no convencimento e não na imposição (LA TAILLE, 2009; PIAGET, 1996). Convencer é mostrar aos sujeitos o valor de temas como os citados acima. É argumentar em favor de projetos de vida na qual o outro tenha lugar, é conduzir a uma reflexão sobre os próprios valores e os valores universalmente desejáveis. Nesse sentido, avalia-se que os profissionais da educação devem estar preparados para conduzir tais práticas no contexto escolar.

Sobre o aspecto da preparação dos educadores, destaca-se a discussão a respeito da influência do desenvolvimento moral dos referidos profissionais (heteronomia ou autonomia) na capacidade que possuem para educar em valores morais, bem como o debate acerca da necessidade de formação específica para conduzir esse tipo de formação (BARRIOS; MARINHO-ARAÚJO; BRANCO, 2011; GARCÍA; PUIG, 2010; GOERGEN, 2007; MÜLLER; ALENCAR, 2012). A partir de tais discussões, considera-se que é preciso desenvolver determinadas habilidades e obter conhecimentos específicos para o trabalho com a educação em valores morais no contexto escolar (GARCÍA; PUIG, 2010; MÜLLER; ALENCAR, 2012). Além disso, entende-se que nas formações direcionadas aos profissionais da educação podem ser abordados aspectos que envolvem o desenvolvimento moral do referido público, isto é, que proporcionem uma reflexão dos educadores sobre seus próprios valores, ideais, visões de homem e de mundo (BARRIOS; MARINHO-ARAÚJO; BRANCO, 2011; GOERGEN, 2007).

Ainda no que se refere à preparação dos profissionais da educação para educar em valores morais, é importante citar um estudo que teve por objetivo investigar e descrever experiências bem-sucedidas de educação em valores morais desenvolvidas em escolas estaduais brasileiras de ensino fundamental (6º ao 9º ano) e médio (MENIN; BATAGLIA; ZECHI, 2013). Na pesquisa organizada por Menin, Bataglia e Zechi (2013), os pesquisadores coletaram um total de 1.062 questionários, respondidos por profissionais da educação de diferentes estados brasileiros. Entre os respondentes, 72% afirmaram já ter participado de experiências de educação em valores morais. Além disso, foi constatado que apenas 29% das escolas com experiências relatadas receberam alguma formação para atuar com esse tema. Além deste estudo, o trabalho de Fonseca et al. (2019) demonstrou que a falta de formação específica e a ausência de alguém que conduza os projetos de educação em valores morais na escola é impedimento para que alguns profissionais conduzam práticas com esse foco. 

Esse tipo de discussão possui relevância, uma vez que há estudos (COUTO; ALENCAR, 2015, 2019; MÜLLER; ALENCAR, 2012; PEREIRA; BRONZATTO; CAMARGO, 2016; TOGNETTA; VINHA, 2012) que apontam a necessidade de formar os profissionais da educação para o trabalho com valores morais nas escolas. Como exemplo, Pereira et al. (2016) e Tognetta e Vinha (2012) afirmam que, em geral, os educadores parecem desconhecer as teorias de desenvolvimento humano que poderiam contribuir com suas práticas pedagógicas. De acordo com os estudiosos, esses profissionais tendem a lidar com os conflitos interpessoais no dia a dia da escola guiados, em grande medida, pelo improviso e pelo senso comum. Em consequência, as práticas adotadas pelos educadores muitas vezes não favorecem o desenvolvimento da autonomia. Pelo contrário, contribuem para que os indivíduos permaneçam na heteronomia. Dessa maneira, é necessário que os educadores conheçam os mecanismos psicológicos que favorecem o desenvolvimento moral das crianças e dos jovens (PEREIRA; BRONZATTO; CAMARGO, 2016; TOGNETTA; VINHA, 2012). Isto posto, apresenta-se a seguir o método utilizado no presente estudo.

 

Método

Participantes e local da pesquisa

Participaram da formação 14 profissionais de uma instituição pública de ensino fundamental da rede municipal de Vitória, Espírito Santo. No momento da intervenção, os 14 profissionais ocupavam os seguintes cargos na escola: diretor (n=1), pedagogo (n=2), estagiário (n=1) e professor (n=10). Entre os professores, participaram cinco docentes dos anos iniciais (1º ao 5º ano), um docente da Educação Especial e um professor de cada uma das seguintes disciplinas: Educação Física, Artes, Matemática e Geografia. Do total de participantes, a maioria era mulher (n=11), trabalhava no turno vespertino (n=11), era efetivo (n=10) e trabalhava há pouco tempo na escola, entre um e três anos (n=8).  Ressalta-se que 17 profissionais iniciaram o curso, sendo que três desistiram de participar ao longo da formação.

