Discursos Político-curriculares endereçados à Educação Especial
Political-curricular speeches addressed to Special Education
Fabiany de Cássia Tavares Silva
Bolsista Produtividade 1D, CNPQ - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso do Sul, Brasil
fabiany@uol.com.br - https://orcid.org/0000-0002-7106-690X
Recebido em 06 de março de 2021
Aprovado em 25 de novembro de 2021
Publicado em 27 de dezembro de 2022
RESUMO
Este texto expõe análises sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) e a produção intelectual de crítica, suportadas como território e/ou mercado linguístico contraditório, que per se representam o processo brasileiro de reorientação curricular. Incursiona-se por conceitos e noções trazidos pelo empreendimento bourdesiano, particularmente a edificação da violência simbólica na imposição de um conjunto (arbitrário) de referentes culturais, como mecanismo de preservação (e legitimação) da cultura dominante e dos sistemas de dominação. Articula-se o método praxiológico, organizado a partir de estudos bibliográficos e documentais, fundados nos conceitos operacionais de campo, habitus e doxa douta.
Palavras-chave: Currículo; Base Nacional Comum Curricular, Educação Especial; Bourdieu.
ABSTRACT
This text exposes analyzes on the National Common Curricular Base (BNCC, 2017) and the intellectual production of criticism, supported as a contradictory territory and / or linguistic market, which per se represent the Brazilian curriculum reorientation process. The concepts and notions brought by the Bourdesian enterprise are explored, particularly the construction of symbolic violence in the imposition of a (arbitrary) set of cultural references, as a mechanism for the preservation (and legitimation) of the dominant culture and systems of domination. The praxiological method is articulated, organized from bibliographic and documentary studies, based on the operational concepts of field, habitus and doxa scholar.
Keywords: Curriculum; Common Base National Curriculum; Special Education; Bourdieu.
Introdução
A crítica que traz o não discutido à discussão, o não formulado à formulação, tem como sua condição de possibilidade a crise objetiva, a qual, quebrando o laço imediato entre as estruturas subjetivas e as estruturas objetivas, destrói a autoevidência no âmbito prático (BOURDIEU, 1979, p. 169).
Este texto ancora-se em objeto de pesquisa, finalizada1, sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) e a produção intelectual de crítica, suportadas como território e/ou mercado linguístico contraditório, que per se representam o processo brasileiro de reorientação curricular. Tal reorientação consiste na projeção dos discursos e das práticas que imprimem a ideia da radical transformação dos objetivos, dos conteúdos e da didática na educação básica. Os conteúdos estudados passam a ser os meios com os quais o estudante desenvolve capacidades intelectuais, afetivas, motoras, tendo em vista as demandas do mundo em que vive.
Essa projeção efetiva-se no campo educativo, exercendo o trabalho de manter o “monopólio do universal” (BOURDIEU, 1996, p. 122), que depende da sua submissão aos valores impostos como universais e ao conformismo às regras universais e às normas oficiais. Em pleno século XXI, o universal está na garantia do direito, de todos e de cada um, à educação; o conformismo alude às competências e às habilidades como forma de considerar diferentes tipos de aprendizagem e a inclusão de todos os estudantes.
A submissão, nesse sentido, é garantida pelas estruturas que, a serviço do poder estatal e/ou empresarial e suas concepções tecnicistas e pragmáticas, se utilizam dos mecanismos de reprodução de dominação simbólica. Tais mecanismos tomam forma no papel dos currículos nacionais, que impõem seus conteúdos e regras, com o objetivo de estabelecer a ordem social determinada pelo Estado e/ou pelo mercado.
Tal determinação configura-se em um projeto curricular delineado pela burguesia empresarial brasileira, cuja ênfase na educação básica perpassa pela formação de habilidades genéricas, desenvolvidas pela e para a competitividade, reativando a concepção funcionalista de sociedade, em que a desigualdade se transforma em diferenças e as classes sociais são substituídas pelo acento nas subjetividades.
A par disso, suas condições de elaboração retratam uma subordinação do domínio teórico ao prático e, ao mesmo tempo, uma combinação de fatores, com destaque para as discussões sobre uma escola sem ideologia, os direitos individuais postulados como para todos (direito à aprendizagem), os conflitos em torno do que venha a ser conhecimento legítimo e as dimensões da formação escolar, problematizadas e/ou defendidas por uma base entendida/apreendida como ‘reforma de estado’, incrementada nos moldes de políticas de cunho neoconservador, neoliberal e, particularmente, neopopulista autoritário.
A centralidade dos currículos nas políticas educacionais da sociedade do conhecimento as reformas educacionais são constituídas pelas mais diversas ações, compreendendo mudanças nas legislações, nas formas de financiamento, na relação entre as diferentes instâncias do poder oficial (poder central, estados e municípios), na gestão das escolas, nos dispositivos de controle da formação profissional, especialmente na formação de professores, na instituição de processos de avaliação centralizada nos resultados. As mudanças nas políticas curriculares, entretanto, têm maior destaque, a ponto de serem analisadas como se fossem em si a reforma educacional. (LOPES, 2004, p. 110).
Esse estado de coisas não informa um trabalho curricular menos implícito. Pelo contrário, circunscreve-o como responsável pela qualidade dos processos educacionais, aliado a uma universalidade distante das questões sociais subjacentes. Tal circunscrição revela-se nos discursos da criminalização dos programas sociais e das políticas públicas, neste caso específico, daquelas destinadas à educação para todos, particularizada como a educação dos pobres, ao mesmo tempo que aliados aos problemas morais derivados de um Estado totalizante (no caso brasileiro, socialista, por que não dizer, comunista), cujas medidas econômicas incursionam por um igualitarismo pervertido e abstrato, que culmina com o fracasso da educação.
Para restituir o papel da educação, com um fundo pragmático, o Ministério da Educação (MEC) articulou-se com partes significativas da direção do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), da direção da União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e das fundações empresariais, destacadamente a Fundação Lemann2 e suas relações transnacionais (princípio da influência do setor privado), para a confecção de um ‘novo artefato curricular’ nacional, a BNCC.