A seleção da escola foi realizada a partir de dados de um estudo anterior (COUTO; ALENCAR; LIMA, 2020; FONSECA et al., 2019), que teve como objetivo investigar experiências de educação em valores morais em escolas municipais de ensino fundamental do Espírito Santo. Em tal estudo, os dados foram coletados por meio da aplicação de questionário (on-line e via correio) a profissionais da educação. Do total de respondentes (n=125), 79 assinalaram que nunca participaram de experiências de educação em valores morais. Para a presente pesquisa, foi estabelecida uma ordem de instituições a serem visitadas, com base nos seguintes critérios: ter pelo menos um profissional que respondeu o questionário do estudo anterior e estar localizada no município de Vitória. A partir de tal seleção, foram realizadas visitas pontuais a instituições de ensino para verificar a viabilidade da pesquisa nas escolas. Foi necessário visitar quatro colégios para encontrar uma instituição com interesse e disponibilidade para participar do estudo.

A escola na qual o estudo foi desenvolvido é cercada por bairros denominados por seus profissionais como violentos. A instituição recebe alunos que residem em vários bairros e tem infraestrutura precária: rede elétrica com problema, paredes sujas e/ou pichadas, entre outros aspectos. Ela possui, em média, 75 profissionais, que inclui professores, corpo técnico-administrativo, funcionários da limpeza, portaria e cozinha.

 

Instrumentos e procedimentos

Para a condução da intervenção, foi elaborado um material didático, que posteriormente foi publicado no formato de livro (COUTO; ALENCAR; LIMA, 2019). O material continha um texto básico para cada encontro e um exercício para ser respondido antes da leitura do referido texto, em momento anterior ao encontro de formação. Além disso, foi elaborada uma atividade prática para ser realizada durante as reuniões de formação e um exercício, denominado de análise crítica, para ser respondido ao final de cada encontro. Estabeleceu-se a seguinte divisão de assuntos por encontro: Primeiro encontro – ‘Valores, Moral e Ética’; Segundo encontro – ‘Principais conceitos sobre o desenvolvimento humano e desenvolvimento cognitivo’; Terceiro encontro – ‘Desenvolvimento moral’; Quarto encontro – ‘Educação em valores morais: conceito, objetivos e contextos’; Quinto encontro – ‘Temas para a educação em valores morais no contexto escolar’; Sexto e sétimo encontros – ‘Práticas para a educação em valores morais no contexto escolar’; Oitavo encontro – ‘Como elaborar projetos de educação em valores morais e fontes de informação’.

No decorrer da intervenção, foram utilizados procedimentos como aula expositiva dialogada, discussão de texto, atividade individual e em grupo, discussão de história fictícia e atividade de clarificação de valores. Vale ressaltar que em alguns encontros não foi possível utilizar recursos selecionados (Datashow, slides e vídeos), pois a escola apresentou problemas na rede elétrica. Em decorrência do aludido problema, também houve imprevisto com relação à sala para desenvolver a intervenção. Optou-se pela sala dos professores, que possuía um espaço reduzido.

Os participantes foram divididos em duas turmas, uma na quinta-feira à noite e outra no sábado de manhã. Tal divisão foi adotada a partir de sugestões dos profissionais da escola. O curso de formação foi dividido em oito encontros com duração de três horas cada, totalizando 24 horas presenciais. Para complementação da carga horária, foram previstas 16 horas de atividades não presenciais, que envolviam leitura de texto e realização de exercício. Ao final do curso, os participantes receberam um certificado. O curso foi realizado no decorrer do segundo semestre de 2017. O cronograma de encontros foi estabelecido em conjunto com os profissionais, sendo que foram realizados com intervalo de uma semana ou de 15 dias. Ressalta-se que a proposta inicial era a de realizar a formação durante 15 encontros semanais, com duração de duas horas cada, no horário de trabalho dos participantes. No entanto, a proposta foi modificada para atender as demandas e as possibilidades da escola.

No decorrer do estudo, foram seguidos os procedimentos éticos conforme prevê as Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012, 2016). O estudo teve início após a autorização da Secretaria Municipal de Educação de Vitória (SEME), da instituição participante, dos profissionais envolvidos no estudo (que assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) e do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (Número 2.182.097 – CAAE: 61893716.0.0000.5542).

 

Tratamento dos dados

Priorizou-se a análise qualitativa dos dados. Conforme Sampieri, Collado e Lucio (2013), na análise qualitativa é o pesquisador quem vai dando significado aos segmentos de dados e descobrindo unidades de análise, com as quais ele estabelece categorias. O processo de estabelecimento de categorias é o momento em que o pesquisador analisa um segmento de dado e se pergunta sobre o que ele significa, a que se refere, o que ele diz. Por meio de comparação, são estabelecidas unidades de análise que são classificadas como similar ou diferente de outras. Se duas unidades de análise têm significados similares, geram, por tentativa, uma categoria e recebem um mesmo código. Se forem diferentes, geram categorias distintas e recebem códigos diferentes (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013).

Para análise da formação, todos os encontros foram gravados em vídeo e em áudio. Além disso, as pesquisadoras realizaram anotações sobre cada encontro logo após o seu término (diário de campo). Quanto à avaliação dos textos e das atividades elaboradas para a formação, em cada encontro foram entregues folhas de avaliação aos profissionais, nas quais eles podiam indicar possíveis dúvidas, aspectos mais difíceis e nível de compreensão da escrita do texto, sugestões para os encontros posteriores, entre outros aspectos. No último encontro também foi entregue aos participantes uma folha de avaliação final, na qual deveriam indicar se antes e depois da formação eles se sentiam preparados para trabalhar com a educação em valores morais no contexto escolar e a justificativa. Além disso, na folha de avaliação final constava uma autoavaliação com relação à participação na formação, sendo observados os seguintes critérios: frequência nos encontros, pontualidade, leitura dos textos básicos, realização de exercícios prévios e durante os encontros, e participação na discussão em grupo. Esse tipo de análise permitiu estabelecer uma avaliação da intervenção pela perspectiva dos participantes. 

Os conteúdos das anotações sobre cada encontro (diário de campo) e das avaliações descritas anteriormente foram digitalizados e, posteriormente, analisados por meio do estabelecimento de categorias (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013). Como o objetivo da intervenção foi proporcionar aos profissionais da educação momentos de reflexão e aprendizado de conteúdos teóricos e metodológicos da área da educação em valores morais, para avaliar a contribuição da intervenção nesse sentido, além dos materiais citados anteriormente, foram analisados todos os exercícios respondidos pelos participantes ao final de cada encontro (análise crítica) e o exercício destinado para ser respondido antes da leitura do texto básico do último encontro de formação. As respostas desses exercícios foram analisadas por meio do estabelecimento de categorias ou a partir da seguinte categorização: sem base na teoria/texto, com base na teoria/texto – parcial e com base na teoria/texto – completa.

Em com base na teoria/texto – parcial foram incluídas as respostas que apresentavam apenas um aspecto do texto ou da teoria que foi discutido na formação, que não estavam claras e/ou que apresentavam tanto aspectos corretos como incorretos. Por sua vez, foram consideradas como com base na teoria/texto – completa aquelas respostas que apresentavam um ou mais aspectos da teoria ou do texto que foi discutido durante a formação, de forma clara e de fácil compreensão, e que abarcavam apenas conteúdos corretos. Para realizar essa análise, foram elaboradas “chaves de respostas” para cada exercício. Apresenta-se, a seguir, os resultados e a discussão dos dados obtidos.

 

Resultados e discussão

Em relação aos aspectos gerais da intervenção, constatou-se que no decorrer de todos os encontros a maior parte dos profissionais não aderiu à proposta do curso, a saber: leitura prévia de texto, realização prévia de exercício e avaliação do texto. Durante as discussões, a maioria apresentou respostas e argumentos embasados no senso comum e não nas teorias e pesquisas refletidas no material disponibilizado. Além disso, em muitos momentos os participantes se demonstraram dispersos, sonolentos, conversando e/ou mexendo no celular, bem como em materiais que não foram destinados à formação, como, por exemplo, atividades do trabalho. Como argumento para a falta de leitura prévia do texto, os participantes mencionaram a ausência de tempo para realizar as atividades, o cansaço físico e mental, entre outras justificativas. Frente a tais justificativas, discutiu-se com os participantes que, se fosse necessário, poderia ser disponibilizado um horário para a leitura durante os encontros presenciais. Neste caso, o número de encontros teria que ser estendido. No entanto, os participantes optaram por permanecer com a carga horária não presencial para a leitura do texto e realização dos exercícios. É importante mencionar, ainda, a frequência dos profissionais no curso de formação. Do total de participantes (n=14), apenas dois estiveram presentes em todos os encontros, seis faltaram duas vezes e outros seis se ausentaram uma vez. Ressalta-se que eles tinham a opção de repor os encontros em outra turma, o que não ocorreu.