O artefato acompanha as mudanças sociais e econômicas, mas parte constitutiva dessas mudanças traduz a ‘deformação necessária’ para atender a um mercado de trabalho desregulamentado, ancorada em uma proposição arcaica de instrução, em detrimento da concepção plena de educação e de currículo, postulando a separação entre os campos pedagógicos oficial e não oficial, na produção do discurso pedagógico, em uma estrutura social fixa.
Vale registrar que tal deformação, para ser analisada nos limites deste texto, incursiona pelas técnicas do método praxiológico, organizado a partir de estudos bibliográficos e documentais, fundados nos conceitos operacionais de campo, habitus e doxa douta. Em decorrência desses conceitos, compreendemos analiticamente os lócus atuais de significação do currículo, do conhecimento, e da educação especial e suas consequências, na edificação da violência simbólica na imposição de um conjunto (arbitrário) de referentes culturais (saberes, linguagens, normas, valores, representações, etc.), como um mecanismo de preservação (e legitimação) da cultura dominante e dos sistemas de dominação, dando origem a uma nova ‘cultura escolar’3, assente em valores como a cidadania, a tolerância e a inclusão.
Essa cultura coloca em jogo a substituição das grandes narrativas sobre os conhecimentos, a aprendizagem, a avaliação, que historicamente se alimentam de concepções de neutralidade e de objetividade, inspiradas nos modelos explicativos oriundos das ciências, com destaque para a Psicologia, por uma conceituação de forte carga abstrata, na incorporação das diferenças.
Torna-se fundamental, para perceber esse trânsito, a compreensão das diferenças como “sistemas de classificação, muito menos instrumentos de conhecimento do que instrumentos de poder, subordinados a funções sociais e orientados, mais ou menos abertamente, para a satisfação dos interesses de um grupo” (BOURDIEU, 2007, p. 442).
Isso posto, as diferenças e, especificamente, as oriundas das deficiências, convertem-se, no plano da BNCC, em desigualdades escolares. O currículo, nessa configuração, compromete-se apenas com a realocação dos conhecimentos interessados nas aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, mas não potenciado como espaço de disputa por projetos educativos distintos, que perpassam pelo combate às chamadas ‘doutrinação ideológica’ e ‘ideologia de gênero’.
Como localizar, então, as discussões sobre a educação especial4, particularmente os processos e as práticas propostos para a escolarização dos estudantes com deficiência, sem uma prerrogativa moral e um objetivo que transcenda a premissa de correção das distorções provocadas pelo próprio Estado?
Na tentativa de resposta a esses questionamentos, tomamos a BNCC como fonte escrita, de um lado reprodutora do processo de constituição das ideologias ou mentalidades educativas em discursos político-curriculares subtraídos a uma projeção particular, oficial e, de outro, informada pelas funções determinadas pela difusão e pelo desenvolvimento prático dos processos de escolarização, com base em uma rede de intertextualidades orientada pela política educativa e pelo desenvolvimento dos processos educativos nas escolas e nas salas de aulas.
Nessa condição, essa rede permite apreender distorções operadas em dois tipos de textos, admitidos no princípio da circularidade. De um lado, um texto readerly, no qual o leitor desenvolve atitude passiva, limitando-se à produção de sentidos restritos ao seu papel de “consumidor inerte” (HAWKES, 1977, p. 114); no caso específico, de textos curriculares, alimentados por uma linguagem centrada no pressuposto da “melhoria da qualidade” identificada desde a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), delineada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n. 9394 de 1996 e presente, também, no Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), documentos cuja textualidade se encontra fora da própria BNCC. De outro, writerly, no qual o leitor é convidado a preencher as lacunas do texto, quando apresenta referência ao alunado com deficiência, passando a ser um intérprete criativo.
A criatividade apresenta-se definida por interpretações acerca das possibilidades de aprendizagens, em clara ligação com a premissa da progressão escolar na educação básica (educação infantil e ensino fundamental), ao mesmo tempo que circunscrita ao foco das (ou dez) competências.
Nas modalidades textuais, a BNCC apresenta-se como portadora de uma escrita e promotora de uma leitura que coexistem, sofrem e produzem interferências para e pelo leitor e, dessa forma, remetida à condição de produto de um processo político que emerge e interage constantemente com variados contextos que se interligam e que estão relacionados aos discursos que os constituem e à forma como são percebidos.
Tais discursos, quando transformados em texto, nesta condição tomado como fonte, possuem vestígios de como os agentes sociais desenvolvem/reproduzem uma combinação de partes mais prescritivas e partes mais abertas, o que indica a antecipação, de modo prático, dos lucros simbólicos de sua ação nas trocas simbólicas cotidianas. Contudo:
As terminologias correntes são, com frequência, obstáculos à análise científica, exatamente porque veiculam evidências não questionadas. Um dos melhores remédios para isso, sempre necessário, é tomar precisamente essas terminologias como objeto de pesquisa e submetê-las a uma decodificação crítica (CHAUVIÈRE, PLAISANCE, 2000, p. 15).
Diante disso, articulamos a investigação desses vestígios sobre a economia dos textos presentes na BNCC, transformados em discursos, no que diz respeito à educação especial, incursionando por perspectivas e conteúdos de análises que sinalizam para a relação com tradições e práticas sedimentadas, na produção da pedagogia, da escolarização e da cultura escolar diante das deficiências5.
Orientamo-nos por um modelo praxiológico de investigação, pensado na dinâmica educativa e curricular, dialogando com uma sequência operacional, adotada na dupla função de limitar o campo investigado, ou o lugar em que se estudam a posição, os habitus, as doxas e os capitais. Tal sequência é organizada em torno de procedimentos que, em primeiro lugar, incursionam pelos campos educativo e curricular e seus habitus, na pretensão de desvelar que as relações estabelecidas entre eles não são apenas relações de sentido, mas também de poder. E, em segundo lugar, pela doxa douta e seus capitais, na percepção de discursos voltados para a afirmação dos traços distintivos de identidades sociais e escolares (neste caso, dos professores da educação básica e dos estudantes com deficiência), ou para a disputa da legitimidade de sentido sobre os habitus daqueles que escrevem os documentos.
Isso posto, esses conceitos intentam revelar os vestígios do domínio simbólico da prática (presente nos textos e documentos curriculares), no qual os agentes autorizados (os autores) detêm a atenção sobre segmentos da ação que são mais relevantes, bem como sobre a estruturação dos conteúdos escolares, que valorizam “o comum”6.
Os campos e seus habitus: poderes simbólicos
A principal consequência do diálogo proposto entre os campos (curricular e da educação especial) e seus habitus é trazer a exposição das críticas sobre as lutas epistemológicas travadas diante da administração da necessidade de “construção de um saber” consubstanciado “pelo acordo imediato que se estabelece entre pessoas detentoras das mesmas categorias de pensamento, percepção e de construção da realidade” (BOURDIEU, 2012, p. 5).
Essa exposição conduz-nos à percepção de certas práticas e posições assumidas pelos discursos político-curriculares constantes na BNCC, que servem de critério (com seus princípios de avaliação e relações de força simbólica) para a dispersão de práticas distintivas, por todo o espaço social/escolar e pelos diversos mercados simbólicos de consumo.
Para a apreensão dessa dispersão, primeiramente, posicionamos o consumo da BNCC no campo educativo, antes de lançá-la ao campo curricular. Isso porque o campo se mostra como lugar de luta entre os agentes que o integram e que buscam manter ou alcançar determinadas posições, obtidas pela disputa de capitais específicos, valorizados de acordo com as características de cada campo.
Dessa forma, trata-se de “um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de forças” (BOURDIEU, 2004, p. 22-23). Em uma visão sistêmica, os campos educativo e curricular emergem do Estado, que se apresenta como garantidor dessa integração lógica e moral, assegurada na formação de um determinado ‘consenso’ sobre o mundo escolarizado, que está na base dos conflitos sobre esse próprio mundo.
No campo educativo, observamos a total adesão da BNCC, como política de conhecimento oficial, fundada nos discursos de inovação, no sentido geral de mudança, agregação de elementos novos, alteração dos existentes, organizada pela retórica neoeconomicista e reformista, aproximada de modo organicamente artificial ao mercado. Dessa forma, opera-se a estreita ligação com o sistema produtivo, propondo, por sua vez, uma formação de quase-mercado.
Há exemplos de tradução da política curricular tanto nos discursos quanto nos textos da BNCC, representando embates travados entre diferentes interesses, negociações e influências, priorizando certas vozes e interpretações na representação da política:
Nesse sentido, espera-se que a BNCC ajude a superar a fragmentação das políticas educacionais, enseje o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e seja balizadora da qualidade da educação. Assim, para além da garantia de acesso e permanência na escola, é necessário que sistemas, redes e escolas garantam um patamar comum de aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a qual a BNCC é instrumento fundamental. (BRASIL, 2017, p. 8).
A par disso, a BNCC, desde sua aprovação pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Resolução n. 2, de 22 de dezembro de 2017, até o seu reconhecimento como um modelo de educação que retoma os princípios da ‘Teoria do Capital Humano’, organiza um “tipo de acordo sobre os terrenos dos desacordos e sobre os modos de expressão dos desacordos” (BOURDIEU, 2012, p. 18), interessado, comprometido em transmitir certa visão de mundo, vinculada aos interesses dos grupos situados em posição de vantagem.
Dessa forma, os dominados têm contribuído
com frequência à sua revelia, outras vezes contra sua vontade, para a sua própria dominação, aceitando tacitamente, como que por antecipação, os limites impostos; tal reconhecimento prático assume, muitas vezes, a forma da emoção corporal (vergonha, timidez, ansiedade, culpabilidade), em geral associada à impressão de uma regressão a relações arcaicas [...] mesmo contra a vontade a contragosto. (BOURDIEU, 2001, p. 206).
Constatamos essa contribuição na demonstração de dependência, na necessidade de uma orientação e direção, fundada nas “interpretações de interpretações”, acatando o trabalho de tradução realizado por outros, neste caso, em busca de uma sociedade que “impõe um olhar inovador e inclusivo a questões centrais do processo educativo: o que aprender, para que aprender, como ensinar, como promover redes de aprendizagem colaborativa e como avaliar o aprendizado” (BRASIL, 2017, p. 14).
O campo educativo, assim, cria significados, ao invés de dotá-los de sentido, baseando-se na noção de que o currículo, como parte da política oficial de conhecimento, se define por requisitos e padrões tornados importantes para uma educação que atenda, simultaneamente, aos interesses do mercado e a valores conservadores, pois: “No novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável requer muito mais do que o acúmulo de informações” (BRASIL, 2017, p, 14).
No campo curricular priorizamos, para as análises, a falta de diálogo ou a visão distorcida da escola e do acesso ao conhecimento, presentes na BNCC, interpretadas como homogêneas, reduzidas a elementos simples e fundamentais, uma espécie de
formas estatais de classificação, isto é, esquemas práticos de percepção, apreciação e ação, criando as condições para uma orquestração imediata dos habitus, a qual constitui, por sua vez, o fundamento de um consenso sobre esse conjunto de evidências partilhadas, capazes de conformar o senso comum (BOURDIEU, 2012, p. 85).
Esses esquemas suportam as defesas acerca da diversidade. No caso do Brasil,
um país caracterizado pela autonomia dos entes federados, acentuada diversidade cultural e profundas desigualdades sociais, os sistemas e redes de ensino devem construir currículos, e as escolas precisam elaborar propostas pedagógicas que considerem as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes, assim como suas identidades linguísticas, étnicas e culturais. (BRASIL, 2017, p. 15).
Ao lado das necessidades, das possibilidades e dos interesses dos estudantes, instituídos e legitimados, impõe-se a credibilidade de princípios e de objetivos ‘instituintes’ de um novo processo de escolarização, distanciado de valores locais e pessoais que, como tal, não envolve a resolução de conflitos, senão uma série de ajustes.
Os ajustes são aproximados da ‘Pedagogia das Competências’, definida por acordos entre os ‘organismos multilaterais’ e suas pautas de reformas educacionais ancoradas no neoliberalismo educativo, impondo as competências defendidas pelos Organismos Internacionais (OCDE, BANCO MUNDIAL, UNESCO, CEPAL), desde os anos 1990.
Tal defesa parece desvelar os habitus dos “especialistas de todas as áreas do conhecimento”, fruto de evidências partilhadas, mas que não garantem um consenso primordial sobre o sentido de escolarização, de competência, de formação, materializado em um conjunto de lugares comuns tacitamente aceitos pela “nação como população dotada das mesmas ‘categorias’, logo do mesmo senso comum” (BOURDIEU, 2001, p. 119).