Isto posto, apresentam-se as categorias estabelecidas a partir da análise dos encontros: a) concepções de valores morais e éticos; b) juízos sobre o papel da escola na formação moral dos alunos; c) concepções embasadas no senso comum; d) práticas pedagógicas impositivas; e) implicação dos participantes no decorrer da intervenção; f) pontos positivos e negativos da formação desenvolvida, seus limites e conquistas.

Quanto às concepções de valores morais e éticos dos participantes, foram identificadas concepções que tratam dos valores morais e éticos como algo que é individual, pois o que é bom para uma pessoa pode não ser bom para a outra. Assim, alguns profissionais demostraram que entendem que os valores morais e éticos são aqueles desenvolvidos no âmbito privado, nas relações familiares, e que valem apenas para o próprio indivíduo. Logo, a moral não pode ser caracterizada enquanto princípios universais, que devem orientar a vida em sociedade. Tal concepção se distancia da definição proposta no curso de formação e se aproxima mais das posições relativistas, conforme definido por La Taille (2006) e Puig (1998). Entende-se que pensar a moral em termos individuais e a partir de uma visão relativista pode influenciar a prática dos profissionais da educação em relação à educação em valores morais. Em outras palavras: se a moral é algo particular, próprio de cada indivíduo, pode-se pensar que todos os valores se equivalem e que não há o que fazer em relação à educação em valores morais. Nesse sentido, parte-se do pressuposto de que os participantes possuíam uma concepção de moral e ética que não favorece a implementação da educação em valores morais no contexto escolar.

Além disso, é importante mencionar, especificamente, a discussão em torno do tema do relativismo (LA TAILLE, 2006) realizada a partir de uma atividade em grupo, que abordou uma reportagem que narrava a história de uma menina do Sri Lanka que foi obrigada a se casar. Durante a referida atividade, a maior parte dos profissionais demonstrou ser a favor da universalidade de alguns princípios, o que, de certa forma, vai de encontro à discussão realizada no parágrafo anterior. Formula-se a hipótese de que a diferença entre os dados seja em decorrência do conteúdo da discussão, no contexto e nos indivíduos envolvidos. Por exemplo, em um encontro houve uma discussão sobre os direitos humanos e especificamente sobre uma situação de linchamento. De acordo com uma participante, determinados direitos não deveriam ser resguardados a todos os indivíduos, por exemplo, aqueles que infringem as leis. Por sua vez, ao analisar o caso de uma jovem obrigada a se casar, os profissionais demonstraram maior tendência à universalização de alguns princípios como, por exemplo, a dignidade humana.

Destaca-se que parece haver na atualidade um discurso contrário aos direitos humanos. Segundo Félix (2015), houve um crescimento de casos de linchamento no Brasil e sua utilização demonstra um declínio na evolução social. No linchamento, há uma desvinculação da ideia de que a vítima, o possível criminoso, é um ser humano e tem direito a um julgamento justo. Nesse sentido, esta prática deve ser combatida para evitarmos a volta do obsoleto, da barbárie (FÉLIX, 2015). Ainda segundo Félix, o referido combate exige uma reanálise da política de segurança pública e mesmo criminal.

Ademais, os referidos dados sinalizam a necessidade de se considerar a influência do tipo de vínculo de relacionamento (amigo e inimigo) ou da sua ausência (desconhecido) nos juízos morais dos indivíduos (ALVES; ALENCAR; ORTEGA, 2014; VALE; ALENCAR, 2009). No estudo de Vale e Alencar (2009), foi investigado se crianças e adolescentes, de 7, 10 e 13 anos, são influenciados pelos tipos de vínculo ao julgarem se uma pessoa deve ou não ser generosa para com outra. As autoras constataram que todos os participantes avaliaram que o personagem de uma história-dilema deveria ser generoso com um amigo e grande parte (73,3%) considerou tal possibilidade para com um desconhecido. Com relação ao inimigo, no entanto, a maioria dos sujeitos optou pela ausência de generosidade. É importante destacar que apenas 10% dos participantes (de um total de 30) não alteraram suas respostas em função do tipo de vínculo entre os personagens da história-dilema: se amigo, inimigo ou desconhecido. A pesquisa de Alves, Alencar e Ortega (2014) também abordou a questão em pauta. Os referidos estudiosos entrevistaram 40 crianças (de 6 e 9 anos) acerca da possibilidade de amar um amigo, um inimigo ou um desconhecido. A maioria dos respondentes afirmou ser possível amar um amigo (87,5%). No entanto, poucos julgaram ser admissível amar um inimigo (37,5%) ou um desconhecido (27,5%).