No campo curricular, as análises sobre a escola transitam entre sua função de transmissora de valores gerais dominantes, sem grande capacidade de intervenção para a mudança, até a identificação de seu caráter reprodutor. Nesse trânsito, os conhecimentos ensinados/aprendidos são referendados como “construções sociais que atendem a determinadas finalidades da educação e, por isso, reúnem sujeitos em determinados territórios, sustentam e são sustentadas por relações de poder que produzem saberes” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 121)
Essas relações de poder se expressam, no caso específico da BNCC, na configuração dos seus objetivos, apresentados como resultantes de processos de seleção, organização e distribuição dos conhecimentos, orientados por competências e habilidades aproximadas dos saberes escolares e determinadas pelas avaliações curriculares. Vale registrar que as competências e habilidades se distinguem da concepção de conteúdo e ampliam o seu sentido. Nesse jogo, a noção de conteúdo passa a ocupar um status menor na escala de valorização do currículo e da construção do conhecimento.
Contudo, os objetivos, ainda, são indutores, teoricamente, da questão das aprendizagens básicas, tornadas ‘direitos de aprendizagem e desenvolvimento’, traduzidas em direitos do indivíduo, postulados como de todos e para todos.
Ademais, os direitos de aprendizagem e desenvolvimento não podem ser limitados à perspectiva do controle do Estado, pois as escolas, lugar onde o currículo é praticado, são imperfeitas – possuem práticas complexas e instáveis, edificadas cotidianamente. Isso posto, coexistem estruturas de poder, redes informais de decisão e práticas discursivas, que tomam corpo em uma perspectiva interpretativa.
A perspectiva interpretativa aproxima-nos das ideologias curriculares afirmadas na interdição do discurso e do trabalho dos professores, das etapas da educação básica ao ensino superior, contrárias à sua vocação pública. A interdição assenta-se na ideia de comprometimento cívico e moral, cujas estratégias de superação (neoconservadoras, liberais e populistas) reconfiguram os projetos societários de escolarização.
Tais projetos estão pautados no que se passa no mundo globalizado, em sua face não escolar e, por conseguinte, enfocados no currículo, materializado por objetivos que não estabelecem significados para a escolha dos conteúdos escolares, por silenciarem e ignorarem os interesses e as experiências dos estudantes7, pela adoção de um discurso universalista de igualdade e de inclusão.
Particularmente, nesses discursos, a universalização da igualdade e da inclusão, no tocante ao campo da educação especial, alimenta-se pela/na apresentação de estratégias de adequação de conteúdo, metodologias e avaliação, em sua interlocução com o currículo. Essa interlocução não consegue construir, ao longo do tempo e espaço de publicação curricular, um discurso distante da estrutura simplificada de objetivos, competências e aquisições essenciais pretendidas.
Apreendemos, ainda, a manutenção desse conteúdo de interlocução, questionando, enfaticamente, quais são as diretrizes implícitas e explícitas das aprendizagens para o aluno com deficiência, ainda considerado “pessoa incompleta, aquela que precisa se adaptar a um conhecimento previamente selecionado de uma cultura mais ampla [...]”, isto é, “a busca da homogeneização” (FRANCO, 2000, p. 81).
Como o aluno com deficiência será preparado para responder às dez competências gerais a serem desenvolvidas ao longo da educação básica (?), prescritas na construção e prioridades do indivíduo, e não da coletividade? Vale a pena comentar sobre essas competências8, uma vez que nelas estão incluídos os sentidos mobilizados de currículo, pelas práticas curriculares e suas ações de ensinoaprendizagem nas escolas.
1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social e cultural para entender e explicar a realidade (fatos, informações, fenômenos e processos linguísticos, culturais, sociais, econômicos, científicos, tecnológicos e naturais), colaborando para a construção de uma sociedade solidária. 2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e inventar soluções com base nos conhecimentos das diferentes áreas. 3. Desenvolver o senso estético para reconhecer, valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também para participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural. 4. Utilizar conhecimentos das linguagens verbal (oral e escrita) e/ou verbo-visual (como Libras), corporal, multimodal, artística, matemática, científica, tecnológica e digital para expressar-se e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e, com eles, produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.
Nas competências 1 a 4, encontram-se estabelecidos indicativos para que os estudantes se apropriem do conhecimento científico, acumulado historicamente pela humanidade, desenvolvendo o pensamento crítico e criativo, ampliando o repertório cultural, produzindo arte e cultura, e desenvolvendo a capacidade de comunicação, argumentando e opinando com diversas linguagens. No entanto, expõe o seu caráter abstrato, elencando ações generalizadas, sob a lógica logocêntrica de controle e cálculo sobre o conhecimento e o sujeito (que se espera ser) produzido a partir dele.
Essa mesma lógica parece se manter nas competências a seguir:
5. Utilizar tecnologias digitais de comunicação e informação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas do cotidiano (incluindo as escolares) ao se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos e resolver problemas. 6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao seu projeto de vida pessoal, profissional e social, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. 7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos e a consciência socioambiental em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, reconhecendo suas.
Nas competências 5 a 8, o foco dessa lógica está no desenvolvimento da cultura digital, para o aprendizado com as ferramentas tecnológicas, mas também no desenvolvimento de formas de pensar sobre como são feitas. Além disso, a valorização da diversidade cultural está delimitada por escolhas autônomas e responsáveis acerca dos projetos de vida, argumentando por meio de fatos confiáveis, defendendo ideias e respeitando os direitos humanos, com postura ética. Essa postura inclui o fortalecimento do cuidado com o desenvolvimento pessoal, autoconhecimento e autocuidado. Contudo, esbarra-se em enunciações sobre as práticas contextuais, sem indicá-las, também, como prática contextual que opera o controle do conhecimento.
Essa mesma operação percorre as próximas competências:
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual deve se comprometer. 10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões, com base nos conhecimentos construídos na escola, segundo princípios éticos democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. (BRASIL, 2017, p. 18, 19).
No conjunto, essas competências assumem uma perspectiva de estruturação do currículo, via controle do conhecimento e do contexto, visando ao domínio do outro, hegemonizado na perspectiva das suas características sociais, culturais e individuais e seus interesses, de modo que todas as áreas do conhecimento sejam trabalhadas a partir e por meio daquilo que já sabem e/ou gostariam de saber.