Com base em tais estudos (ALVES; ALENCAR; ORTEGA, 2014; VALE; ALENCAR, 2009), é possível formular a hipótese de que o vínculo de relacionamento influencia os juízos de parte dos profissionais da educação participantes do presente estudo, notadamente no que diz respeito a um indivíduo que pode ser concebido como um inimigo, a saber: aquele que comete um crime. Nos casos de linchamento, por exemplo, parece que os criminosos são vistos como inimigos e, por isso, são legitimadas práticas contrárias à sua dignidade, à justiça. Assim, entende-se que é necessária a busca por um debate contínuo com todos os segmentos da sociedade a respeito dos valores morais e éticos, buscando a defesa dos direitos humanos. No que se refere ao contexto escolar, que é o foco do presente estudo, considera-se que maior atenção deve ser dada a essa problemática nas formações dos profissionais, isto é, à concepção que eles possuem a respeito dos valores morais e éticos, para que sejam capazes de conduzir a formação moral dos educandos. Ressalta-se, no entanto, que novas pesquisas devem ser realizadas a fim de averiguar a concepção dos valores morais e éticos de profissionais da educação e a influência dos tipos de vínculos de relacionamento em seus juízos morais.

 

Outro tópico a ser discutido trata dos juízos sobre o papel da escola na formação moral dos alunos. Em diversos momentos da intervenção os profissionais se mostraram contrários à ideia de que a educação em valores morais também é papel da escola. Para os participantes, a formação moral das crianças e dos jovens cabe à família. Eles demonstraram, ainda, uma concepção de que a escola pouco pode influenciar o desenvolvimento dos alunos, tendo em vista o tempo que eles passam na escola (entendido como pouco tempo) e as diversas outras influências dos demais contextos em que vivem. Como se pode notar, esse tipo de avaliação vai de encontro à posição adotada por diferentes autores da área e pela legislação brasileira (BRASIL, 2000, 2007, 2017, 2018; GARCÍA; PUIG, 2010; GOERGEN, 2007; LA TAILLE, 2009, 2013; MARQUES; TAVARES; MENIN, 2017; PIAGET, 1996; PUIG, 1998). Entende-se que a escola tem limites para exercitar o comportamento moral dos alunos. Porém, isso não equivale a dizer que a escola não tem influência e que não deve contribuir com a formação moral dos educandos. Pelo contrário, as instituições de ensino são um espaço propício para abordar a educação em pauta.

Vale destacar que os juízos dos profissionais a respeito do papel da escola na formação moral dos alunos são coerentes com suas concepções sobre valores morais e éticos, discutidas anteriormente. Dito de outra forma, os profissionais participantes possuíam, em sua maioria, uma concepção de educação em valores morais baseada em valores relativos, em que as normas de conduta são compreendidas como critérios subjetivos, próprios de cada indivíduo. Assim, não é de se estranhar a avaliação dos profissionais de que cabe à família a formação moral dos indivíduos. Com isso pretende-se afirmar que tal juízo não favorece a implementação de uma educação em valores morais nas escolas baseada na construção racional e autônoma de princípios, normas e valores universais, como propõem diversos autores como La Taille (2009), Piaget (1996) e Puig (1998). Assinala-se que, ao longo da formação desenvolvida, foi possível constatar que a maior parte dos profissionais repensou suas concepções sobre os valores morais e éticos e acerca da educação em valores morais. Ao final do curso eles passaram a compreender melhor o papel da escola na formação moral dos alunos, especialmente em decorrência do conhecimento da legislação brasileira sobre o assunto. Os educadores demonstraram não ter conhecimento prévio sobre tal legislação e argumentaram que os cursos de formação (inicial e continuada) não preparam para o trabalho com a referida temática. 