Destacamos, para confirmar essa análise, a sexta e a nona competências gerais da BNCC:
Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao seu projeto de vida pessoal, profissional e social, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade (BRASIL, 2017, p.7).
Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões, com base nos conhecimentos construídos na escola, segundo princípios éticos democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários (BRASIL, 2017, p.8).
Parece-nos relevante refletir sobre essa perspectiva, uma vez que esse outro, personificado no aluno, deve, ao longo e ao final da sua escolarização, estar pronto para resolver problemas nos diferentes âmbitos pessoais, profissionais e sociais, assim como ser protagonista da sua própria história. Estamos diante do exercício de violência simbólica, de inculcação de arbítrios culturais, bem como da necessidade de que as relações de força têm de se ocultar sob a forma de relações simbólicas.
As relações simbólicas, no espaço e no tempo escolar da educação especial, fundadas na adaptação, flexibilização e/ou adequação curricular9, operadas pela separação entre teoria e prática, sustentam-se por um habitus delineado entre o inconsciente-condicionado e o intencional-calculado. O primeiro funciona como aquilo sobre o que todos os agentes estão de acordo e abrange tudo aquilo que é admitido como ‘sendo assim mesmo’. O segundo possui uma gramática geradora da conduta, ou seja, atua como um sistema de esquemas interiorizados que permitem engendrar todos os pensamentos, as percepções e as ações características de uma cultura, a da deficiência.
Esse delineamento tem atualizado uma conversação complexa, alimentada, por um lado, de crença/descrença, de concordância/oposição na predominância das práticas e recursos, em detrimento dos conhecimentos científicos. Por outro lado, da construção do padrão imaginário do aluno com deficiência, orientado por comportamentos e atitudes aproximados do comum, que secundarizam a importância do acesso aos conhecimentos científicos.
Talvez tal conversação explicite as lutas simbólicas desenvolvidas nos discursos das adaptações, flexibilizações e/ou adequações propostas em objetivos descritos para determinadas áreas de conhecimento, ao mesmo tempo que responde às condições pedagógicas tanto dos agentes diretamente envolvidos no processo de sua produção (professores), quanto das condições sociais dos agentes que seriam os seus eventuais consumidores (estudantes).
Só se consegue descrever verdadeiramente a relação entre os agentes e o mundo sob a condição de colocar em seu centro o corpo, e o processo de incorporação ignorado tanto pelo objetivismo fisicalista como pelo subjetivismo marginalista. As estruturas do espaço social (ou dos campos) modelam os corpos inculcando-lhes, por meio dos condicionamentos vinculados a uma posição nesse espaço, as estruturas cognitivas que esses lhes aplicam (BOURDIEU, 2001, p. 222, grifo nosso).
Em outras palavras, a síntese geral do diálogo da educação especial com o currículo atualiza-se na BNCC pelos princípios do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA), preconizados pela ação de proporcionar diversos meios para a aprendizagem e diferentes formas para a expressão do aprendizado, para a manutenção da motivação e da permanência dos estudantes. Contudo, tais princípios parecem transitar entre a impossibilidade lógica e o erro controlado: a primeira, alimentada por um currículo que continua privilegiando o aluno idealizado e o mito das classes homogêneas; o segundo, reforçado na ausência de estruturas suficientes para garantir a permanência na escola, ou a inclusão escolar.
Dessa forma, a premissa de que há uma relação de comunicação (paridade) entre a autoridade pedagógica e quem a ela se submete pode ser ilusória. Isso porque encontramos a desmistificação de duas ideologias, que ainda norteiam as políticas de educação: o ‘economicismo’, ligação estreita entre a escola e o sistema produtivo, considera que o sistema de ensino é um produtor de especialistas sob medida, num tempo desejado; a ‘neutralidade’, reprodução dos valores nacionais, está assente na meritocracia (ideologia do dom), que não se apreende em pessoas com deficiência.
Reconhecemos os discursos de igualdade e inclusão como político-curriculares, compreendidos como uma manifestação particular e circunscrita, não aproximada da sutileza e da complexidade das necessidades dos estudantes com deficiência. O que leva novamente a uma teorização negligente quanto à significação dos agentes (professores e estudantes) e a uma prática edificada na reconfiguração dos padrões de conduta e dos sistemas de relações, que se reproduzem sem os necessários entrelaçamentos situacionais (orientações reflexivas + manobras práticas).
Esses discursos encontram-se aproximados da noção de ‘inovação’ de visões de crença/descrença e de concordância/oposição para o trabalho conjunto dos professores e suas práticas. Isso posto, questionamos a BNCC como prática de significados distintos e multirreferenciados, concebidos a partir de um processo que admite uma lógica de construção que insiste em não se distanciar da
luta pela conservação ou pela transformação do mundo social por meio da conservação ou da transformação da visão do mundo social ou, mais precisamente, pela conservação ou pela transformação das divisões estabelecidas entre as classes por meio da transformação ou da conservação dos sistemas de classificação que são a sua forma incorporada e das instituições que contribuem para perpetuar a classificação em vigor, legitimando-a” (BOURDIEU, 1989, p. 174).
Tais entrelaçamentos consolidam-se em relações simbólicas, simultaneamente autônomas e dependentes das relações de força. Nesse contexto, toda a ação pedagógica será considerada como uma violência simbólica, porque imposta por um poder arbitrário, oriundo de um arbítrio cultural. Dito de outra forma, na escola existe um tipo de currículo, de comportamento e de racionalidade que, na grande maioria dos casos, não se assemelham à condição do estudante com deficiência.
Doxa douta e seus capitais: “atravessando” o sentido curricular tradicional
Nos espaços de relações objetivas, que possuem uma lógica própria, passamos à procura pela doxa douta, a fim de operar com o entendimento, a denúncia e o combate aos processos de transcrição do discurso do senso comum, travestida de caráter científico, acerca da construção do diálogo entre currículo e educação especial. Desse lugar, questionamos todos os pressupostos e variáveis possíveis, alicerçados na sua formação e na censura (ou seria segurança?) do establishment especializado pelas/nas deficiências.
Para o establishment, as relações entre a deficiência, a história, a sociedade, a cultura, a política, a economia, a educação e a escola antecipam instrumentos de construção de uma postura meio científica, que aceita, sem exame, categorias de percepção, entre elas as próprias deficiências, ligadas a um estado do mundo douto. Formam-se conceitos semiconstruídos, mais ou menos diretamente tirados do mundo social.
Tal doxa douta vai além de um instrumento curricular, penetrando de diferentes formas nas áreas de interesses, ao aproximar a educação especial das discussões sobre/de currículo, essas últimas tornadas pauta de agendas políticas (federais, estaduais e municipais). As agendas, nesse território, orientam-se por noções de capital escolar, portanto, simbólico e social, cujo lucro (simbólico) pedagógico arquiteta uma situação de comunicação no desenvolvimento curricular, sem, contudo, entendê-lo como
processo de construção que envolve pessoas e procedimentos acerca destas interrogações: Quem toma decisões acerca das questões curriculares? Que escolhas são feitas e que decisões são tomadas? Como é que estas decisões são traduzidas na elaboração, realização e avaliação de projetos de formação? (PACHECO, 2005, p. 48).
A noção de currículo nacional ou subnacional, como tentativa de resposta a essas questões, está associada não somente às suas proposições concretas, por meio das atividades de ensino e avaliação prescritas, ou aos estudos acadêmicos que abordam suas diferentes nuances, mas a todo um aparato institucional presente, mas distante da adaptação, flexibilização e/ou adequação. Acresce-se a isso o seio do aparelho burocrático do Estado, que lhe atribui uma espécie de tarefas, isto é, a melhoria da qualidade da educação e a manutenção do princípio da equidade escolar. Essa tarefa preconiza o “compromisso com os alunos com deficiência, reconhecendo a necessidade de práticas pedagógicas inclusivas e de diferenciação curricular, conforme estabelecido na Lei n. 13.146, de 2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência” (BRASIL, 2017, p. 16).
Nesse caso, dá-se forma a uma representação que invoca um processo de reinvenção e novas possibilidades para a organização pedagógica, entre elas, o caráter de transversalidade da educação especial, fomentada sob um consenso precário em torno de algumas ideias. Tal consenso consagra a “sociodicea”10, fortalecida como imposição da ordem curricular instituída pelo Estado, por meio do exercício da violência simbólica, que atua estabelecendo princípios de visão e de divisão, fomentados aparentemente como naturais e assegurando a submissão dóxica.
Diante disso, universaliza-se o ponto de vista dos detentores do poder de dominação, fomentado pela relação de poder desigual, capaz de ‘fazer coisas com palavras’, particularmente a objetivação do aluno com deficiência (no acesso ao currículo), que deixa de ser o diferente e passa a ser o retrato da equidade (justiça curricular).
Esse ponto de vista alimenta a produção de documento específico, organizado pelo Movimento pela BNCC, intitulado Material complementar para reelaboração dos currículos – Educação Especial/Inclusiva, escrito pelo Instituto Rodrigo Mendes11, que se apresenta como “O conjunto de elementos aqui organizados tem como objetivo subsidiar a criação de documentos curriculares que considerem a transversalidade da Educação Especial como condição para a construção de um Sistema Educacional Inclusivo” (2019, p. 3).
Para alcançar esse objetivo, registra que:
A modalidade da Educação Especial está relacionada à quebra de barreiras e não a determinado componente curricular [...] Os diferentes meios e modos de aprendizagem e ensino devem ser inseridos como ferramentas para acesso ao currículo comum [...] Educação Especial é uma modalidade de ensino que diz respeito à determinada parcela de estudantes e não se constitui em componente curricular diferenciado. (2019, p. 7/8).
Mais uma vez, nessa condição, a educação especial passa ao largo do necessário debate curricular. Isso porque os critérios de seriação e hierarquização dos conhecimentos permanecem inalterados, sem possibilidade de crítica. As ‘concessões’ curriculares feitas aos estudantes com deficiências passam pela banalização de conceitos, pelo esvaziamento de conteúdo epistemológico e pela baixa expectativa na avaliação da aprendizagem, invertendo-se a perspectiva inclusiva e criando-se a exclusão velada.
Em que pese tal inversão, não negamos a existência de orientações para a adoção e a implementação de currículos abertos e flexíveis, para atender a diversidade dos estudantes incluídos na escola, mas que não conseguem problematizar o currículo oficial a ponto de garantir o acesso ao conhecimento no/pelo envolvimento nas atividades da classe. Construímos tal afirmação exatamente porque as possibilidades de abertura e flexibilidades encontram-se delineadas nas Competências Gerais e Específicas (em áreas de conhecimento), trazidas pela BNCC, particularmente aquelas que tratam da diversidade, a saber:
Competências Gerais
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.
Competências Específicas
Linguagens - 5. Desenvolver o senso estético para reconhecer, fruir e respeitar as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, inclusive aquelas pertencentes ao patrimônio cultural da humanidade, bem como participar de práticas diversificadas, individuais e coletivas, da produção artístico-cultural, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas.
Matemática - 7. Desenvolver e/ou discutir projetos que abordem, sobretudo, questões de urgência social, com base em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e solidários, valorizando a diversidade de opiniões de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza.
Alinhados aos requisitos da Base, currículos abertos e flexíveis se traduzem, preferencialmente, pelo exercício da ação pedagógica, pensada na possibilidade de uma relação de comunicação, mas distante do acesso ao conhecimento científico. Essa distância concretiza-se na inculcação (ato de sugerir significações deduzidas de um princípio universal lógico ou biológico, a diversidade) e na imposição (poder arbitrário de impor um arbítrio cultural, a equidade) como conceitos presentes, mas que não pertencem ao conceito de comunicação, pois esta pressupõe uma relação de igualdade entre os interlocutores, que não se evidencia na relação pedagógica.
Isso se verifica no acesso aos conhecimentos curriculares, por parte dos deficientes, e denota a forma errônea de pensarmos que se estabelece uma verdadeira relação de comunicação entre quem exerce a ação pedagógica e quem está sujeito a essa ação. Essa situação, ainda, remete-se ao Apoio Educacional Especializado (AEE)12 que, em última instância, fortalece a concepção de currículo adaptado e flexibilizado nas salas de recursos multifuncionais, recorrendo a meios diretos de constrangimento, na imposição de significações. Exemplo disso é a proposição de materiais pedagógicos em acordo com a habilidade:
Matemática (EF02MA15) Reconhecer, comparar e nomear figuras planas (círculo, quadrado, retângulo e triângulo), por meio de características comuns, em desenhos apresentados em diferentes disposições ou em sólidos geométricos.