Em concordância com o exposto, identificou-se também que os profissionais da educação muitas vezes demonstraram possuir concepções embasadas no senso comum e não em conhecimentos técnicos e científicos. Esses dados vão ao encontro das discussões realizadas em outros trabalhos (COUTO; ALENCAR, 2015, 2019; MÜLLER; ALENCAR, 2012; PEREIRA; BRONZATTO; CAMARGO, 2016; TOGNETTA; VINHA, 2012). A esse respeito, concorda-se com Bock, Furtado e Teixeira (2008) quando afirmam que o conhecimento científico supera o conhecimento do senso comum. Nesse sentido, entende-se que os profissionais da educação, por meio da formação acadêmica e continuada, devem adquirir os conhecimentos necessários para a sua atuação profissional. O que pode estar acontecendo é que os cursos de formação não estejam preparando suficientemente os profissionais da educação para conduzirem práticas de educação em valores morais, como relataram alguns participantes do nosso estudo.

 Além disso, verificou-se que para alguns participantes as teorias muitas vezes não correspondem ao que eles vivenciam na prática. Dessa maneira, para eles, o conhecimento prático, adquirido no dia a dia, teria mais validade e importância do que o conhecimento teórico. Este tipo de dado também foi constatado no estudo de Silva (2018). A autora desenvolveu uma intervenção, no formato de um curso de extensão universitária com certificação, com 24 professores que trabalhavam com turmas do sexto ao nono ano do ensino fundamental, de uma escola pública localizada no interior paulista. O foco do curso foi trabalhar temas e conceitos sobre o desenvolvimento moral infantil. Ele foi desenvolvido na escola em que os participantes trabalhavam, no horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTP). Silva buscou avaliar se a formação desenvolvida possibilitou mudanças nas concepções dos participantes a respeito do tema abarcado. Para tanto, utilizou instrumentos como questionário (antes e após a formação), observação (no decorrer da formação) e entrevista (com quatro participantes após a formação). O processo formativo ocorreu no decorrer de 17 encontros, em que foram discutidos textos relacionados ao tema do curso. Entre os resultados, Silva verificou que alguns professores consideravam que as teorias discutidas em sua formação inicial careciam de aplicabilidade, isto é, não ajudavam no enfrentamento do cotidiano da escola. Assim, com base nos dados da presente pesquisa e no estudo de Silva, avalia-se que novos estudos podem ser realizados com o objetivo de investigar de forma mais específica o aspecto da formação inicial dos profissionais da educação no que diz respeito ao embasamento para a condução de práticas de educação em valores morais e à importância atribuída pelos profissionais às teorias estudadas.

Com carência de conhecimentos técnicos e científicos sobre a educação em valores morais e, muitas vezes, baseados no senso comum, em seus valores e suas concepções pessoais, os profissionais da educação podem acabar utilizando procedimentos que não favorecem o desenvolvimento dos educandos. No decorrer da formação, os participantes mencionaram adotar práticas pedagógicas impositivas (PIAGET, 1996). Como exemplo, o estabelecimento de regras de convívio sem a participação dos alunos em sua elaboração. Foram citadas, por exemplo, as regras de não ir ao banheiro e de não usar boné. Sobre este assunto, Tognetta e Vinha (2011) afirmam que muitas vezes é estabelecido um excesso de regras no contexto escolar. De acordo com elas, nos regimentos escolares constam regras em que se misturam as convencionais, as morais, as unilaterais e as autoritárias. Dentre estas, as referidas autoras assinalam que há, também, aquelas que são desnecessárias. Diante disso, ressaltam que todo educador deve refletir “continuamente sobre os princípios que subjazem as normas, pois muitas vezes serão identificadas regras válidas e outras que visam apenas ao controle e à submissão” (TOGNETTA; VINHA, 2011, p. 37). Assim, entende-se que é necessário refletir com os alunos os princípios que estão em jogo quando determinadas situações ocorrem e levá-los a pensar sobre as consequências de cada uma delas (LA TAILLE, 2009).

   Quanto às práticas pedagógicas, é importante assinalar que durante um encontro de formação houve questionamento sobre como a escola poderia trabalhar valores como a família e se os profissionais da educação também poderiam “dar tapas” nas crianças. Sobre este aspecto, concorda-se com Sena e Mortensen (2014) quando questionam a eficácia e as consequências da agressão física enquanto prática educativa, seja no âmbito privado (família) ou no âmbito público (escola). Segundo as autoras, há estudos que indicam que os castigos físicos estão associados ao aumento dos níveis de agressão infantil e maior incidência de ansiedade, abuso de drogas, depressão, entre outros danos. Além disso, tal prática não tem se mostrado mais eficaz para estimular bons comportamentos do que os métodos não violentos. Pelo contrário, pode estimular maus comportamentos e levar à não compreensão do princípio que está por trás do ato punido. Ainda conforme as estudiosas, “educar é transmitir valores, estimular o comportamento ético, empático, solidário, reflexivo, valores fundamentais que acompanharão a criança por toda a sua vida” (SENA; MORTENSEN, 2014, p. 24). É também exercer o diálogo, valorizar os bons comportamentos e dar bons exemplos (SENA; MORTENSEN, 2014). Como exposto no decorrer do presente trabalho, muitas são as estratégias pedagógicas indicadas para a educação em valores morais e, de acordo com a abordagem piagetiana (PIAGET, 1996), os métodos ativos são superiores àqueles que possuem como base a imposição, a humilhação e o constrangimento.

   Outro tópico a ser analisado diz respeito à implicação dos participantes no decorrer da intervenção. A assiduidade e a pontualidade dos profissionais, bem como o envolvimento deles nas discussões e nas atividades destinadas à carga horária não presencial do curso, colocaram em questão a viabilidade da formação desenvolvida. Mas, apesar dos contratempos mencionados, algumas discussões foram relevantes e parte dos profissionais demonstrou adquirir novos conhecimentos sobre os conceitos refletidos. Houve momentos em que os participantes se mostraram interessados em aprender os assuntos abordados na formação. Além disso, verificou-se que antes da formação todos os participantes não se sentiam preparados para conduzir práticas de educação em valores morais no contexto escolar e, após o curso, apenas três relataram que não se sentiam seguros para participar desse tipo de educação.

Ainda sobre a implicação dos profissionais é importante citar a ausência de leitura dos textos e a pouca participação nas discussões sobre as teorias abordadas. Importante destacar que esse tipo de dado também foi verificado no trabalho de Silva (2018). Durante a formação realizada, a autora repensou os seus objetivos e as estratégias adotadas, tendo em vista a pouca implicação dos profissionais no curso. Ela também encontrou dificuldade para fazer com que os participantes lessem os textos sugeridos e participassem das discussões sobre as teorias abordadas. Assim, Silva identificou que, ao longo da formação, os participantes manifestaram comportamentos que, frequentemente, se queixam em relação aos seus alunos. Tais dados podem indicar uma dificuldade por parte de alguns profissionais em realizar uma autoavaliação. No presente trabalho, por exemplo, a maioria dos participantes atribuiu notas altas a si mesmo nos itens em que houve baixo envolvimento deles.

   Finalmente, reflete-se a respeito dos pontos positivos e negativos da formação, seus limites e conquistas. Avalia-se que a carga horária proposta se caracterizou como uma introdução aos assuntos abordados. Porém, destaca-se que grande parte dos participantes do estudo demonstrou adquirir conhecimentos necessários à condução de práticas de educação em valores morais no contexto escolar. A partir dos exercícios de análise crítica, analisou-se um total de 141 conteúdos de respostas, sendo que 71 foram avaliados como com base na teoria/texto – completa, 34 como com base na teoria/texto – parcial e 36 como sem base na teoria/texto. Nesse sentido, os participantes compreenderam a maior parte dos assuntos abordados. Os conteúdos que os participantes mostraram maior dificuldade de compreensão tratam dos conceitos sobre o desenvolvimento humano e desenvolvimento cognitivo e das práticas de educação em valores morais.

Quanto aos recursos utilizados na condução da formação, compreende-se que a aula expositiva pode contribuir para que os profissionais permaneçam na posição de ouvintes, conforme também discute Silva (2018). As atividades e os exercícios propostos se mostraram eficazes na medida em que possibilitaram debates e diálogos relevantes. No entanto, considera-se que tais recursos, em muitos momentos, não foram suficientes para estimular a participação ativa e o envolvimento dos profissionais no curso de formação.

Com o objetivo de estimular a participação e a aquisição de conhecimentos por parte dos profissionais da educação, as formações também podem adotar outras metodologias, por exemplo, as que foram utilizadas por Araújo et al. (2015), Nucci Creane e Powers (2015) e Midgette et al. (2018). Dessa forma, podem ser adotadas estratégias como trabalho em grupos colaborativos e cooperativos que abarcam conteúdos em ética, valores e cidadania, na busca por resolução de problemas da realidade escolar (ARAÚJO et al., 2015). Ademais, os participantes podem ser orientados a construírem em colaboração lições/atividades para serem desenvolvidas em determinadas disciplinas do currículo, sendo a aplicação de tais lições acompanhadas e refletidas pela equipe de formação e todos os profissionais envolvidos (MIDGETTE et al., 2018; NUCCI; CREANE; POWERS, 2015).