Ciências (EF05CI08) Organizar um cardápio equilibrado com base nas características dos grupos alimentares (nutrientes e calorias) e nas necessidades individuais (atividades realizadas, idade, sexo etc.) para a manutenção da saúde do organismo.
Não obstante, o AEE representa os processos micropolíticos da política curricular, projeta identidades pedagógicas e orienta a produção do conhecimento especializado, restrito a um desenho que ignora o poder do currículo escrito oficial e singulariza uma série de mecanismos simbólicos e materiais, que caracterizam a educação especial como um ‘serviço’ cujo acesso ao currículo (e, hipoteticamente, ao conhecimento) não pode ser colocado em prática.
Esse acesso figura como complementar ao que acontece na sala de aula comum, em uma espécie de desenvolvimento das potencialidades cognitivas dos estudantes, por meio de jogos e estratégias lúdicas, sem conexão com os conteúdos da sala de aula:
Estratégias para o desenvolvimento de processos mentais – promoção de atividades que ampliem as estruturas cognitivas facilitadoras da aprendizagem nos mais diversos campos do conhecimento, para o desenvolvimento da autonomia e da independência do estudante frente às diferentes situações no contexto escolar. A ampliação dessas estratégias para o desenvolvimento dos processos mentais possibilita maior interação entre os estudantes, o que promove a construção coletiva de novos saberes na sala de aula comum (MEC/INEP, 2014, p. 04).
Depreendemos, dessa “construção coletiva de novos saberes”, que o conhecimento escolar, no universo da educação especial, passa a ser uma criação prática e específica do AEE, não se aproximando do contexto das discussões sobre a seleção, a organização e a distribuição de conhecimento científico, oportunizando a “hysteresis de habitus” (BOURDIEU, 1972).
Por meio da “hysteresis de habitus”, mantêm-se estratégias incompatíveis com as ‘regras do jogo’, propondo determinados conteúdos e modos de relação com o currículo como sendo ‘legítimos’, ‘corretos’ e ‘naturais’, devido às deficiências, à adaptação, à flexibilização e/ou à adequação. Essa mesma proposição, que se pretende universal, não se percebe como um “veículo consagrado de uma cultura consagrada” (BOURDIEU, 2008, p. 55), a partir da qual se observam e se analisam todas e quaisquer práticas,
sempre expostas a receber sanções negativas, por isso há um "reforço secundário negativo" em relação ao ambiente ao qual elas são objetivamente ajustadas [...] mas os hábitos que são produzidos de acordo com os modos das diferentes gerações, isto é, pelas condições de existência que, impondo diferentes definições do impossível, do possível, do provável e do certo, tendem a dar como práticas naturais e razoáveis as práticas ou aspirações que os outros sentem como impensáveis ou ultrajantes e vice-versa. (BOURDIEU, 1972, p. 178, Tradução nossa13).
A arbitrariedade desses modos de relação, muitas vezes, confunde-se com os substancialismos que conduzem e eternizam as relações significantes entre os iguais e os diferentes, depositadas dentro de corpos individuais, na forma de esquemas mentais de percepção e apreciação (cuja articulação, em camadas, compõe o habitus), por meio dos quais eles experimentam internamente e constroem ativamente o mundo vivido.
Nos limites das análises (ou Notas Finais)
Nos limites desta análise, fomos convidados a pensar sobre as condições que obstaculizam a relação entre a educação especial e o currículo, como resultantes de formas de representação da legitimidade simbólica do papel do conhecimento como mecanismo de reprodução social.
Apreendemos que a vigilância continua sendo indispensável e passa, necessariamente, pela autoridade pedagógica, particularmente a curricular, que exerce sempre violência simbólica, com reconhecimento social, com o efeito de assegurar o valor social da ação pedagógica.
Dessa forma, todo o emissor pedagógico (o currículo) detém a autoridade pedagógica que lhe é automaticamente garantida pela tradição, pelas instituições e pela posição que nelas ocupa. Tal tradição implica o questionamento do conhecimento, do poder e da identidade das deficiências e de problemas referentes à escolarização pelo/no currículo oficial, tomado como espaço de construção, onde a produção dos discursos reflete as desigualdades existentes, mas reatualiza os jogos com os espaços de contestação.
Nessa reatualização paira, ainda, a illusio14 de que o ingresso dos estudantes com deficiência nas escolas solicita um currículo escolar especializado, ou oculto, revestido de expectativas não oficiais e de resultados de aprendizagens não previstos, tomando as mensagens implícitas presentes na estrutura escolar.
Tal illusio desencadeia um processo de tratamento superficial das condições de acesso aos conhecimentos científicos, que constituem o currículo e desenham o processo de escolarização, em nome da valorização da engenharia de procedimentos na construção das adaptações, flexibilizações e/ou adequações, indicando a prática pela prática.
Desse modo, a prática pela prática atualiza os ‘excluídos do interior’, reatualizando as vias da ‘relegação’, sem perspectivas concretas de acesso ao conhecimento, incrementando, necessariamente, uma cultura escolar rotinizada, homogeneizada e ritualizada. Os exercícios repetidos são estereotipados e têm como finalidade a criação de habitus. Todo o habitus a inculcar engendra uma ação pedagógica, que reproduz a cultura dominante, reproduzindo também as relações de poder do grupo instituído como ‘normal’.
O ensino preconizado nessa ação pedagógica tende a assegurar o monopólio da violência simbólica legítima, na medida em que impõe e inculca arbítrios culturais de um modo, também ele, arbitrário, por meio das solicitações curriculares de adaptações, flexibilizações e/ou adequações.
O poder de violência simbólica é exercido na base da educação especial e da autoridade de um currículo, considerado legítimo, que não se alimenta de conhecimento científico, mas de modos de imposição, cujo conteúdo instituído e o público ao qual ele se estabelece perscrutam a autonomia. Tal autonomia encontra-se no hiato temporal em que o currículo reproduz as mudanças nos padrões sociais. Em alguns casos, essas são pouco adequadas às demandas emergentes da economia e contrapostas aos postulados culturais e científicos hegemônicos.