Outra possibilidade é inserir um profissional no contexto escolar que seja responsável por adotar práticas de mediação de conflito e sugerir práticas pedagógicas complementares, entre outros aspectos (RAAB; DIAS, 2015). Ou ainda, contar com o profissional da Psicologia nas escolas, que em muito pode contribuir para a formação continuada dos professores (BARRIOS; MARINHO-ARAÚJO; BRANCO, 2011; CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2019).

Dito isto, assinala-se que uma das maiores conquistas da formação desenvolvida foi propiciar aos profissionais participantes reflexões sobre o papel da escola na formação moral dos educandos. Avalia-se que muitos são os limites e as dificuldades que aqueles que conduzem os cursos de formação continuada dos profissionais da educação precisam transpor, tais como a falta de recursos das instituições de ensino, a carga horária extensa (a falta de tempo) dos profissionais da educação, o cansaço físico e mental deles, a falta de interesse e motivação dos envolvidos, entre outros. No entanto, defende-se que a referida formação pode produzir efeitos notáveis nas concepções e práticas dos educadores. 

 

Considerações finais

Na presente pesquisa, foi desenvolvido um projeto de intervenção que teve como objetivo proporcionar aos participantes aprendizados sobre conteúdos teóricos e metodológicos da área da educação em valores morais, bem como reflexões acerca de suas concepções, juízos e práticas pedagógicas. Partiu-se do pressuposto de que tais momentos poderiam auxiliar os profissionais da educação a adquirir competências e conhecimentos necessários para atuar na educação em pauta. No decorrer da formação, foram vivenciados muitos entraves, pois os profissionais não se mostraram implicados nas atividades propostas. No entanto, após analisar os dados, verificou-se que alguns profissionais adquiriram conhecimentos e mudaram suas concepções sobre o papel da escola na formação moral dos alunos, entre outros aspectos. Além disso, após a formação, a maioria passou a se sentir segura e apta para trabalhar com a formação moral no contexto escolar. Nesse sentido, entendeu-se que a formação foi eficaz no que se propôs, pelo menos para parte dos educadores.

Apesar de reconhecer a importância de se pensar em metodologias que estimulem a participação ativa dos profissionais da educação nos cursos de formação, uma questão parece ser central: a motivação dos educadores para participar de cursos no tema da educação em valores morais. Assim, a pergunta que se estabelece é: como motivar os profissionais da educação a estudarem sobre um tema que eles acreditam, em sua maioria, ser responsabilidade apenas da família? Como proporcionar a ampla participação de profissionais da educação em formação continuada se a organização e a infraestrutura das escolas muitas vezes não favorecem a referida participação? Como motivar tais profissionais a estudar, se eles possuem uma carga horária de trabalho extensa, e frequentemente se queixam de falta de tempo e cansaço? Essas e outras questões devem ser refletidas na elaboração de cursos de formação continuada. A partir dos dados do presente estudo, indica-se que sejam destinados encontros exclusivamente para trabalhar a motivação dos profissionais. Nesses encontros, pode ser abarcada de forma mais detalhada a legislação sobre o tema da educação em valores morais, bem como dados de pesquisas e relatos de experiência sobre os benefícios que projetos nesse domínio propiciam às escolas.

Ademais, os dados sugerem a necessidade de novos estudos: que busquem averiguar a concepção de valores morais e éticos de profissionais da educação e a influência dos vínculos de relacionamento em seus juízos morais; que investiguem, por meio de distintas metodologias, os juízos dos profissionais da educação a respeito do papel da escola na formação moral dos alunos; que pesquisem, de forma mais específica, aspectos da formação inicial dos profissionais da educação no que diz respeito ao embasamento teórico para o trabalho com a educação em valores morais e à importância atribuída pelos profissionais às teorias estudadas.  

Com este estudo, ressalta-se a relevância da formação continuada dos educadores para conduzir práticas de educação em valores morais no contexto escolar. Tal formação deve buscar ampliar os conhecimentos teóricos e metodológicos dos referidos profissionais, bem como deve abordar, com especial atenção, a motivação para o estudo e o aperfeiçoamento profissional nesse tema e uma tomada de consciência sobre os próprios valores. 

 

Referências

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