Nesse contexto, destacamos que o exercício da ação pedagógica e da autoridade pedagógica se torna eficaz sobre ‘os deficientes’ quanto mais ajustado ao modelo cultural inculcado, delineado por formas diretas de coerção. Ao mesmo tempo, não negamos as fundamentações, quer sob as perspectivas funcionalistas da educação como meio de integração cultural e social, conforme Durkheim, quer nas correntes neoestruturalistas do sistema de ensino como instrumento do aparelho ideológico do Estado, de Althusser (1987) ou de Baudelot e Establet (2004).
Contudo, sua riqueza analítica, inscrita no modo propriamente sociológico de articular altos níveis de abstração argumentativa e uma profusão de dados empíricos, reveste-se de um interesse singular no pluralismo curricular. Tampouco negamos a possibilidade de o currículo se fundar em uma razão universal, mas advogamos que, em última instância, são as relações de poder que atribuem sentido e conteúdo aos processos de distribuição de conhecimentos, legitimando-os e hierarquizando-os.
Por fim, como produto das estruturas de poder, os discursos político-curriculares estão orientados para a formação de um habitus (o mais duradouro, transferível e exaustivo possível), cujo círculo reprodutivo tende a fechar-se, uma vez que apenas aquele que interiorizou suficientemente o arbitrário cultural é considerado apto para transmiti-lo às gerações seguintes. Nessa transmissão, a reprodução encontra-se exercida em um sentido oculto, para o qual o êxito de todos os currículos supõe um conjunto de apropriações prévias, portanto, dependente do arbitrário cultural que o impõe. Os currículos ficam, por conseguinte, reduzidos à sua especificidade histórica, unilinear e universal, que os informa como sistema autônomo e original, porque relativo a um traço distintivo da vida humana, a escolarização.
Referências
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Notas
[1] Escrita Comparada de análise de discursos políticos-curriculares: Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e produção intelectual de crítica, pesquisa financiada pelo CNPq na modalidade Bolsa Produtividade.
2 Fundação presidida por Jorge Lemann, bilionário brasileiro que se encontra na lista da Revista Forbes como o homem mais rico do Brasil, que organiza Grupo não governamental e apartidário de pessoas, organizações e entidades que, desde 2013, se dedica à causa da construção e implementação da BNCC e do Novo Ensino Médio. Tal Grupo busca promover uma educação pública de qualidade para todas as crianças e jovens brasileiros.
3 Apreendida sob a perspectiva de Warde (2013), isto é, “como um campo de investigação amplo, complexo e difuso no qual todos os sujeitos, todas as práticas e todos os artefatos teriam equivalente relevância” (p. 42).
4 A educação especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola regular, promovendo o atendimento aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nesses casos e em outros, como nos transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento desses estudantes.
5 Denominar e designar não consistem apenas em atribuir um nome. São também maneiras de atribuir características às pessoas, quer isso seja explícito ou não para aquele que designa e para o que é designado. Formulando mais diretamente, certas designações funcionam como uma concepção negativa das pessoas
6 “Representa a relação direta com o mundo ordinário, relação nem sempre valorizada pela filosofia e as ciências sociais. O senso comum é um “sentido do comum”, isto é, um conhecimento prático, uma atividade cognitiva que não deve ser concebida como uma operação intelectual, mas como uma faculdade de conhecimento imediato e intuitivo, que diz respeito a um sentido prático, à construção do “conhecimento sem conceito” (CHEVALLIER e CHAUVIRÉ, 2010, p. 138).
7 Interesses e experiências incapazes de romper com os determinismos sociais ditados pela classe de origem, assim como os de origem biológica. Há uma espécie de profetismo sociológico inelutável, que não parece muito consoante com os ‘novos tempos’.
8 As dez (10) competências gerais, que se inter-relacionam e perpassam todos os componentes curriculares, definidas pela Base Nacional Comum Curricular (2017) como referência de uma educação de qualidade.
9 A adaptação refere-se às organizações didática, espacial, procedimental, metodológica, avaliativa e temporal da sala de aula, bem como a eliminação e a introdução de objetivos, de conteúdos, de metodologias e de recursos específicos. Diante disso, encontra-se nas “[...] modificações espontaneamente realizadas pelos professores e, também, em todas as estratégias que são intencionalmente organizadas para dar respostas às necessidades de cada aluno, particularmente dos que apresentam dificuldades na aprendizagem” (BRASIL, 2006). As flexibilizações e/ou adequações não consistem simplesmente em modificar as atividades, contudo, “requerem que as mudanças nas práticas educacionais e nos componentes curriculares (objetivos, conteúdos, avaliação) estejam de acordo com o PPP e se comprometam com a qualidade educacional” (FONSECA; CAPELLINI; LOPES JÚNIOR, 2010).
10 Conceito proposto por Bourdieu (2004) ao nomear as estratégias discursivas que funcionam como mecanismos de defesa do quadro institucional, a ordem social existente e as condições vantajosas de quem lida em posições de privilégio ou bênção.
[1]1 Organização Não Governamental sem fins lucrativos, fundada em 1994, na cidade de São Paulo, com a missão de colaborar para que toda pessoa com deficiência tenha uma educação de qualidade na escola comum.
12 Serviço que assegura um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, etapas e modalidades.
13 “le pratiques s’exposent toujours à recevoir des sanctions négatives, donc um “renforcement secondaire négatif”, lorsque l’environnement auquel elles sont objectivement ajustées. On comprend dans la même logique que les conflits de génération opposent, non point des classes d´âge séparées par des propriétés de nature, mais des habitus qui sont produits selon des modes de génération différents, c’est-à-dire par des conditions d’existence qui, en imposant des définitions différentes de l’impossible, du possible, du probable e du certain, donnent à éprouver aux uns comme naturelles ou raisonables des pratiques ou des aspirations que lês autres ressentent comme impensables ou scandaleuses et inversement. (BOURDIEU, 1972, p. 178).
14 Conhecimento prático (e não propriamente racional) que permite ao sujeito mobilizar as ações organizadas em seu habitus instantaneamente.